Sumário

Sumário do livro Estereótipos



Apresentação	
1.1. A história	
1.2. Conceitos básicos
1.3. Noções adicionais
1.4 Premissas e fundamentos
1.5. O plano da obra

2. Os estereótipos na história	
2.1.Uma dificuldade decisiva	
2.2.Antes da história: sobre explosões, galáxias, humanos e sociedades
 2.2.1.Era cosmolóragica	
 2.2.2.Era cambriana	
 2.2.3.Primatas	
 2.2.4.Hominídeos	
 2.2.5.Era do sapiens	
 2.2.6.A grande viagem	
2.3.Uma breve digressão histórica	
 2.3.1.Sociedades tradicionais	
 2.3.2.Mundo antigo	
   Ambientes, tipos humanos e hierarquias
   Os estereótipos na Antiguidade	
   Conclusões sobre os estereótipos na idade antiga	
 2.3.3.Mundo medieval	
   Identidade e imagens nacionais	
   Os estereótipos e o conhecimento	
   Classificações e taxionomias	
   Novas categorias	
   Raça e sangue	
   Conclusões sobre os estereótipos no período medieval	
 2.3.4.Período moderno	
   Navegações e descobertas	
   Colonizar	
   Escravizar
   Iluminar	
   Conclusões sobre os estereótipos no período moderno
 2.3.5.Mundo contemporâneo	
   Ciência, raça e tipos humanos	
   Exposições e zoológicos	
   Uma mãozinha para a natureza	
   A afirmação da raça	
   Conclusões sobre os estereótipos no período contemporâneo
2.4. O que a história pode nos ensinar acerca dos estereótipos?	

3. O estudo científico dos estereótipos		
3.1.O modelo atitudinal: uma antiga concepção ainda prevalente	
3.2.O período atitudinal: das descrições à metáfora da distorção (1920-1970)
   3.2.1.Continuidades e desdobramentos
   3.2.2.Ajustes e aperfeiçoamentos	
   3.2.3.Das descrições à procura de uma teoria
   3.2.4.Em direção a modelos mais elaborados	
   3.2.5.Das descrições às teorias: dificuldades e alternativas	
   3.2.6.Os estereótipos nos anos 1960: mudanças e transformações	
   3.2.7.Os estereótipos em um mundo marcado por conflitos	
   3.2.8.Os estudos sobre os estereótipos no final do período atitudinal		
3.3. Em busca de teorias unificadoras	 
 3.3.1.Perspectivas individualistas: a cognição social	
   3.3.1.1.A ênfase no método	
 3.3.2.Perspectivas contextualistas: estereótipos, relações intergrupais e ameaças	
   3.3.2.1.Categorização social	
   3.3.2.2.Identidade social	
   3.3.2.3.Autocategorização	
   3.3.2.4.Ameaças reais e percebidas	
3.4. Especialização e múltiplos níveis	
 3.4.1.Evolução e genética	
 3.4.2.Sistemas neurais e endócrinos	
 3.4.3.Processos psicológicos	
   3.4.3.1.Do mundo justo à legitimação do sistema	
   3.4.3.2.Gerenciamento do terror	
   3.4.3.3.Teorias fundamentadas nos afetos	
3.5.Sínteses e pluralidades
 3.5.1.Revisões sistemáticas	
 3.5.2.Como abandonar o mundo estratificado e se inserir num universo multidimensional?	
3.6.Dissenções e conflitos	
 3.6.1.Imigrações e guerra ao terror	
 3.6.2.Bots e big data	
3.7.Conclusões sobre os estudos científicos dos estereótipos	

4. Uma nova definição
4.1. Pressupostos	
4.2. Classificação dos estudos sobre os estereótipos
4.3. As dimensões fundamentais: entitatividade e teorias implícitas	
 4.3.1.Os estereótipos e a entitatividade	
 4.3.2.Os estereótipos e as teorias implícitas	
 4.3.3.Os estereótipos entre a entitatividade e as teorias implícitas	
4.4.Cenários, entes e eventos	
 4.4.1.Entes e eventos	
 4.4.2.Cenários	
 4.4.3.Formalização do modelo	
 4.4.4.Criação computadorizada dos cenários de teste	
 4.4.5.Considerações gerais sobre o teste do modelo	
4.5.Para que modelos?	
4.6.Em direção ao modelo dos acoplamentos alternados

5. A sobrevivência dos estereótipos no século XXI
5.1.Aqui estamos
 5.1.1.Estereótipos, internet, humor e esportes
5.2. Diluir? Reduzir? Combater?
 5.2.1.Contabilidade e conversão
 5.2.2.Ídolos!
 5.2.3.Armadilhas a serem superadas
 5.2.4.Como superar as armadilhas da credulidade
 5.2.5.Oferta da informação e redução da ignorância
5.3.Modalidades de intervenção
 Agregados
   Educação antiviés
   Produtos midiáticos de entretenimento
 Categorias sociais	
   X-categorização	
   Dessensibilização e terapia	
   Valores e fortalecimento do eu
   Treinamento antiviés
 Grupos sociais	
   Contatos reais, imaginários e antecipados	
   Estratégias colaborativas	
   Resolução de conflitos	
5.4.Uma gota de otimismo em um mundo pessimista	
5.5.O futuro que nos aguarda	

Referências


Retornando ao blog

Após um longo tempo sem publicar qualquer post, retomamos ao nosso blog para apresentar as versões preliminares do livro eletrônico (e-bookEnfrentando preconceitos e estereótipos. Na escola, no trabalho, nas ruas e os que sobrevivem em cada um de nós.

Clique na opção Enfrentando, no menu, para ganhar acesso a cada um dos capítulos.

Resenha: Dizer não aos estereótipos sociais – As ironias do controlo mental

Gisele D. Alberton

   O artigo inicialmente fornece uma breve introdução a respeito da influência dos estereótipos nas impressões, julgamentos, avaliações e comportamentos, destacando a importância da categorização e estereotipização ao simplificar a percepção social e facilitar o entendimento do observador sobre a realidade social. O estereótipo pode ocorrer de forma espontânea e automática. Assim a autora mostra duas visões no campo das pesquisas em relação ao controle dos estereótipos. Alguns autores defendem que o controle do pensamento estereotipado mesmo sendo difícil pode ser realizado e outros que a tentativa consciente de controlar o preconceito pode não ser conseguida com sucesso, e ainda, aumentar os pensamentos e respostas estereotipadas comparado com uma situação em que não houve tentativa de controle dos pensamentos estereotipados.
Este artigo de revisão intitulado como “Dizer <<não>> aos estereótipos sociais: As ironias do controle mental” cuja autoria é de Dora Luisa Geraldes Bernardes (2003) tem o objetivo de apresentar uma revisão teórica sobre os mecanismos de supressão dos estereótipos e das condições em que este leva ou não a consequências indesejadas. Para alcançar o objetivo citado a autora faz incursões sobre a ativação e uso dos estereótipos, os mecanismos de controle mental, as consequências da supressão dos estereótipos e as influências de moderadores para diminuir o efeito ricochete após a supressão.
Em relação à propensão para o uso de estereótipos Bernardes argumenta que o conhecimento das pessoas sobre um determinado grupo social forma o estereótipo sobre os mesmos. Essa informação é armazenada na memória e influencia a percepção e os comportamentos dos indivíduos em relação ao grupo e aos seus membros. Baseada nas ideias de Macrae (1994) a autora argumenta que os estereótipos servem para simplificar a percepção, julgamentos e ação. Este processo dá sentido ao ambiente social. Por outro lado, os estereótipos podem enviesar as percepções sociais sem que os indivíduos tenham consciência ou intenção e causar sérios danos a relações sociais. A partir de estereótipos os indivíduos podem ter a tendência a responder ao alvo estereotipado constrangendo seu comportamento e os indivíduos que são alvos podem inclinar-se a responder de modo consistente com o estereótipo (Word, Zana, & Cooper, 1974).
No que se refere aos mecanismos de controle mental a autora destaca que na tentativa de controlar as respostas, as pessoas tentam abolir os pensamentos estereotipados da consciência suprimindo-os. No entanto, essa tentativa pode fazer com este mesmo pensamento fique mais acessível. Para exemplificar sua argumentação ela busca o modelo de Wegner (1994; Wegner & Erber, 1992) explicando que é formado por dois processos cognitivos, a monitorização que busca investigar na consciência qualquer sinal do pensamento estereotipado e a reorientação da consciência que é garantir o afastamento do pensamento indesejado e focar a atenção em outro pensamento. Uma questão que a autora levanta é que enquanto o primeiro processo opera de forma automática e eficiente, o segundo requer recursos cognitivos adequados, o que não acontece de forma frequente. Outra questão é que para o indivíduo detectar o pensamento indesejado ele deve estar consciente daquilo que deseja suprimir, o que pode fazê-lo acessar muitas vezes este pensamento. O efeito irônico que a autora se refere nesse artigo é chamado de ricochete (Wegner, 1994), ou seja, a estratégia de supressão que ao mesmo tempo é uma tentativa de frear o pensamento estereotipado, também estimula o indivíduo a acessá-lo mais vezes. Por este motivo a autora questiona se é possível de fato controlar o uso dos estereótipos e erros perceptuais que estão associados aos mesmos.
Sobre as consequências da supressão dos estereótipos a autora salienta que esses pensamentos ao serem suprimidos retornam à consciência e têm impacto nas avaliações e nos comportamentos dos indivíduos em relação aos grupos. Uma segunda consequência é sobre a supressão espontânea do estereótipo. Tentativas de supressão induzidas pela situação podem aumentar a consciência das normas culturais contra a estereotipização e o preconceito através de pistas situacionais, e assim, estimular esforços espontâneos de supressão dos estereótipos. No que tange a consequências na memória, Bernardes evidencia que a supressão do pensamento estereotípico requer maior atenção, gastando uma quantidade significativa de recursos.
Nos argumentos apresentados pela autora percebe-se que a supressão pode levar a resultados indesejados como a maior acessibilidade ao pensamento que se quer suprimir. No entanto, ela nos apresenta outro grupo de autores que defendem a possibilidade de suprimir esses pensamentos sem o efeito ricochete. Ela foca em elementos que podem moderar esse efeito após a supressão dos estereótipos. Um deles é a mediação da atitude pessoal no efeito que a supressão exerce na acessibilidade ao estereótipo. Pessoas com crenças de que não aceitam estereótipos e preconceitos evitam estereotipizar os outros porque elas acreditam que os estereótipos vão contra suas crenças de justiça e igualdade. O segundo elemento são os objetivos de processamento que podem contribuir para o indivíduo não aplicá-los.
A autora aponta alguns fatores que permitem explicar porque motivo indivíduos com baixo preconceito são capazes de evitar sua ativação. Nessas pessoas há probabilidade de não chegar a ocorrer, assim o efeito ricochete será totalmente evitado. Outra possibilidade é que os estereótipos sejam brevemente ativados, e posteriormente, elas sejam eficazes em suprimi-los, não se verificando tal efeito. Outro fator seria a motivação para inibir os estereótipos. Apesar de indivíduos com baixo preconceito terem sucesso a evitar o efeito ricochete, um aspecto importante a considerar na motivação é a distinção entre interna e externa. Quando a motivação é interna para controlar o preconceito, a discrepância com as crenças pessoais leva a sentimentos de culpa e auto recriminação. Quando a motivação é externa, a discrepância leva a sentimentos de ameaça e medo. Quanto mais baixo o nível de preconceito mais forte é a motivação interna para controlar o preconceito. As normas sociais salientes também podem servir como uma fonte reguladora de motivação externa para diminuir os estereótipos após o período de supressão.
Além destes fatores citados anteriormente a autora apresenta estratégias alternativas à supressão do estereótipo. Ela argumenta que indivíduos com baixo nível de preconceito podem recorrer a outras estratégias de controle dos pensamentos para evitar o efeito ricochete, as quais seriam:
a) a substituição do pensamento estereotipado: mais do que suprimir os pensamentos indesejados esses pensamentos podem ser substituídos por crenças igualitárias. A disponibilidade de pensamentos substitutos previne a ocorrência do efeito ricochete. No caso das pessoas com alto preconceito suas crenças pessoais são fortemente estereotípicas ficam sem pensamentos disponíveis que possam substituir os pensamentos intrusivos.
b) a individuação do alvo: pessoas com baixo preconceito podem procurar informações individuais sobre o alvo e formar impressões com base nessas informações.
Em relação ao segundo elemento citado anteriormente (os objetivos de processamento do indivíduo) indivíduos que têm como objetivo consciente não estereotipizar podem tentar criar outro estado mental e não suprimir o existente. Por exemplo, ao invés de tentar suprimir os estereótipos, eles poderiam adotar pensamentos mais justos com relações igualitárias. Esta estratégia leva o estado de monitorização a procurar pensamentos que não são consistentes com o estado mental reduzindo o efeito irônico.
Através das reflexões de Bernardes há possibilidade de pensar que as pessoas têm determinados conhecimentos sobre os grupos sociais que são considerados ao percebê-los. O problema é que essa informação estereotipa pode enviesar as percepções sociais e causar sérios danos às relações sociais. Desse modo a importância de fazer o controle das respostas estereotipadas reside no fato de que as injustiças sociais que resultam da ativação e uso desses estereótipos podem ser evitadas. Embora a autora afirme através de sua revisão que a supressão poder ser uma estratégia pouco eficaz de autorregulação devido aos seus efeitos irônicos, ainda sim é necessário uma quantidade maior de estudos sobre a mesma já que é um fenômeno complexo que pode ser influenciado por vários fatores como os motivacionais.
A forma de fazer este controle é importante para que seus efeitos a curto e longo prazo possam ser positivos nos contextos sociais. Uma alternativa que a autora traz em suas reflexões é dizer “não” ao estereótipo substituindo os pensamentos estereotipados ou criando outros estados mentais para transformar a informação existente em algo que não prejudique os grupos e seus membros e assim promover relações mais igualitárias. Mas, independente das estratégias o ação de controlar estereótipos e preconceito é um processo necessário, árduo que requer motivação, consciência e recursos cognitivos.
Referência: Bernardes, D. L. G. (2003). Dizer <<não>> aos estereótipos sociais: As ironias do controlo mental. Análise Psicológica, 3, 307-321.

Resenha: cognição, categorização, estereótipos e vida urbana

Leonardo Cardoso de Melo

Nesse artigo, o autor se propõe a explorar alguns aspectos envolvidos no processo de formação de representações categóricas e sua relação com julgamentos estereotipados por parte dos indivíduos que habitam grandes centros urbanos. Em sua opinião, o lócus de estudo se justifica em virtude da alta concentração populacional nas metrópoles elevar o grau de complexidade da compreensão do mundo que nos cerca.
Essa compreensão só é possível, segundo os teóricos da cognição, porque possuímos dois sistemas de aprendizagem: um que permite fazer representações de modelos de mundo relativamente constantes, bem como um segundo sistema que complementa o primeiro tornando-nos aptos a responder às mudanças frequentes e características dos espaços urbanos. Sem essa capacidade de categorização estenderíamos ao extremo os limites cognitivos a cada vez que necessitássemos identificar os esquemas de conhecimento sobre o mundo.
Dessa forma, seguimos enquadrando pessoas que acabamos de conhecer de acordo com “crenças gerais e antigas organizadas e armazenadas na memória”, o que só é possível devido a uma modalidade de pensamento dita categórica (p. 281). Nesse sentido, categoria seria a “totalidade de informações que os percebedores possuem na mente sobre uma classe particular de indivíduos” (Moskowitz, 2006, segundo Pereira, 2008, p. 281). O autor ilustra como esse processo de categorização se dá e é fundamental para a nossa orientação diária dando exemplos do cotidiano como quando vamos supermercado, onde encontramos tudo arrumado em seções que teriam um efeito análogo à categorização em nossa mente.
Logo em seguida, Pereira analisa como o pensamento categórico exerce influência sobre a representação social. Esse pensamento teria o papel de guiar a estrutura de conhecimentos acerca do processo de informação que compõem a representação social. Uma vez ativada, essa estrutura de conhecimentos permitem uma série de inferências que envolvem, principalmente, o julgamento e avaliações acerca dos membros de um grupo. Embora essas inferências sejam inerentes à cognição humana, e muitas vezes apropriadas, em boa parte dos casos, elas carregam julgamentos estereotipados como afirma o autor (p. 282). Entretanto o autor salienta que, a despeito da precisão envolvendo a correspondência entre as categorizações que fazemos e os eventos que realmente ocorrem no mundo físico, nossa espécie tem se adaptado relativamente bem ao ambiente, denotando o papel fundamental da categorização em sua sobrevivência por possibilitar que tratemos um “evento novo e inesperado em termos de crenças mais gerais e antigas” (p. 282).
O autor segue descrevendo como tudo que foi dito até agora pode ocorrer no cotidiano citadino. Situações em que podemos evidenciar tanto a confirmação dos estereótipos, bem como as suas controvérsias (p. 283), a exemplo da faxineira que possui o estereótipo de morar em bairro periférico, assim como uma possível contradição caso ela more no apartamento vizinho ao do patrão. Ele aponta que “podem ser encontradas na literatura indicações de que as representações estereotipadas se manifestam de forma menos intensa nos centros urbanos de maior tamanho” (p. 283). O que estaria por trás disso?
A literatura a respeito do tema indica que a vida urbana cria condições para aquisição de informações que muitas vezes põem em xeque concepções estereotipadas. Além disso, por propiciar a relação com as alteridades, algumas obviamente confirmam os estereótipos compartilhados sobre determinada categoria social, “enquanto outras se contrapõem a tudo que se ouviu falar sobre os membros daquele mesmo grupo social” (p. 284).
Entretanto o autor defende a tese de que não é a simples convivência em meio urbano e exposição a uma grande quantidade de informações que reduzirá os índices de estereotipização por parte dos indivíduos, é necessário que haja qualidade nas informações quem nascem do processo de interação social “nos quais são obtidas as informações necessárias para a realização dos julgamentos sociais” (p. 285). Essa qualidade não é privilégio dos grandes centros como ele bem lembra ao afirmar que “alguém pode habitar a maior metrópole do mundo e ser absolutamente desprovido de valores cosmopolitas, assim como pode viver na região mais inóspita e remota do planeta e acolher valores universais” (p. 285).
Por fim, um ponto crucial mencionado pelo autor acerca do processo de categorização merece destaque: nós construímos os fatos sociais e por isso não há realidade própria, já que toda nossa percepção é aprendida. Nesse sentido devemos tomar o cuidado de não extrapolar impondo princípios de uma “realidade social” para uma realidade física. Embora a formação de estereótipos seja algo inerente à condição humana é preciso atentar para esse fato se quisermos evitar preconceitos. Cabe sempre nos perguntarmos se o que penso sobre a realidade é como ela se apresenta, ou é o que desejo que ela seja.

Referências:

Pereira, M. E. Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana. Ciências & Cognição: 13, 5, 280-287, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318280.pdf

Resenha: estereótipos sociais de universitários em relação aos ambientalistas

Lucas Gondim Da Silva

Abalizado por Dias (2000), inicialmente, o texto introduz a temática das relações homem-natureza, relatando que, principalmente através da filosofia, das artes, da ciência e da religião, oriente e ocidente preocupam-se com os problemas ambientais desde a antiguidade. Segundo este mesmo autor, a preocupação ambientalista tem sua divulgação aumentada cada vez mais. O artigo também versa sobre o surgimento de movimentos ambientalistas, que, tidos como marco histórico-político internacional, engendrou-se por conta da tomada de consciência sobre a exploração predatória de recursos naturais e da evidente queda na qualidade ambiental, fruto da busca indiscriminada por lucros.
A proliferação de movimentos ambientalistas e de grupos sociais envolvidos com esta questão é tida como conseqüência da preocupação com essa temática. O fortalecimento dos movimentos ambientais atuais, em suas diversas nuances, é apontado como decorrente da percepção do quadro mundial de degradação ambiental. Viola (1987) é citado como diferenciador de três períodos na história deste movimento no Brasil: de 1974 a 1981, de 1982 a 1985 e a partir de 1986. Neste intere, houve uma transição de um movimento inicialmente apolítico para o surgimento da ecopolítica, com a participação ativa do movimento ecológico na cena partidária. A partir de então, surgem os ambientalistas, que, segundo Grisi (200) apesar da forte ligação com o termo ecologista, tem diferenças significativas, sendo o ambientalista associado ao movimento social de mesmo nome, que prega a valorização dos desejos culturais e da natureza, não unicamente dos meios de produção. Já o ecólogo seria o cientista que estuda a ecologia. Em seguida, o termo ambientalista é explicado pela concepção de mais autores. Chega-se, então, à conclusão de pode referir-se tanto ao interessado pelo meio ambiente como ao envolvido na preservação do meio ambiente. Explicita-se que o artigo refere-se ao ambientalista a partir de suas ações, de sua militância preservacionista.
Na seqüencia, o trabalho introduz a noção de que a questão ambiental é de escopo psicossocial, oferecendo uma breve explicação sobre as inter-relações homem-meio e como esta é usada para atrair a atenção de novos adeptos à causa. Em seguida, fala-se sobre a formação de certas crenças influenciadoras na percepção de determinados grupos sobre os ambientalistas, entre os quais se encontra o grupo de estudantes universitários, foco da pesquisa base deste artigo.
É introduzido, então, o conceito de estereótipos, desde o plano etimológico às definições de vários autores como Tajfel, Turner, Braly, Martinez, Morales e Pereira. Também são relatados estudos acerca dos estereótipos e, então, o artigo tem esclarecido o objetivo de realizar uma investigação exploratória descritiva dos estereótipos, acerca de ambientalistas, com a participação de estudantes universitários.
Na seção de métodos, fala-se sobre a amostra, que contou com 325 estudantes universitários, em média com 24 anos, de ambos os sexos e de cursos de ciências humanas, saúde e tecnologia. O instrumento é apresentado, sendo explicado o processo que vai da avaliação preliminar à verificação de necessidade de ajustes nas instruções, uma segunda versão e posterior correção, resultando em uma folha em branco na qual os participantes deveriam relacionar livremente atributos negativos e positivos dos ambientalistas. O procedimento consistiu em os participantes responderem aos questionários individualmente, com posterior processamento e análise dos dados pelo programa estatístico SPSS.
Em resultados e discussões, esclarece-se o intento de procurar através da palavra estímulo “ambientalistas” averiguar os conteúdos definidores deste construto, objetivando –se achar uma visão socialmente compartilhada sobre estes atores sociais. Através de análises de sinonímias e idiossincrasias, houve a categorização geradora de categorias que expressavam tanto a visão positiva como a visão negativa associada aos ambientalistas e uma terceira categoria, que não se encaixava em visões grupais, sendo por isso descartadas. Após a análise das categorias obtidas, constata-se que as mesmas podem ser estruturadas em núcleos de significação, sendo estes a dimensão política, dimensão ecológica e dimensão pessoal. Cada um desses eixos é interpretado como componente de uma dimensão semântica específica. Esta permite, já num nível interpretativo, compreender a estruturação dos significados em cada núcleo de significação. Tais dados permitiram a organização de atributos de estereotipia.
A análise seguinte permite concluir que há indicadores de estereótipos representativos acerca dos ambientalistas e que, considerando que o estereótipo faz parte da dimensão cognitiva da estrutura atitudinal dos indivíduos, supõe-se que essa visão social interfere diretamente no envolvimento afetivo-avaliativo e comportamental com as questões ambientais. Tal conclusão pode ser verificada empiricamente tanto através do comportamento pró-ambiental como das atitudes frente aos ambientalistas e da formação de discursos diferenciados sobre o tema, mas que se relacionam entre si. Pode-se, então, através do enfoque da Psicologia Social, estudar a preocupação ambiental e promover o melhor entendimento da questão e políticas efetivas no escopo socioambiental. Os resultados obtidos através deste estudo podem contribuir efetivamente para o aumento da eficácia das ações dos ambientalistas junto à opinião pública e também através do conhecimento da dinâmica psicossocial envolvida na questão ambiental.

Referência: Moreira, E., Costa, J., Costa, R. e Araújo, L. Estereótipos sociais de universitários em relação aos ambientalistas. Estudos de Psicologia (PUC-Campinas), 21, 2, 117-127, 2002

Resenha: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Filipe Mateus Duarte

O artigo ao qual a presente resenha se propõe tratar foi desenvolvido por Francisco Leite, em 2008, no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Francisco Leite é bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Salesiana de São Paulo.
O autor divide o artigo em quatro partes, quais sejam: “introdução”; “alguns conceitos relevantes”; “processos automáticos versus controlados”; e, por fim, as “considerações finais”. Basicamente, Leite pretende discutir os efeitos das propagandas contra-intuitivas nas estruturas cognitivas dos indivíduos, mais especificamente no deslocamento de suas crenças, estereótipos e preconceitos.
Leite inicia a introdução definindo o que vem a ser essa modalidade publicitária e recorre ao antropólogo Peter Fry para dizer que esta é a “tentativa deliberada de romper com os antigos estereótipos (…)” (Fry, 2002: 308 apud Leite, 2008: 131). Complementa afirmando que esse tipo de propaganda não está restrito ao politicamente correto, mas busca problematizar as posições cristalizadas pelos produtos da publicidade, nos quais um grupo minoritário é sempre posto num lugar desprivilegiado da narrativa. Na propaganda contra-intuitiva, diz ele, “o indivíduo alvo de estereótipos e preconceito social é alçado ao patamar de protagonista/antagonista e ou destaque do enredo publicitário, posições que antes eram restritas a determinados perfis sociais” (Leite, 2008: 132), desafiando a intuição ou senso comum, como o próprio termo “contra-intuição” (do inglês, counterintuitive) alude. Para o autor, essa manobra é uma tentativa de deslocamento de um conhecimento superficial para um de tipo reflexivo, no qual aqueles estereótipos reforçados constantemente pelos media são questionados e cedem lugar a outras possibilidades nas posições desses indivíduos. Dessa forma, ao senso comum é apresentado o desafio de repensar seus repertórios, contribuindo para o deslocamento de suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos minoritários.
O autor exemplifica citando as posições sociais e comumente conferidas às mulheres, quais sejam, da submissão e da atuação secundária nas esferas públicas; cita, ainda, os indivíduos negros, aos quais são conferidos o lugar da malandragem, da subalternidade e da servidão voluntária e feliz (ponto que será abordado mais à frente a partir do exemplo de uma peça publicitária da Fiat), dentre outros estereótipos e preconceitos reforçados diariamente através dos meios de comunicação publicitária. Assim, a propaganda de “massa social”, termo utilizado pelo autor, é resultado de uma história do comportamento humano.
Mais à frente, Leite utiliza Strozenberg para dizer que “a força de atuação da propaganda pode ou reforçar preconceitos – reproduzindo estereótipos dominantes no discurso social; ou promover e fortalecer novos valores e visões de mundo – abrindo espaço para outras versões da realidade” (2006). A propaganda contra-intuitiva trabalha norteada por esse segundo viés, ainda que guiada, também, por um pressuposto mercadológico. Sua proposta é deslocar o processo de dissociação de estereótipos históricos e presentes no processo de aprendizagem dos indivíduos, em sua memória implícita e explícita, contribuindo para um processo de reavaliação dos pensamentos estereotípicos e das atitudes e comportamentos expressos, que são tidos por esse estilo de discurso como ultrapassados e negativos.
No segundo item do artigo, denominado de “alguns conceitos relevantes”, Leite enfatiza o processo cognitivo da aprendizagem. Nesse momento do texto, o autor afirma que a aprendizagem é eminentemente aquele processo em que as informações já armazenadas na memória do indivíduo dão suporte para a tomada de decisões e escolhas. As etapas do processo de aprendizagem verbal são destacadas pelo autor, que afirma ter início com “um estímulo, seguido por uma resposta e avaliação a este estímulo, sofrendo retroalimentação pela etapa de feedback” (Catania, 1998 apud Leite, 2008: 133). Para exemplificar, cita o exemplo de um enunciado ou mensagem publicitária (estímulo) que sendo de caráter preconceituoso e não eliciando resposta contra-argumentativa por parte do indivíduo presume-se ter sido incorporada por esse indivíduo. Dessa forma, as crenças e valores (negativos e positivos) são determinantes para a contra-argumentação ou incorporação de estereótipos e atitudes. As crenças são estabelecidas no processo de aprendizagem, principalmente nas experiências pessoais dos indivíduos desde sua infância, a partir das mediações de relacionamento (familiar, escolar, midiática, etc.).
Para uma conceituação mais exata daquilo que são as crenças, Leite pensa a partir do conceito de Helmuth Krüger, autor que entende esse constructo como um conteúdo mental de natureza simbólica, cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social.
Outro fenômeno destacado pelo autor é o dos estereótipos, que aparece aqui como uma ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória do indivíduo a pluralidade dos elementos sociais, organizando e facilitando a compreensão da complexidade ambiental. “Os estereótipos surgem como uma capacidade de síntese, condensação e agregação de vários elementos em uma imagem” (Leite, 2008: 134). Para corroborar com essa afirmação, o autor lança mão da caracterização dos estereótipos feita pelo pesquisador Marcos E. Pereira, que se refere a esse fenômeno “como artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos” (Pereira, 2002 apud Leite, 2008: 134). Assim, essa última conceituação ajuda na compreensão daquilo que é objeto desse artigo, os possíveis deslocamentos cognitivos gerados pela recepção dos estímulos contra-intuitivos da narrativa publicitária em estereótipos e atitudes sociais.
Leite afirma que os estereótipos sociais podem ser divididos em uma matriz relacional de atributos positivos e negativos e sofrem, também, duas mobilizações: a que se dirige para o grupo ao qual o indivíduo pertence (auto-estereótipo) e a que indica um grupo distinto (hétero-estereótipo). Além disso, há a dimensão do preconceito, que é sempre da ordem do negativo, pois se caracteriza como uma atitude injusta em relação a um grupo ou pessoa supostamente pertencente a esse grupo. Atitude aqui é entendida como as crenças (componente cognitivo) compostas por carga afetiva (componente afetivo) pró ou contra um determinado objeto social, predispondo o indivíduo a agir (componente comportamental) segundo essa inclinação avaliativa.
A partir desses conceitos (crenças, estereótipos e atitudes) é possível pensar, segundo Leite, na possibilidade de “ocorrência de deslocamentos e mudanças de atitude e comportamento de indivíduos em relação à aplicação de estereótipos negativos a membros e grupos minoritários, mediante a contribuição das informações inseridas em uma comunicação contra-intuitiva” (Leite, 2008: 135), meta principal desse tipo de publicidade.
Mais adiante, no tópico “processos automáticos versus controlados”, o autor dá conta de abordar dois processos fundamentais da estrutura cognitiva do indivíduo diante de um estímulo. Esses dois processos são de fundamental importância para a compreensão de como esses elementos da cognição social se manifestam. Os primeiros, “automáticos”, dizem respeito àqueles comportamentos que não envolvem o controle consciente da atenção (capacidade de concentração da consciência sobre um objeto) ou qualquer esforço cognitivo e intencional.
O segundo processo, “controlado”, vai à linha inversa do anterior, pois demanda do indivíduo certo controle atencional, assim como intencionalidade, ou seja, consciência e esforço cognitivo. “Nesta dinâmica cognitiva, pode-se considerar que os processos automáticos procurariam fazer uma identificação das regularidades de um contexto em longo prazo, sendo incapazes de se adaptar, num curto espaço de tempo, a um determinado estímulo, porém, os processos controlados diante de tal contexto seriam mais flexíveis e predispostos a se adaptar às mudanças propostas por um estímulo” (Leite, 2008: 136).
Leite aponta em seguida que as injustiças sociais são resultantes da ativação automática do uso dos estereótipos e, por isso, proceder no controle de pensamentos estereotípicos negativos pode funcionar como obstáculo à manifestação desses estereótipos. Entretanto, aponta ele, há efeitos nesse procedimento. O efeito ricochete (Wegner, 1994), por exemplo, é um efeito indesejado (irônico), já que resulta no oposto ao que se pretendia através da mensagem: ocorre “quando diante de uma motivação (estímulo) que proponha um “novo/outro” posicionamento (supressão/dissociação) do receptor para um pensamento estereotípico, o indivíduo está no momento desta interação sem recursos cognitivos, sob pressão de tempo, distraído, ou sem motivação psicológica para suprimir o estereótipo negativo em questão” (Leite, 2008: 137). Nesse sentido, ao invés de deslocar ou produzir reavaliações de atitudes, estereótipos e crenças sobre determinados grupos/indivíduos, o resultado é a manutenção e reforçamento de pensamentos preconceituosos. Porém, o autor ressalta que esse efeito não é natural, na medida em que o efeito indesejado pode ser também “resultado do tempo de exposição do indivíduo a mensagem e pela (falta de) justificativa/explicação contundente desta ao indivíduo para não se opor em aceitar a supressão ou dissociação de suas crenças produtoras de pensamentos estereotípicos” (Leite, 2008: 137). Ou seja, crenças centrais são muito difíceis de serem modificadas.
Leite destaca que a propaganda contra-intuitiva está alinhada ao modelo teórico de supressão sugerido por Daniel Wegner, em que há uma intervenção nos processos controlados de processamento de informação, tendo em vista que parte de dois processos: a “monitoração de pensamentos” a evitar e, simultaneamente, o “processo operativo de reorientação da consciência” no sentido de focar a atenção num “pensamento distrator”. Essa orientação teórica propõe reorientar o indivíduo receptor mediante a reflexão sobre suas crenças produtoras de estereótipos sociais negativos.
A peça publicitária “Motorista”, da Fiat do Brasil (ano 2002), é trazida como exemplo do raciocínio que Leite se propõe nesse artigo. A propaganda pretende fazer um jogo de inversão de posições, em que um homem negro bem vestido dirige o novo Palio 2002, levando no banco traseiro uma mulher branca de olhos claros carregando um bebê mestiço no colo. Em seguida, uma amiga dessa mulher a vê e a cumprimenta admirada por vê-la num carro novo e dirigido por motorista – se referindo ao homem negro ao volante. Neste instante, a amiga interpela a outra e informa que virou mãe, mostrando seu filho de cor mestiça. A peça finaliza com o slogan: “Xiii… Está na hora de rever seus conceitos. Principalmente seus conceitos sobre carros”. Essa peça publicitária é exemplificada pelo autor como de natureza contra-intuitiva, já que busca um efeito de deslocamento de estereótipos essencialistas inscritos a grupos sociais. Nesse sentido, é possível perceber que a posição de subalternidade do negro (motorista) é problematizada e enfraquecida nessa campanha, assim como a da mulher branca. Em contrapartida, diz Leite, a mensagem também possibilita o efeito indesejável e irônico, “pois, caso seja mal processada pelo indivíduo devido à pressão de tempo, falta de motivação, baixa atenção etc., essa mensagem pode ser automaticamente um reforço à associação (ligação) abordada para reavaliação” (Leite, 2008: 139).
Caminhando para as considerações finais do artigo, Leite afirma que, ainda assim, ainda que correndo o risco do efeito irônico, a propaganda contra-intuitiva não deixa de estimular a reflexão daquelas percepções enraizadas nas crenças centrais, resultantes do processo de aprendizagem do coletivo social. Esse tipo de manobra comunicacional pode contribuir de forma significativa para desestabilizar os processos automáticos e a ativação de pensamentos estereotípicos negativos, principalmente via monitoramento e reorientação proposto por Wegner. Assim, esse tipo de peça publicitária origina “diferenciadas percepções, associações, atitudes e comportamentos do indivíduo social perante os membros de grupos minoritários” (Leite, 2008: 140), contribuindo para a reavaliação das crenças essencialistas compartilhadas, como no caso da opinião pública e estereótipos sociais.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciências & Cognição (UFRJ), v. 13, p. 131/ 12-141, 2008.

Resenha: Comunicação e cognição – os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Alexandre Lino

O autor inicia o texto conceituando a propaganda contra-intuitiva como sendo aquela que rompe com o padrão socialmente estereotipado de figuras sociais, tais como negros, mulheres e homossexuais. Enquanto propagandas tradicionalistas alçam essas figuras como sendo submissas, relegadas a um papel de segundo plano ou ainda com aspectos e características aberrantes, uma propaganda contra-intuitiva apresentaria um negro em posição de destaque e sucesso, uma mulher enquanto bem sucedida profissionalmente ou um homossexual sem características afeminadas.
A partir daí, ele passa a discorrer sobre a importância e o papel da propaganda como canal de influência positiva e negativa, que perpetua estereótipos ou insere novas modalidades de interpretação da realidade. Assim, o autor postula que exposição a propagandas contra-intuitivas de caráter positivo poderiam causar uma reavaliação da configuração da realidade por parte do espectador, visando assim atualizar sua visão de mundo para moldes mais humanitariamente aceitos, diminuindo o poder dos estereótipos negativos e reforçando os positivos, através do embate entre os estímulos contra-intuitivos e os tradicionalistas.
O autor então discorre sobre o conceito de formação de memória, crenças, estereótipos e da interconexão destes através de nós na estrutura cognitiva, para formar as atitudes. Então ele prossegue discorrendo sobre a importância dos estereótipos como uma ferramenta de percepção da sociedade, de modo a garantir economia de energia psíquica no modo como nos relacionamos com o mundo. Ele então localiza a justificativa de seu trabalho na manutenção de estereótipos através não somente de contatos individuais, mas reforçados pelos meios de comunicação.
Para conectar com isto, ele passa a discorrer sobre o preconceito versus estereótipo. O preconceito é tido como um julgamento sem base de juízo de valor com base em sentimentos e afetos negativos, voltado para um grupo específico de pessoas de forma discriminatória. A combinação entre o preconceito e as crenças pessoais geram atitudes negativas perante os sujeitos destes grupos.
Sendo as atitudes um elo entre os fatores cognitivos, afetivos e comportamentais que um sujeito tem sobre um objeto social, e que a manutenção dos estereótipos pode ser garantida por meios de comunicação, temos aí a importância real das propagandas contra-intuitivas que visem combater o estabelecimento de racismo e discriminação contra grupos minoritários. Para haver uma real avaliação acerca do impacto dessa estratégia de diminuição de preconceito e discriminação, o autor passa a tratar da dicotomia entre processos automáticos versus controlados.
Os processos automáticos são definidos como processos cognitivos que ocorrem em uma fase anterior à tomada de consciência do indivíduo. Servem e atuam para identificar rapidamente a realidade e visam garantir que não despendamos muita energia focando-nos na tarefa em questão, e ocorrem simultaneamente a diversos outros processos, tanto automáticos quanto controlados. Já os processos controlados devem alcançar a tomada de consciência dos mesmos, pois eles exigem esforço e concentração, e demoram consideravelmente mais tempo de serem executados do que os automáticos. É possível que um procedimento que comece como controlado acabe por tornar-se automático, pois este garante a sustentação cognitiva a longo prazo. Por isso mesmo, os processos automáticos são mais rígidos com relação à mudança, visto que já estão tão arraigados no ser que sequer disparam uma reflexão consciente do sujeito.
Vemos aí a importância do trabalho em meios de comunicação de forma contra-intuitiva, pois as atitudes preconceituosas normalmente estão estabelecidas de forma automática para o sujeito, fazendo com que ele tome ações e juízos negativos sem sequer dar-se conta do mesmo. Ao garantirmos uma exposição de realidade contrária à que o sujeito está acostumado a ponderar, ele é capaz de evocar o processo automático e tomar consciência do mesmo, passando a poder tentar controlar e suprimir, ressignificando a sua atitude perante um indivíduo/grupo social. Exceção a essa regra pode ser o surgimento do efeito ricochete, mas que não é normal e surge majoritariamente em momentos em que o sujeito sequer tem foco ou tempo suficiente para executar um juízo de valor acerca da propaganda contra-intuitiva.
O autor então descreve duas peças publicitárias, onde é possível depreender mensagens de revisão de conceitos e do efeito ricochete. No caso da Fiat, ao exibir a mensagem de “reveja seus conceitos”, o sujeito pode tanto ressignificar o papel do negro na sociedade, como também a de que a realidade apresentada é impossível. Na peça da Credicard, vemos que o papel do negro tanto pode ser entendido enquanto bem sucedido, quanto a de manutenção do estereótipo negativo de “preguiçoso”. Para o efeito ser o desejado, é necessário que um indivíduo com alto nível de preconceito esteja em situação de descanso, com tempo, sem outras grandes pressões, para que ele tenha disposição para tentar confrontar as suas perspectivas sobre a sociedade, enquanto um sujeito com baixo índice de preconceito está mais propenso a controlar e suprimir os seus pensamentos estereotípicos.
Ainda que os efeitos e estudos finais não comprovem, o uso da propaganda contra-intuitiva enquanto potencial ferramenta de alteração de preconceitos e atitudes discriminatórias também não é reprovado. De toda sorte, é muito importante que seja uma estratégia desenvolvida, de maneira que possamos ponderar sobre nossas atitudes, se quisermos criar uma sociedade mais justa e equalitária.

LEITE, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13/m318223.pdf, último acesso em 20 de Março de 2013.

Resenha: estereótipos e mulheres na cultura marroquina

Victoria Dourado

O tema a ser tratado se refere ao artigo: “Estereótipos de mulheres na cultura marroquina”, escrito por Fatima Sadiqi e publicado em 2008. O texto se inicia com o tópico “introdução” e apresenta como ponto de partida a explicação de que, inicialmente, o termo “estereótipo” dizia respeito a um molde de impressão usado para reproduzir cópias de um único modelo. Ainda na introdução, o texto traz que no Marrocos os estereótipos são expressões de crenças e valores, mais tarde demonstradas pela autora como inconscientes visto que resultam de uma programação cultural, no caso, a marroquina. O texto se organiza em torno de três tópicos didaticamente elaborados para esclarecer as emblemáticas relações de gênero no contexto islâmico: a primeira aborda os principais componentes da cultura marroquina, a segunda se ocupa dos estereótipos e relações de gênero e, por último, discute às reações das mulheres frente aos estereótipos negativos.

O texto faz uso da explicação de que a cultura é um sistema de práticas, rituais e crenças de uma determinada comunidade que, em níveis diferentes, exerce controle sobre o comportamento de seus membros para afirmar que a cultura marroquina é extremamente reguladora no que diz respeito às percepções de gênero e delimitação de papéis e, faz isso porque possui instituições sociais influentes, as quais são elencadas pela autora: história, geografia, Islã, oralidade, multilinguismo, organização social, status econômico, e sistema político.
Dentre elas, se destaca a história nacional do Marrocos, tradicionalmente oral, que tem sido oficializada exclusivamente por homens e às mulheres, em sua maioria, são analfabetas, resta-lhes à subordinação consequência do viés masculino emprestado à história – amplamente valorizada pelo Estado e pelo sistema educacional – que, ao retratá-las como inferiores aos homens as mantêm marginalizadas. O fator geográfico também se sobressai tendo em vista que, pela localização próxima ao continente europeu, o Marrocos permitiu uma relativização da tradição patriarcal, na medida em que foram assimilados elementos tipicamente europeus que possibilitaram uma atitude mais favorável aos papéis de gênero.
Tendo em vista o aspecto cultural do Islã, evidencia-se a aproximação do discurso feminista das expressões típicas dessa tradição, a fim de inserir o gênero feminino no contexto que lhe é próprio: a sociedade islâmica.
Tal cultura difere da sociedade ocidental, pois a oralidade é um importante instrumento de transmissão de valores positivos e negativos, nesse sentido, essa oralidade se constitui como o modo mais corriqueiro de transmitir os estereótipos sobre as mulheres. Ao mesmo tempo, a oralidade possui também um caráter marginal, uma vez que, é repassada através das línguas maternas de pouco prestígio: berbere e árabe marroquino. A oralidade, em seu aspecto vulgar, está intimamente relacionada com a característica das mulheres marroquinas que analfabetas são mantidas alheias ao contexto sócio político cultural. Atrelado a isso, o multilinguismo é tido como característica formadora da identidade marroquina e está associado à classe social e nível de educação. Nesse cenário linguístico, as mulheres monolíngues – ou seja, que falam apenas berbere ou árabe pertencem a classes menos favorecidas, ressaltando, mais uma vez, a faceta marginal da oralidade. Em contrapartida, essas mulheres se apresentam como bem-sucedidas em suas atividades rotineiras.
Por fim, a organização social impõe na percepção e na construção de gênero uma grande influência. Os papéis sociais de homens e mulheres são rigidamente assegurados pela significação que a família, estruturalmente patriarcal assume nesse contexto. Inclui-se ao sistema patriarcal a exclusão das mulheres. E, para que a estrutura se mantenha, é necessário que sejam impostos tabus, sanções e rituais (expressos principalmente pelo uso da linguagem) que restrinjam a liberdade feminina uma vez que é considerada uma ameaça ao status quo masculino.
Tendo como base que a família é onde começa a socialização, apesar da diversidade social entre as mulheres marroquinas, os estereótipos de fracas, emocionais, más, trabalhadoras, pacientes e obedientes. O desenvolvimento dessa estereotipagem ocorre de modo inconsciente. Os estereótipos se propagam devido ao caráter de presumibilidade. Isso ocorre através dos processos de difusão e insistência. A validade e o alcance do estereótipo, portanto, estão relacionados a possibilidade de atingir a sabedoria social numa sociedade. Os estereótipos de gênero marroquinos são propagados através da linguagem oral, manifestada em verbetes e provérbios, tais como: “a mulher é fraca” e “a mulher é uma víbora”. Tais expressões são tentativas de transmitir, principalmente aos homens, os valores de depreciação da mulher.
Esses estereótipos podem ser explícitos ou implícitos. Os explícitos evidenciam uma atitude positiva em relação à atividade doméstica da mulher, mas desqualificam a sua atuação como líder feminina. São exemplos, os provérbios populares: consulte sua mulher, mas não leve sua opinião em consideração e a mente de uma mulher é pequena. Essas expressões demonstram a intenção de neutralizar o poder transgressor da opinião e da voz femininas.
Os estereótipos implícitos são reconhecidos nos comportamentos e nas falas, de modo inconsciente e espontâneo caracterizando as mulheres como: fracas líderes, conselheiras irrelevantes ou interlocutoras desinteressantes, nas temáticas religiosas ou sociais.
Outra classificação subdivide-se em estereótipos negativos ou positivos. Os positivos não geram problemas preocupantes às mulheres. Os negativos, contudo, criam preconceitos e compõe a imagem da mulher frente à coletividade. A maioria dos estereótipos marroquinos é negativa. Em comparação às ideias e conceitos acerca do homem, as características atribuídas às mulheres são, majoritariamente, negativas. É comum observar expressões populares orais que utilizam elementos alusivos à mulher, a fim de transmitir conteúdos pejorativos. São exemplos: “mercado de mulher”, para significar algo sem valor e “trabalho de mulher”, para indicar que algo foi mal-feito.
É importante destacar o estereótipo relacionado à “linguagem da mulheres”, difundido graças ao dualismo homem/líder e mulher/subordinada. Esse estereótipo define que a comunicação oral feminina é vazia de conteúdo e emitida em tons muito agudos e altos. Assim, as mulheres falariam em demasia e sobre assuntos doméstico e irrelevantes para a sociedade.
A fala da mulher marroquina também está ligada ao estereótipo do “mau-olhado”. Isso representa que quando algum evento com efeitos prejudiciais ocorre após conversar com uma mulher ou ter-lhe como companhia, atribui-se o dano ao poder de sua influência. Esse estereótipo atinge as mulheres velhas, divorciadas ou viúvas. Destaca-se que os homens com essas características são vistos como maridos em potencial, excluindo-se o caráter pejorativo. Esse estereótipo se refere à tentativa de neutralizar o papel social e a manifestação da opinião dessas mulheres, as quais apresentam maior liberdade para transmitir ideias e optar por comportamentos alternativos.
Há ainda a visão pejorativa de que as mulheres devem trabalhar arduamente para adquirir respeito e relevância sociais. A meninas são ensinadas a trabalhar, a fim de estarem aptas a encontrar um bom marido. Exige-se que a mulher, além de submissa, seja, também, uma exemplar chefe doméstica. Relação paradoxal de características, exigindo maiores sacrifícios.
As marroquinas reagem à estereotipagem a partir da afirmação um contratipo, isto é, um estereótipo positivo que substitua aquele pejorativo. Contratipos, contudo, são estereótipos e, portanto, são representações frágeis e superficiais de um grupo social. Opta-se, também, por reivindicar oportunidades de representações políticas femininas, a fim de opor à opinião de que as mulheres não são boas líderes ou que não possuem condições construir opiniões e posições relevantes. Deve-se, também, combater a simplificação das características femininas, expressão da ideologia da superioridade masculina, criando a necessidade de compreensão das peculiaridades. Demonstra-se que os estereótipos podem ser bastante prejudiciais à coletividade de homens e de mulheres e ao sucesso no contexto das organizações. Sendo assim, se faz evidente que a construção dos estereótipos relativiza a heterogeneidade e complexidade inerente às mulheres do Marrocos.

Referência: Sadiqi, F. Estereótipos e mulheres na cultura marroquina. Cadernos Pagu (30), 11-32, 2008.

Resenha: mujeres musulmanas – estereotipos occidentales versus realidad social

Juliana Costa Santos

O artigo de uma temática bastante contemporânea e desconstrói conceitos que estão presentes no imaginário de boa parte da população. A autora, Djaouida Moualhi, já nos primeiros parágrafos, coloca-se como personagem da sua própria história: mulher, muçulmana, imigrante e magrebe. Este ultimo termo se refere à região no noroeste da África, onde existe uma concentração de países islâmicos, como é o caso do Marrocos, da Tunísia e da Argélia.
No começo da sua explanação ela traz à tona alguns tipos mais comuns de estereótipos que os ocidentais tem em relação aos muçulmanos e as suas condições de vida, com foco nas questões femininas. Aos poucos ela demonstra como algumas tradições muçulmanas são vistas pelos ocidentais e as consequências dessa visão, sempre fazendo um paralelo com o Cristianismo. Um exemplo é o pensamento de que os muçulmanos são fanáticos e muitas vezes violentos. Segundo a autora esse discurso teve seu começo na época das cruzadas (Robinson, 1990: 18 apud Moualhi, 2000). De acordo com Moualhi (2000), este pensamento remete ao século XIX, quando a maioria dos países árabes e muçulmanos estavam sendo colonizados por potencias ocidentais. Neste momento a sua religião era a maior forma de expressão e resistência, o que levou os colonizadores a demonizarem e condenarem a prática. Outros exemplos citados são o uso do véu, a poligamia e a clitoridectomia (retirada do clitóris).
Na seção seguinte, a autora se dedica a falar detalhadamente sobre os exemplos citados anteriormente, desmistificando cada um deles e apresentando alguns fatos. Em relação ao uso do véu, ela cita o pensamento ocidentalizado de um autor, que define como “símbolo por excelência da marginalização e da alienação” (Manyer, 1996: 67, apud Moualhi, 2000). No entanto ela diz que mulheres que usam véu não atrapalham a sua emancipação, já que o veem como símbolo de elegância e preservação, e não de repressão. Este é um tópico bastante interessante, visto que, aqui no Brasil, é comum observar o discurso criticado pela autora e tantos outros que mobilizam a população em prol de uma luta contra a repressão de mulheres pelo uso do véu, quando na realidade, boa parte das pessoas “compra a briga” sem saber se a “parte interessada” de fato se sente como pensamos. O mesmo funciona para a clitoridectomia, uma prática existente apenas em alguns países de cultura islâmica, mas que surgiu muito antes do islamismo, Lerner (1990), citado por Moualhi (2000) apresentou a existência deste tipo de prática entre egípcios, fenícios, gregos, etc. Segundo algumas culturas que praticam este ato, trata-se de uma circuncisão feminina, com motivos diversos como: higiene, sacrifício, etc.
Apesar de trazer a realidade sobre alguns estereótipos, a autora também aproveita para falar da existência de graves acontecimentos machistas e discriminatórios na cultura islâmica, como a dependência e subordinação da esposa em relação ao seu marido e como as leis o favorece em caso de separação, custódia dos filhos, etc. No entanto, criticando ou não a cultura, ela deixa bastante claro que essas práticas e suas “regras” não são universais. Ainda que exista apenas um Alcorão e um Charia (espécie de livro de “leis” islâmicas), as interpretações são diversas e as leis também. Cada país pode agir de uma forma diferente. Algumas práticas são comuns em alguns países de cultura islâmica, enquanto podem ser condenadas em outro. A visão unificada sobre o mundo islâmico, segundo Moualhi (2000), faz parte do etnocentrismo ocidental.

Referência: Moualhi, D. Mujeres musulmanas: estereotipos occidentales versus realidad social. Papers, 60, 291-304, 2000. Disponível em: http://ddd.uab.es/pub/papers/02102862n60/02102862n60p291.pdf

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