Se considerarmos que os estereótipos são crenças e que as crenças estereotipadas formam sistemas relativamente estruturados, então somos obrigados a admitir que modificar estereótipos não representa algo simples. A diluição dos estereótipos raramente ocorre de forma espontânea e não planejada, sendo mais apropriado assinalar que as mudanças devem se subordinar a programas habilitados a implementar estratégias de intervenção muito bem concebidas, dependentes de modelos de mudança assentados em teorias psicológicas e psicossociais bem fundamentadas teórica e conceitualmente.
Apresentaremos, na sequência, as diretrizes básicas das principais modalidades de enfrentamento aos estereótipos e preconceitos, enumerando-as em consonância com o nosso modelo de análise sobre a entitatividade. Conforme observado no quadro 22, algumas estratégias envolvem intervenções no plano dos agregados sociais, pois são elaboradas sem levar em consideração nenhum indivíduo ou grupo em particular; outras se referem às categorias sociais, nas circunstâncias em que as intervenções se referem a indivíduos definidos a partir das categorias às quais pertencem ou com base na identidade social que adotam; um terceiro grupo de intervenções incide diretamente sobre os grupos sociais.
Assinalemos, no entanto, que a maior parte das estratégias aqui referidas foram elaboradas prioritariamente com a finalidade de se antepor às atitudes preconceituosas e, como tal, nem sempre são passíveis de serem importadas diretamente para intervir no plano dos estereótipos que, por sua própria natureza, envolve processos psicológicos relativamente distintos. Ainda assim, em função das relações intrínsecas entre estes conceitos, incluímos indiscriminadamente na presente seção tanto as estratégias de intervenção voltadas para o enfrentamento dos estereótipos quanto dos preconceitos.
5.3.1. Agregados
Tentar modificar atitudes ou comportamentos de uma pessoa que conhecemos não é exatamente uma tarefa fácil. Mesmo que a conheçamos bem, saibamos do que gosta e tenhamos uma certa ideia do que sente ou pensa, ainda assim modificar as crenças e as atitudes se configura como um empreendimento complexo. O exemplo, embora muito específico e imperfeitamente ajustado ao nosso tópico de discussão, ajuda-nos a entender que modificar as crenças estereotipadas e as atitudes preconceituosas de desconhecidos é uma tarefa repleta de dificuldades e muito mais desafiadora do que modificar as crenças e opiniões dos nossos amigos e conhecidos. A magnitude da tarefa pode ser estimada se considerarmos que nada sabemos a respeito de quem queremos modificar as crenças. Também não temos a exata dimensão do quantitativo de gente, pois um programa de modificação das crenças pode afetar centenas, milhares ou mesmo milhões de pessoas. Da mesma forma, não fazemos ideia de como nos dirigir a cada pessoa em particular, a ênfase a ser atribuída a determinados tipos de argumentos, o tom de voz a ser utilizado, se os apelos persuasivos devem ser racionais ou emocionais e se devemos concluir explicitamente o argumento ou deixar que os nossos interlocutores cheguem às conclusões que gostaríamos que apreendessem. O cenário aqui exposto ajuda a entender as dificuldades presentes em qualquer tentativa de modificar as crenças estereotipadas a partir de estratégias de intervenção direcionadas aos agregados sociais.
Educação antiviés
A educação antiviés se caracteriza por intervir no plano dos agregados e por receber um suporte empírico muito incipiente, dado não terem sido identificados estudos nos quais tenham sido apresentados claramente os efeitos deste tipo de intervenção, embora seja pouco razoável imaginar que intervenções dessa natureza não venham a produzir algum resultado positivo.
As intervenções subordinadas a esta estratégia obtêm respaldo institucional em leis e outras normas incluídas no ordenamento jurídico de cada país. No caso brasileiro, as intervenções se substanciam nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Plano Nacional de Direitos Humanos e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e se materializam em resoluções como a 01/2004 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. As intervenções quase sempre se encontram associadas a programas governamentais implementados a médio ou longo prazo e partem do reconhecimento de que o ambiente escolar é um espaço privilegiado para a expressão dos preconceitos, o que demanda a implementação de ações no sentido de oferecer informações capazes de estabelecer contrastes com os conteúdos tradicionais, frequentemente marcados por argumentações fundamentadas em estereótipos (Aquino, 1998; Libório, & Silva, 2005).
Esta estratégia privilegia a identificação de práticas e intervenções que incidem diretamente sobre o ambiente escolar e podem oferecer um bom potencial para inibir o julgamento, a tomada de decisões e a adoção de posturas e ações claramente preconceituosas. As intervenções se sustentam em um amplo leque de teorias, particularmente nas direcionadas para o estudo do desenvolvimento moral e cognitivo e, naturalmente, em uma vasta gama de teorias da aprendizagem. As teorias psicossociais se fundamentam nas teorias sobre a socialização para o preconceito (Aboud, & Levy, 2000) por se referirem a problemas relacionados com um segmento etário muito específico da população.
A estratégia tende a enfocar intervenções conduzidas a partir de atividades que envolvem a oferta de material instrucional destinado a corrigir vieses frequentemente encontrados nos livros didáticos ou em apontar direções que permitam ao aprendiz ler e assimilar conteúdos tradicionais, particularmente autores clássicos da literatura, em cujas obras possam ser apontados conteúdos racistas, sexistas ou classistas. Este tipo de intervenção demanda, por parte das editoras de livros didáticos e paradidáticos, a elaboração de edições especiais e comentadas, bem como a incorporação de conteúdos nos quais são assinalados os contextos histórico e geográfico que presidiram a elaboração da obra, a vinculação do autor aos limites do seu próprio tempo e indicações adicionais acerca de quais conteúdos devem ser lidos com reparos e em que medida estes conteúdos se referem aos estereótipos e preconceitos que devem ser exemplificados e ensinados como elementos a serem combatidos e superados.
Os limites associados a esta modalidade de intervenção devem ser considerados de maneira cuidadosa, pois ela exige planejamento, envolve o esforço pedagógico de identificar o momento oportuno no qual os conteúdos devem ser tratados nas diferentes disciplinas, como também demanda um esforço adicional na preparação de professores e instrutores capacitados para explorar apropriadamente os conteúdos, sob pena de serem fomentados estereótipos e preconceitos ausentes ou amplificados os apenas insinuados (Andrade, 2019; Corenza, 2018; Fisher, 1968; Gomes, 2017).
Desafortunadamente, ainda não dispomos de recursos para avaliar de forma empiricamente satisfatória os impactos dessa estratégia, apesar de não duvidarmos que os conteúdos ostensivamente estereotipados encontrados em muitos manuais didáticos, cartilhas e obras literárias devam ser estudados e assinalados como o retrato de uma época a ser superada (Brookshaw, 1983; Queiroz Júnior, 1975; Proença Filho, 2004; Rosenberg, Bazilli, & Silva, 2003).
Produtos midiáticos de entretenimento
Se as intervenções mediante a adoção de estratégias de educação voltada para o enfrentamento aos vieses de julgamento são muito específicas no escopo e circunscrevem a esfera de atuação ao ambiente escolar, uma outra estratégia, cuja ação se situa no plano dos agregados, envolve a elaboração e preparação de produtos de entretenimento nos quais mensagens contrárias à discriminação e favoráveis ao fomento de atitudes positivas em relação aos alvos dos estereótipos e preconceitos possam ser divulgadas para um público mais amplo. Filmes, vídeos, peças de campanhas publicitárias, cartazes, panfletos, brochuras, jogos de computador e programas radiofônicos e televisivos circunscrevem os produtos usualmente adotados para oferecer suporte para este tipo de intervenção, cujos fundamentos podem ser encontrados em teorias como a do contato estendido, da norma social e da narração persuasiva, em particular, mediante o apelo a conceitos como a empatia (Stephan, & Finlay, 1999), a teatralização (Esses, & Dovidio, 2002) e o perspectivismo (Vescio, Sechrist, & Paolucci, 2003).
Estas intervenções se fundamentam, sobretudo, na crença de que a imersão numa narrativa textual (um livro), dramatúrgica (uma peça de teatro) ou midiática (uma novela, uma peça publicitária, uma obra cinematográfica) pode transportar o espectador a uma realidade bastante diferente da experiência ordinária com a qual está acostumado, habilitando-o a aprender coisas novas e visualizar o mundo sob novas lentes (Green, & Brock, 2000). Uma área particularmente desenvolvida nessa direção é a da publicidade, onde modelos de intervenção como os da publicidade contraintuitiva se dedicam a elaborar produtos de mídia com a finalidade específica de se contrapor aos estereótipos e às expectativas comumente associadas a determinados tipos de personagens (Batista, & Leite, 2011; Leite, 2014, 2018; Leite e Batista, 2018, 2019; Pereira, 2019; Perez, 2004).
Algumas produções difundidas em telenovelas, no cinema, nas séries de televisão e na indústria musical têm sido frequentemente introduzidas no rol das estratégias de combate aos estereótipos, principalmente por naturalizar condutas e relações amorosas e sociais até então objeto de tratamento discriminatório e desenvolver novas sensibilidades, preparando um público mais amplo para conviver com relações sociais e interpessoais distantes das costumeiramente apresentadas naquela faixa de audiência (Araújo, 2000; Bazzini, Curtin, Joslin, Regan, & Martz, 2010; Borges & Giorgi, 2014; Eno, & Ewoldsen, 2010; Greitemeyer, & Schwab, 2014; Grijó, & Sousa, 2012; Murrar, & Brauer, 2018; Sodré, 2000). As estratégias de intervenção baseadas nos produtos de entretenimento se beneficiam de um melhor suporte empírico do que a educação antiviés, embora não seja possível avaliar de forma precisa o alcance das mudanças e a estabilidade das atitudes e dos comportamentos modificados
5.3.2. Categorias sociais
Algumas das principais estratégias de redução dos estereótipos e preconceitos se referem a intervenções relacionadas com o processo de categorização social e com a identidade social. O modelo de intervenção se direciona aos indivíduos sobre os quais os promotores dos programas de intervenção possuem informações particulares como o sexo, a idade ou a formação escolar e profissional. Com base nessas informações são elaboradas estratégias em que estão envolvidas intervenções em vários níveis a depender do tipo de programa implementado. O suporte empírico para as estratégias baseadas na categorização social é bastante heterogêneo, pois se muitas se ressentem da ausência de um bom suporte, outras se beneficiam de evidências encontradas apenas no contexto laboratorial, enquanto umas poucas são ainda mais consistentes.
X-categorização
O ambiente de laboratório, o contexto mais apropriado para a condução de estudos nos quais o controle sobre as variáveis representa o principal compromisso do pesquisador, representa o principal recurso de avaliação das intervenções desenvolvidas segundo a perspectiva da categorização social. As intervenções são implementadas com base em programas fundamentados em técnicas como as da de-categorização (Bettencourt, Brewer, Croak, Miller, 1992), que busca reduzir a importância da identidade social alvo do julgamento, ao tempo em que se acentua a identidade pessoal, a técnica da recategorização (Gaertner, Dovidio, Rust, Nier, Banker, & Ward , 1999), na qual os membros de diferentes grupos sociais passam a compartilhar a identidade com um outro grupo e a da categorização cruzada (Crisp, & Hewstone, 1999), em que indivíduos filiados a grupos antagônicos são levados a se perceberem como membros de mais de um grupo. Em que pese as diferenças relativas à implementação e aos modelos teóricos que lhes deram origem, estas implementações apresentam resultados satisfatórios no que concerne à modificação da percepção dos exogrupos e à relativização das fronteiras entre as categorias sociais (Brauer, & Er-Rafiy, 2011; Crisp, & Hewstone, 2007). O exemplo mais representativo da tendência a buscar a redução do preconceito pela via da categorização social é o modelo de identidade comum (Gaertner, & Dovidio, 2000), no qual se sugere que a adoção de uma categoria supraordenada, humanos por exemplo, pode levar à redução de ações e condutas enviesadas. Há que se assinalar, no entanto, que se as estratégias de redução dos preconceitos pela via da categorização contribuem no sentido de redefinir as fronteiras reais e imaginárias entre os grupos, isto não equivale a suspeitar que esta redefinição necessariamente venha a acarretar mudanças na percepção dos vieses intergrupais e nem que as mudanças introduzidas a partir das experiências em laboratório possam ser transpostas sem dificuldades para o ambiente mundano.
Dessensibilização e terapia
Ao discutirmos os modelos individualistas de abordagem dos estereótipos e preconceitos acentuamos as diferenças entre os indivíduos e como estas diferenças interferem na maior ou menor aceitação das diversas concepções de mundo (Bartoli, & Pyati, 2009). Acentuamos, inclusive, que se dificilmente temos condições de afirmar que níveis exagerados de preconceitos podem ser interpretados como indicadores precisos da presença de doenças mentais ou síndromes psicopatológicas, parece aceitável assinalar que a tendência à tolerância e a uma visão de mundo menos marcada pelos preconceitos está associada de maneira decisiva a indicadores psicométricos de boa saúde mental.
Esta discussão inevitavelmente nos leva ao reconhecimento de que algumas pessoas mantêm vínculos exagerados com modelos de mundo marcados pela rigidez cognitiva ou por estados emocionais extremados, o que favorece a conclusão de que a melhor maneira de fazer frente a condições semelhantes é mediante a busca de suporte profissional especializado. Em sua formulação menos marcante, podemos considerar o exemplo das intervenções destinadas a eliminar, pela via das técnicas de dessensibilização, uma série de condicionamentos entre os rótulos verbais de alguns grupos ou categorias sociais e estados emocionais negativamente carregados. Na forma mais extremada, podemos imaginar que o nível de intolerância e discriminação em relação ao outro é um elemento tão marcante na biografia de determinados tipos de pessoas que qualquer possibilidade de mudança demandaria o suporte profissional de especialistas em saúde mental como psicólogos, psicanalistas ou psiquiatras (Speight, 2007).
Estas intervenções de base médico-psicológicas estão sujeitas a inúmeras controvérsias, sendo especialmente marcante a admoestação de que tal interpretação pode levar a uma psicologização ou à medicalização das relações sociais, uma perspectiva teórica mal acolhida por muitos estudiosos. Independente dessa discussão, se o agente verdadeiramente se sente incomodado com os seus impulsos em direção à estereotipização ou se sente desconfortável com as atitudes preconceituosas que acolhe, e ao mesmo tempo admite que por si só não tem como se livrar do mal que reconhece afligi-lo, a busca de apoio profissional pode ser considerada uma alternativa válida. No que concerne à discussão dos limites desse tipo de intervenção como uma estratégia válida para a redução dos estereótipos e preconceitos, acreditamos que ela se ressente de uma dificuldade comum a muitas estratégias aqui arroladas, pois representa uma alternativa auto seletiva, aplicável apenas àquelas pessoas que, de antemão, já se sintam inclinadas a abandonar ou se sintam desconfortáveis nas circunstâncias em que acolhem estereótipos e preconceitos.
Valores e fortalecimento do eu
A noção de que o indivíduo procura manter uma relação de consistência entre as suas crenças, atitudes e comportamento e com isto busca fortalecer o senso de identidade pessoal encontra respaldo em teorias como as da dissonância cognitiva (Festinger, 1957), a da autopercepção (Bem, 1972) e a da autoafirmação (Steele, 1998). Em linhas gerais, estas estratégias envolvem intervenções sustentadas no entendimento de que os estereótipos podem ser diluídos e os preconceitos reduzidos se forem colocados frente a frente cognições e valores incompatíveis entre si ou incompatíveis com a visão positiva que o indivíduo procura manter acerca de si mesmo. Intervenções destinadas a reduzir a dissonância e fortalecer o sentido do eu têm sido adotadas para a implementação de programas, sustentando-se na suposição de que o fortalecimento do senso de identidade pessoal, possível de ser alcançado mediante a realização de tarefas que envolvam a autoafirmação, está associada com uma redução significativa na expressão dos estereótipos e preconceitos (Fein, & Spencer, 1997). O fortalecimento do eu se encontra firmemente vinculado ao entendimento de que uma crença capaz de acentuar a dimensão de positividade da identidade pessoal, caso respaldada por um sistema de valores igualitários, pode favorecer a tarefa de enfrentamento dos impulsos e hábitos preconceituosos há muito arraigados (Lehmiller, Law, & Tormala, 2010; Sinclair, & Kunda, 1999).
Ainda que possa parecer um contrassenso, o estudo de Posten e Mussweiler (2013) evidenciou que não é a confiança, mas sim a desconfiança no outro que pode reduzir os estereótipos ao ativar espontaneamente alternativas de explicação para as condutas do alvo porque, ao colocar o foco da dissimilaridade, revela as inconsistências no sistema de crenças utilizado para conduzir o julgamento estereotipado. Consideradas globalmente, às estratégias centradas na valorização do eu são requeridas uma maior validade ecológica, donde a dificuldade em utilizá-las na vida cotidiana.
Treinamento antiviés
A noção de treinamento supõe a possibilidade de aprender algumas rotinas de resposta aptas a substituir scripts automatizados e adotados sem qualquer reflexão mais sistemática. O treinamento para a diversidade (Landis, Day, McGrew, Thomas, & Miller, 1976) almeja desenvolver rotinas que habilitem o aprendiz a tratar de forma mais igualitária ou menos preconceituosa, indivíduos afiliados aos mais diversos grupos e categorias sociais. As intervenções dependem da implementação de atividades como seminários e oficinas, cujos resultados têm demonstrado que os participantes, após serem submetidos a este tipo de treinamento, passam a demonstrar uma maior tolerância para com as diferenças culturais (Kalev, Dobbin, & Kelly, 2006).
Numa implementação ligeiramente diferente, o treinamento antiviés procura sensibilizar o treinando a conduzir julgamentos menos carregados emocionalmente a respeito dos membros do grupo-alvo dos estereótipos e preconceitos (Gardiner, 1972; Halperin, Porat, Tamir, & Gross, 2013). Apesar dos inúmeros relatos de resultados positivos desta modalidade de implementação, não podemos descartar a possibilidade de o participante apresentar uma disposição prévia a refletir sobre os próprios preconceitos e, consequentemente, se sentir inclinado a participar dos seminários, o que depõe contra os bons resultados dessa estratégia de intervenção.
As estratégias de redução dos estereótipos e preconceitos pela via do treinamento cognitivo arregimentam respaldo teórico em abordagens como a do condicionamento clássico (Balas, & Sweklej, 2013) e numa vasta gama de teorias acerca das formas implícitas de expressão dos preconceitos (Schaller, Asp, Rosell, & Heim, 1996). O pressuposto fundamental reside na hipótese de que os efeitos das atitudes e crenças implícitas operam de forma independente do grau de consciência ou mesmo do endossamento destas atitudes por parte do percebedor (Devine, 1989), o que proporciona algum apoio à tese de que o fortalecimento do controle sobre o próprio sistema normativo, se aliado à adoção de valores igualitários, pode oferecer meios para enfrentar os impulsos e hábitos arraigados que acarretam a manifestação de condutas e ações preconceituosas (Monteith, Deneen, & Tooman, 1996; Stangor, Sechrist, & Jost, 2001).
Algumas técnicas se fiam no condicionamento operante mediante o emparelhamento entre estímulos positivos e representações verbais ou imagéticas de grupos-alvo do preconceito; outras, confiam em intervenções destinadas a fazer desaparecer da consciência, por meio de técnicas de supressão, os conteúdos mentais indesejados (Blair, 2002; Olson, & Fazio, 2008). Neste último caso, reconhece-se o quanto qualquer tentativa sistemática de evitar pensar sobre as representações preconceituosas pode acarretar um acréscimo na acessibilidade do conteúdo a ser suprimido, gerando um efeito irônico e paradoxal, denominado na literatura efeito rebote, ou seja, o retorno do preconceito com mais força ou em um outro contexto (Galinsky, & Moskowitz, 2000; Kawakami, Dovidio, Moll, Hermsen, & Russin, 2000; Monteith, Sherman, & Devine, 1998).
Numa perspectiva um pouco diferente, alguns programas de intervenção obtém respaldo em avanços tecnológicos em que os participantes, por meio de experiência de imersão em ambientes virtuais, conseguem perceber o mundo segundo a perspectiva do grupo-alvo dos estereótipos e preconceitos (Banakou, Hanumanthu, & Slater, 2016; Groom, Bailenson, & Nass, 2009; Maister, Sebanz, Knoblich, & Tsakiris, 2013; Peck, Seinfeld, Aglioti, & Slater, 2013; Slater, Spanlang, Sanchez-Vives, & Blanke, 2010; Todd, Bodenhausen, Richeson, & Galinsky, 2011). Ainda que sejam estudos com desenvolvimento ainda incipiente no plano metodológico, podemos imaginar que perceber o mundo sob a perspectiva do outro, particularmente por se tratar de uma experiência muito próxima à realidade cotidiana, tenha um impacto acentuado na ruptura com os estereótipos e na redução das atitudes preconceituosas. Em conjunto, os estudos relativos ao treinamento antiviés convivem com uma dificuldade interpretativa adicional, uma vez que as supostas mudanças nos estereótipos e nas atitudes preconceituosas implícitas podem ou não ser acompanhadas por modificações visíveis na experiência consciente, o que torna a interpretação dos resultados da intervenção relativamente dúbia (Dasgupta, & Greenwald, 2001).
5.3.3. Grupos sociais
Um terceiro conjunto de estratégias destinadas a reduzir os estereótipos e preconceitos prioriza as intervenções conduzidas no seio dos grupos sociais naturais ou artificiais. Os grupos impõem uma experiência normativa que tanto pode favorecer a expressão dos estereótipos e preconceitos, particularmente pela imposição dos dois vieses acentuados pelos teóricos da identidade social, como também podem facilitar a assunção de contextos normativos habilitados a inibir a ativação e a aplicação dos estereótipos e, consequentemente, favorecer a expressão de atitudes mais igualitárias.
Contatos reais, imaginários e antecipados
Ao discutirmos os sistemas de crenças desenvolvidos na antiguidade, acentuamos como o outro, o estrangeiro que vem a passeio ou o imigrante que chega para fincar raízes, costumeiramente tem sido tratado com estranheza, desdém ou desprezo. Se na história dos primeiros agrupamentos humanos os temores frente aos diferentes foram experiências marcantes, devemos salientar que os contatos com os estrangeiros sempre foram imperativos; dificilmente poderíamos imaginar um grupo autossuficiente a ponto de prescindir das relações de troca com outros grupos sociais. Este contexto de ambivalência, no qual a necessidade de contato convive com os temores e supostas ameaças, representa um importante elemento de discussão das estratégias de redução dos estereótipos e preconceitos fundamentadas em intervenções conduzidas no plano dos grupos sociais.
A principal estratégia de intervenção neste nível se fundamenta na hipótese do contato, cuja formulação mais conhecida na psicologia social é encontrada no livro A Natureza do Preconceito. Ao considerar o preconceito o resultado de um processo cognitivo-emocional, amparado, de um lado, por uma generalização cognitiva falha e inflexível e, de outro, pela antipatia e aversão ao outro, Allport (1954) sugeriu que sob condições ótimas (igual status, metas compartilhadas, sancionamento por parte das autoridades e ausência de competição) a interação entre dois grupos pode suscitar uma série de consequências positivas, das quais poderiam ser destacadas a diluição dos estereótipos e a redução dos preconceitos.
A hipótese, embora tenha priorizado estudar os contatos face a face entre os indivíduos afiliados aos diferentes grupos (Cook, 1971; Paluck, 2006), deve ser concebida numa acepção mais ampla e incluir modalidades estendidas de contatos (Cameron, & Rutland, 2006; Husnu, & Paolini, 2019 ; Wright, Aron, McLaughlin-Volpe, & Ropp, 1997) como, por exemplo, a apresentação da oferta de informações que permita realizar uma avaliação sobre as características do grupo com o qual se pretende estabelecer o contato (Johnson, Jasper, Griffin, & Huffman, 2013). Numa outra modalidade de contato, o antecipado, solicita-se ao percebedor imaginar como seria ou como se sentiria se tivesse a oportunidade de estabelecer contatos com grupos com os quais nunca teve a experiência de desfrutar a presença. Os contatos também podem ser imaginários se o percebedor for levado a se posicionar a respeito das fantasias, ideias e sentimentos que experimentaria se fosse possível estabelecer contatos com indivíduos de outros grupos sociais (Turner, Crisp, & Lambert, 2007; Vezzali, 2017). A avaliação da hipótese do contato, apesar de objeto de intenso escrutínio (Lemmer, & Wagner, 2015; Pettigrew, & Tropp, 2006), usualmente tem sido considerada positiva, ainda que seja importante precisar as condições em que os contatos devam ser estabelecidos e, consequentemente, gerar os resultados almejados porque, se forem mal planejados ou realizados em condições indevidas, podem encaminhar a relação numa direção oposta à desejada.
Estratégias colaborativas
Na versão de 2009 da revisão de Paluck e Green a estratégia de redução do preconceito mais promissora parecia ser a aprendizagem colaborativa, cujo locus de ação se refere a espaços como o ambiente escolar ou de trabalho, dois contextos em que as manifestações negativas dos preconceitos sempre foram particularmente disruptivas.
Os pressupostos fundamentais das estratégias de aprendizagem colaborativa são encontrados em teorias como a da interdependência social (Deutsch, 1949) e na técnica do Jigsaw Classroom (Aronson, & Thibodeau, 1992), nas quais se postula que os aprendizes devem ensinar e aprender com os outros, esperando-se que isto leve a uma intensificação no plano da atração interpessoal, a uma mudança na perspectiva de apreensão do outro, um maior apoio social e um gerenciamento de conflitos mais construtivo, o que, em última instância, proporcionaria a diluição de muitos estereótipos e uma forte redução dos preconceitos.
As intervenções fundamentadas na aprendizagem ou no trabalho colaborativo são bastante sinérgicas, pois dependem de um planejamento muito cuidadoso e envolvem a utilização de técnicas variadas como a oferta de informação, a redução da ignorância, os contatos entre os pares, a empatia e o perspectivismo. O princípio fundamental a partir do qual se concebe este tipo de prática reside no entendimento de que todos os agentes envolvidos nas atividades colaborativas, ao aprenderem e ensinarem uns aos outros, terminam por se desvencilhar dos estereótipos e se tornam mais inclinados a agir sem preconceitos.
Na revisão de 2020 não se registrou qualquer intervenção com a utilização dessa estratégia, o que definitivamente leva à reflexão sobre as dificuldades de implementação de uma técnica que, mesmo aparentemente benéfica e com potencial para gerar bons resultados, parece ter sido abandonada pelos pesquisadores da área, embora ainda suscite algum interesse (Ateah, Snow, Wener, MacDonald, Metge, Davis, Fricke, Ludwig, & Anderson, 2011).
Resolução de conflitos
As técnicas de resolução de conflitos (Bar-Tal, & Halperin, 2011), apesar de desfrutarem algum prestígio e contribuírem para a redução das dissensões e implementação de um clima de relativa harmonia e camaradagem entre distintos grupos (Gross, 2017), ainda não ofereceram evidências empíricas capazes de demonstrar que podem eliminar os afetos negativos que nutrem as relações preconceituosas entre os grupos e, consequentemente, sejam capazes de ampliar o alcance das soluções imediatas, fazendo com que os resultados se estendam além dos limites temporais em que a atividade de resolução foi implementada (Staub, & Bar-Tal, 2003; Zaidman, 2000).