Resenha: cognição, categorização, estereótipos e vida urbana

Leonardo Cardoso de Melo

Nesse artigo, o autor se propõe a explorar alguns aspectos envolvidos no processo de formação de representações categóricas e sua relação com julgamentos estereotipados por parte dos indivíduos que habitam grandes centros urbanos. Em sua opinião, o lócus de estudo se justifica em virtude da alta concentração populacional nas metrópoles elevar o grau de complexidade da compreensão do mundo que nos cerca.
Essa compreensão só é possível, segundo os teóricos da cognição, porque possuímos dois sistemas de aprendizagem: um que permite fazer representações de modelos de mundo relativamente constantes, bem como um segundo sistema que complementa o primeiro tornando-nos aptos a responder às mudanças frequentes e características dos espaços urbanos. Sem essa capacidade de categorização estenderíamos ao extremo os limites cognitivos a cada vez que necessitássemos identificar os esquemas de conhecimento sobre o mundo.
Dessa forma, seguimos enquadrando pessoas que acabamos de conhecer de acordo com “crenças gerais e antigas organizadas e armazenadas na memória”, o que só é possível devido a uma modalidade de pensamento dita categórica (p. 281). Nesse sentido, categoria seria a “totalidade de informações que os percebedores possuem na mente sobre uma classe particular de indivíduos” (Moskowitz, 2006, segundo Pereira, 2008, p. 281). O autor ilustra como esse processo de categorização se dá e é fundamental para a nossa orientação diária dando exemplos do cotidiano como quando vamos supermercado, onde encontramos tudo arrumado em seções que teriam um efeito análogo à categorização em nossa mente.
Logo em seguida, Pereira analisa como o pensamento categórico exerce influência sobre a representação social. Esse pensamento teria o papel de guiar a estrutura de conhecimentos acerca do processo de informação que compõem a representação social. Uma vez ativada, essa estrutura de conhecimentos permitem uma série de inferências que envolvem, principalmente, o julgamento e avaliações acerca dos membros de um grupo. Embora essas inferências sejam inerentes à cognição humana, e muitas vezes apropriadas, em boa parte dos casos, elas carregam julgamentos estereotipados como afirma o autor (p. 282). Entretanto o autor salienta que, a despeito da precisão envolvendo a correspondência entre as categorizações que fazemos e os eventos que realmente ocorrem no mundo físico, nossa espécie tem se adaptado relativamente bem ao ambiente, denotando o papel fundamental da categorização em sua sobrevivência por possibilitar que tratemos um “evento novo e inesperado em termos de crenças mais gerais e antigas” (p. 282).
O autor segue descrevendo como tudo que foi dito até agora pode ocorrer no cotidiano citadino. Situações em que podemos evidenciar tanto a confirmação dos estereótipos, bem como as suas controvérsias (p. 283), a exemplo da faxineira que possui o estereótipo de morar em bairro periférico, assim como uma possível contradição caso ela more no apartamento vizinho ao do patrão. Ele aponta que “podem ser encontradas na literatura indicações de que as representações estereotipadas se manifestam de forma menos intensa nos centros urbanos de maior tamanho” (p. 283). O que estaria por trás disso?
A literatura a respeito do tema indica que a vida urbana cria condições para aquisição de informações que muitas vezes põem em xeque concepções estereotipadas. Além disso, por propiciar a relação com as alteridades, algumas obviamente confirmam os estereótipos compartilhados sobre determinada categoria social, “enquanto outras se contrapõem a tudo que se ouviu falar sobre os membros daquele mesmo grupo social” (p. 284).
Entretanto o autor defende a tese de que não é a simples convivência em meio urbano e exposição a uma grande quantidade de informações que reduzirá os índices de estereotipização por parte dos indivíduos, é necessário que haja qualidade nas informações quem nascem do processo de interação social “nos quais são obtidas as informações necessárias para a realização dos julgamentos sociais” (p. 285). Essa qualidade não é privilégio dos grandes centros como ele bem lembra ao afirmar que “alguém pode habitar a maior metrópole do mundo e ser absolutamente desprovido de valores cosmopolitas, assim como pode viver na região mais inóspita e remota do planeta e acolher valores universais” (p. 285).
Por fim, um ponto crucial mencionado pelo autor acerca do processo de categorização merece destaque: nós construímos os fatos sociais e por isso não há realidade própria, já que toda nossa percepção é aprendida. Nesse sentido devemos tomar o cuidado de não extrapolar impondo princípios de uma “realidade social” para uma realidade física. Embora a formação de estereótipos seja algo inerente à condição humana é preciso atentar para esse fato se quisermos evitar preconceitos. Cabe sempre nos perguntarmos se o que penso sobre a realidade é como ela se apresenta, ou é o que desejo que ela seja.

Referências:

Pereira, M. E. Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana. Ciências & Cognição: 13, 5, 280-287, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318280.pdf

Resenha: publicidade contra-intuitiva e o efeito ricochete

Elva Valle

O artigo é dividido em quatro partes (tópicos): introdução, efeitos esperados, a publicidade contra-intuitiva e o efeito ricochete, considerações finais. O objetivo principal é discutir o papel da propaganda como meio divulgador de idéias, tanto para manter, como, para alterar conceitos estereotipados em relação a grupos minoritários. Para promover essas mudanças, seria então utilizada a propaganda contra-intuitiva, uma tentativa de romper com crenças estereotipadas. Mas, esse formato acarretaria, em alguns casos, consequências negativas: o efeito ricochete.
Para o melhor entendimento do texto, os autores trazem definições de termos relevantes: estigma, crença, estereótipos e preconceito. Estigma seria um atributo depreciativo, uma marca que faz com que o indivíduo estigmatizado, aos olhos dos outros, seja menos humano. As crenças seriam aquilo que é aprendido desde a infância (nos diferentes contextos: casa, escola, meios de comunicação), e é adotado como verdade. Estereótipos seriam crenças coletivamente compartilhadas. E preconceito seria uma atitude emocional e racional, negativa e injusta, em relação a um grupo, ou indivíduo membro de determinado grupo. As atitudes preconceituosas seriam o resultado da combinação de estereótipos negativos e crenças pessoais.
Através da utilização de contra-estereótipos, seria possível promover nos receptores uma alteração de crenças enraizadas. É importante também salientar, que a propaganda contra-intuitiva não se afasta do objetivo mercadológico da propaganda; assim essas produções cumprem, além da função de mercado, uma função social ao estimular o indivíduo a desenvolver uma nova postura em relação aos grupos estereotipados. Pesquisas mostram que indivíduos com baixo grau de preconceito são mais propensos a substituir pensamentos negativos, devido a motivações mais igualitárias. Portanto, a propaganda contra-intuitiva funcionaria melhor com esses indivíduos.
Para se ter o efeito persuasivo da mensagem, o papel do indivíduo receptor é importante: é necessária a simetria entre mensagem, informações (conhecimentos prévios) do receptor, e motivação para assimilar o que foi apresentado. Como o discurso contra-intuitivo almeja uma nova construção (ou desconstrução) da realidade, os efeitos esperados seriam aumentar a revisão e formação de pensamentos objetivos, atualizando o olhar social para crenças arcaicas. Mas também um efeito contrário ao desejado poderia ocorrer, o chamado efeito ricochete. Ou seja, em algumas circunstâncias, poderia reforçar os pensamentos preconceituosos, podendo sugerir também que o personagem estigmatizado não poderia ter a realidade apresentada (de prestígio) e por isso a situação seria engraçada.
É importante não esquecer o papel o da comunicação social na esfera social, como influenciador e “(trans)formador” de opinião, e a isso deve ser dar um olhar críticos nas propagandas atuais. A propaganda tem um poder de reforçar preconceitos ou promover novos valores. E seu papel influenciador da publicidade foi estudado diversas vezes, como por exemplo, a propaganda “educativa”, que ensinou a sociedade a consumir e conviver com novas tecnologias como sabonete, geladeira etc.
Contudo, alguns pontos relevantes ficaram de fora da análise desse artigo, como a não-aceitação da imagem contra-estereotipada, que foi o caso do comercial das Havaianas com a vovó, que por solicitação de parte da audiência, foi retirado do ar. Seria importante também uma análise mais profunda do comercial escolhido. O exemplo citado é da propagada “Está na hora de rever seus conceitos” do Novo Fiat. Onde coloca um personagem negro numa posição de prestigio, casado com uma loira. O personagem está apenas como pano de fundo, não abre a boca durante todo o comercial. Essa seria realmente uma propaganda contra-intuitiva? Outro ponto, também não abordado, é a questão do uso de protótipos versus estereótipos; o uso de protótipos nos comerciais é de certa forma bastante funcional, e por ser um protótipo, pode carregar pouco ou nenhum estereótipo.
De maneira geral, o texto aborda conceitos teóricos importantes, e também apresenta de forma clara as idéias da propaganda contra-intuitiva, revelando que, apesar de possíveis efeitos negativos, esse formato é bastante positivo na desconstrução de crenças estereotipadas.

Referência: LEITE, Francisco; BATISTA, Leandro Leonardo. A publicidade contra-intuitiva e o efeito ricochete. Revista Galáxia, São Paulo, n. 15, p. 155-166, jun. 2008. Disponível em: http://200.144.189.42/ojs/index.php/galaxia/article/view/5739, último acesso em 14 de dezembro de 2011

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