3. O estudo científico dos estereótipos

Se o cenário exposto no final do capítulo anterior prenunciava o predomínio da tese hierarquizadora materializada no movimento eugenista, esta impressão começa a se desvanecer a partir da segunda década do século XX. Se até então as diferenças raciais favoráveis aos brancos eram consideradas verdadeiras e inevitáveis, esta certeza definitivamente se esfuma. O que teria provocado esta mudança tão significativa na percepção e no julgamento das diferenças entre as pessoas?

 Um exemplo desta transformação pode ser exemplificado no artigo Algumas considerações a respeito do problema da raça, publicado por Herbert Miller em pleno alvorecer do século XX. Após analisar as diferenças de desempenho entre brancos, indígenas e negros em áreas como as da rapidez perceptual, percepção das cores, memória e lógica, concluiu ser injustificável postular diferenças psicofísicas entre as raças ou entre homens e mulheres (Miller, 1906), pois as diferenças encontradas deveriam ser interpretadas como de grau, não de natureza. Talvez para fazer as honras do periódico no qual o artigo fora publicado, Miller desestimou a importância das pontuações irrisórias relatadas em algumas testagens, pois o fundamental lhe pareceu reconhecer o quanto os problemas manifestos nas relações entre as classes, as raças e os sexos devem ser interpretados como uma questão de afinidades espirituais, em especial, a ausência de propósitos comuns entre os distintos grupos humanos, uma tese retomada algumas décadas depois.

Ainda que este movimento em direção a uma perspectiva de maior tolerância em relação aos outros pudesse ser entrevisto em alguns estudos publicados nas duas primeiras décadas do século XX, ele ganha vigor apenas com a primeira guerra mundial e, em particular, com a contribuição das várias áreas do conhecimento no esforço de guerra. No caso específico da psicologia, este esforço requereu uma contribuição decisiva dos psicólogos nos procedimentos de recrutamento e seleção de oficiais e recrutas. Conforme assinala Carson (1993), a resposta a estas demandas se refletiu em trabalhos como o desenvolvido por Robert Yerkes (1876-1956), que abraçou o desafio de fazer a psicologia sair dos laboratórios onde se encontrava encerrada e se tornar uma disciplina socialmente relevante.  Este movimento representou a oferta de meios para examinar de forma rápida e confiável centenas de milhares de recrutas, diferenciando-os segundo as suas habilidades inerentes e permitindo distinguir, a partir das características identificáveis em cada examinando, as suas potencialidades e debilidades, assegurando-se a melhor maneira de alocá-los às tarefas bélicas mais apropriadas às suas capacidades.

O programa oferecido pela psicologia permitiu examinar e classificar dois milhões de soldados em um prazo muito exíguo. A posterior ampliação dos procedimentos de exame psicológico tornou possível mensurar, nos anos subsequentes, a inteligência de cerca de sete milhões de crianças (Samelson, 1977). A publicação dos resultados desta avaliação suscitou um debate considerável vez que o nível de inteligência médio da população investigada não se mostrou muito brilhante, suscitando discussões muito duras sobre a viabilidade da educação pública para as massas, o impacto negativo da democracia, a influência nefasta da miscigenação e o quanto tais resultados justificariam a implementação de políticas eugenistas de purificação da raça.

Mesmo sendo difícil identificar o papel dos esforços desenvolvidos nas diversas disciplinas científicas e estimar como eles impactaram no questionamento da hegemonia racial dos brancos, a partir de então a tese de que as antipatias e atitudes preconceituosas deveriam ser tratadas como postulados irracionais e injustificados ganha proeminência. A psicologia que até então cumprira um papel destacado no suporte aos princípios eugenistas de restrição à imigração, principalmente por ter se alinhado no início a favor de um movimento de defesa da desvalorização da inteligência de negros, indígenas e imigrantes, mudou de orientação e passou a adotar uma posição menos conservadora ao sustentar que as diferenças raciais e étnicas não poderiam ser explicadas por fatores inatos.

Documentada em um artigo publicado por Faris no American Journal of Sociology em 1918, esta tendência acena para um total afastamento da tradição de pensamento evolucionista associada à obra de Herbert Spencer. Para Faris, a afirmação spenceriana da superioridade da mente dos povos civilizados frente aos primitivos estava longe de ser provada, uma vez que, à luz das investigações científicas da época, velhos argumentos estavam sucessivamente caindo em descrédito, enquanto evidências insustentáveis se desmoronavam,  restando aguardar que os vindouros capítulos desta nova história fossem escritos com o suporte dos novos desenvolvimentos oferecidos pela moderna psicologia experimental científica (Faris, 1918).

O mesmo Miller publica o artigo O conceito de raça em mutação,no qual acentua a dificuldade em tratar o conceito de raça a partir das características físicas diferenciadoras dos grupos humanos e assinala que, à luz das teorias encontradas em disciplinas tão distintas quanto a psicofísica, a psicologia, a psicanálise, a etnologia, a antropologia e a sociologia, esta noção deveria ser interpretada como um conceito determinado por características culturais e não como uma entidade abstrata regida por atributos físicos objetivos e inabaláveis (Miller, 1927).

Esta tendência a reavaliar a noção de raça reaparece em um artigo publicado por Faris no final da década de 1920, Atitudes raciais e sentimentos, no qual se salienta que preconceito racial não representava uma categoria de análise científica por se sustentar em um conceito impreciso como o de raça, sendo precipuamente utilizado para atender os desígnios administrativos da política imigratória do governo dos EUA que dispunha de uma lista de 39 entidades passíveis de serem acolhidas mediante as leis de imigração da época e na qual se incluíam categorias como a raça escocesa, a raça canadense ou a raça sul-americana. O preconceito racial, não mais interpretado como o resultado da constituição orgânica ou de fatores inatos, deveria ser concebido como um fenômeno social resultante de situações de conflitos entre os grupos e interpretado como uma atitude social, uma subclasse da atitude de grupo, envolvendo sentimentos ou afetos negativos expressos por uma infinidade de maneiras. O preconceito racial também não poderia ser interpretado como um fenômeno perceptual ou um julgamento racional, sendo mais apropriado caracterizá-lo como uma experiência emocional, um sentimento, um conceito ou uma imagem subjetiva de uma classe de pessoas a qual a atitude é dirigida (Faris, 1929). Já nessa época, fica clara a impossibilidade de desconsiderar a importância da categoria analítica conflito no domínio de estudos dos estereótipos e preconceitos.

Não apenas o conceito de raça foi colocado em questão, mas também um amplo conjunto de estudos nos quais a hipótese da superioridade da inteligência dos brancos em relação aos outros grupos raciais era reputada como estabelecida. Carl Brigham, até então um dos mais fervorosos defensores da tese da superioridade branca, publicou na revista Psychological Review o artigo Teste de inteligência dos grupos de imigrantes, no qual sustentou que os procedimentos de seleção amostral e os vieses na elaboração e na aplicação dos testes comprometeram os resultados previamente publicados, sugerindo que as conclusões sobre a pretensa superioridade racial branca eram completamente sem fundamentos, dado não terem sido demonstradas mediante o uso dos instrumentos científicos então disponíveis (Brigham, 1930).

Encontramos aqui a marca registrada dos estudos iniciais e um ponto de inflexão a partir do qual o questionamento dos estereótipos, das antipatias e dos preconceitos passou a ser uma questão legítima não apenas socialmente, mas também no plano científico. Um problema, no entanto, persistia: mesmo não sendo mais justificado continuar a afirmar a superioridade de uma raça sobre as demais, como não reconhecer que algumas eram vistas como superiores, mais capazes ou mais civilizadas? Como negar que alguns grupos raciais e sociais eram mais valorizados do que outros? Estas questões impuseram a necessidade de reconsiderar o foco de análise, já não mais centrado no reconhecimento das diferenças objetivas entre as raças. Substitui-se a objetividade pela valência, sendo inelutável a admissão da persistência da injustiça na avaliação de alguns grupos e categorias sociais. Uma vez que a avaliação passou a girar em torno do contínuo positividade – negatividade, o problema fundamental nas décadas iniciais de estudo científico dos estereótipos e preconceitos se tornou o de identificar os fatores e os mecanismos psicológicos e sociais que permitiam o surgimento e a difusão de antipatias e atitudes negativas em relação a determinadas categorias sociais, mesmo esta avaliação não se sustentando em critérios estritamente objetivos e cientificamente justificados.

Denominamos de atitudinal a este período de desenvolvimento dos estudos históricos sobre os estereótipos e preconceitos para enfatizar o quanto a questão fundamental de pesquisa era fundamentalmente avaliativa: alguns grupos estavam sendo julgados de forma negativa e, não sendo possível postular fundamentos objetivos para esta avaliação, este julgamento deveria ser considerado injustificado, cabendo à ciência difundir o conhecimento verdadeiro e modificar este estado de coisas. Esta crença se escorava na suposição iluminista de que o esclarecimento produzido pelo conhecimento genuíno acarretaria o fim, de uma vez por todas, dos julgamentos injustificados e das injustiças.

3.1. O modelo atitudinal: uma antiga concepção ainda prevalente

As relações entre os estereótipos e as atitudes não podem ser desconsideradas, donde abordá-las a partir do entendimento de que muitas discussões a respeito dos estereótipos podem ser referidas ao que denominamos modelo atitudinal, cujo princípio postula uma diferenciação básica entre as dimensões cognitivas, afetivas e conativas, no que se convencionou denominar modelo tripartite das atitudes (Albarracin, Johnson, Zannae, & Kunkale, 2005). Uma atitude pode ser caraterizada como a avaliação geral de um objeto atitudinal: as pessoas, o eu, um grupo social, objetos físicos ou questões abstratas. Para ser uma atitude, no entanto, esta avaliação deve ser duradoura, persistir ao longo do tempo e, como tal, estar armazenada na memória, sendo potencialmente evocável, de forma imediata ou não, mediante procedimentos de buscas nas lembranças (Petty & Cacciopo, 1986). Neste sentido, uma atitude difere de uma opinião; se uma opinião se transforma ao sabor das circunstâncias, mudar uma atitude é um processo muito mais lento. Assim como os estereótipos, as atitudes são francamente avaliativas, como se depreende em definições como as de Eagly e Chaiken (1993) e Krosnic, Judd e Wittenbrink (2005), nas quais uma atitude é definida como uma tendência psicológica a avaliar de forma favorável ou desfavorável uma entidade particular. Neste sentido, um preconceito pode ser entendido como uma atitude negativa em relação a uma classe especial de objeto, um grupo humano ou uma categoria social. Uma diferença, no entanto, há de ser apontada. As atitudes podem ser consideradas onipresentes e inevitáveis, uma vez que as pessoas expressam respostas avaliativas até mesmo para os objetos com os quais nunca tiveram qualquer experiência pessoal, sendo praticamente impossível identificar objetos que nunca tenham sido alvo de uma avaliação atitudinal (Greenwald, 1989).

Um exemplo ajuda a entender a importância da dimensão avaliativa e de como, no modelo tripartite, esta avaliação depende da relação entre as dimensões da crença, dos afetos e das condutas. Viajar de avião é uma experiência habitual para muitas pessoas e suscita atitudes muito diversas já que uns adoram e não poucos ostentam uma avaliação francamente negativa em relação a este meio de transporte. A atitude desfavorável se fundamenta numa série de crenças: viajar de avião é extremamente desconfortável; é uma viagem cara, arriscada e perigosa; as empresas cada vez mais reduzem o conforto dos passageiros. Estas crenças estão associadas a determinados estados afetivos, em particular, o mal-estar ou a raiva para com as empresas ou mesmo para com os trabalhadores no exercício das suas funções laborais, ou a ansiedade quando se imagina o risco de viajar, sem paraquedas, a novecentos quilômetros por hora, a dez mil metros de altura, o chão lá embaixo e o ar sem cabelos para se agarrar. Presume-se, finalmente, em função das crenças e dos afetos negativos, que os passageiros procurarão agir em consonância com o que acreditam e sentem, evitando as viagens aéreas sempre que possível. É importante salientar que não podemos falar de estereótipos e preconceitos em relação a um meio de transporte. O percebedor pode, por exemplo, acolher estereótipos ou cultivar preconceitos em relação aos aeronautas ou a certas classes de passageiros, mas em relação a um meio de transporte, um ente que não é uma categoria ou grupo social, ele acolhe atitudes ou crenças, mas não preconceitos e estereótipos.

A aproximação entre os conceitos de atitudes e o de preconceitos, ou seja, passar a se referir às atitudes preconceituosas, pode ser entendida se considerarmos a concepção funcional das atitudes, tal como formulada no início dos anos 60 do século passado (Katz, 1960). Nesta perspectiva, as atitudes preconceituosas atendem a quatro funções: as de conhecimento, a utilitária, a de defesa do eu e a de expressão de valores.

A primeira função de uma atitude é a avaliativa; ela oferece os elementos necessários e suficientes para que os objetos presentes na realidade sejam avaliados, em particular, mediante a atuação de mecanismos de simplificação e organização da realidade. A estrutura organizativa das atitudes funciona como um quadro de referência mediante o qual os estímulos desconhecidos e os novos exemplares de categorias conhecidas são incorporados e acomodados. Se supomos que um residente em um país europeu ostenta uma atitude preconceituosa em relação aos imigrantes de países não europeus, este quadro de referência servirá para avaliar imigrantes africanos como os senegaleses e nigerianos, da mesma maneira os sul-americanos como os equatorianos e brasileiros, e também os asiáticos, filipinos e chineses. Em que pese as diferenças geográficas e culturais, rótulos verbais como ‘estrangeiros’, ‘subdesenvolvidos’ ou pobres’ se organizam em torno de uma estrutura relativamente ordenada em relação à qual todas estas avaliações estão subordinadas. Este quadro de referência tanto pode ser utilizado para avaliar os estrangeiros oriundos de países cujo contato é relativamente comum quanto os estrangeiros de países de fluxo migratório não tão intenso. Usualmente a função avaliativa de uma atitude tende a se manifestar com mais clareza nas situações novas, incomuns e dotadas de uma certa imprevisibilidade, pois a incerteza quase sempre é acompanhada por uma tendência a buscar mais clareza no julgamento.

A segunda função desempenhada por uma atitude é a utilitária. Como as pessoas vivem em um determinado contexto normativo é de se esperar que algumas condutas sejam reforçadas e outras sancionadas. As atitudes contribuem no sentido de diferenciar as condutas potencialmente reforçáveis daquelas sujeitas a algum tipo de sanção. No exemplo anterior, um adolescente ou um adulto que faz parte de um grupo coetâneo, por certo sabe que as suas condutas são monitoradas e também têm conhecimento de que, se vier a estabelecer algum vínculo de amizade ou mesmo um relacionamento afetivo com algum imigrante estrangeiro, pode vir a sofrer algum tipo de retaliação. A ideia subjacente a este entendimento é a de que os interesses pessoais são decisivos no planejamento das condutas. Uma vez que as atitudes desempenham um papel decisivo no sentido de preservar os interesses pessoais, a função utilitária está fortemente associada às situações nas quais o risco se encontra presente. Nessa perspectiva, a atitude acaba sendo um refúgio seguro no sentido de alcançar recompensas e, sobretudo, evitar punições.

A terceira função de uma atitude preconceituosa é a de defesa do eu; o eu de quem ostenta estereótipos e preconceitos. Um valor fundamental da civilização ocidental é o da igualdade. Ser preconceituoso implica, necessariamente, em considerar uma outra pessoa de forma desigual, ou seja, introduz um tratamento injusto. Uma vez que ser injusto pode causar danos à autoestima ou ao autoconceito, as atitudes são utilizadas para negar ou minimizar essas ameaças à imagem pessoal. Elas podem ser interpretadas como mecanismos psicológicos destinados a deslocar a fonte da ameaça, atribuindo-a aos membros dos grupos externos. No exemplo anterior, é de se esperar que as pessoas mais sensíveis não se sintam bem em discriminar ou mesmo acolher atitudes preconceituosas sobre os imigrantes, mas, como o fizeram, podem considerar os estrangeiros ameaçadores e perigosos, encontrando justificativas para os atos que cometeram ou que porventura possam vir a cometer. Da mesma forma, pode ser que tentem justificar racionalmente as crenças estereotipadas, considerando legítimas as ações e as condutas que adotam em relação aos imigrantes. Como é possível imaginar, a função atitudinal de defesa do eu se manifesta com mais clareza nas circunstâncias emocionalmente carregadas.

Uma atitude também pode ter uma função expressiva, pois ela contribui para exprimir tanto valores quanto características inerentes à identidade pessoal ou social. As identidades pessoal e social são essenciais nos relacionamentos interpessoais, assim como nas relações intra e intergrupais. A afirmação da identidade social é um fator decisivo para a valorização do próprio grupo e usualmente está associada à desvalorização dos grupos aos quais não se pertence, os denominados exogrupos. Deste modo, uma atitude preconceituosa pode servir para expressar as diferenças de avaliação entre as características do próprio grupo, evidenciando os atributos e qualidades positivas que se possui por pertencer àquele grupo, bem como as características negativas comuns aos membros do outro grupo. Adicionalmente, a função expressiva das atitudes pode atender a outro tipo de requisito como, por exemplo, impressionar outras pessoas; isso acontece nas situações em que alguém expressa em público uma atitude que não acolhe intimamente com a finalidade de ser mais bem aceito pelo grupo ao qual pertence. Voltando ao caso dos imigrantes, pode ser que a pessoa se esmere em expressar seus preconceitos contra os estrangeiros com a finalidade de fazer uma bela figura entre os amigos e conhecidos xenófobos, como também pode ocorrer, em um contexto diverso, que esta pessoa expresse com vigor pontos de vista claramente favoráveis aos imigrantes apenas para impressionar colegas de trabalho ou de faculdade. Qual seja o caso, a ativação da função expressiva das atitudes é comum em situações nas quais a pessoa deseja causar uma boa impressão.

A dimensão expressiva das atitudes pode ostentar conotações positivas e negativas, tal como visto no cartaz apresentado na figura 44 e no qual os visitantes de uma festa pública em uma conhecida cidade inglesa são convidados pelas autoridades a não demonstrarem nas ruas algumas das atitudes que poderiam causar constrangimento ao público diversificado que frequenta os festejos locais. A demanda associa claramente a noção de atitudes a atos de valoração negativa como portar copos de vidro pelas ruas, embriaguez, agressões, crimes de ódio, homofobia e racismo.

Figura 44: no attitudes

Em outros contextos, expressar uma atitude pode ter uma conotação positiva, sendo um indicador de franqueza, de originalidade ou de espontaneidade. De qualquer forma, é um termo que pertence ao linguajar cotidiano ainda que a acepção corriqueira não se assemelhe ao uso mais comum encontrado na psicologia social.

Esta dubiedade do significado nos ajuda a entender que aderir ao modelo atitudinal não significa supor necessariamente relações congruentes entre os elementos cognitivos, afetivos e comportamentais. Muitas peculiaridades marcam as relações entre as atitudes preconceituosas, as crenças estereotipadas e as condutas discriminatórias, pois nem sempre o que as pessoas dizem ou fazem é o que elas pensam ou sentem. Um dos primeiros estudos a chamar atenção para esta tendência acentuava a discrepância entre as atitudes sociais e as ações, o que contraria a relação de congruência supostamente esperada entre as avaliações e as ações. No estudo, inspiração para muitas pesquisas posteriores na área dos preconceitos e estereótipos, LaPiere (1934) perguntou a proprietários, gerentes e funcionários de hotéis e de restaurantes se aceitariam uma reserva para ele e para um casal de chineses e posteriormente estimou se as ações dos proprietários e gerentes foram condizentes com o previamente afirmado. Para entender a lógica da pesquisa é importante considerar o contexto histórico e geográfico no qual o estudo foi realizado, pois à época, os anos trinta do século passado, os asiáticos não eram objeto de uma reputação muito positiva na sociedade estadunidense, não sendo incomum estabelecimentos como hotéis e restaurantes adotarem políticas restritivas visando impedir ou segregar o acesso de clientes associados a determinados grupos étnicos ou categorias sociais. Os chineses, a categoria de imigrantes asiáticos mais frequente no século XIX, por perceberem baixa remuneração em uma nascente sociedade industrial, frequentemente estavam envolvidos em conflitos com os trabalhadores nativos e, devido à visibilidade, por estarem estabelecidos nas cidades de maior porte, eram considerados os estrangeiros por excelência (Hughes, 2006).

A discrepância entre as atitudes e as condutas dos responsáveis pelos estabelecimentos pode ser observada no quadro 3. Ainda que muitos gerentes e funcionários tenham previamente afirmado que não aceitariam receber aqueles hóspedes, concretamente apenas seis hotéis e catorze restaurantes rejeitaram ou apresentaram restrições em relação à hospedagem do casal de asiáticos. Este padrão de respostas contrasta com a intenção expressa pelos responsáveis, pois numa segunda etapa do estudo, conduzida seis meses depois, quando se solicitou por carta a reserva para o casal e asiáticos, menos de dez por cento dos estabelecimentos confirmaram o pedido.

Quadro 3: estrutura e resultados do estudo de LaPiere (1934)

O exemplo, por certo, não reflete bem os estudos atuais pertinentes às relações entre os estereótipos, os preconceitos e a discriminação, vez que o aspecto mais pragmático acabou dominando, pois os empreendedores preferiram o lucro a exprimir as suas atitudes preconceituosas. Atualmente, o descompasso é de outra ordem, sendo mais comum situações nas quais o agente pode não exprimir claramente os preconceitos que continua intimamente a acolher.

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