Resenha: representação social de crianças acerca do velho e do envelhecimento.

Sidinéa Muniz de Freitas

A velhice é significada de maneira diferente durante o decorrer da história. Percebe-se a transição de características relacionadas com a fase da velhice; anteriormente eram conceituadas como pessoas que emanavam respeito, eram anciãos. Na contemporaneidade essa adjetivação foi reformulada para um termo um pouco mais brando, mais jovial… pessoa com certa idade, idade avançada. Observa-se que em muitos casos esses indivíduos acabam sendo tão massacrados pelos informes midiáticos imperantes que acabam internalizado e consequentemente externalizando um desejo quase insano de adquirir uma gota de juventude que vivera em outra época, negando assim outra fase da vida para de certa forma serem valorizados e percebidos pela sociedade.
No artigo “Representação social das crianças acerca do velho e do envelhecimento”, Lopes e Park destacam que Featherstone (1998) aponta para uma desconstrução da categoria velhice igualando velhos e adultos jovens. Dessa forma ocorre na contemporaneidade uma revisão dos estereótipos relacionados à velhice. Essa representação do ser em suas diferenciadas fases de vida social estão também inseridas no contexto infantil, dessa forma a criança consegue apreender as informações do mundo que a cerca, englobando toda a estruturação nele existente. Essa afirmação pode ser confirmada de acordo com o que mencionam as autoras ao promoverem uma conversa com um grupo de crianças acerca da velhice e de como estas a definiam. Ora, ao definir o que seria uma pessoa velha, a maioria das crianças mencionaram características físicas como cor do cabelo ( branco) e rugas no rosto. No entanto algumas crianças maiores citaram doenças e limitações, espaços ( circulando por praças,festas públicas) e até a morte como principais elementos que as ajudam a definir o que seriam as pessoas velhas.
Percebe-se ao se fazer uma releitura sobre o artigo que as autoras consegue transmitir com clareza, coesão e objetividade que o corpo e também a aparência física são os principais meios pelo qual os indivíduos sejam estes adultos ou crianças utilizam-se para um reconhecimento acerca de qual contexto estão inseridos. No entanto observa-se no decorrer dos parágrafos escritos que independentemente da faixa etária que o indivíduo se encontre a passagem do tempo será sempre o ponto de partida para que os seres possam realizar um mútuo reconhecimento.

Referência:  LOPES, Ewellyne Suely de Lima; PARK, Margareth Brandini. Representação social das crianças acerca do velho e do envelhecimento., Estudos de Psicologia 2007,12(2), 141-148.
Disponível em: <http:WWW.scielo.br/pdf/epsici/v12n2/a06v12n2.pdf>

Resenha: da marginalidade à inclusão

Erlane Bárbara F. Nascimento

Estar à margem em sociedades capitalistas, não é para poucos ao contrário do que se pode pensar, o desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural escolhe seletivamente os seus beneficiários, sendo assim, é muito restrito associar a marginalidade apenas aos indivíduos que cometeram algum ato criminoso, transgredido as leis instituídas. Entretanto, é justamente nessa dimensão da marginalidade, associada aos que transgrediram a lei, nesse caso presidiários que se encontram em cumprimento de pena no presídio de Araguaína (To) que o artigo irá se pautar, buscando refletir de modo crítico a real possibilidade de ressocialização dos seus detentos tendo como instrumento principal a educação.

O artigo nasce como resultado de uma pesquisa promovida por Luisa Helena O. da Silva (doutora em Estudos da linguagem), Francisco Neto P. Pinto (mestre em engenharia de produção que atua como docente no curso de Pedagogia e no curso de especialização em leitura e produção escrita) e Kátia Cristina C. F. Brito (graduanda em letras). É importante situar a formação dos pesquisadores para compreender melhor o prisma de análise por eles estabelecido.

Utilizando a análise de discurso francesa que percebe a linguagem como um processo que se constitui em uma relação dialética de base histórico-cultural, é que os pesquisadores analisaram as representações sociais dos presidiários sobre educação mediante redações que lhes foram solicitadas construir pelos seus professores. Os presidiários estudam na instituição através da modalidade EJA (Educação para Jovens e Adultos) e nessas redações lhes foi pedido que expusessem a concepção que possuem do que é educação e sua importância para a ressocialização.

Problematizando a qualidade da formação dos professores para que eles tenham um efetivo preparo a fim de propiciar uma educação inclusiva em ambientes convencionais e atípicos, capaz de dialogar com a realidade dos seus estudantes. Questionando o conteúdo programático dos módulos trabalhados na unidade prisional, bem como a distância entre o que é preconizado na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e também pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) é que os autores traçam um paralelo entre ideal e prática.

Questionando a validade de termos como reeducação, embasando sua análise em teóricos como Orlandi e Forcault os autores percebem nas falas trazidas (e exemplificadas no corpo do artigo) pelos presidiários, a apropriação do discurso institucional algumas vezes em contradição com a sua própria opinião. A partir dos dados obtidos emergem algumas perguntas: A educação oferecida estaria ligada à construção da autonomia dos presidiários ou a um processo de assujeitamento com vistas unicamente a evitar a reincidência e torná-lo um ser producente? Para tirar as suas próprias conclusões, “Da marginalidade à inclusão: A socialização através da educação no Presídio de Araguaína (TO)” é um artigo que vale a pena ser lido do início ao fim.

Silva O.H.L; Pinto P.N.F; Brito F.C.C.K. (2008). Da marginalidade à inclusão: a socialização através da educação no Presídio de Araguaína (TO). Vol 13 (3): 214-230. Recuperado em 24 de Março de 2013 de http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318257.pdf

Resenha: estereótipos sociais de universitários em relação aos ambientalistas

Lucas Gondim Da Silva

Abalizado por Dias (2000), inicialmente, o texto introduz a temática das relações homem-natureza, relatando que, principalmente através da filosofia, das artes, da ciência e da religião, oriente e ocidente preocupam-se com os problemas ambientais desde a antiguidade. Segundo este mesmo autor, a preocupação ambientalista tem sua divulgação aumentada cada vez mais. O artigo também versa sobre o surgimento de movimentos ambientalistas, que, tidos como marco histórico-político internacional, engendrou-se por conta da tomada de consciência sobre a exploração predatória de recursos naturais e da evidente queda na qualidade ambiental, fruto da busca indiscriminada por lucros.
A proliferação de movimentos ambientalistas e de grupos sociais envolvidos com esta questão é tida como conseqüência da preocupação com essa temática. O fortalecimento dos movimentos ambientais atuais, em suas diversas nuances, é apontado como decorrente da percepção do quadro mundial de degradação ambiental. Viola (1987) é citado como diferenciador de três períodos na história deste movimento no Brasil: de 1974 a 1981, de 1982 a 1985 e a partir de 1986. Neste intere, houve uma transição de um movimento inicialmente apolítico para o surgimento da ecopolítica, com a participação ativa do movimento ecológico na cena partidária. A partir de então, surgem os ambientalistas, que, segundo Grisi (200) apesar da forte ligação com o termo ecologista, tem diferenças significativas, sendo o ambientalista associado ao movimento social de mesmo nome, que prega a valorização dos desejos culturais e da natureza, não unicamente dos meios de produção. Já o ecólogo seria o cientista que estuda a ecologia. Em seguida, o termo ambientalista é explicado pela concepção de mais autores. Chega-se, então, à conclusão de pode referir-se tanto ao interessado pelo meio ambiente como ao envolvido na preservação do meio ambiente. Explicita-se que o artigo refere-se ao ambientalista a partir de suas ações, de sua militância preservacionista.
Na seqüencia, o trabalho introduz a noção de que a questão ambiental é de escopo psicossocial, oferecendo uma breve explicação sobre as inter-relações homem-meio e como esta é usada para atrair a atenção de novos adeptos à causa. Em seguida, fala-se sobre a formação de certas crenças influenciadoras na percepção de determinados grupos sobre os ambientalistas, entre os quais se encontra o grupo de estudantes universitários, foco da pesquisa base deste artigo.
É introduzido, então, o conceito de estereótipos, desde o plano etimológico às definições de vários autores como Tajfel, Turner, Braly, Martinez, Morales e Pereira. Também são relatados estudos acerca dos estereótipos e, então, o artigo tem esclarecido o objetivo de realizar uma investigação exploratória descritiva dos estereótipos, acerca de ambientalistas, com a participação de estudantes universitários.
Na seção de métodos, fala-se sobre a amostra, que contou com 325 estudantes universitários, em média com 24 anos, de ambos os sexos e de cursos de ciências humanas, saúde e tecnologia. O instrumento é apresentado, sendo explicado o processo que vai da avaliação preliminar à verificação de necessidade de ajustes nas instruções, uma segunda versão e posterior correção, resultando em uma folha em branco na qual os participantes deveriam relacionar livremente atributos negativos e positivos dos ambientalistas. O procedimento consistiu em os participantes responderem aos questionários individualmente, com posterior processamento e análise dos dados pelo programa estatístico SPSS.
Em resultados e discussões, esclarece-se o intento de procurar através da palavra estímulo “ambientalistas” averiguar os conteúdos definidores deste construto, objetivando –se achar uma visão socialmente compartilhada sobre estes atores sociais. Através de análises de sinonímias e idiossincrasias, houve a categorização geradora de categorias que expressavam tanto a visão positiva como a visão negativa associada aos ambientalistas e uma terceira categoria, que não se encaixava em visões grupais, sendo por isso descartadas. Após a análise das categorias obtidas, constata-se que as mesmas podem ser estruturadas em núcleos de significação, sendo estes a dimensão política, dimensão ecológica e dimensão pessoal. Cada um desses eixos é interpretado como componente de uma dimensão semântica específica. Esta permite, já num nível interpretativo, compreender a estruturação dos significados em cada núcleo de significação. Tais dados permitiram a organização de atributos de estereotipia.
A análise seguinte permite concluir que há indicadores de estereótipos representativos acerca dos ambientalistas e que, considerando que o estereótipo faz parte da dimensão cognitiva da estrutura atitudinal dos indivíduos, supõe-se que essa visão social interfere diretamente no envolvimento afetivo-avaliativo e comportamental com as questões ambientais. Tal conclusão pode ser verificada empiricamente tanto através do comportamento pró-ambiental como das atitudes frente aos ambientalistas e da formação de discursos diferenciados sobre o tema, mas que se relacionam entre si. Pode-se, então, através do enfoque da Psicologia Social, estudar a preocupação ambiental e promover o melhor entendimento da questão e políticas efetivas no escopo socioambiental. Os resultados obtidos através deste estudo podem contribuir efetivamente para o aumento da eficácia das ações dos ambientalistas junto à opinião pública e também através do conhecimento da dinâmica psicossocial envolvida na questão ambiental.

Referência: Moreira, E., Costa, J., Costa, R. e Araújo, L. Estereótipos sociais de universitários em relação aos ambientalistas. Estudos de Psicologia (PUC-Campinas), 21, 2, 117-127, 2002

Resenha: a expressão das formas indiretas de racismo na infância

João Raphael Gomes da Silva Oliveira

O ponto inicial do artigo é uma observação crítica sobre o quanto a expressão do racismo nos adultos se apresentou na sociedade a partir da primeira metade do século XX e de que maneira ele continua se manifestando na contemporaneidade a partir das crianças. As autoras procuram levantar as formas indiretas de racismo na infância, levando em consideração que esse estudo apresenta carência de análises sobre esse tema.
Levando em consideração as novas formas de preconceito e racismo dos adultos, encontra-se no artigo teorias do racismo: ambivalente (resultado do conflito dos americanos brancos em relação aos americanos negros), a teoria do racismo simbólico (que afirma que atitudes contra os negros decorrem de ameaça aos valores do individualismo) e a teoria do preconceito sutil (que distingue duas formas de preconceito: o sutil e o flagrante). Todas as teorias citadas nesse parágrafo analisam aspectos do racismo velado. Porém, a teoria que busca ser enfatizada é a teoria do racismo aversivo. Segundo essa teoria, os contextos de resposta do indivíduo diante de uma possível situação de preconceito são o que determinam as expressões mais abertas ou veladas do racismo.
Através de alguns experimentos, tomando como base os estudos de Dovidio e Gaertner, foi possível chegar a conclusão de que quando a norma anti-racista está amostra a discriminação não se manifesta. De acordo com pesquisas de outro estudioso sobre expressões do Racismo Moderno (McConahay, 1986), a manifestação do racismo depende de quem pergunta e de quem é perguntado como em uma entrevista, por exemplo. Alguns desses estudos foram replicados e os resultados sustentaram que a norma social anti-racista se manifesta hoje de forma indireta ou encoberta.
Observamos que em determinado momento da infância a criança evolui de uma fase egocêntrica, para uma fase de sociocentrismo, em que os julgamentos sociais se baseiam na categorização e percepção de semelhanças e dessemelhanças entre grupos sociais, tudo isso por volta dos 7-8 anos que é quando as crianças, segundos os pesquisadores, reconhecem termos de tolerância e comportamento. No primeiro estudo os resultados indicaram não existir efeito do gênero sobre a discriminação. Foi observado que tanto as crianças mais novas quanto as mais velhas recompensavam mais o branco do que o negro num objetivo que buscava investigar o efeito do contexto de igualdade ou diferenciação sobre a expressão das formas indiretas de racismo levando em consideração a função da idade.
Em um segundo estudo, com a finalidade de verificar a influencia de uma norma anti-racista entre crianças brancas e negras, verificou-se que em um cenário de entrevistas a ausência da entrevistadora negra desativava os conteúdos da norma anti-racista e as crianças brancas acabaram expressando o preconceito apesar de ter relação com as crianças negras. Em outras palavras, o que tem buscado saber é se nas idades em que as crianças apresentam racismo de forma direta elas estão buscando uma análise sob o efeito de se mostrarem igualitárias. Em um terceiro experimento, foi verificado que na faixa etária de 5-7 anos, as crianças ainda não adquiriram ou interiorizaram a norma anti-racista, ao contrario das crianças que tem mais de 7 anos de idade que apresentaram ter o mesmo padrão de preconceito das suas mães.
Portanto, podemos concluir, através desses três estudos e levando em consideração as vertentes teóricas citadas acima que as novas formas de racismo tem-se confirmado como expressões sutis e indiretas por meio de reflexo das pressões das normas sociais anti-racistas sobre o indivíduo. Ficou claro que a partir dos 8 anos, nas crianças brancas, de acordo com o estudo, ocorre uma interiorização da norma anti-racista. O que também foi verificado é que em crianças mais velhas o comportamento discriminatório passa cada vez mais a se expressar de modo indireto e distante da punição social e que o processo de mudança para essa situação merece ter como ponto de início o estudo sobre como isso infere no processo de interiorização desse tipo de normas sociais e como tudo isso se configura a partir dos 8 anos de idade.

Referência Bibliográfica: França, D. e Monteiro, B. A expressão das formas indirectas de racismo na infância. Análise Psicológica, 22, 4, 705-720, 2004.

Resenha: sexismo, homofobia e outras expressões correlatas da violência

chamada

Anna Paula Brandão

O artigo pretende expor as práticas e abordagens para com as vítimas de violência, apontando os modelos teóricos que dão suporte aos profissionais inseridos em programas de apoio a vítimas de violência, comparando esses modelos e dialogando com as políticas sociais. O objetivo da autora é tratar do sexismo e da homofobia expressos através de atos de violência, destacando a importância da compreensão de questões sociais e estruturais para abordar esse tema.
Os debates sobre feminismo ganham força a partir dos anos 80, entretanto a autora relata o tímido espaço em que esse tema é abordado na academia brasileira, em contraposição a grande produção acadêmica nas áreas das ciências sociais, antropologia, história e psicologia social em países de língua anglo-saxônica. Destaca ainda as políticas sociais pautadas nas questões de gênero, com uma série de serviços e instituições especializadas, a partir da década de 80, como um possível apaziguador dos debates e discussões em torno da violência de gênero. Como se o reconhecimento público (através de políticas sociais) bastasse e encerrasse a discussão.
Entretanto, a despeito da rede especializada e da ampla quantidade de informações sobre o tema, muitas questões continuam sem superação no que tange o tema da violência, o que sinaliza uma necessidade de estar ainda pensando e dialogando sobre isso. A autora considera de extrema importância o aporte teórico estrangeiro para embasar nossos estudos, mas destaca a necessidade de estudos locais, adaptados as particularidades e singularidades brasileiras. O objetivo da autora com esse artigo é justamente contemplar a demanda por estudos no tema da homofobia, sexismo e violência.
O artigo sinaliza a falta de modelos que superem o reconhecimento de vítimas e os agressores, alegando a necessidade de ir além da descrição e catalogação de perfis, sugerindo a elaboração de estratégias mais eficazes na prevenção e combate a violência de gênero. A violência de gênero, estando enraizada de maneira forte e velada em uma sociedade que se estrutura através de relações de poder entre os indivíduos, é perpassada por uma série de variáveis e fatores que devem ser levados em conta na análise da conjuntura. O que a autora destaca é justamente uma dificuldade dos psicólogos em articular todas essas questões para adequarem a suas abordagens.
O sexismo, a homofobia e a violência de gênero, temas centrais no artigo, são cuidadosamente conceituados para esclarecer alguns pontos no debate. “Sexismo é uma posição, ou uma postura misógina, de desprezo frente ao sexo oposto” (von Smigay, 2002). É, portanto, uma atitude de discriminação frente ao sexo oposto que pode ser desempenhada por homens ou mulheres. Considerando a cultura ocidental, perpassado por valores patriarcais que ainda estão em voga, existe uma representação social a cerca das mulheres, dos papéis, espaços e funções que ela deve desempenhar na sociedade. Essa representação subsidia práticas que, na grande maioria dos casos, “desprezam, desqualificam, desautorizam e violentam as mulheres” (Von Smigay, 2002).
A homofobia está associada a uma atitude de medo e rejeição à homossexualidade (Weinberg, 1972 apud von Smigay, 2002). A autora através de Welzer-Lang (1994) discorre sobre como o medo organiza uma série de questões do dia-a-dia das pessoas. O medo, que pode desencadear o ódio, estrutura comportamentos de fuga. Em uma análise etimológica, o artigo fragmenta a palavra homofobia, situando homo como o idêntico, e fobia como o medo, portanto chegamos ao medo do simular. Extrapolando a análise etimológica, na homofobia existe um medo, um receio de se identificar, de ser simular ao objeto de preconceito e marginalização social. É nesse ponto que podemos pensar o quanto o preconceito inscreve muito mais o preconceituoso do que o objeto de preconceito (Crochík, 1995 apud Von Smigay, 2002). No medo por algo que posso surgir no sujeito preconceituoso, emergem as atitudes de rejeição, incorrendo, em alguns casos, em violência.
Em terceiro vem o conceito de violência de gênero, e autora logo destaca a importância de não haver confusões com violência contra as mulheres. Antes de tudo é necessário destacar que a especificidade dessa violência retrata uma conjuntura sociocultural em que é essencial essa distinção para evitar o prejuízo de incorrer no erro de que toda violência é igual e merece os mesmos aparelhos de atenção e tratamento. Existe, portanto, um tipo de violência que se circunscreve através de relações de poder compreendidas através do sexismo e da homofobia. Em uma cultura que coloca o homem viril em uma posição socialmente privilegiada, desprezando aqueles considerados desvirilizados – nesse ponto podemos pensar nas mulheres, nos homossexuais, nas crianças e nos idosos – a violência não pode ser abordada apenas como atos de agressão entre indivíduos iguais perante a lei. Se há uma estrutura social de desigualdade – e ela pode ser corroborada através, por exemplo, da análise das relações entre mulher e homem nas famílias, no lugar das crianças e idosos na sociedade, na representação social a cerca dos homossexuais – essa estrutura deve ser considerada através da legislação e das políticas públicas.
A partir da década de 90, o artigo cita 3 rupturas, ou modificações importantes. Em primeiro, o abandono “de uma lógica dual e contrastante, que opõem homens e mulheres”, em segundo a ruptura com “determinações mecânicas e imediatas”, em terceiro “uma recusa dos conceitos ou das perspectivas de universalização e generalização”. Esse três pontos repercutiram em um modo diferente de pensar a mulher, a começar pela necessidade em se referir ao termo no plural – as mulheres – sinalizando uma complexa e conflituosa relação social (von Smigay, 2002).
Um ponto importante do artigo é a questão da socialização dos homens. Existe um compartilhamento de valores hierárquicos e dominantes ensinados aos homens no espaço doméstico e reafirmados nos espaços públicos e este aprendizado orienta a discriminação a indivíduos e grupos considerados desvirilizados. “Tanto o sexismo quanto a homofobia estruturam o medo de abandonar as atribuições de seu grupo sexual”, assim a autora coloca o sexismo e a homofobia como formas de manter um status quo, uma relação de hierarquia. Sendo dispersa através de uma infinidade de estruturas sociais, é possível observar a sua sustentação até mesmo através das mulheres, que aprendem as normas nas relações interpessoais e romper com essas regras se mostra muito complexo, incorrendo muitas vezes na simples culpabilização das vítimas pela manutenção das estruturas de poder.
No que tange os modelos de intervenção, o artigo destaca três perspectivas: clínica, psicoeducativa e feminista. A perspectiva clínica possui base psicológica e, genericamente falando, possuem um foco na análise e abordagem das vítimas, sendo criticada por tirar o foco dos agentes de agressão, centrando os estudos e discussões em cima do sofrimento psíquico da vítima. A perspectiva psicoeducativa pauta-se em uma reinserção social do agressor. Dentro dessa perspectiva uma série de teorias é citada para compreender o contexto de emergência dos agressores e a dificuldade de modificação da relação entre agressor e vítima, além de apontar o contexto familiar como um espaço socializante que expressa uma série de violências. Dentro dessa questão do contexto familiar é importante, entretanto, ressaltar o contexto sociocultural como base para as estruturas de violência no contexto privado, sob o perigo de dedicar uma grande parcela de responsabilidade social a um contexto domiciliar que teoricamente não poderia ser acessado por políticas sociais de atenção e cuidado. Na perspectiva feminina há um foco sob o sujeito político, uma ideia de sistema de gênero pautado na hierarquia do masculino, além de uma desigualdade na maneira como a violência atinge os membros de uma família.
Para concluir o artigo, a autora traz a necessidade de uma compreensão política da violência. Ela ressalta a existência de uma violência específica contra grupos sociais desprestigiados. Portanto, “a violência não se dá em um vazio; está na cultura” (von Smigay, 2002), ela deve ser analisada sobre a ótica de uma cultura falocêntrica que localiza agressores e vítimas.

Referência: Smigay, K. Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas da violência: desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8, 11, 32-46, 2002

Resenha: aparência física e amizade íntima na adolescência- Estudo num contexto pré-universitário

Maria de Fátima Andrade Souza

Uns dos pontos mais importantes sobre a adolescência e que atualmente se estuda bastante são o desenvolvimento da capacidade para a comunicação íntima e a percepção sobre o autoconceito.
Definindo “intimidade” como uma “relação emocional” na qual, um permite ao outro sentir bem-estar, porque eles sentem o consentimento implícito para que possam revelar suas questões mais pessoais, compartilhamento dos interesses e atividades comuns, podendo também permitir as sensações, por exemplo, proximidade do corpo, toques, etc.
O autor deixa muito claro a grande importância do desenvolvimento dessa intimidade, pois ela proporciona um espaço para autorrevelação, ao crescimento e ao bem-estar desses adolescentes. Ele cita Sharabany (1994, 2000) quando expõe a estrutura dessas relações em oito dimensões: 1. Sinceridade e Espontaneidade; 2. Sensibilidades e Conhecimento; 3. Vinculação; 4. Exclusividade; 5. Dádiva e Partilha; 6. Imposição; 7. Atividades Comuns; 8. Confiança e Lealdade.
Interessante observar o quanto é difícil para o processo de desenvolvimento e expressão da intimidade sem ainda ter um exercício de autoconhecimento, sem ter definido os seus objetivos e valores perante a “sua sociedade”.
Cordeiro cita Pasini (1990), quando fala do conceito de intimidade corporal, fundamentalmente, “estruturada pela percepção que temos de nós próprios e do nosso próprio corpo, enfim, pelo nosso autoconceito.
Como a nosso sociedade, louva o corpo bonito, esbelto para as meninas e “malhado” para os meninos, esse conceito de ideal corporal se torna determinante na satisfação como um todo, por isso, muito importante na satisfação nas relações e na autoestima desses adolescentes. Outro ponto importante a ser observado: essa imagem que o adolescente tem do seu próprio corpo está intimamente ligada com a imagem que os outros lhe devolvem do seu corpo.
O exposto até agora trás uma conclusão muito importante: o corpo é um instrumento de poder e satisfação na relação com os outros e com consigo mesmo, mas muitas vezes também trás insatisfação chegando até a negação do próprio corpo.
É na adolescência que surgem estas questões com o corpo: a sua percepção, aparência física e isso vai determinar o acesso ao mundo e a toda experiência de vida.
É durante a adolescência que surgem as verdadeiras relações de amizade íntima, fazendo com que o adolescente adquira maior capacidade em expressar valores como a honestidade, descoberta de si mesmo e dos outros, assim como a verdade e todas as suas consequências na procura do prazer relacional. Nesse contexto, nos dias atuais, surgem novas formas de revelação da intimidade: chat groups, SMS, mIRC.
É mais fácil para esses adolescentes revelar-se mais aos seus pares que aos adultos, pois junto com os outros adolescentes encontram experiências idênticas para relatar. Eles escolhem então, amigos que têm os mesmos interesses, valores, credos e atitudes.
Há, entretanto, aspectos muito importantes que não podem deixar de ser considerados: as transformações dos impulsos sexuais, desenvolvimento das capacidades de pensamento, principalmente no domínio do conhecimento social e as específicas mudanças de papéis sociais.
Nesta fase, é desejável que o modelo de vida vá procurar um equilíbrio dinâmico, entre o exercício de pensar e agir para que os reconheçamos como únicos, a procura, construção e partilha de relações de intimidade e a procura também de um envolvimento na vida social, e consequentemente, o natural reconhecimento como integrante do mundo adulto. Existindo aí um grande risco, pois as falhas deste equilíbrio podem determinar falhas na construção da identidade, na autodescoberta ou até de uma forma mais radical, o isolamento social na fase tardia da adolescência.
O autor especifica os objetivos e as hipóteses do seu estudo e os métodos utilizados, assim como das escalas de medidas que utilizou.
É interessante agora, citar alguns dos resultados aos quais Cordeiro (2006) chegou com estes estudos:
1. Os resultados de Amizade Íntima são mais elevados no sexo feminino que no sexo masculino. Provavelmente este fato estará relacionado com a definição mais precoce, no sexo feminino, da sua identidade e por conseguinte, de uma definição mais clara do seu papel nas relações com os outros.
2. Quanto às dimensões que compõem a Amizade Íntima, a que apresenta resultados médios mais elevados para o total pesquisado é a Confiança e Lealdade. As relações de Amizade Íntima envolvem partilhas que não permitem a traição e se sustentam na defesa incondicional do melhor amigo perante os seus pares.
3. Para ambos os sexos, comparando os resultados das várias dimensões, observa-se que a única dimensão onde a diferença não tem expressão significativa é na dimensão Exclusividade Relacional.
4. Para ambos os sexos, a dimensão Amizade Íntima com o Melhor Amigo, a dimensão Atividades Comuns, estatisticamente, não tem nenhuma expressão.
5. Para ambos os sexos, a dimensão Amizade Íntima com a Melhor Amiga, as dimensões que são estatisticamente significativas são Vinculação, Imposição e Confiança e Lealdade.
6. Foram encontradas diferenças significativas entre os sexos nas dimensões Sinceridade e Espontaneidade, Sensibilidade e Conhecimento Mútuo, Exclusividade Relacional, Dádiva e Partilha e Atividades Comuns.
7. Quanto à Percepção do Autoconceito, para a totalidade da população em estudo foi observado um resultado médio, nitidamente acima do ponto médio da Escala utilizada, o que indica um nível de Percepção do Autoconceito médio elevado, sendo ainda mais elevados no sexo masculino.
8. A Percepção sobre a Aparência Física indica um resultado médio com valores mais elevados no sexo masculino
9. Quanto à Percepção sobre a Aparência Física e a Amizade Íntima verifica-se que não existem correlações estatisticamente significativas, segundo os sexos.
10. Na população estudada, o valor mais elevado foi encontrado na correlação Percepção sobre Aparência Física / Amizade Íntima, sugerindo que a associação dessas duas variáveis se encontram muito próximas de ser estatisticamente significativa.
Ao final do artigo, o autor ainda sugere alguns temas para discussão que aqui não serão especificados (ver artigo).

Referência: Cordeiro, Raul A. Aparência física e amizade íntima na adolescência: Estudo num contexto pré-universitário. Análise Psicológica (2006), 4 (XXIV): 509-517.

Resenha: processos cognitivos, cultura e estereótipos sociais

Rafael Raposo

No correria da vida contemporânea o homem vive a fazer escolhas, e até juízos de valor, que muitas vezes passam despercebidas por ele. Por esta razão, Water Lippmann se preocupou em compreender como as representações da realidade social são construídas pelas pessoas. Como as pessoas se situam no mundo? Como organizam as inúmeras informações que dispõem? Porque se apegam a algumas informações e desprezam outras? Para entendermos estas questões é de suma importância conhecer o trabalho de Walter Lippmann: um dos primeiros teóricos a fazer uma reflexão sistemática sobre os estereótipos.
Este teórico afirma que as representações guiam o indivíduo e o auxiliam quando ele precisa lidar com informações complexas, entretanto, estas representações funcionam também como defesas que possibilitam ao mesmo proteger os seus valores, os seus interesses, as suas ideologias. Nesta ótica, as representações não possuem uma posição neutra, pois sofrem uma influência maior do observador do que do objeto propriamente dito.
Lippmann também tenta compreender de que modo à cultura influencia no recorte que o indivíduo faz da realidade, e de que forma estes recortes ganham consistência e estabilidade de significado. Devido a isso, o autor analisa o papel dos preconceitos para a utilização da informação a partir da interpretação da realidade, da memorização e recuperação das informações.
Paralelo a isso, Lippmann analisa a função dos estereótipos na representação da realidade do indivíduo. O teórico define os estereótipos como imagens mentais que auxiliam os indivíduos no processamento da informação que fica delimitado entre o indivíduo e a realidade. Assim, os estereótipos sofrem forte influência do sistema de valores do indivíduo, tendo como função a organização e estruturação da realidade.
Um exemplo para ilustrar como os estereótipos influenciam a representação da realidade do indivíduo (estereótipos individuais), e também pode ficar a mercê das influências culturais (estereótipos sociais), é o estudo de Katz e Braly (1933, citado por Cabecinhas, 2004) em que foi pedido a 100 estudantes universitários para apontarem cinco traços típicos de cada um dos dez grupos-alvo expostos. Aos americanos brancos foram apontadas características positivas (empreendedores, inteligentes, materialistas, ambiciosos e progressistas) totalmente interligadas ao sonho americano propagado na época do estudo, enquanto os americanos negros foram incluídos em categorias negativas (supersticiosos, preguiçosos, despreocupados, ignorantes e musicais) totalmente contrárias aos valores que o “sonho americano” reforçava. Através deste resultado o estudo pode apontar uma das inúmeras variáveis que apontam o motivo da exclusão social que os negros sofriam na época.
Nesse sentido Karlins (et al., 1969 citado por Cabecinhas, 2004) enfatizam a importância da distinção entre os estereótipos pessoais (psicológicos), e os estereótipos sociais (culturais). Os autores defendem que se por um lado os estereótipos culturais dos negros são negativos, as crenças pessoais (estereótipos pessoais) são positivas. Muitos participantes demonstraram uma opinião de apoio aos negros.
Entretanto, mesmo afirmando que os estereótipos funcionam de forma inevitável, Lippmann propôs uma educação crítica para que os indivíduos se conscientizarem do caráter subjetivo que a sua apreensão da realidade possui. Portanto, é de suma importância conhecer o trabalho inovador de Lippmann – seus êxitos e as lacunas deixadas pela sua teoria – para que os pesquisadores sobre estereótipos possam desenvolver novas pesquisas que possibilitem uma melhor compreensão sobre os estereótipos.

Referência Bibliográfica
CABECINHAS, R. (2004). Processos cognitivos, cultura e estereótipos sociais. Actas do II Congresso Ibérico de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 21-24 de Abril.

Resenha: O brasileiro, o racismo silencioso e emancipação do afrodescendente

Viviane Martins

O Ensaio “O brasileiro, o racismo silencioso e emancipação do afrodescendente”, escrito em 2002 pelo psicólogo, doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento, Ricardo Ferreira trata sobre como o racismo sutil foi estabelecido no Brasil e como se constitui a identidade do negro em nosso país. O autor utiliza a história de uma família constituída por pessoas negras a fim de ilustrar o texto. Ferreira inicia seu Ensaio trazendo a questão da democracia racial brasileira como sendo uma farsa e um entrave para o combate ao racismo
e ao preconceito racial no Brasil. Algumas pesquisas apontam que 90% dos brasileiros acreditam que o racismo existe e conhecem pessoas racistas, porém apenas 10% das pessoas pesquisadas afirmaram ter preconceito racial, ou seja, ele é atribuído, na maioria dos casos, ao outro. Dessa forma, dificulta-se o enfrentamento, já que as pessoas não admitem possuir esse tipo de atitude.

O autor cita o “gradiente de cor” existente na população negra, usando o exemplo da família citada; as três mulheres da família não se autoafirmavam negras – uma se dizia branca, a outra morena e a última, mulata. Apenas a partir das experiências de discriminação racial e do contato com a militância, todas passaram a se reconhecerem como negras. O preconceito racial, de um modo geral, não é tratado abertamente nas famílias. Pelo contrário, denominar o negro de moreno parece ser politicamente correto. O autor relembra que a identidade é construída a partir das interações sociais, então o silenciar sobre o preconceito racial vivenciado pelo afrodescendente contribui para a introjeção de valores negativos em relação a si mesmo e ao seu próprio grupo.

Posteriormente, o autor apresenta aspectos históricos, os quais ele acredita ter contribuído com a instalação do preconceito no Brasil. O primeiro deles é a própria Modernidade, tendo como marco inicial o período das Grandes Navegações e a descoberta do Novo Mundo. A Modernidade trouxe a necessidade de ordem e progresso e para isso, foi adotada, de forma exacerbada, a estratégia de classificar que, para o
autor, significa “incluir o semelhante no padrão desejável e excluir o diferente”. Consequentemente, a intolerância torna-se característica básica das práticas modernas, tornando possível o genocídio. O holocausto judaico é apresentado como exemplo. Ele traz também a escravidão no Brasil como exemplo de um genocídio que ele chama de silencioso: “a experiência da escravidão no Brasil transformou o africano em escravo, o escravo em negro, e o negro numa pessoa destinada a ‘desaparecer’, em nome da constituição de um povo cordial e moreno.”

O segundo aspecto histórico foram as ideias de branqueamento defendidas no início do século XX por intelectuais e cientistas, legitimando a ideia de inferioridade do negro. Estas ideias previam a extinção do negro no Brasil e a imigração do branco europeu a fim de favorecer essa extinção.

O autor delimita três condições que tornaram possível o desenvolvimento do preconceito e sua forma de expressão no referido país: a primeira é a desvalorização e eliminação do diferente em nome da busca pela ordem; a segunda, o processo histórico de escravização do negro africano, reduzindo-o a um mero objeto de uso; a terceira e última consistiu na disseminação de ideias, legitimadas pela ciência, que afirmavam a inferioridade do negro e previam a sua extinção. Na década de 1930, Gilberto Freyre formula o mito da democracia racial, contribuindo com a forma de expressão do preconceito racial à brasileira.

Ferreira coloca ainda em seu Ensaio que o mundo utiliza como referência o padrão branco, o negro acaba por utilizar a referência desse padrão branco na constituição de sua identidade, desvalorizando o “mundo negro” e, consequentemente, desvalorizando a si próprio. A escola acaba sendo conivente e até servindo como espaço para que essa suposta inferioridade do negro seja ratificada. Além disso, o negro é responsabilizado pelos problemas etnorraciais, ou seja, os problemas socioeconômicos enfrentados pelos negros é de responsabilidade apenas deles, esquecendo-se o processo histórico e as questões sociais que ocasionaram esses problemas, de fato. O autor considera também que o padrão de beleza que impera na sociedade é o padrão branco. Dessa forma, o indivíduo negro tem a sensação de não pertencer a nenhum grupo, portanto se sente desvalorizado socialmente. O texto afirma que pesquisas apontam que pessoas submetidas à discriminação tendem a apresentar baixa autoestima, autoconceito pobre, ansiedade e depressão. Porém, se o negro toma consciência dessa desvalorização, ele pode iniciar um processo de enfrentamento, valorizando-se por suas
características raciais. A partir das experiências discriminatórias, o negro é obrigado a pensar sobre as questões raciais, o que acaba proporcionando a desarticulação com o mundo simbólico e uma série de sentimentos “negativos”, que o movem para a ação. Nesse momento, o negro pode vir a praticar o preconceito contra o branco. Ele ainda enxerga a identidade negra como algo externo e acaba por se comportar de forma estereotipada, ou seja, como acha que o negro deve agir. O indivíduo se apega exageradamente a símbolos da cultura negra e acaba por excluir o diferente. Segundo o autor, nesse momento, o negro ainda não está constituindo a nova identidade a partir dos valores negros, mas a partir da desvalorização e exclusão dos padrões brancos. Com o passar do tempo, o indivíduo torna-se menos radical e abandona a visão idealizada e romântica em relação à negritude. Ferreira afirma que “a ‘nova identidade’ construída possui três funções dinâmicas: defender e proteger a pessoa de agressões psicológicas; prover um sentido de pertença e ancoradouro social; e prover uma fundação, ou ponto de partida, para transações com pessoas de culturas diferentes daquelas referenciadas em matrizes africanas.”
Na última sessão do texto, o autor coloca algumas propostas em pauta: a realização de um debate no contexto escolar sobre o preconceito e as páticas discriminatórias, já que a escola é responsável pela formação e educação; a participação do negro em grupos de militância, com o fim de que a vergonha de ser negro, se transforma em orgulho de ser negro; a ampliação do debate na academia e a contribuição da Psicologia no
combate à discriminação; por fim o autor propõe “que a pessoa branca deixe de negar suas raízes culturais africanas e indígenas, assim como o negro brasileiro, sua raízes culturais europeias e também indígenas.”

Ferreira conclui o texto afirmando que aceitação da alteridade é condição fundamental para que haja a reversão do preconceito. Quando o autor coloca os aspectos históricos, a interpretação possível é que o ato de classificar e a necessidade de ordem surgiram junto com a Modernidade, sendo esta responsável até mesmo por genocídios. Sabe-se que o ato de classificar é inevitável ao ser humano e é necessário, pois simplifica nossa vida no mundo. A estratégia de classificar é tão antiga quanto a própria vida em sociedade ou em grupo, assim como a necessidade de ordem. Desde o princípio da humanidade existe a necessidade de se ordenar, como por exemplo, é o caso da divisão de papeis desde a Pré-história que, provavelmente, tinha a função de manter certa ordem. Na Idade Média, os romanos classificavam como “bárbaros” todos os estrangeiros. Certamente, essa nomenclatura era carregada de preconceitos em relação aos estrangeiros, o que significa que a intolerância não é característica restrita à Idade Moderna. Outro aspecto a ser considerado é questão da possibilidade do genocídio que, segundo Ferreira, foi proporcionada pela Modernidade. Sabe-se que as Cruzadas promovidas pela Igreja em nome de Deus foram verdadeiros genocídios. Centenas de pessoas foram mortas nas Cruzadas em nome também de uma ordem, da evitação e combate ao “caos”. Uma verdadeira eliminação do diferente, daquele que não estava de acordo com os padrões delimitados pela Igreja. Ferreira trata da escravidão no Brasil como um genocídio silencioso; provavelmente ele não considerou, neste Ensaio, as inúmeras e frequentes mortes de negros africanos, sobretudo, nos navios negreiros que transportavam os africanos de forma bastante precária e até desumana. Foi um genocídio nada silencioso. O autor descreve um processo de construção identitária do negro brasileiro (que ele chama de afrodescendente) sem deixar claro uma
fundamentação teórica e empírica consistente. Além disso, a forma de construção dessa identidade descrita no texto parece uma ideia generalizada e, o que é mais grave, padronizada. Os movimentos negros mais incisivos e radicais são tratados no texto como românticos e idealizadores da negritude, possuidores de atitudes preconceituosas em relação aos brancos. Para o autor, os militantes desse tipo de movimento estão em fase de transição no processo constituinte de sua identidade. Essas afirmações podem ser facilmente negadas: a supervalorização da cultura negra afrobrasileira não constitui uma forma de desvalorizar a cultura branca, pois esta já está supervalorizada. Não pode se utilizar as mesmas estratégias para grupos socialmente e historicamente diferentes. Faz-se necessária uma forma de reparação do grupo oprimido social, economica e historicamente. As possíveis soluções para o combate ao preconceito e discriminação racial apresentadas pelo autor possuem eficácia duvidosa. Atualmente, sabe-se que a melhor forma de diluição do preconceito é tratá-lo de forma indireta, utilizando-se a estratégia grupal da aprendizagem colaborativa.
Apesar de apresentar algumas lacunas, este Ensaio traz ideias bem estruturadas, e os argumentos usados para explicar o motivo da forma de expressão do preconceito racial no Brasil estão bem colocados, de forma a convencer o leitor; ele parece atingir o objetivo ao qual se propõe.

Ferreira, R. F., O Brasileiro, O Racismo Silencioso e Emancipação do Afrodescendente. Psicologia & Sociedade; 14 (1): 69-86; jan/jun. 2002.

Resenha – Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?

Marta Silva Dantas de Matos

O artigo fonte dessa resenha é produto da tese de doutorado em antropologia “Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte” (Gomes, 2002). A autora embasa sua discussão nos depoimentos de mulheres negras frequentadoras de salões de beleza étnicos. Destaca o papel da escola como um ambiente de reprodução dos estereótipos sociais dirigidos ao corpo e ao cabelo e como o racismo, presente também na trajetória escolar, pode deixar marcas que ficam visíveis até a vida adulta. Os depoimentos coletados apontam a escola como um ambiente onde acriança negra entra em contato com o racismo e com a discriminação. O segundo ambiente de socialização é também o lugar no qual a criança conhece o outro, a diferença e a desigualdade. Essa é uma discussão relevante, pois, desvincula a imagem da escola de um lugar livre de desigualdades, colocando-a como um ambiente social de produção e reprodução de preconceitos e discriminação. Altera também a imagem das crianças, apresentando-as como reprodutoras de estereótipos já
cristalizados na sociedade. Se o negro está fisicamente na sala de aula ele também precisa está representado nos livros didáticos, nas disciplinas, na cultura escolar, nos murais e em tudo que envolva as atividades pedagógicas, curriculares e extracurriculares da escola. É preciso repensar o local destinado aos negros no processo de ensino com o intuito de construir imagens positivas de identificação durante o processo de
escolarização. Na escola, além de português, matemática, geografia e história, as crianças aprendem e diferenciam o “bom” e o “belo”. A autora propõe que para que as experiências dos negros sejam articuladas com as experiências escolares é preciso que os primeiro sejam ouvidos atentamente. Assim, a relação da negra com o cabelo é aqui apresentada como um dos temas norteadores da resignificação das práticas pedagógicas e dos conteúdos tratados no universo escolar. É uma tentativa de aprofundamento e valorização. A escola enquanto um
ambiente de formação de pessoas e de Identidades precisa contemplar todas as formas de existir que formam a cultura brasileira.
O corpo é um objeto de expressão. É o meio que usamos para mostrar ao outro os nossos gostos e a nossa trajetória. É sabido que o corpo e o cabelo do negro são elementos de denuncia, luta, resistência e marcas.
Porém, a escola precisa está atenta ao apresentar isso. Não se pode anunciar apenas um lado da história e subtrair da fala e das práticas a história de um povo que usou o corpo como mecanismo de resistência e o cabelo como denúncia da sua inconformidade (ou conformidade) com o ideal de beleza pré-estabelecido.
A história e a biologia sempre apresentaram as especificidades do corpo negro que serviram como justificadoras da escravidão. Agora, o que precisa ser apresentada são as modificações, as artes, os enfeites
e as alegorias usadas e feitas no corpo como forma de identidade e pertencimento grupal. Nos depoimentos utilizados, a trança surge como técnica de opressão capilar e o alisamento como uma forma de sanar a dor causada pela produção da trança. Não se pode esquecer, porém, que optar pelo cabelo liso não é somente escapar da dor, mas também corresponder ao padrão desejado de beleza.
A escola impõe um modelo higienista e a trança surge como um modo de cuidar e arrumar do cabelo na tentativa de romper com os estereótipos do negro descabelado e sujo. Além disso, a trança é resignificada e passa a ser um estilo negro de penteado e adorno diferente dos usados pelas crianças brancas. Na escola além de ocorrer o primeiro contato com a alteridade, com a discriminação e com o que é normativo, estabelecem-se tensões entre a
vida privada e a vida pública e as crianças aprendem que o cabelo bom é o liso e que o crespo é ruim e indesejável. Na escola a criança vive as primeiras experiências públicas de rejeição do corpo. Se no
ambiente escolar há a possibilidade da discriminação gerar uma baixa autoestima e sentimentos de inferioridade, com os iguais, existe a possibilidade de construção de uma autoimagem positiva de si e do seu
grupo e a criação de estratégias para lidar, por exemplo, com o cabelo. A autora sugere que por estar ligada ao contexto cultural, histórico e político, a subjetividade e a construção da identidade negra passam
por processos coletivos e individuais e que por isso cada sujeito encontra uma forma de lidar com as questões que envolvem sua raça. Nesse contexto, a informação é umO artigo fonte dessa resenha é produto da tese de doutorado em antropologia “Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte” (Gomes, 2002). A autora embasa sua discussão nos depoimentos de mulheres negras frequentadoras de salões de beleza étnicos. Destaca o papel da escola como um ambiente de reprodução dos estereótipos sociais dirigidos ao corpo e ao cabelo e como o racismo, presente também na trajetória
escolar, pode deixar marcas que ficam visíveis até a vida adulta. Os depoimentos coletados apontam a escola como um ambiente onde a criança negra entra em contato com o racismo e com a discriminação. O
segundo ambiente de socialização é também o lugar no qual a criança conhece o outro, a diferença e a desigualdade. Essa é uma discussão relevante, pois, desvincula a imagem da escola de um lugar livre de
desigualdades, colocando-a como um ambiente social de produção e reprodução de preconceitos e discriminação. Altera também a imagem das crianças, apresentando-as como reprodutoras de estereótipos já
cristalizados na sociedade. Se o negro está fisicamente na sala de aula ele também precisa está representado nos livros didáticos, nas disciplinas, na cultura escolar, nos murais e em tudo que envolva as atividades pedagógicas, curriculares e extracurriculares da escola. É preciso repensar o local destinado aos negros no processo de ensino com o intuito de construir imagens positivas de identificação durante o processo de escolarização. Na escola, além de português, matemática, geografia e história, as crianças aprendem e diferenciam o “bom” e o “belo”. A autora propõe que para que as experiências dos negros sejam
articuladas com as experiências escolares é preciso que os primeiro sejam ouvidos atentamente. Assim, a relação da negra com o cabelo é aqui apresentada como um dos temas norteadores da resignificação das
práticas pedagógicas e dos conteúdos tratados no universo escolar. É uma tentativa de aprofundamento e valorização. A escola enquanto um ambiente de formação de pessoas e de Identidades precisa contemplar todas as formas de existir que formam a cultura brasileira. O corpo é um objeto de expressão. É o meio que usamos para mostrar ao outro os nossos gostos e a nossa trajetória. É sabido que o corpo e o cabelo do negro são elementos de denuncia, luta, resistência e marcas. Porém, a escola precisa está atenta ao apresentar isso. Não se pode anunciar apenas um lado da história e subtrair da fala e das práticas a história de um povo que usou o corpo como mecanismo de resistência e o cabelo como denúncia da sua inconformidade (ou conformidade) com o ideal de beleza pré-estabelecido. A história e a biologia sempre apresentaram as especificidades do
corpo negro que serviram como justificadoras da escravidão. Agora, o que precisa ser apresentada são as modificações, as artes, os enfeites e as alegorias usadas e feitas no corpo como forma de identidade e
pertencimento grupal. Nos depoimentos utilizados, a trança surge como técnica de opressão
capilar e o alisamento como uma forma de sanar a dor causada pela produção da trança. Não se pode esquecer, porém, que optar pelo cabelo liso não é somente escapar da dor, mas também corresponder ao padrão
desejado de beleza. A escola impõe um modelo higienista e a trança surge como um modo de cuidar e arrumar do cabelo na tentativa de romper com os estereótipos do negro descabelado e sujo. Além disso, a trança é resignificada e passa a ser um estilo negro de penteado e adorno diferente dos usados pelas crianças brancas. Na escola além de ocorrer o primeiro contato com a alteridade, com a discriminação e com o que é normativo, estabelecem-se tensões entre a vida privada e a vida pública e as crianças aprendem que o cabelo bom
é o liso e que o crespo é ruim e indesejável. Na escola a criança vive as primeiras experiências públicas de rejeição do corpo. Se no ambiente escolar há a possibilidade da discriminação gerar uma baixa autoestima e sentimentos de inferioridade, com os iguais, existe a possibilidade de construção de uma autoimagem positiva de si e do seu grupo e a criação de estratégias para lidar, por exemplo, com o
cabelo.
A autora sugere que por estar ligada ao contexto cultural, histórico e político, a subjetividade e a construção da identidade negra passam por processos coletivos e individuais e que por isso cada sujeito
encontra uma forma de lidar com as questões que envolvem sua raça. Nesse contexto, a informação é um elemento importante para a autoaceitação. A conclusão do artigo é esperançosa ao afirmar que a escola pode atuar tanto na reprodução de estereótipos sobre o negro, o corpo e o cabelo, quanto na superação dos mesmos. Para isso, elas terão que ser consideradas temáticas merecedoras de um lugar nos currículos e em nas discussões pedagógicas. É necessário também entender a construção da questão racial na subjetividade e no cotidiano dos indivíduos e o peso da educação escolar nesse processo. O cabelo e a cor da pele podem – e devem – sair do lugar da inferioridade e ocupar o lugar da beleza negra, assumindo uma significação política. O cabelo compõe um estilo político, de moda e de vida.

Gomes, N. L. (2000). Trajetórias Escolares, Corpo Negro e Cabelo Crespo: Reprodução de Estereótipos ou Ressignificação Cultural? Revista Brasileira de Educação, Set-Dez, nº 21, São Paulo, Brasil, pp.40-51.

Resenha – Desvendando mitos: os computadores e o desempenho no sistema escolar

Jonatan Santana Batista

Os temas tecnologia da informação e educação usualmente costumam ser associados e em duas décadas, poucos puderam ousar a colocar tal crença em dúvida. Os autores ao realizarem um estudo com crianças predominantemente de 4° e 8° série do ensino fundamental, engendram uma forma de pesquisar a relação entre informática e rendimento escolar, primeiro tentando definir os dois fenômenos, e em seguida estabelecendo o contexto no qual as relações entre estes ficam situadas. Através deste estudo, os autores colocam mais interrogações nesta questão; É correto o fomento de novas políticas públicas de educação voltadas para a inserção tecnológica especialmente no que tange a informática? Este investimento tem repercutido em melhoria no desempenho dos alunos? Segundo os autores, embora simples, estas perguntas não vem recebendo devida atenção, carecendo de mais cuidado.
De início os autores sustentam que embora o objetivo da escola seja a integração, de modo a igualar o acesso as oportunidades, na prática à instituição escolar tem refletido as desigualdades, e o Estado ao tentar reduzir tal efeito, a partir do final do século 20, começou a investir de forma massiva em informática, no que se refere a partir das Leis de Diretrizes (LDB). Tal lei precisou a informatização nas escolas públicas no intuito de preparar os estudantes para uma dinâmica emergente e já presente nos países industrializados. A constante mudança tecnológica e os impactos destes não deveriam de forma alguma passar despercebidos pelos estudantes. Aliado a este propósito, o Mapa da Exclusão Digital, fomento da Fundação Getúlio Vargas (2003), afirma uma melhoria no desempenho escolar de alunos que possuem acesso à internet. O Mapa da Exclusão digital fora utilizado para mapear os locais onde se faria obrigatória à inclusão digital, enquanto dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (surgiu em 1990, consistia em uma prova a ser aplicada em todos os estados), fornece uma conclusão que serviu de apoio as políticas governamentais: investir em computadores e internet para melhorar a qualidade de ensino.
De acordo com a revisão bibliográfica internacional feita pelos autores, há uma ênfase sobre o papel positivo da tecnologia nos diversos âmbitos, inclusive sobre seus impactos na juventude. Mas, ao compilar os artigos que tratam está temática, percebe-se que as conclusões que defendem esta máxima praticamente inquestionável, carecem de dados concretos (sem contar a existência de artigos na mesma condição, mas que afirmam o contrário), não sendo nada além de dados específicos resultante de estudos segmentados, em disciplinas específicas, que sendo generalizadas transpõem a imagem em foco abrangente de um progresso educacional proporcional à inserção tecnológica. O que no Brasil, dados do SAEB expuseram uma intrigante conclusão: dentre todos os fatores de impacto estatisticamente significantes, o único não contemplado é o uso do computador em classe. Outros estudos feitos com alunos da 4° e 8° série, confirmam que o uso do computador foi positivo para as ultimas, mas não para as primeiras. Um estudo feito nos EUA comprovou que o uso de ferramentas virtuais, não gerou melhora na produtividade dos estudantes, mas sim da estilização da apresentação dos trabalhos, não influindo de forma alguma no conteúdo destes.
Os autores ressaltam que mesmo que existam estudos que comprovem que nem sempre a inserção tecnológica está associada ao ganho, mas muitas vezes, tem contribuído para a redução no desempenho (Dwyer, 1997), o uso de tecnologias da informação tem servido de base para altas expectativas em torno do consumo. Como explicar a permanência desta crença? Os autores sugerem que a educação pode ser vista de duas formas: através dos dados objetivos ou através de uma perspectiva ideológica, esta ultima baseada numa visão de mundo que reflete as expectativas referindo-se ao uso de informática nas escolas. Visando se voltar à primeira forma e reduzir os impactos da segunda, foram criados e padronizados testes, dentre os quais o SAEB se constitui exemplo.
As pesquisas do SAEB tentam de um lado, mostrar as influências do neoliberalismo, e por outro focar-se apenas nos dados obtidos, buscando fotografar o ensino básico. Os autores sustentam que uma ênfase predominante no segundo foco, tende a desconsiderar que os dados e suas interpretações podem confirmar ou contestar uma ideologia. Como exemplo, ressaltam o Mapa da Inclusão Digital (FGV, 2003), construído a partir de um estudo feito com alunos da 4° série evidenciando que alunos ao possuírem computadores em suas residências, demonstram melhor desempenho em matemática. O que se torna visível para os autores neste argumento é a ocultação do fato de que a classe social de cada aluno interferia diretamente neste “desempenho”.
A análise dos dados do SAEB demonstra que usar o computador raramente é associado a um melhor desempenho escolar; a literatura internacional também parece ir em direção contrária à evidência de que o computador é um total benefício para os estudantes do ensino fundamental e médio, o que contrasta com a crença da maioria das pessoas; tal crença, não sendo sustentada através dos estudos científicos, passa a ser mantida ideologicamente através de um discurso político, direcionado as politicas públicas. Os autores concluem que: se o uso do computador no cotidiano dos estudantes não resulta em ganho geral de desempenho e produtividade, não será a ausência do uso do mesmo, a solução. Os autores sustentam que estudos corroboram a tese de que a ausência de uso do computador além de não gerar ganho específico em disciplina alguma, resulta em pior desempenho geral do que aqueles que pouco o utilizam. Seria então sensato sugerir o uso moderado do computador, mas caberia a tarefa de definir o que seria “uso moderado” nos dias atuais, o que não é colocado como foco de estudo pelos autores, mas, é necessário para gerar reflexão acerca do uso do computador no cotidiano. Sobre isto, recentemente uma matéria do site UNIVERSIA.COM abordou o mesmo tema, ressaltando um estudo feito pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), alegando o uso de tecnologia em sala de aula como necessário para aumentar o rendimento dos alunos. No entanto, como fora ressaltado no início deste texto, grande parte dos estudos que confirmam tal máxima, referem-se a habilidades específicas, que neste caso, referia-se a matemática e a física. Mas na divulgação do trabalho, apresentava a tecnologia em classe como critério para melhoria do desenvolvimento geral dos discentes. Este dado é importante para que o leitor atento perceba o papel que a escrita e a divulgação tem, tornando-se nestes casos capaz de afirmar o que esta além do escopo dos dados obtidos.

Referência: Dwyer, T., Wainer, J., Dutra, R., Covic, A., Magalhães, V. Ferreira, L., Pimenta, V. e Kleucio, C. Desvendando mitos: os computadores e o desempenho no sistema escolar. Educação & Sociedade, 28, 101, 1303-1328, 2007.

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