Resenha: Diferença e Igualdade nas Relações de Gênero – Revisitando o Debate

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Luciana Alfano Moreira

   O texto Diferença e Igualdade nas Relações de Gênero: Revisitando o Debate, de autoria da Doutora em Psicologia pela USP/SP Maria de Fátima Araújo, visa debater as mudanças nas relações de gênero e a crise na masculinidade sob o impacto do feminismo, a partir de um levantamento bibliográfico utilizando diversos estudos de gênero sobre as subjetividades femininas e masculinas.
A autora inicia o artigo trazendo o conceito de gênero e a discussão do seu uso como categoria de análise, fazendo, primeiramente, a diferenciação entre o significado gramatical que serve para designar os indivíduos de sexos diferentes, relacionado à Biologia, e o seu significado cultural, relacional e situado na esfera social, baseado no uso do conceito de gênero pelas feministas. E esse caráter relacional do gênero levou a uma revisão dos estudos centrados nas mulheres, abrindo a demanda para os estudos sobre as relações de gênero, em que os homens não podem ser estudados independentemente das mulheres e vice versa. E no que tange à utilização do gênero como categoria de análise, a autora busca os estudos de Scott(1995), da brasileira Saffiotti(1997), e da historiadora francesa Louise Tilly(1994) para defender o seu uso, visto que a autora Maria de Fátima Araújo entende o gênero como uma categoria empírica, história e, portanto, analítica.
De acordo com Scott, o gênero é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado, um elemento construtivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e, também, um modo primordial de dar significado às relações de poder. E estudar as mudanças na organização das relações sociais é estudar as mudanças nas representações de poder correspondentes. Ela busca compreender como o gênero constrói as relações sociais, como a política constrói o gênero e como o gênero constrói a política. Tilly corrobora com o pensamento de Scott e defende a necessidade de tornar o gênero uma categoria de análise, em detrimento dos métodos descritivos dos estudos sobre a história das mulheres. Já para Saffiotti, gênero (como etnia, raça e classe) são categorias de análise e operam na realidade empírica enquanto categorias históricas.
A autora também entende o gênero como sendo uma categoria política que pode ser usado para estudar a problemática da igualdade e da diferença. Historicamente, a discussão sobre as diferenças entre os sexos desenvolveu-se a partir de duas concepções: a) a essencialista: que acreditava na diferença sexual e na “essência feminina”, supõe um feminismo universal; e a b) culturalista, na qual as diferenças sexuais são resultados da socialização e da cultura. Uma terceira concepção proposta por Françoise Collin(1992) traz igualdade e diferença constituindo uma única categoria, em que há o respeito pelas diferenças, mas também a necessidade delas. Collin propôs pensar a diferença em 3 níveis: entre o sujeito-mulher e sua condição de mulher; entre as mulheres; e entre as mulheres e o mundo dos homens. Para Collin, uma mulher não é só uma mulher, ela não se reduz a sua feminilidade, é um sujeito heterogêneo.
Scott também compactua essa posição, com a afirmação de que a própria oposição binária igualdade-diferença oculta sua interdependência, já que igualdade não é a eliminação da diferença e a diferença não impede a igualdade. A enorme diversidade de identidades supera as classificações macho/fêmea, masculino/feminino, sendo tais diferenças a própria condição das identidades individuais, o verdadeiro  sentido da identidade.
O artigo de Maria de Fátima também traz um breve histórico do movimento feminista e da luta pela igualdade, logo substituída pelo debate igualdade-versus-diferença, na segunda metade da década de 70, quando se passou a falar de diferença cultural feminina, experiência feminina, e do reconhecimento da diversidade cultural de gênero. Revistas as estratégias de luta, ao final dos anos 80, as mulheres passaram a defender a igualdade não mais em nome da capacidade de se assemelharem aos homens, mas, sobretudo, por desejarem a igualdade nas diferenças.
A estratégia de luta da igualdade nas diferenças propiciou uma possível mudança nas relações de gênero, a valorização do feminino e até a libertação, por parte dos homens e das mulheres, de velhos estereótipos. Mas ao levantar a bandeira da igualdade nas diferenças, e propor tal valorização do feminino, o discurso feminista também esbarram no antigo dualismo masculino/feminino, atribuindo valores e características diferentes para cada sexo e excluindo outras possibilidades de que homens e mulheres se diferenciem dos modelos estereotipados e rígidos.
Para Maria de Fátima Araújo, as transformações propiciam que os homens se libertem do peso do machismo e que as mulheres se livrem do imperativo do feminino, adquirindo autonomia e liberdade, sem ter que seguir as características determinadas pelo gênero. Mais uma vez trazendo e consolidando a ideia do gênero como construção social; e nessa perspectiva reconstruir o feminino implica também numa reconstrução do masculino.
Na última parte de seu texto, a autora encerra de forma bastante otimista, afirmando que os homens estão tomando consciência dos conflitos impostos pelo machismo, fugindo do sexismo, e que homens e mulheres estão se distanciando dos modelos estereotipados de gênero e desenvolvendo novas formas de subjetividade. Não se pode discordar que um novo modelo de homem esteja surgindo como consequência de fatores como a independência financeira das mulheres e das políticas de proteção, além de anos e anos de luta feminista, dentre outras coisas, mas também é sabido que essas mudanças caminham a passos lentos. A posição otimista da autora não pode ser simplesmente estendida a todos os homens, nem mesmo a todas as mulheres, que também são propagadoras de pensamentos machistas, preconceituosos e estereotipados em relação a elas mesmas. Transformações como as que a autora já enxerga levam várias gerações para acontecer e dependem de vários outros motivos além dos expostos pela autora Maria de Fátima Araújo.

Referência: Araújo, M. F. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psicologia clínica, 2005, 17,2,41-52

Resenha: Interagindo com homens sexistas dispara a ameaça a identidade social entre mulheres engenheiras

Gustavo Siquara

O estudo em questão teve como objetivo avaliar a ameaça a identidade social de mulheres engenheiras em interação com homens sexistas e a possível diminuição do desempenho. Na interação entre os indivíduos existem padrões e julgamentos que fazemos sobre os outros. A interação pode ser um pouco mais complicada quando se trabalha com o papel de gênero. Nesse sentido atitudes sexistas despertam um interesse particular na interação tal como na área de engenharia e matemática. Mulheres nesse campo de atuação normalmente tem um estereotipo negativo de incompetência e atitudes sexistas de ameaça ambiental.
A ameaça à identidade social pode resultar em um baixo desempenho e incertezas sobre o seu pertencimento. O que os autores propõem é que o estereotipo negativo e comportamentos sexistas dos homens criam um ambiente de desvalorização da mulher e das suas contribuições e habilidades. A hipótese do estudo é que atitudes sexistas dos homens engenheiros e matemáticas possam ativar a ameaça à identidade social em mulheres através dos comportamentos interpessoais que desvalorizam as contribuições e habilidades das mulheres. Para a investigação do estudo foi realizados um total de cinco experimentos. No estudo 1, foi investigado se o nível de sexismo do homem poderia predizer o comportamento para as mulheres com quem eles interagem. Nesse caso os autores procuraram predizer se quanto mais sexista o homem poderia mostrar uma maior dominância sutil na interação com as mulheres. Nos estudos de 2 a 5 os autores examinaram se o nível de sexismo tem efeito sobre os padrões de interação. Ou seja, eles investigaram se os homens sexistas poderiam ativar a ameaça a identidade social.
As discussões gerais do estudo ressaltam que as mulheres são minorias no campo das engenharias e matemáticas, com isso tem mais interações com homens. O estudo mostrou de modo geral que a interação pode ter consequências negativas para o desempenho das mulheres nesse campo. Quando as mulheres engenheiras ou matemáticas interagem com homens sexistas podem experienciar ameaça a identidade social e especificamente ameaça ao estereotipo o que pode diminuir o desempenho nesse domínio. O resultado do estudo 1 apontou que quanto maior o escore de sexismo do homem maior domínio e interesse sexual ele exibiu para a mulher com quem ele acredita ser uma colega estudante de engenharia. Nos estudos 2 a 5 evidenciou que mulheres ao detectarem sinais de comportamentos sexistas elas serão desvalorizadas e correm o risco de serem vistas sobre a lente de um estereotipo negativo. Com isso as mulheres que tiveram interação com homens sexistas tiveram um desempenho pior em comparação quando as mulheres tinham interação com homens não sexistas. O ambiente pode ser um potente local para criar a ameaça.
Outro achado interessante foi de que as mulheres intelectualmente de baixo desempenho reportaram sentir mais atraídas pelos homens que mostraram dominância e comportamento de interesse sexual. Esses resultados são complexos, mas o comportamento dos homens sexistas pode ser reforçado pelas mulheres nesses casos, resultando na atração por eles. Assim cria um ciclo que aumenta o atraso apresentado pelas mulheres e continuam com o domínio que eles têm sobre os estereótipos negativos.
O estudo mostra a influencia da ameaça ao estereotipo a partir do ambiente e da sua relação interpessoal. Proporcionar um ambiente menos sexistas, ou discriminatório é essencial para o desenvolvimento de todas as pessoas. No estudo foi apresentado a interação comportamental em relação às mulheres e homens sexistas a partir da matemática, no entanto poderíamos pensar em outros temas como classes sociais ou étnicas. De maneira geral isso reforça a importância de se buscar um ambiente mais inclusivo e menos estereotipado. Pois em muitos casos os estereótipos podem ter influencia negativa a partir da categorização social ou de gênero das pessoas. Os métodos de intervenção devem ser baseados na mudança do estereotipo já que a forma de inter-relação irá afetar diretamente o desempenho do individuo. Um dos achados mais interessantes no estudo foi o caso das mulheres que tinham um desempenho inferior reforçavam o comportamento dos homens sexistas. Isso pode fazer com que se perpetue o estereotipo e cada vez mais as mulheres vão se sentir menos eficaz nessa área de conhecimento. Se esse ciclo não for quebrado cada vez mais o estereotipo irá afetar as relações interpessoais e os grupos minoritários.

Resenha: Logel, C., Spencer, S. J., Iserman, E. C., Walton, G. M. Hippel, W. Bell, A. E. (2009) Interacting With Sexist Men Triggers Social Identity Threat Among Female Engineers. Journal of Personality and Social Psychology, 96, (6), 1089-1103.

Resenha: Sobreviver ao medo da violação – constrangimentos enfrentados pelas mulheres.

Pérola Cavalcante Dourado


O artigo em questão retrata a realidade social que nos obriga a um estado de vigília permanente. Por questões sociais diversas, na maioria das cenas cotidianas é quase concreta a probabilidade da iminência de, de modo geral, sofrermos algum tipo de violência derivante de ato criminoso. Porém às mulheres cabe especialmente o temor do medo da violação. Senão a violação em si, ações derivantes, como assédio moral, constrangimentos diversos, e a consequente evitação de toda e qualquer situação de possível risco. É privilégio exclusivo das mulheres? Não, porém os dados apresentados no artigo reiteram que a prevalência dos casos de violência sexual nos cabe. Seria a famigerada vulnerabilidade do sexo feminino, o suposto “sexo frágil”? Ou o reflexo de uma realidade que ainda não nos encara de forma minimamente igualitária, nos tornando inevitavelmente vítimas em algum grau de padrões sexistas, patriarcais e paternalistas?
Esse temor é algo com que as mulheres convivem efetivamente, pois essa ameaça de fato existe. Em sociedades que encaram de forma mais branda tais ações sexualmente criminosas, infelizmente é comum tais atos serem tratados com viés absolutamente machista e complacente, tornando-se inclusive a vítima passível de penalidade, incrivelmente. E em tantas outras culturas, (inclusive a nossa) são retratados inúmeros casos de abusos, “míni-violações”, como são chamados no texto os atos de serem molestadas em vias ou transporte públicos, e mesmo o estupro, advindos de pessoas próximas, familiares e mesmo cônjuges, sem que as vítimas relatem esses casos, e os denunciem criminalmente. Ou seja, o medo nesses casos torna-se um ciclo vicioso, que possivelmente antecede sua incidência, e após a concretização, inibe uma ação de combate e/ou responsabilização penal.
No artigo é relatada a vivência do grupo pesquisado, composto de dezoito jovens estudantes, para verificação do impacto causado em suas rotinas por esse temor. Foi verificado que mesmo a sua liberdade, direito assegurado Constitucionalmente a todos, é cerceada. São inúmeras as situações consideradas de risco, como atividades noturnas, transitar por vias mal iluminadas, andar desacompanhada em ambientes inóspitos ou desertos, e mesmo lidar com pessoas/situações desconhecidas. Ou seja, é grande o impacto no bem estar, qualidade de vida, segurança e independência, aspectos fundamentais, e direitos que deveriam ser assegurados a todo cidadão.
Os meios considerados como vias de resolução, ou mesmo amenização dessa opressiva realidade é a revisão sistemática da formação dos indivíduos, no sentido de imiscuir-lhes o respeito e igualdade entre os sexos/gêneros, e assegurar legislação mais eficaz, que de fato iniba e puna rigorosamente seus autores. Como agente dessa transformação, a Psicologia tem papel fundamental, por seu caráter de permanente transformação social.
Referência: Berta, M., Ornelas, J. H., & Maria, S. G. (25 de Janeiro de 2007). Sobreviver ao medo da violação: Constrangimentos enfrentado pelas mulheres. Análise Psicológica , pp. 135-147.

Resenha: As diferenças entre os sexos: Mito ou realidade?

Thamires Wanke

O presente artigo de Gabrielle Poeschl, Cláudia Múrias e Raquel Ribeiro, publicado em 2003, que visa questionar-se acerca dos papéis sociais de homens e mulheres baseados numa suposta matriz biológica, é todo tecido em cima dos resultados de pesquisas científicas em que se exerce o diálogo entre possíveis contradições; contra argumentos e demais percepções sobre diferenciação sexual.
Como dito no texto, as teorias sexistas propagadas durante e após a Revolução Industrial que tentavam justificar as posições sociais dos sexos, e consequentemente, o Status Quo da mulher, em uma condição inferior e degradante, foram e são abertamente apoiadas assim como, continuam a disseminar-se.
A nova roupagem das hipóteses que tentam provar uma diferenciação sexual, atualmente valorizadas por muitos neurocientistas, afirmam que em função das diferenças cerebrais entre homens e mulheres, estes comportam-se de forma diferenciada, ou seja, deixa-se aquém o processo de aprendizagem social que cada indivíduo inserido numa dada cultura sofre.
Na segunda metade do século XIX inúmeras teorias destacaram-se pela busca da natureza de homens e mulheres, falando aqui especificamente da craniometria. A constatação das diferenças entre tamanho do cérebro e o desenvolvimento de determinadas áreas cerebrais a pertença sexual tornou-se uma constatação importante da fisiologia para a crença das mulheres instintivas e dos homens de racionalidade.
Atrelado a isso estudo Americano publicado pela revista Nature assume que um bom desempenho em testes de QI está ligado a quantidade de massa cinzenta que a pessoa tem no cérebro. Visto que mulheres possuem mais massa branca e homens maior quantidade de massa cinzenta a constatação corrobora com a hipótese de que as mulheres apresentam-se como dominadas pelos instintos e as emoções, manifestações inibidas nos homens pela sua inteligência superior (Shields, 1986).
Alain Giami (2007) atenta ainda para o crescente patrocínio farmacológico neste tipo de pesquisa que por fim gera produtos novos que dizem “solucionar” problemas relacionados por exemplo a funções sexuais.
“Essas pesquisas parecem reforçar as representações tradicionais e mais que centenárias da sexualidade masculina e feminina, também embasadas nas dicotomias opostas da natureza biológica da sexualidade masculina e da natureza espiritual da sexualidade feminina.” (GIAMI 2007)
As discussões propostas no artigo também são retratadas no livro de Elisabeth Badinter Um é o Outro. A autora tenta desmistificar os tabus sexuais e propor uma nova forma de se pensar os gêneros. Afirma que apesar da divisão sexual do trabalho sempre persistir, muitos antropólogos e historiados argumentam que no início do processo evolutivo tanto homens quanto mulheres estavam aptos a realizar as mesmas tarefas, porém o advento do bipedismo fez com que a prole dificultasse a locomoção feminina, visto que os bebês tiveram que nascer mais prematuros em função do estreitamento da bacia, o que levou ao maior cuidado com as crianças além da impossibilidade de serem carregados nas costas.
Essa condição evolutiva acabou por “impossibilitar” as mulheres a caça, porém estas cultivavam, e ao contrário do que o senso comum atesta, os legumes e vegetais eram extremamente importantes à alimentação bem como a carne; e as aquisições comportamentais derivadas das diferentes tarefas foram sendo adquiridos por ambos os sexos, apenas com algumas diferenciações. Em que através da caça na savana os homens desenvolviam a atenção, a tenacidade e a astúcia Edgar Morin (1973) e as mulheres que por não possuir as características físicas dos machos tinham de coletar eficaz e rapidamente estimulando suas percepções de perigo por exemplo, Adrienne Zilhman (1970).
Além disso, com advento da agricultura, as mulheres ganharam notoriedade por serem a principal fornecedora de alimento em épocas de seca ou enchentes.
Essa constatação por sua vez, enfraquece a idéia de que a evolução segregou os homens das mulheres. Na arte pré histórica por exemplo, percebe-se uma valorização de ambos, tanto na figura da deusa mãe (que tinha o poder de dar e tirar a vida), quanto na imagem do homem caçador (aquele que se arriscava perante as feras, trazendo carne ao grupo).
Voltando ao artigo, as autoras irão destacar uma série de pesquisadores que em confronto debatem sobre se as diferenças morfológicas entre os sexos explicam, as diferenças de aptidões, temperamento, inteligência, etc. Em linhas gerais o que se percebe é: Primeiramente que os resultados encontrados numa busca pela diferenciação sexual descrevem respostas muito pouco discrepantes ou mesmo iguais, que os cientistas são majoritariamente homens e que os métodos são pouco precisos e/ou contestáveis.
Mostra no texto que com base na hierarquização dos grupos sexuais Termam e Miles (1936) elaboraram o Teste de atitudes e de interesses que permite oferecer uma descrição da mulher típica através de uma série de oposições com o homem típico; pondo em contraste às emoções em detrimento das racionalidades e impossibilitando o tráfego de aptidões entre os gêneros.
Traz Parsons (1956) que analisa às esferas pública e privada, pela associação que o autor estabelece entre os temperamentos masculinos e femininos e os papéis que eles desempenham. “Por outras palavras, as famílias mais eficazes e mais coesivas seriam aquelas em que os homens e as mulheres desempenham, respectivamente, os papéis instrumental e expressivo (cf. Brown, 1988)” (referência do texto pág.3).
“Desligadas da sua origem social, as maneiras de ser dos homens e das mulheres tornam-se um dado psicológico proveniente meramente do seu sexo biológico e permitem justificar as desigualdades de acesso a posições que requerem competências instrumentais ou expressivas” (Lorenzi-Cioldi, 1994).
Desta vez o artigo fala do Questionário de estereótipos de papéis de sexo de 1970 por Rosen- krantz, Vogel, Bee, Broverman e Broverman (1968) que confirma a existência da valorização dos atributos ditos masculinos daqueles femininos, além da crença estereotipada de que os homens são racionais e assertivos e as mulheres calorosas e expressivas.
O texto atenta para como o conteúdo dos estereótipos sexuais interferem na construção simbólica da sociedade e desta forma passa a ser instrumento de discriminação nos gêneros. Traz ainda a androgenia, como sendo aquela que esta além da construção do feminino e masculino flexível as características demarcadas de homem e mulher.
“As estatísticas, os testemunhos e a experiência pessoal de cada um mostram, sem contestação, que homens e mulheres estão modificando profundamente a imagem que fazem de si mesmos e do Outro. Suas respectivas atribuições – por muito temmpo definidas pela “natureza” de cada um dos sexos – são diferenciadas cada vez com mais dificuldade”
(BADINTER, Elisabeth. Um é o outro. 3ªed. RJ: Nova Fronteira, 1986)
Porém o ponto chave do artigo é a discussão acerca do sexo como uma característica biológica. Neste quesito os teóricos se dividem e trazem diversos dados sobre as “diferenças” sexuais, quanto a infidelidade, a agressividade, a conformidade, a linguagem, capacidades cognitivas, ao reconhecimento de emoções (que por sinal vai de encontro a hipótese também evolutiva de Paul Ekman, que diz que independente do sexo, classe social e/ou cultura as pessoas reconhecem as emoções nas expressões faciais igualmente.) etc.
Por fim, as autoras concluem o artigo mostrando que o estereótipo de homens e mulheres não passa de uma possível visão dos papéis sociais e da sociedade; de que as pesquisas científicas não tiverem a capacidade e/ou qualidade de provar que a morfologia cerebral/biologia sozinha explica o comportamento de homens e mulheres.
De que independente de um traço evolutivo, as mulheres necessitam refletir sobre seu papel na sociedade, e valorizarem a sua condição feminina, tendo em vista a sobreposição a uma ordem preconceituosa e estigmatizante.
Muitas mudanças têm acontecido, principalmente nos últimos séculos, e é notável que ainda exista uma definição de papéis. Conceitos engessados sobre as questões de gênero estiveram presentes por muito tempo na história da humanidade, fizeram e ainda fazem parte da ideologia dominante, e discursos religiosos ou biológicos contribuíram para isso. As aracterísticas relacionadas aos gêneros foram se legitimando, e o papel que cada sexo tinha na sociedade começou a ser enxergado como algo dado a priori, e não como uma construção também cultural e modificável.
Logo, é preciso perceber a implicação de se afirmar que existem características instrinsecamente masculinas e femininas, pois é perigosa essa ideia, e pode nos levar à conclusão de que essas diferenças entre os gêneros justificam os lugares diferenciado na sociedade para homens e mulheres.
A visão de homem como sendo bio-psico-social, não pode se firmar enquanto enxergarmos os indíviduos como sendo apenas fruto de uma evolução biológica da espécie, consolidando uma dicotomia que se assegura na sobreposição de Um pelo Outro.

Referências:
BADINTER, Elisabeth. Um é o outro. Editora Nova Fronteira, 3ª Ed.; 1986.
GIAMI, A. Permanência das representações do gênero em sexologia: as inovações científicas e médicas comprometidas pelos estereótipos de gênero. Physis, 2007, 17, 2, 301-320. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n2/v17n2a06.pdf > . Acessado em: 03/03/2013
POESCHL, G.; MÚRIAS, C.; RIBEIRO, R. As diferenças entre os sexos: Mito ou realidade? Análise Psicológica. 2003, 21, 2, 213-228. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/p

Resenha: Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe de empregadas domésticas e seus empregadores

Tainá Almeida

De acordo com Donna Goldstein (2003), manter uma empregada doméstica é um sinal diacrítico na sociedade brasileira, que sinaliza a distância da pobreza. Porém, é preciso salientar que as relações entre patrões e empregadas da casa se dão de forma diferente no Brasil, pois envolvem uma troca afetiva entre ambas as partes, apesar da manutenção clara da hierarquia que mantém o serviço doméstico.
O artigo de Jurema Brites, “Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe de empregadas domésticas e seus empregadores”, analisa através de uma pesquisa etnográfica como essa ambiguidade dos relacionamentos entre patrões e domésticas mantém o nível de distância social entre eles. A análise do presente artigo centrou-se inicialmente no trabalho reprodutivo, que, para a antropóloga Shellee Colen (1995:78) trata-se de um trabalho “físico, mental e emocional necessário para a geração, criação e socialização de crianças, assim como a manutenção de casas [households] e pessoas (da infância até a velhice)”. No contexto observado, babás caribenhas e seus empregadores em Nova York, tem-se que a desvalorização dessas por deixarem seus filhos “abandonados” com parentes ou vizinhos juntamente com a valorização de quem contrata seus trabalhos, fortalece a desigualdade social, política e econômica da relação. No Brasil, associando isso ao contexto de afetividade, vê-se que a relação se dá por um lado, de forma que a empregada doméstica tem o papel de cuidar da casa, dos filhos, dos idosos, da limpeza e dos animais de maneira afetiva, liberando a família para cumprir seus papéis de classe média (pais e mães trabalharem, cuidados com a saúde; filhos estudarem, entrarem em cursos de línguas, etc.). Por outro, há a estratificação da relação no contexto de distância social estabelecida e na procura das domésticas em estabelecer a sobrevivência e promoção de suas próprias famílias.
A relação entre a família que contrata a empregada doméstica e esta encontra-se estabelecida e clara desde a infância. Muitas empregadas acabam se sentindo tão apegadas aos filhos dos patrões quando ao delas mesmas, extrapolando certos limites que seriam os estritamente profissionais. Esse relacionamento acaba sendo recíproco, pois as crianças passam grande parte do dia com as empregadas e com isso estabelecem vínculos, porém, elas já têm conhecimento da divisão e limites da trabalhadora na casa. Essas divisões são passadas pelas falas dos pais ou pela própria organização do ambiente: o quarto da empregada, o banheiro da empregada, o sofá da sala de estar onde ela não pode sentar, entre outros. Uma criança chegou a citar na entrevista que gostaria que a empregada de sua casa ganhasse na Sena, pois assim elas poderiam apenas conversar e ser amigas. Os pais se preocupam em estabelecer esses limiares para que não se perca a relação de patrão/empregado apesar dos laços de afeto, mas algumas outras questões não são levadas em conta por eles na hora da escolha da trabalhadora. Foi registrado que a principal preocupação dos pais trata da educação dos filhos e muitos deles trabalham para mantê-los em boas escolas, bons cursos e boas condições de educação, mas quase nenhum considera a sua própria empregada doméstica como alguém que passa conhecimento ou instrução para seus filhos. No contexto brasileiro, embora reclamassem quase sempre sobre a qualidade da limpeza, quase não foram registradas queixas dos patrões sobre o que uma empregada de baixo nível de escolaridade poderia estar passando de informação para seus filhos.
A respeito das relações sexuais entre empregadores e empregadas, assunto tão comentado em obras literárias e no cotidiano popular, nada foi muito citado. A pesquisadora acredita que a divisão de classes no universo vivido pela classe média ainda é muito marcado e portanto, a empregada não é vista tanto como símbolo sexual pela diferença de nível social presente. Porém, podemos ver até hoje em novelas e no dia-a-dia da televisão brasileira, relatos a respeito de casos entre patrões e empregadas.
Portanto, as ideias centrais nesse artigo giram em torno de como as crianças são moldadas ao longo da infância para que possam ter relações de afeto com as empregadas domésticas, porém saibam que existe uma divisão estratificada e uma distância entre as condições sociais. Tornam-se, portanto, futuras patroas e patrões com os mesmos hábitos dos pais e repassam isso num ciclo sem fim. Com certeza deve haver em algum momento uma separação entre o trabalho realizado pela doméstica e sua relação de afetividade com a família, afinal, existe um vínculo empregatício envolvido. Porém, não se deve pensar nessa separação como algo engessado, baseado nos moldes dos níveis sociais, naturalizando assim a desigualdade que começa dentro das casas e se expande para o mundo exterior.

Referência: Brites, J. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, 29, 91-109, 2007.

Resenha: permanência das Representações do Gênero em Sexologia

Narena de Alencar Moreira

O objetivo do artigo foi questionar a adoção de estereótipos de gênero pela sexologia, sendo que esta tem mostrado em suas pesquisas uma função sexual masculina, puramente biológica e fisiológica, indiferente aos aspectos relacionais, emocionais e contextuais, enquanto a função sexual feminina seria exclusivamente emocional e psicológica, ignorando-se os fatores biológicos, sendo os desejos sexuais “naturais” no homem e inexistentes na mulher.
No artigo o autor aponta que pesquisas têm sido feitas seguindo uma abordagem organicista, o que representa um avanço na área. Contudo, essas pesquisas ainda não atribuem a mesma importância para a função sexual do homem e da mulher. Mesmo que baseadas em fatores biológicos, essas pesquisas ainda parecem seguir estereótipos de gênero, bem difundidos no senso comum.
A questão é intensificada quando estes estereótipos de gênero ultrapassam as barreiras do senso comum e passam a interferir nas práticas científicas. Assim, a ciência iria ao encontro do senso comum, através das pesquisas realizadas, ao invés de questionar estes valores. Vemos o velho disfarçado de novo. As velhas concepções sobre a sexualidade disfarçada de novas descobertas científicas.
A análise traçada pelo autor resgata o contexto histórico dessa ciência da sexualidade a partir do final do século XIX, ilustrando como desde então os debates em torno do tema caracterizam a sexualidade do homem como simples, urgente e constante, além de centrada na genitália, enquanto a sexualidade da mulher seria complexa, problemática, intermitente, difusa no que diz respeito ao corpo e assim não necessariamente relacionada ao orgasmo. O modelo predominante se baseia em uma dominação do homem e submissão da mulher, adotando apenas em sua definição uma relação heterossexual. A partir dos anos 1970 são formuladas as primeiras críticas a esse modelo, contudo essa concepção vigora mesmo nos dias de hoje.
Além do reducionismo criticado pelo autor, que prioriza alguns aspectos em detrimento de outros, outro ponto é problematizado, a medicalização da sexualidade. “Atualmente, a sexologia cede lugar a uma ‘medicina sexual’, que visa a se constituir como especialidade médica dos transtornos da função sexual” (Giami, 2007). Deste modo, a sexualidade é reduzida a transtornos a serem medicados, excluindo-se a função sexual normal e os fatores que extrapolam a área da biologia. O termo sexualidade, que implica também em uma abordagem psicológica, dá lugar ao termo “saúde sexual” ou “função sexual”. “Não é mais o aspecto comportamental nem psicológico que constitui o objeto de interesse científico, mas a função somática dos órgãos genitais em sua dimensão biofisiológica” (Giami, 2007).
Seguindo-se o desenvolvimento da chamada medicina sexual, é possível notar que as pesquisas sobre disfunções da sexualidade masculina são maioria. Como o autor aponta, “os trabalhos fundamentais relativos à função sexual masculina, notadamente a ereção, foram muito mais desenvolvidos após o início dos anos 80 que aqueles sobre a função sexual feminina (sobre os transtornos do desejo e da excitação)” (Giami, 2004 apud Giami, 2007). De maneira similar, os instrumentos de avaliação destes transtornos são bem diferentes, segundo o gênero. Enquanto na avaliação de transtornos relacionados à sexualidade feminina são inseridas questões sobre fatores psicológicos e subjetivos, na avaliação da sexualidade masculina esses fatores são desprezados, atendo-se apenas a um funcionamento corporal mecânico.
Perante as críticas feitas pelo autor, faz necessário ressaltar a importância da reavaliação dos valores que têm sido transmitidos não só pelo senso comum, mas também pela ciência, que além de aprisionar a mulher em um conceito de sexualidade ultrapassado e limitado, também dificulta o estudo da sexualidade masculina, que certamente está além dos fatores biológicos. Sendo a vivência humana complexa e multifatorial, há de ser também complexa também a experiência sexual, para homens e mulheres, levando-se em consideração seus variados aspectos.

Referência: Giami, A. (2007). Permanência das representações do gênero em sexologia: as inovações científicas e médicas comprometidas pelos estereótipos de gênero. Revista Saúde Coletiva, 17(2), 301-320

Resenha: diferenças e igualdades nas relações de gênero

Renata Bárbara da Silva

O artigo traz uma discussão acerca da questão da diferença e da igualdade nas relações de gênero e a influência do movimento feminista, discorre sobre a crise da masculinidade e de mudanças socioculturais sobre essa temática. Inicialmente, a autora se respalda nas concepções da historiadora estadunidense Joan Scott para analisar o conceito de gênero e sua aplicabilidade enquanto categoria analítica. O termo “gênero”, no sentido gramatical, designa indivíduos de sexos diferentes, masculino/feminino. Para a literatura feminista, no entanto, gênero é um construto sociocultural, diferentemente do conceito de sexo, que se refere a diferenças biológicas. Segundo Scott (1995, apud ARAÚJO), “gênero” é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos e rejeitar de forma radical explicações biológicas que deixam implícitas diversas formas de subordinação feminina.
“Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e também um modo primordial de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, apud ARÁUJO). Nesse sentido, gênero seria a primeira forma de articular o poder.
A utilização desse conceito enquanto categoria analítica incide em visões antagônicas entre diversos autores, principalmente no que se refere ao estatuto cognitivo do conceito. A autora , no entanto, defende o uso do conceito de gênero como categoria de análise, apoiando-se em Scott (1995), Tilly (1994) e Saffiotti (1997), que fazem crítica ao caráter descritivo dos estudos sobre a história da mulher. Concebe gênero como uma categoria empírica e histórica, portanto, empreende valor de categoria analítica. Emergente de uma realidade empírica, o conceito de gênero, expressa as relações históricas e as formas de existência da realidade social.
De acordo ao artigo, o conceito de gênero pode ser ademais empregado em uma categoria política, que permite a análise da questão da igualdade e da diferença, apontando para uma nova perspectiva de interpretação e transformação da realidade social. A autora aponta três perspectivas principais sob as quais o debate acerca da diferença entre os sexos se desenvolveu: a essencialista, na qual há uma exaltação da “diferença sexual”, psicologizando e biologizando as constatações sociológicas e culturais historicamente produzidas; o discurso culturalista, onde as diferenças sexuais provêm da socialização e da cultura; e por último, a perspectiva da feminista Françoise Collin (1992), na qual propõe um dialogo contínuo, que incorpora a igualdade e as diferenças sem negá-las, num constante jogo dialético em que a pluralidade e o diálogo são os princípios fundamentais. Esses argumentos são reforçados pelas propostas desconstrutivistas de Scott (1995) da oposição igualdade/diferença. Para ela, com a desconstrução dessa antítese será possível não só dizer que os seres humanos nascem iguais mas diferentes, como também sustentar que a igualdade reside na diferença.
O debate sobre a igualdade versus diferença, entretanto, só foi introduzido no movimento feminista entre a década de 70 e 80, quando atribuindo uma valência positiva à diferença, direcionou-se a luta em favor da igualdade na diferença. Essa revisão no feminismo surge a partir do momento em que se percebeu uma ambiguidade nos discursos, em que as mulheres se esforçavam para assimilar os modelos considerados masculinos em detrimento dos femininos.
A autora considera que a grande conquista do projeto feminista igualdade na diferença foi a possibilidade de mudança nas relações de gênero, na medida em que as mulheres (e os homens) puderam se libertar dos velhos estereótipos e construir novas formas de se relacionar, agir e se comportar.
Outro reflexo provocado pelo movimento feminista foi a crise da masculinidade, uma vez que esse movimento foi responsável por mudanças radicais nos valores, nos costumes e nas relações de trabalho e família, e de transformações socioeconômicas e culturais num contexto amplo caracterizado pela ascensão do capitalismo. Por consequência, observa-se hoje, pelo menos nas sociedades ocidentais, um distanciando dos modelos estereotipados de gênero, permitindo que homens e mulheres possam desenvolver novas formas de subjetividade.

Referência: Araújo, M. F. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psicologia clínica, 2005, 17, 2,41-52.

Resenha: estereótipos e mulheres na cultura marroquina

Victoria Dourado

O tema a ser tratado se refere ao artigo: “Estereótipos de mulheres na cultura marroquina”, escrito por Fatima Sadiqi e publicado em 2008. O texto se inicia com o tópico “introdução” e apresenta como ponto de partida a explicação de que, inicialmente, o termo “estereótipo” dizia respeito a um molde de impressão usado para reproduzir cópias de um único modelo. Ainda na introdução, o texto traz que no Marrocos os estereótipos são expressões de crenças e valores, mais tarde demonstradas pela autora como inconscientes visto que resultam de uma programação cultural, no caso, a marroquina. O texto se organiza em torno de três tópicos didaticamente elaborados para esclarecer as emblemáticas relações de gênero no contexto islâmico: a primeira aborda os principais componentes da cultura marroquina, a segunda se ocupa dos estereótipos e relações de gênero e, por último, discute às reações das mulheres frente aos estereótipos negativos.

O texto faz uso da explicação de que a cultura é um sistema de práticas, rituais e crenças de uma determinada comunidade que, em níveis diferentes, exerce controle sobre o comportamento de seus membros para afirmar que a cultura marroquina é extremamente reguladora no que diz respeito às percepções de gênero e delimitação de papéis e, faz isso porque possui instituições sociais influentes, as quais são elencadas pela autora: história, geografia, Islã, oralidade, multilinguismo, organização social, status econômico, e sistema político.
Dentre elas, se destaca a história nacional do Marrocos, tradicionalmente oral, que tem sido oficializada exclusivamente por homens e às mulheres, em sua maioria, são analfabetas, resta-lhes à subordinação consequência do viés masculino emprestado à história – amplamente valorizada pelo Estado e pelo sistema educacional – que, ao retratá-las como inferiores aos homens as mantêm marginalizadas. O fator geográfico também se sobressai tendo em vista que, pela localização próxima ao continente europeu, o Marrocos permitiu uma relativização da tradição patriarcal, na medida em que foram assimilados elementos tipicamente europeus que possibilitaram uma atitude mais favorável aos papéis de gênero.
Tendo em vista o aspecto cultural do Islã, evidencia-se a aproximação do discurso feminista das expressões típicas dessa tradição, a fim de inserir o gênero feminino no contexto que lhe é próprio: a sociedade islâmica.
Tal cultura difere da sociedade ocidental, pois a oralidade é um importante instrumento de transmissão de valores positivos e negativos, nesse sentido, essa oralidade se constitui como o modo mais corriqueiro de transmitir os estereótipos sobre as mulheres. Ao mesmo tempo, a oralidade possui também um caráter marginal, uma vez que, é repassada através das línguas maternas de pouco prestígio: berbere e árabe marroquino. A oralidade, em seu aspecto vulgar, está intimamente relacionada com a característica das mulheres marroquinas que analfabetas são mantidas alheias ao contexto sócio político cultural. Atrelado a isso, o multilinguismo é tido como característica formadora da identidade marroquina e está associado à classe social e nível de educação. Nesse cenário linguístico, as mulheres monolíngues – ou seja, que falam apenas berbere ou árabe pertencem a classes menos favorecidas, ressaltando, mais uma vez, a faceta marginal da oralidade. Em contrapartida, essas mulheres se apresentam como bem-sucedidas em suas atividades rotineiras.
Por fim, a organização social impõe na percepção e na construção de gênero uma grande influência. Os papéis sociais de homens e mulheres são rigidamente assegurados pela significação que a família, estruturalmente patriarcal assume nesse contexto. Inclui-se ao sistema patriarcal a exclusão das mulheres. E, para que a estrutura se mantenha, é necessário que sejam impostos tabus, sanções e rituais (expressos principalmente pelo uso da linguagem) que restrinjam a liberdade feminina uma vez que é considerada uma ameaça ao status quo masculino.
Tendo como base que a família é onde começa a socialização, apesar da diversidade social entre as mulheres marroquinas, os estereótipos de fracas, emocionais, más, trabalhadoras, pacientes e obedientes. O desenvolvimento dessa estereotipagem ocorre de modo inconsciente. Os estereótipos se propagam devido ao caráter de presumibilidade. Isso ocorre através dos processos de difusão e insistência. A validade e o alcance do estereótipo, portanto, estão relacionados a possibilidade de atingir a sabedoria social numa sociedade. Os estereótipos de gênero marroquinos são propagados através da linguagem oral, manifestada em verbetes e provérbios, tais como: “a mulher é fraca” e “a mulher é uma víbora”. Tais expressões são tentativas de transmitir, principalmente aos homens, os valores de depreciação da mulher.
Esses estereótipos podem ser explícitos ou implícitos. Os explícitos evidenciam uma atitude positiva em relação à atividade doméstica da mulher, mas desqualificam a sua atuação como líder feminina. São exemplos, os provérbios populares: consulte sua mulher, mas não leve sua opinião em consideração e a mente de uma mulher é pequena. Essas expressões demonstram a intenção de neutralizar o poder transgressor da opinião e da voz femininas.
Os estereótipos implícitos são reconhecidos nos comportamentos e nas falas, de modo inconsciente e espontâneo caracterizando as mulheres como: fracas líderes, conselheiras irrelevantes ou interlocutoras desinteressantes, nas temáticas religiosas ou sociais.
Outra classificação subdivide-se em estereótipos negativos ou positivos. Os positivos não geram problemas preocupantes às mulheres. Os negativos, contudo, criam preconceitos e compõe a imagem da mulher frente à coletividade. A maioria dos estereótipos marroquinos é negativa. Em comparação às ideias e conceitos acerca do homem, as características atribuídas às mulheres são, majoritariamente, negativas. É comum observar expressões populares orais que utilizam elementos alusivos à mulher, a fim de transmitir conteúdos pejorativos. São exemplos: “mercado de mulher”, para significar algo sem valor e “trabalho de mulher”, para indicar que algo foi mal-feito.
É importante destacar o estereótipo relacionado à “linguagem da mulheres”, difundido graças ao dualismo homem/líder e mulher/subordinada. Esse estereótipo define que a comunicação oral feminina é vazia de conteúdo e emitida em tons muito agudos e altos. Assim, as mulheres falariam em demasia e sobre assuntos doméstico e irrelevantes para a sociedade.
A fala da mulher marroquina também está ligada ao estereótipo do “mau-olhado”. Isso representa que quando algum evento com efeitos prejudiciais ocorre após conversar com uma mulher ou ter-lhe como companhia, atribui-se o dano ao poder de sua influência. Esse estereótipo atinge as mulheres velhas, divorciadas ou viúvas. Destaca-se que os homens com essas características são vistos como maridos em potencial, excluindo-se o caráter pejorativo. Esse estereótipo se refere à tentativa de neutralizar o papel social e a manifestação da opinião dessas mulheres, as quais apresentam maior liberdade para transmitir ideias e optar por comportamentos alternativos.
Há ainda a visão pejorativa de que as mulheres devem trabalhar arduamente para adquirir respeito e relevância sociais. A meninas são ensinadas a trabalhar, a fim de estarem aptas a encontrar um bom marido. Exige-se que a mulher, além de submissa, seja, também, uma exemplar chefe doméstica. Relação paradoxal de características, exigindo maiores sacrifícios.
As marroquinas reagem à estereotipagem a partir da afirmação um contratipo, isto é, um estereótipo positivo que substitua aquele pejorativo. Contratipos, contudo, são estereótipos e, portanto, são representações frágeis e superficiais de um grupo social. Opta-se, também, por reivindicar oportunidades de representações políticas femininas, a fim de opor à opinião de que as mulheres não são boas líderes ou que não possuem condições construir opiniões e posições relevantes. Deve-se, também, combater a simplificação das características femininas, expressão da ideologia da superioridade masculina, criando a necessidade de compreensão das peculiaridades. Demonstra-se que os estereótipos podem ser bastante prejudiciais à coletividade de homens e de mulheres e ao sucesso no contexto das organizações. Sendo assim, se faz evidente que a construção dos estereótipos relativiza a heterogeneidade e complexidade inerente às mulheres do Marrocos.

Referência: Sadiqi, F. Estereótipos e mulheres na cultura marroquina. Cadernos Pagu (30), 11-32, 2008.

Resenha: mujeres musulmanas – estereotipos occidentales versus realidad social

Juliana Costa Santos

O artigo de uma temática bastante contemporânea e desconstrói conceitos que estão presentes no imaginário de boa parte da população. A autora, Djaouida Moualhi, já nos primeiros parágrafos, coloca-se como personagem da sua própria história: mulher, muçulmana, imigrante e magrebe. Este ultimo termo se refere à região no noroeste da África, onde existe uma concentração de países islâmicos, como é o caso do Marrocos, da Tunísia e da Argélia.
No começo da sua explanação ela traz à tona alguns tipos mais comuns de estereótipos que os ocidentais tem em relação aos muçulmanos e as suas condições de vida, com foco nas questões femininas. Aos poucos ela demonstra como algumas tradições muçulmanas são vistas pelos ocidentais e as consequências dessa visão, sempre fazendo um paralelo com o Cristianismo. Um exemplo é o pensamento de que os muçulmanos são fanáticos e muitas vezes violentos. Segundo a autora esse discurso teve seu começo na época das cruzadas (Robinson, 1990: 18 apud Moualhi, 2000). De acordo com Moualhi (2000), este pensamento remete ao século XIX, quando a maioria dos países árabes e muçulmanos estavam sendo colonizados por potencias ocidentais. Neste momento a sua religião era a maior forma de expressão e resistência, o que levou os colonizadores a demonizarem e condenarem a prática. Outros exemplos citados são o uso do véu, a poligamia e a clitoridectomia (retirada do clitóris).
Na seção seguinte, a autora se dedica a falar detalhadamente sobre os exemplos citados anteriormente, desmistificando cada um deles e apresentando alguns fatos. Em relação ao uso do véu, ela cita o pensamento ocidentalizado de um autor, que define como “símbolo por excelência da marginalização e da alienação” (Manyer, 1996: 67, apud Moualhi, 2000). No entanto ela diz que mulheres que usam véu não atrapalham a sua emancipação, já que o veem como símbolo de elegância e preservação, e não de repressão. Este é um tópico bastante interessante, visto que, aqui no Brasil, é comum observar o discurso criticado pela autora e tantos outros que mobilizam a população em prol de uma luta contra a repressão de mulheres pelo uso do véu, quando na realidade, boa parte das pessoas “compra a briga” sem saber se a “parte interessada” de fato se sente como pensamos. O mesmo funciona para a clitoridectomia, uma prática existente apenas em alguns países de cultura islâmica, mas que surgiu muito antes do islamismo, Lerner (1990), citado por Moualhi (2000) apresentou a existência deste tipo de prática entre egípcios, fenícios, gregos, etc. Segundo algumas culturas que praticam este ato, trata-se de uma circuncisão feminina, com motivos diversos como: higiene, sacrifício, etc.
Apesar de trazer a realidade sobre alguns estereótipos, a autora também aproveita para falar da existência de graves acontecimentos machistas e discriminatórios na cultura islâmica, como a dependência e subordinação da esposa em relação ao seu marido e como as leis o favorece em caso de separação, custódia dos filhos, etc. No entanto, criticando ou não a cultura, ela deixa bastante claro que essas práticas e suas “regras” não são universais. Ainda que exista apenas um Alcorão e um Charia (espécie de livro de “leis” islâmicas), as interpretações são diversas e as leis também. Cada país pode agir de uma forma diferente. Algumas práticas são comuns em alguns países de cultura islâmica, enquanto podem ser condenadas em outro. A visão unificada sobre o mundo islâmico, segundo Moualhi (2000), faz parte do etnocentrismo ocidental.

Referência: Moualhi, D. Mujeres musulmanas: estereotipos occidentales versus realidad social. Papers, 60, 291-304, 2000. Disponível em: http://ddd.uab.es/pub/papers/02102862n60/02102862n60p291.pdf

Resenha: sobreviver ao medo da violação

Victória Santana

O presente artigo discute a situação da mulher frente a antecipação do sofrimento relacionado ao medo da violação, quais as estratégias usadas para lidar com a ansiedade que essa situação inflige. A população feminina é a mais temerosa e que mais toma medidas de proteção contra crimes e é, entretanto, a que apresente menor probabilidade de sofrer crimes em relação aos homens. A questão é explicar o porque desse medo por outra via que não a possibilidade de ser vitimada (Stanko, 1995) .
As autoras trazem como referência duas hipóteses para a explicação desse medo seria a primeira de que os homens apesar de sofrer do mesmo sentimento por conta da imagem masculina na sociedade disfarçam-no com outros tipos de comportamentos (Clemente & Kleiman, 1977, cit. Por Stanko, 1993), a segunda hipótese seria de que as mulheres relacionam essa ansiedade a um tipo de crime violento em especial, o medo da violação, o qual os homens geralmente não temem (Riger et al., 1978). A autora relata várias pesquisas e autores que falam sobre como o medo da violação – abuso sexual – está difundido entre as mulheres como mais temido que o próprio homicídio, enquanto os homens não dão importância devida a esse risco. Além do medo, as mulheres são as que mais tomam medidas de precaução, ainda assim, é importante ressaltar que os tipo de precaução tomadas pelas mulheres não as protegem de fato por na verdade restringirem o acesso e a liberdade do público feminino aos espaços sociais ao mesmo tempo em que essa violência não está restrita a lugares como ruas à noite, sítio escuros, ou lugares com pouca visibilidade. As autoras asseguram que não a violação por si traz graves consequências à sobrevivente, mas que é de fato importante estudar as consequências que o medo das mulheres as violação tem por si só, mesmo sem nunca terem sido vítimas de crimes dessa espécie.
O medo da violação nas mulheres não deve explicado como individual, mas como um processo social que atinge o ser feminino. Como os estudos feministas apontam a violação é uma forma da sociedade machista subjulgar a mulher, mantendo-a numa posição de vulnerabilidade. As autoras trazem a contribuição dos estudos feministas e da psicologia na violência contra mulher, mostrando a faceta de poder e que é socialmente incentivada. O presente estudo conta com uma metodologia que traz aspectos importantes das teorias feministas e que procuram atentar para 1) há uma focalização no gênero (feminino) e na desigualdade social que esta condição acarreta; 2) procura-se dar voz às experiências pessoais e quotidianas das mulheres (ou mesmo de outros grupos marginalizados); 3) paralelamente ao objeto propriamente dito da investigação, encontra-se um compromisso social, para que uma real mudança ocorra nas condições opressoras sob as quais o grupo em estudo se encontra; 4) a reflexão dos próprios investigadores sobre questões que abordam o gênero, raça, classe social e orientação sexual podem influenciar o processo de investigação, daí que; 5) se abandone, de algum modo, a tradicional investigação positivista, que apoia uma relação formal entre investigador e “investigado”, dando lugar a um ênfase participativo por parte do último na própria construção da investigação (Cosgrove & McHugh, 2000). O estudo investigou 18 mulheres, entre 19 e 25 anos, a amostra foi obtida por conveniência na população do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, tendo em vista a maior vitimização de mulheres na faixa etária entre 18 e 24 anos. Foi utilizado como instrumento um guia ou roteiro de discussão baseado na escala “Fear of Rape Scale” O guião é constituído por 10 itens, os quais compreendem a: 1) Qual o crime que mais temem?; 2) Na condição de mulheres, qual o crime que pensam que mais as afetam?; 3) (referida a violação) O que vos faz sentir?, (violação não referida) E a violação, já pensaram sobre isso?; 4) Qual o local/locais onde pensam haver uma maior probabilidade de acontecer? E em que altura do dia?; 5) O que fazem ou deixam de fazer por causa desse crime? (precauções em casa/ rua/transportes públicos/relações sociais/altura do dia); 6) De que modo pensam que o medo da violação afeta a vossa liberdade?; 7) De onde pensam ter surgido esse medo?; 8) Esta abordagem dos condicionalismos que afetam a liberdade das mulheres parece-lhes pertinente? Em que medida?; 9) Que outras ideias gostariam de acrescentar acerca deste tema?. O procedimento escolhido para coleta de dados foi grupo de discussão, onde após contatarem por telefone a disponibilidade das participantes foram realizados três grupos de discussão e posteriormente um quarto grupo. Foi realizada a seguir a análise de conteúdo das transcrições dos grupos de discussão. Os resultados confirmaram as pesquisas anteriores em vários países de que o receio de ser vítima de um crime de violação, a maioria das participantes (n=11) afirmaram ser o crime de violação o maior medo tanto para si mesmas quanto para os que a rodeiam. Todas as participantes afirmam adotar comportamentos para a prevenir abusos quando estão na rua, como trancar a porta do carro, ter cuidado no lugar onde estaciona. A maioria diz que não tem preocupações com o vestuário. É interessante ressaltar o fato de as precauções tomadas pela maioria das participantes são em relação ao período noturno, durante o dia existe um maior sentimento de segurança em relação ao abuso. Os dados levantados pelo estudo parecem confirmar a perspectiva de Stanko (1993, 1995). Outro fato interessante é que as mulheres afirmam tomarem maiores precauções com pessoas desconhecidas que com pessoas próximas, apesar de ser conhecido que em muitos são pessoas que cometem crimes de abuso sexual. As participantes também mencionam os fatores relacionados à cultura como influenciadores no medo da violação, como por exemplo, os papeis socialmente acordado sobre os comportamentos esperados de cada gênero o que corrobora o estudo de Hall, Howard e Bueziu (citado por Fonow et.al, 1992) sobre o fator de dominação machista que está implícito nesse tipo de violência direcionado à mulher. As autoras consideram a partir do estudo que o crime que mais atemoriza as mulheres é o da violação, e que as precauções tomadas surgem num contexto de diminuição da liberdade individual que vai muito além da proteção das mulheres. O contexto cultural em que essas mulheres estão inseridas trazem a vulnerabilidade como uma característica feminina que a predisporia a ser vítima desse tipo de crime de cunho dominador masculino. Assim, a pesquisa trouxe contribuições que contribuem para a confirmação de hipóteses anteriormente levantadas e que devem ser compreendidas a partir do olhar da psicologia sobre as diferenças de gênero que afetam as expressões de ansiedade em homens e mulheres de maneiras diferentes, trazendo danos muito maiores às mulheres que aos homens.

Referência: Berta, M., Ornelas, J. H., & Maria, S. G. (25 de Janeiro de 2007). Sobreviver ao medo da violação: Constrangimentos enfrentado pelas mulheres. Análise Psicológica , pp. 135-147.

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