Resenha: crenças essencialistas sobre policiais e delinquentes

Saulo Santos Menezes de Menezes

O estudo de Pereira e cols. buscou avaliar o impacto do país de origem e da direção do transplante de cérebro no julgamento da conduta social de policiais e criminosos, e analisar, segundo o modelo das explicações folk das condutas sociais, as justificativas apresentadas pelos participantes para as suas respostas.
As hipóteses a serem testadas foram a da existência de alguma diferença no grau de essencialização entre os participantes espanhóis e brasileiros, diferenças de julgamento nas circunstâncias em que o cérebro é transplantado de um policial para um delinquente (condição hegemônica) ou na direção inversa (condição não-hegemônica), e a manifestação de diferenças em relação ao modelo explicativo adotado para a elaboração das justificativas para as respostas.
Para tanto, a pesquisa coletou dados em instituições de ensino superior localizadas no Brasil e Espanha. Foram feitos enunciados de histórias na quais se apresentava a versão onde o cérebro de um delinquente é transplantado para um policial. Cada participante avaliou a história relativa exclusivamente a uma das duas versões da categoria entitativa policial-criminoso, ou seja, do transplante do cérebro de policial para criminoso ou do criminoso para policial.
Os resultados mostraram que, para os participantes espanhóis, o cérebro de um policial pode modificar o padrão de conduta de um delinquente, mas o inverso não é verdadeiro. Por outro lado, o padrão de resposta dos participantes brasileiros não indicou qualquer diferença entre os valores esperados e obtidos nas respostas relacionadas com a direção do transplante do cérebro. Os participantes, desta forma, concordaram com o ponto de vista de que apenas uma alteração na natureza biológica do indivíduo pode gerar mudanças comportamentais.
Percebeu-se, no geral, que as fontes de explicação contemplam as causas internas, a história causal, as pressões situacionais e as razões, demonstrando a importância dos papéis, do status, do ambiente social e da dinâmica individual e coletiva no processo de essencialização da categoria entitativa policial/criminoso. Houve também uma indicação de que, enquanto alguns participantes concordaram com o ponto de vista de que apenas uma alteração na natureza biológica do indivíduo pode gerar mudanças comportamentais, outros foram absolutamente explícitos ao se referirem a teorias claramente essencializadoras. Neste ponto, os hábitos, costumes, rotinas, tradições culturais mostraram-se elementos importantes.
Portanto, a presença de uma teoria implícita tornou possível a expressão do raciocínio categórico essencialista nas circunstâncias em que o agente acolhe uma teoria que lhe permita justificar a estabilidade ou a mudança do comportamento. Os dados também sugeriram que estas teorias implícitas podem ser diferenciadas e que as explicações que se centram nas pressões situacionais explicam de forma predominante, mas não exclusivamente, a estabilidade da conduta. Assim, as pressões situacionais podem ser fundamentais para explicar a ausência de mudanças nas condutas que se seguem ao presumido transplante.

Referência: Pereira, M. E.; Estramiana, J. L. A.; Vasconcelos, C.; Alves, M. V. Crenças Essencialistas Sobre Policiais e Delinquentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa Out-Dez 2010, Vol. 26, n. 4, pp. 707-715.

Resenha: pensamento, crenças e complexidade humana

Adriana Araújo

O artigo apresenta as relações da influência cultural no pensamento humano, mostrando a partir de teorias e de uma pesquisa bem fundamentada que o funcionamento mental não se limita a cognição, lógica e racionalidade.

Ao iniciar a discussão a autora usou a teoria da complexidade que explica a complexidade do mundo real, onde os objetos e fenômenos da natureza só podem ser compreendidos através de uma visão multidimensional e de que todo conhecimento precisará de complementos e apresentará incertezas. O funcionamento do psiquismo humano segundo o autor Araújo, citado no artigo, de maneira complexa recebe influência tanto de fatores internos quanto dos externos. Ele afirma também que todos os aspectos constituintes do sujeito, que sejam eles biológico, afetivo, sociocultural (crença) ou cognitivo atuam simultaneamente influenciando-o totalmente desde sua maneira de ser até o pensar. Ao relacionar cultura e pensamento humano a autora também busca embasar-se na perspectiva de autores como Morin, Vygotsky, Martins e Branco. E na elaboração e fundamentação da pesquisa foi usada a teoria dos modelos organizadores do pensamento criado por Moreno e colabores. Os modelos organizadores do pensamento relata que o ser humano constrói modelos de realidade na sua interação com o mundo e consigo mesmo, como também esses modelos o influência tanto internamente na construção do conhecimento, quanto externamente nos conteúdos da sua realidade. Esses modelos permitem relacionar claramente pensamento e crença quando em sua abordagem defende, que a organização do pensamento está relacionada a sentimentos, emoções, desejos, fantasias, representações sociais, crenças além da cognição, lógica de racionalidade.
Na pesquisa o objetivo foi verificar a influência das crenças na organização do pensamento, as perguntas realizadas com as pessoas entrevistadas foi com relação a crença religiosa e o conteúdo foi a sexualidade. Duas questões foram respondidas por grupo de pessoas religiosas de diversas denominações e um grupo de estudantes. Ao fazer a análise foi verificado que os entrevistados mudam a forma de pensar de acordo com a natureza da crença, a subjetividade não anula a dinâmica do pensamento psíquico, algo que é muito interessante também é que os modelos organizadores com relação a temática sexualidade tiveram associados a significados, conteúdos que envolvem crenças religiosas, mesmo que implícitos no contexto da pergunta que foi aplicada. A pesquisa confirmou as teorias apresentadas pela autora, tornando o artigo coerente e bem contextualizado.

Houveram muitas repetições de informações, tornando as vezes a leitura cansativa, apesar de ser um texto muito enriquecedor. Geralmente alguns autores radicalizam e concluem pesquisas através de uma análise fragmentada do objeto de estudo em seus artigos, isso pode ser muito perigoso a depender da temática. Pátaro fez diferente ,reconheceu que não pode tirar respostas conclusivas com relação a pesquisa, e informou ter surgido novos questionamentos e hipóteses. A pesquisa foi clara , consistente e verdadeira ao colocar diante do leitor as incertezas e fragilidades do pensamento humano que é comumente influenciado pela cultura.

Referência: Pátaro, C. O. Pensamento, crenças e complexidade humana. Ciência & Cognição, 04, 12,134-149, 2007.

Resenha: crenças de senso comum sobre medicamentos genéricos vs medicamentos de marca

Maria Madalena R. de M. da S. Neta

Medicamentos genéricos são medicamentos que possuem a mesma substância ativa dos de marca, sendo também mais baratos. No Brasil, este tipo de medicamento foi introduzido em 1999, através da Lei 9.787 e avaliação da manutenção da qualidade é realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em parcerias.
Contando com a amostra de 144 voluntários, maiores de 18 anos, o estudo objeto desta resenha buscou investigar “em que medida o nome da doença pode influenciar a crença sobre o uso de medicamentos (genéricos e de marca) em indivíduos saudáveis, e a existência de eventuais diferenças de gênero associadas às crenças sobre a medicação para doenças específicas” Filgueiras, M.J.; Marcelino, D.; Cortes, M.A.; Horne, R.; Weinman, J. (2007). Através deste estudo realizado em Portugal, os participantes responderam a três questões para avaliar as crenças de senso comum sobre a medicação prescrita para as doenças gripe, amigdalite, asma e angina de peito.
Segundo os autores o aumento do consumo de medicamentos genéricos em Portugal pode demonstrar tanto um aumento da aceitação, como uma menor percepção de risco associado a sua utilização. Estes citam uma pesquisa de Carrol, Wolfgang, Kotzan & Perri (1988), onde os resultados indicam que mesmo os pacientes que tiveram experiências positivas com o uso de medicamentos genéricos, considerando-os com a mesma qualidade dos medicamentos de marca, apresentavam menos probabilidade de fazer a uso destes para tratamento de doenças crônicas ou graves, levando a crer ser a percepção da doença e não a percepção acerca do medicamento em si que determina o seu uso. O possível risco de uso do medicamento genérico parece estar associado à gravidade da doença, no entanto a mesma pesquisa mostra que seja sua bioequivalência atestada por um profissional habilitado, os consumidores assumem um comportamento mais confiante no uso destes medicamentos.
Os autores trazem também a ideia de que os consumidores ainda estão mais habituados a receberem prescrição de um medicamento de marca, cujo nome pode já ser conhecido, em contrapartida ao aumento da oferta de informações acerca dos medicamentos genéricos e sua bioequivalência. E assinalam as crenças individuais sobre a medicação referenciando-se a um estudo de Macedo, Moital Santos, Nunes, Baños, & Farré (2007) onde caso esses nomes comerciais façam alusão aos efeitos ou indicações do fármaco, os efeitos placebo podem ser potenciados.
Em relação às diferenças de gênero, os autores citam diversos estudos mencionando que as mulheres apresentam queixas sintomáticas com mais frequência, intensidade e diversidade do que os homens, além de procurarem cuidados médicos, em média, mais vezes também. Contudo fazem alusão a um estudo recente de Figueiras, Marcelino, & Cortes (2007) onde se verifica que em relação às crenças gerais e específicas sobre medicamentos genéricos, apesar de haverem diferenças em termos de nível de escolaridade e grupo etário, não existem diferenças de gênero.
A partir da análise dos dados coletados em Portugal, os autores identificaram que os resultados obtidos indicam que existe de fato uma correlação entre a doença e o tipo de medicamento, onde a crença na eficácia do medicamento genérico diminui consideravelmente quando associadas a doenças consideradas no senso comum como mais graves, corroborando com a literatura. As mulheres apresentam uma crença mais forte na eficácia dos medicamentos de marca do que nos medicamentos genéricos para asma e angina de peito (doenças consideradas mais graves). Em relação ao alívio dos sintomas, a crença na eficácia dos medicamentos genéricos diminui com o aumento da gravidade da doença, assim como a crença na utilização de um medicamento de marca é mais forte para doenças consideradas mais graves. Nesse quesito fica clara uma diferença de gênero, onde os homens apresentam uma crença mais forte nos medicamentos genéricos no alívio de sintomas da gripe, enquanto as mulheres apresentam uma crença mais forte nos medicamentos de marca para alívio dos sintomas desta doença.
Contudo os autores analisaram que apesar da recente inserção dos medicamentos genéricos no país, os indivíduos têm uma atitude positiva em relação a este tipo de fármacos. Isso pode ser resultado da já citada crescente oferta de informações acerca dos aspectos relativos à equivalência destes, através dos meios de comunicação, propiciando um nível de conhecimento satisfatório por parte dos consumidores. Finalizando, quanto aos efeitos de gênero na pesquisa, fazem alusão a Macintyre et al. (1996) que argumentam a origem das diferenças de gênero nos papéis sociais.

Referência bibliográfica: Filgueiras, M.J.; Marcelino, D.; Cortes, M.A.; Horne, R.; Weinman, J. Crenças de senso comum sobre medicamentos genéricos VS. Medicamentos de marca: Um estudo piloto sobre diferenças de gênero. Análise Psicológica (2007), 3 (XXV): 427-437

Resenha: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Filipe Mateus Duarte

O artigo ao qual a presente resenha se propõe tratar foi desenvolvido por Francisco Leite, em 2008, no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Francisco Leite é bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Salesiana de São Paulo.
O autor divide o artigo em quatro partes, quais sejam: “introdução”; “alguns conceitos relevantes”; “processos automáticos versus controlados”; e, por fim, as “considerações finais”. Basicamente, Leite pretende discutir os efeitos das propagandas contra-intuitivas nas estruturas cognitivas dos indivíduos, mais especificamente no deslocamento de suas crenças, estereótipos e preconceitos.
Leite inicia a introdução definindo o que vem a ser essa modalidade publicitária e recorre ao antropólogo Peter Fry para dizer que esta é a “tentativa deliberada de romper com os antigos estereótipos (…)” (Fry, 2002: 308 apud Leite, 2008: 131). Complementa afirmando que esse tipo de propaganda não está restrito ao politicamente correto, mas busca problematizar as posições cristalizadas pelos produtos da publicidade, nos quais um grupo minoritário é sempre posto num lugar desprivilegiado da narrativa. Na propaganda contra-intuitiva, diz ele, “o indivíduo alvo de estereótipos e preconceito social é alçado ao patamar de protagonista/antagonista e ou destaque do enredo publicitário, posições que antes eram restritas a determinados perfis sociais” (Leite, 2008: 132), desafiando a intuição ou senso comum, como o próprio termo “contra-intuição” (do inglês, counterintuitive) alude. Para o autor, essa manobra é uma tentativa de deslocamento de um conhecimento superficial para um de tipo reflexivo, no qual aqueles estereótipos reforçados constantemente pelos media são questionados e cedem lugar a outras possibilidades nas posições desses indivíduos. Dessa forma, ao senso comum é apresentado o desafio de repensar seus repertórios, contribuindo para o deslocamento de suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos minoritários.
O autor exemplifica citando as posições sociais e comumente conferidas às mulheres, quais sejam, da submissão e da atuação secundária nas esferas públicas; cita, ainda, os indivíduos negros, aos quais são conferidos o lugar da malandragem, da subalternidade e da servidão voluntária e feliz (ponto que será abordado mais à frente a partir do exemplo de uma peça publicitária da Fiat), dentre outros estereótipos e preconceitos reforçados diariamente através dos meios de comunicação publicitária. Assim, a propaganda de “massa social”, termo utilizado pelo autor, é resultado de uma história do comportamento humano.
Mais à frente, Leite utiliza Strozenberg para dizer que “a força de atuação da propaganda pode ou reforçar preconceitos – reproduzindo estereótipos dominantes no discurso social; ou promover e fortalecer novos valores e visões de mundo – abrindo espaço para outras versões da realidade” (2006). A propaganda contra-intuitiva trabalha norteada por esse segundo viés, ainda que guiada, também, por um pressuposto mercadológico. Sua proposta é deslocar o processo de dissociação de estereótipos históricos e presentes no processo de aprendizagem dos indivíduos, em sua memória implícita e explícita, contribuindo para um processo de reavaliação dos pensamentos estereotípicos e das atitudes e comportamentos expressos, que são tidos por esse estilo de discurso como ultrapassados e negativos.
No segundo item do artigo, denominado de “alguns conceitos relevantes”, Leite enfatiza o processo cognitivo da aprendizagem. Nesse momento do texto, o autor afirma que a aprendizagem é eminentemente aquele processo em que as informações já armazenadas na memória do indivíduo dão suporte para a tomada de decisões e escolhas. As etapas do processo de aprendizagem verbal são destacadas pelo autor, que afirma ter início com “um estímulo, seguido por uma resposta e avaliação a este estímulo, sofrendo retroalimentação pela etapa de feedback” (Catania, 1998 apud Leite, 2008: 133). Para exemplificar, cita o exemplo de um enunciado ou mensagem publicitária (estímulo) que sendo de caráter preconceituoso e não eliciando resposta contra-argumentativa por parte do indivíduo presume-se ter sido incorporada por esse indivíduo. Dessa forma, as crenças e valores (negativos e positivos) são determinantes para a contra-argumentação ou incorporação de estereótipos e atitudes. As crenças são estabelecidas no processo de aprendizagem, principalmente nas experiências pessoais dos indivíduos desde sua infância, a partir das mediações de relacionamento (familiar, escolar, midiática, etc.).
Para uma conceituação mais exata daquilo que são as crenças, Leite pensa a partir do conceito de Helmuth Krüger, autor que entende esse constructo como um conteúdo mental de natureza simbólica, cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social.
Outro fenômeno destacado pelo autor é o dos estereótipos, que aparece aqui como uma ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória do indivíduo a pluralidade dos elementos sociais, organizando e facilitando a compreensão da complexidade ambiental. “Os estereótipos surgem como uma capacidade de síntese, condensação e agregação de vários elementos em uma imagem” (Leite, 2008: 134). Para corroborar com essa afirmação, o autor lança mão da caracterização dos estereótipos feita pelo pesquisador Marcos E. Pereira, que se refere a esse fenômeno “como artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos” (Pereira, 2002 apud Leite, 2008: 134). Assim, essa última conceituação ajuda na compreensão daquilo que é objeto desse artigo, os possíveis deslocamentos cognitivos gerados pela recepção dos estímulos contra-intuitivos da narrativa publicitária em estereótipos e atitudes sociais.
Leite afirma que os estereótipos sociais podem ser divididos em uma matriz relacional de atributos positivos e negativos e sofrem, também, duas mobilizações: a que se dirige para o grupo ao qual o indivíduo pertence (auto-estereótipo) e a que indica um grupo distinto (hétero-estereótipo). Além disso, há a dimensão do preconceito, que é sempre da ordem do negativo, pois se caracteriza como uma atitude injusta em relação a um grupo ou pessoa supostamente pertencente a esse grupo. Atitude aqui é entendida como as crenças (componente cognitivo) compostas por carga afetiva (componente afetivo) pró ou contra um determinado objeto social, predispondo o indivíduo a agir (componente comportamental) segundo essa inclinação avaliativa.
A partir desses conceitos (crenças, estereótipos e atitudes) é possível pensar, segundo Leite, na possibilidade de “ocorrência de deslocamentos e mudanças de atitude e comportamento de indivíduos em relação à aplicação de estereótipos negativos a membros e grupos minoritários, mediante a contribuição das informações inseridas em uma comunicação contra-intuitiva” (Leite, 2008: 135), meta principal desse tipo de publicidade.
Mais adiante, no tópico “processos automáticos versus controlados”, o autor dá conta de abordar dois processos fundamentais da estrutura cognitiva do indivíduo diante de um estímulo. Esses dois processos são de fundamental importância para a compreensão de como esses elementos da cognição social se manifestam. Os primeiros, “automáticos”, dizem respeito àqueles comportamentos que não envolvem o controle consciente da atenção (capacidade de concentração da consciência sobre um objeto) ou qualquer esforço cognitivo e intencional.
O segundo processo, “controlado”, vai à linha inversa do anterior, pois demanda do indivíduo certo controle atencional, assim como intencionalidade, ou seja, consciência e esforço cognitivo. “Nesta dinâmica cognitiva, pode-se considerar que os processos automáticos procurariam fazer uma identificação das regularidades de um contexto em longo prazo, sendo incapazes de se adaptar, num curto espaço de tempo, a um determinado estímulo, porém, os processos controlados diante de tal contexto seriam mais flexíveis e predispostos a se adaptar às mudanças propostas por um estímulo” (Leite, 2008: 136).
Leite aponta em seguida que as injustiças sociais são resultantes da ativação automática do uso dos estereótipos e, por isso, proceder no controle de pensamentos estereotípicos negativos pode funcionar como obstáculo à manifestação desses estereótipos. Entretanto, aponta ele, há efeitos nesse procedimento. O efeito ricochete (Wegner, 1994), por exemplo, é um efeito indesejado (irônico), já que resulta no oposto ao que se pretendia através da mensagem: ocorre “quando diante de uma motivação (estímulo) que proponha um “novo/outro” posicionamento (supressão/dissociação) do receptor para um pensamento estereotípico, o indivíduo está no momento desta interação sem recursos cognitivos, sob pressão de tempo, distraído, ou sem motivação psicológica para suprimir o estereótipo negativo em questão” (Leite, 2008: 137). Nesse sentido, ao invés de deslocar ou produzir reavaliações de atitudes, estereótipos e crenças sobre determinados grupos/indivíduos, o resultado é a manutenção e reforçamento de pensamentos preconceituosos. Porém, o autor ressalta que esse efeito não é natural, na medida em que o efeito indesejado pode ser também “resultado do tempo de exposição do indivíduo a mensagem e pela (falta de) justificativa/explicação contundente desta ao indivíduo para não se opor em aceitar a supressão ou dissociação de suas crenças produtoras de pensamentos estereotípicos” (Leite, 2008: 137). Ou seja, crenças centrais são muito difíceis de serem modificadas.
Leite destaca que a propaganda contra-intuitiva está alinhada ao modelo teórico de supressão sugerido por Daniel Wegner, em que há uma intervenção nos processos controlados de processamento de informação, tendo em vista que parte de dois processos: a “monitoração de pensamentos” a evitar e, simultaneamente, o “processo operativo de reorientação da consciência” no sentido de focar a atenção num “pensamento distrator”. Essa orientação teórica propõe reorientar o indivíduo receptor mediante a reflexão sobre suas crenças produtoras de estereótipos sociais negativos.
A peça publicitária “Motorista”, da Fiat do Brasil (ano 2002), é trazida como exemplo do raciocínio que Leite se propõe nesse artigo. A propaganda pretende fazer um jogo de inversão de posições, em que um homem negro bem vestido dirige o novo Palio 2002, levando no banco traseiro uma mulher branca de olhos claros carregando um bebê mestiço no colo. Em seguida, uma amiga dessa mulher a vê e a cumprimenta admirada por vê-la num carro novo e dirigido por motorista – se referindo ao homem negro ao volante. Neste instante, a amiga interpela a outra e informa que virou mãe, mostrando seu filho de cor mestiça. A peça finaliza com o slogan: “Xiii… Está na hora de rever seus conceitos. Principalmente seus conceitos sobre carros”. Essa peça publicitária é exemplificada pelo autor como de natureza contra-intuitiva, já que busca um efeito de deslocamento de estereótipos essencialistas inscritos a grupos sociais. Nesse sentido, é possível perceber que a posição de subalternidade do negro (motorista) é problematizada e enfraquecida nessa campanha, assim como a da mulher branca. Em contrapartida, diz Leite, a mensagem também possibilita o efeito indesejável e irônico, “pois, caso seja mal processada pelo indivíduo devido à pressão de tempo, falta de motivação, baixa atenção etc., essa mensagem pode ser automaticamente um reforço à associação (ligação) abordada para reavaliação” (Leite, 2008: 139).
Caminhando para as considerações finais do artigo, Leite afirma que, ainda assim, ainda que correndo o risco do efeito irônico, a propaganda contra-intuitiva não deixa de estimular a reflexão daquelas percepções enraizadas nas crenças centrais, resultantes do processo de aprendizagem do coletivo social. Esse tipo de manobra comunicacional pode contribuir de forma significativa para desestabilizar os processos automáticos e a ativação de pensamentos estereotípicos negativos, principalmente via monitoramento e reorientação proposto por Wegner. Assim, esse tipo de peça publicitária origina “diferenciadas percepções, associações, atitudes e comportamentos do indivíduo social perante os membros de grupos minoritários” (Leite, 2008: 140), contribuindo para a reavaliação das crenças essencialistas compartilhadas, como no caso da opinião pública e estereótipos sociais.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciências & Cognição (UFRJ), v. 13, p. 131/ 12-141, 2008.

Resenha: Comunicação e cognição – os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Alexandre Lino

O autor inicia o texto conceituando a propaganda contra-intuitiva como sendo aquela que rompe com o padrão socialmente estereotipado de figuras sociais, tais como negros, mulheres e homossexuais. Enquanto propagandas tradicionalistas alçam essas figuras como sendo submissas, relegadas a um papel de segundo plano ou ainda com aspectos e características aberrantes, uma propaganda contra-intuitiva apresentaria um negro em posição de destaque e sucesso, uma mulher enquanto bem sucedida profissionalmente ou um homossexual sem características afeminadas.
A partir daí, ele passa a discorrer sobre a importância e o papel da propaganda como canal de influência positiva e negativa, que perpetua estereótipos ou insere novas modalidades de interpretação da realidade. Assim, o autor postula que exposição a propagandas contra-intuitivas de caráter positivo poderiam causar uma reavaliação da configuração da realidade por parte do espectador, visando assim atualizar sua visão de mundo para moldes mais humanitariamente aceitos, diminuindo o poder dos estereótipos negativos e reforçando os positivos, através do embate entre os estímulos contra-intuitivos e os tradicionalistas.
O autor então discorre sobre o conceito de formação de memória, crenças, estereótipos e da interconexão destes através de nós na estrutura cognitiva, para formar as atitudes. Então ele prossegue discorrendo sobre a importância dos estereótipos como uma ferramenta de percepção da sociedade, de modo a garantir economia de energia psíquica no modo como nos relacionamos com o mundo. Ele então localiza a justificativa de seu trabalho na manutenção de estereótipos através não somente de contatos individuais, mas reforçados pelos meios de comunicação.
Para conectar com isto, ele passa a discorrer sobre o preconceito versus estereótipo. O preconceito é tido como um julgamento sem base de juízo de valor com base em sentimentos e afetos negativos, voltado para um grupo específico de pessoas de forma discriminatória. A combinação entre o preconceito e as crenças pessoais geram atitudes negativas perante os sujeitos destes grupos.
Sendo as atitudes um elo entre os fatores cognitivos, afetivos e comportamentais que um sujeito tem sobre um objeto social, e que a manutenção dos estereótipos pode ser garantida por meios de comunicação, temos aí a importância real das propagandas contra-intuitivas que visem combater o estabelecimento de racismo e discriminação contra grupos minoritários. Para haver uma real avaliação acerca do impacto dessa estratégia de diminuição de preconceito e discriminação, o autor passa a tratar da dicotomia entre processos automáticos versus controlados.
Os processos automáticos são definidos como processos cognitivos que ocorrem em uma fase anterior à tomada de consciência do indivíduo. Servem e atuam para identificar rapidamente a realidade e visam garantir que não despendamos muita energia focando-nos na tarefa em questão, e ocorrem simultaneamente a diversos outros processos, tanto automáticos quanto controlados. Já os processos controlados devem alcançar a tomada de consciência dos mesmos, pois eles exigem esforço e concentração, e demoram consideravelmente mais tempo de serem executados do que os automáticos. É possível que um procedimento que comece como controlado acabe por tornar-se automático, pois este garante a sustentação cognitiva a longo prazo. Por isso mesmo, os processos automáticos são mais rígidos com relação à mudança, visto que já estão tão arraigados no ser que sequer disparam uma reflexão consciente do sujeito.
Vemos aí a importância do trabalho em meios de comunicação de forma contra-intuitiva, pois as atitudes preconceituosas normalmente estão estabelecidas de forma automática para o sujeito, fazendo com que ele tome ações e juízos negativos sem sequer dar-se conta do mesmo. Ao garantirmos uma exposição de realidade contrária à que o sujeito está acostumado a ponderar, ele é capaz de evocar o processo automático e tomar consciência do mesmo, passando a poder tentar controlar e suprimir, ressignificando a sua atitude perante um indivíduo/grupo social. Exceção a essa regra pode ser o surgimento do efeito ricochete, mas que não é normal e surge majoritariamente em momentos em que o sujeito sequer tem foco ou tempo suficiente para executar um juízo de valor acerca da propaganda contra-intuitiva.
O autor então descreve duas peças publicitárias, onde é possível depreender mensagens de revisão de conceitos e do efeito ricochete. No caso da Fiat, ao exibir a mensagem de “reveja seus conceitos”, o sujeito pode tanto ressignificar o papel do negro na sociedade, como também a de que a realidade apresentada é impossível. Na peça da Credicard, vemos que o papel do negro tanto pode ser entendido enquanto bem sucedido, quanto a de manutenção do estereótipo negativo de “preguiçoso”. Para o efeito ser o desejado, é necessário que um indivíduo com alto nível de preconceito esteja em situação de descanso, com tempo, sem outras grandes pressões, para que ele tenha disposição para tentar confrontar as suas perspectivas sobre a sociedade, enquanto um sujeito com baixo índice de preconceito está mais propenso a controlar e suprimir os seus pensamentos estereotípicos.
Ainda que os efeitos e estudos finais não comprovem, o uso da propaganda contra-intuitiva enquanto potencial ferramenta de alteração de preconceitos e atitudes discriminatórias também não é reprovado. De toda sorte, é muito importante que seja uma estratégia desenvolvida, de maneira que possamos ponderar sobre nossas atitudes, se quisermos criar uma sociedade mais justa e equalitária.

LEITE, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13/m318223.pdf, último acesso em 20 de Março de 2013.

Resenha – Investigações psicológicas no ciberespaço: O impacto do interesse, filiação grupal e conhecimento na adesão às crenças ufológicas.

Graciara Oliveira Silva

Nesse estudo, os autores apresentam uma breve introdução sobre o sistema de crenças, explicando que umas podem ser mais justificadas e, por isso, mais endossadas do que outras. Isso acontece quando a decisão de crer ou não crer é objeto de uma reflexão e crítica aprofundadas, diferente das crenças constitutivas do sujeito que crê, uma vez que a justificação não é tão importante.
Para adentrar nas crenças ufológicas, os autores pontuaram que a princípio nós não duvidamos que somos seres humanos com atributos que nos identificam como tal e diferenciam-nos dos demais seres vivos que se evoluíram no planeta Terra. Nessa perspectiva evolucionista que nos afasta do criacionismo, e também do antropocentrismo, os autores refletem:

Ao mesmo tempo em que temos certeza de que pertencemos a uma espécie que se desenvolveu no planeta Terra, consideramos como justificada a crença que o nosso pequeno planeta ocupa uma posição quase irrisória face à imensidão do universo. Seríamos, então, os únicos entes pensantes nesse imenso universo ou seria mais sensato supor que talvez em uns poucos dentre os milhões de astros celestes tivessem surgido formas de vida e civilizações diferentes das modalidades que conhecemos? (Pereira; Silva; Silva, 2006, p.376).

Nesse sentido, os autores afirmam que as crenças sobre a existência de extraterrestres e civilizações em outros planetas são plausíveis, porém, duvidosas por causa da falta de comprovação, visto que elas são justificadas por “argumentos construídos com base em evidências sobre a presença de objetos voadores não-identificados” (Idem, p.376). Em seguida, refletem mais:

As crenças se referem a entes reais ou elas fazem alusões apenas a potencialidades derivadas dos arrazoados desenvolvidos por mentes humanas? O que possibilita tantas pessoas acreditarem que tais seres existam, que são mais civilizados e nos visitam com freqüência? Por outro lado, como duvidar de que não somos únicos no universo, sem acreditar que eles se encontram entre nós? (Idem, p.376).

Segundo os autores, a justificação para as crenças ufológicas são construídas a partir de observações por meio de registros visuais e audiovisuais dos discos voadores. Por isso, o objetivo desse estudo foi o de “investigar as crenças a respeito de dois entes: extraterrestres e objetos voadores não-identificados” (Idem, p. 376)
Os autores afirmam que as crenças são sustentadas e compartilhadas muito mais pelo “endossamento subjetivo” do que pelo “estatuto epistemológico”e, por isso, a adesão ou o endosso geram repercussões em vários segmentos.
Nessa perspectiva de crenças compartilhadas, os autores optaram por ampliar o número de participantes da pesquisa para a coleta de dados através da internet. Eles defendem que há uma tendência cada vez mais fortalecida de pesquisas reais em ambientes virtuais. Destaco que muitos estudiosos questionam essa divisão entre o real e o virtual, e o conceito de virtualização do pensador francês Pierre Lévy em sua obra O Que é o Virtual (1996), promovendo uma abertura ainda maior para a práticas de tais pesquisas.
A partir do problema de pesquisa de “identificar as diferenças nos padrões de crenças compartilhadas por pessoas envolvidas ou não com grupos de pesquisas ufológicas sobre temas relacionados com a presença de extraterrestres e de objetos voadores não-identificados” (Idem, p.376), os autores conceituaram de uma forma geral as crenças, pontuaram sua importância na psicologia social e apresentaram suas hipóteses.
A primeira hipótese foi a de que o nível de conhecimento sobre os eventos ufológicos seria diretamente proporcional à adesão à crença. Em seguida, apresentaram hipóteses adicionais que desdobraram nas seguintes variáveis: interesse pelo assunto e filiação em grupos de estudo e pesquisa ufológica.
Em resumo, o instrumento de pesquisa utilizado abordou as seguintes categorias: 1) crenças sobre os extraterrestres e a humanidade; 2) crenças sobre as interferências dos extraterrestres no planeta Terra; 3) crenças sobre as relações entre extraterrestres e humanos; 4) crenças sobre os extraterrestres, a ciência e os cientistas; 5) crenças sobre os extraterrestres e as teorias conspiratórias. Segundo os autores, uma interpretação geral dos resultados sugere que:

[…] dentre as cinco modalidades de crenças consideradas, as relativas aos extraterrestres e a humanidade obtiveram um maior grau de adesão, seguida pelas crenças relativas aos extraterrestres, a ciência e aos cientistas. As crenças a respeito das interferências dos extraterrestres no planeta Terra obtiveram um baixo grau de adesão. Os resultados também sugerem que, globalmente, os participantes não aderem ou rejeitam as suposições relativas às teorias conspiratórias ou às crenças acerca das relações entre extraterrestres e humanos (Idem, p. 379).

Os resultados desse estudo apresentaram padrões diferenciados de adesão às crenças. Foi verificado que a primeira hipótese era verdadeira. Porém, “o interesse pelo assunto e, em menor grau, a filiação aos grupos de pesquisa ufológicos, exerceram uma influência mais significativa na adesão às crenças ufológicas que o grau de conhecimento” (Idem, p. 383). Por fim, concluiram que os resultados desse estudo apontam para a possibilidade de “desenvolver modelos preditivos a respeito do grau de adesão às crenças ufológicas” (Idem, p.383) e de continuação em outro estudo.

Pereira, M. E. ; Silva, J. e Silva, P. Investigações psicológicas no ciberespaço: O impacto do interesse, filiação grupal e conhecimento na adesão às crenças ufológicas. Interação (Curitiba), 10, 375-384, 2006.

Estereótipos e cinema: filme do Thor será boicotado por uma turma de racistas

Matéria no blog Capacitor relata a reação de um tal de Conselho dos Cidadãos Conservadores (CCC) ao filme sobre o herói da Marvel. Clique aqui para ler a matéria.

Notícia do dia: brasileira casada com político britânico é prostituta

Notícia publicada no tablóide sensacionalista inglês Sunday Mirror relata a vida dupla da brasileira esposa de um importante político inglês: dona de casa e prostituta. Clique aqui para ler a notícia publicada no portal Terra.

Estereótipos e anedotas: o espelho do português

Contribuição: Alineton Adson

O português procura uma foto sua para enviar à família em Portugal. Como não achou, foi até ao banheiro para pentear o cabelo e sair para tirar uma foto. Ao chegar no espelho percebeu sua imagem refletida e disse:
– “Ora pois vou enviar esse espelho que tem a minha imagem e pronto, não preciso nem gastare dinheiro com foto”.
Quando o embrulho chegou em Portugal, seu pai foi logo abrindo curioso para ver a foto de seu filho. Quando deparou com o espelhou gritou para Maria:
– “Maria venha cá correndo, veja como nosso filho envelheceu, até parece um velho de 60 anos. E ainda está com cara de pinguço”.
Maria ao debruçar no ombro de Manoel, disse:
– “Também pudera, com essa velha feia com cara de puta ao seu lado, só podia mesmo virar alcoólatra”.

Preconceitos e religião: Zé Serra compara ateus a fumantes

Contribuição:  Camila Novaes

O preconceito religioso vai de encontro às escolhas pessoais. Em uma frase infeliz, José Serra fez uma comparação entre uma convicção filosófica a uma doença: “A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando. Assim é uma pessoa sem Deus. Sabe que Ele está ali, mas não o procura”, disse Serra. Clique aqui para ler a mensagem postada no Blog do Imbroglione.
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