Resenha: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Filipe Mateus Duarte

O artigo ao qual a presente resenha se propõe tratar foi desenvolvido por Francisco Leite, em 2008, no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Francisco Leite é bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Salesiana de São Paulo.
O autor divide o artigo em quatro partes, quais sejam: “introdução”; “alguns conceitos relevantes”; “processos automáticos versus controlados”; e, por fim, as “considerações finais”. Basicamente, Leite pretende discutir os efeitos das propagandas contra-intuitivas nas estruturas cognitivas dos indivíduos, mais especificamente no deslocamento de suas crenças, estereótipos e preconceitos.
Leite inicia a introdução definindo o que vem a ser essa modalidade publicitária e recorre ao antropólogo Peter Fry para dizer que esta é a “tentativa deliberada de romper com os antigos estereótipos (…)” (Fry, 2002: 308 apud Leite, 2008: 131). Complementa afirmando que esse tipo de propaganda não está restrito ao politicamente correto, mas busca problematizar as posições cristalizadas pelos produtos da publicidade, nos quais um grupo minoritário é sempre posto num lugar desprivilegiado da narrativa. Na propaganda contra-intuitiva, diz ele, “o indivíduo alvo de estereótipos e preconceito social é alçado ao patamar de protagonista/antagonista e ou destaque do enredo publicitário, posições que antes eram restritas a determinados perfis sociais” (Leite, 2008: 132), desafiando a intuição ou senso comum, como o próprio termo “contra-intuição” (do inglês, counterintuitive) alude. Para o autor, essa manobra é uma tentativa de deslocamento de um conhecimento superficial para um de tipo reflexivo, no qual aqueles estereótipos reforçados constantemente pelos media são questionados e cedem lugar a outras possibilidades nas posições desses indivíduos. Dessa forma, ao senso comum é apresentado o desafio de repensar seus repertórios, contribuindo para o deslocamento de suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos minoritários.
O autor exemplifica citando as posições sociais e comumente conferidas às mulheres, quais sejam, da submissão e da atuação secundária nas esferas públicas; cita, ainda, os indivíduos negros, aos quais são conferidos o lugar da malandragem, da subalternidade e da servidão voluntária e feliz (ponto que será abordado mais à frente a partir do exemplo de uma peça publicitária da Fiat), dentre outros estereótipos e preconceitos reforçados diariamente através dos meios de comunicação publicitária. Assim, a propaganda de “massa social”, termo utilizado pelo autor, é resultado de uma história do comportamento humano.
Mais à frente, Leite utiliza Strozenberg para dizer que “a força de atuação da propaganda pode ou reforçar preconceitos – reproduzindo estereótipos dominantes no discurso social; ou promover e fortalecer novos valores e visões de mundo – abrindo espaço para outras versões da realidade” (2006). A propaganda contra-intuitiva trabalha norteada por esse segundo viés, ainda que guiada, também, por um pressuposto mercadológico. Sua proposta é deslocar o processo de dissociação de estereótipos históricos e presentes no processo de aprendizagem dos indivíduos, em sua memória implícita e explícita, contribuindo para um processo de reavaliação dos pensamentos estereotípicos e das atitudes e comportamentos expressos, que são tidos por esse estilo de discurso como ultrapassados e negativos.
No segundo item do artigo, denominado de “alguns conceitos relevantes”, Leite enfatiza o processo cognitivo da aprendizagem. Nesse momento do texto, o autor afirma que a aprendizagem é eminentemente aquele processo em que as informações já armazenadas na memória do indivíduo dão suporte para a tomada de decisões e escolhas. As etapas do processo de aprendizagem verbal são destacadas pelo autor, que afirma ter início com “um estímulo, seguido por uma resposta e avaliação a este estímulo, sofrendo retroalimentação pela etapa de feedback” (Catania, 1998 apud Leite, 2008: 133). Para exemplificar, cita o exemplo de um enunciado ou mensagem publicitária (estímulo) que sendo de caráter preconceituoso e não eliciando resposta contra-argumentativa por parte do indivíduo presume-se ter sido incorporada por esse indivíduo. Dessa forma, as crenças e valores (negativos e positivos) são determinantes para a contra-argumentação ou incorporação de estereótipos e atitudes. As crenças são estabelecidas no processo de aprendizagem, principalmente nas experiências pessoais dos indivíduos desde sua infância, a partir das mediações de relacionamento (familiar, escolar, midiática, etc.).
Para uma conceituação mais exata daquilo que são as crenças, Leite pensa a partir do conceito de Helmuth Krüger, autor que entende esse constructo como um conteúdo mental de natureza simbólica, cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social.
Outro fenômeno destacado pelo autor é o dos estereótipos, que aparece aqui como uma ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória do indivíduo a pluralidade dos elementos sociais, organizando e facilitando a compreensão da complexidade ambiental. “Os estereótipos surgem como uma capacidade de síntese, condensação e agregação de vários elementos em uma imagem” (Leite, 2008: 134). Para corroborar com essa afirmação, o autor lança mão da caracterização dos estereótipos feita pelo pesquisador Marcos E. Pereira, que se refere a esse fenômeno “como artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos” (Pereira, 2002 apud Leite, 2008: 134). Assim, essa última conceituação ajuda na compreensão daquilo que é objeto desse artigo, os possíveis deslocamentos cognitivos gerados pela recepção dos estímulos contra-intuitivos da narrativa publicitária em estereótipos e atitudes sociais.
Leite afirma que os estereótipos sociais podem ser divididos em uma matriz relacional de atributos positivos e negativos e sofrem, também, duas mobilizações: a que se dirige para o grupo ao qual o indivíduo pertence (auto-estereótipo) e a que indica um grupo distinto (hétero-estereótipo). Além disso, há a dimensão do preconceito, que é sempre da ordem do negativo, pois se caracteriza como uma atitude injusta em relação a um grupo ou pessoa supostamente pertencente a esse grupo. Atitude aqui é entendida como as crenças (componente cognitivo) compostas por carga afetiva (componente afetivo) pró ou contra um determinado objeto social, predispondo o indivíduo a agir (componente comportamental) segundo essa inclinação avaliativa.
A partir desses conceitos (crenças, estereótipos e atitudes) é possível pensar, segundo Leite, na possibilidade de “ocorrência de deslocamentos e mudanças de atitude e comportamento de indivíduos em relação à aplicação de estereótipos negativos a membros e grupos minoritários, mediante a contribuição das informações inseridas em uma comunicação contra-intuitiva” (Leite, 2008: 135), meta principal desse tipo de publicidade.
Mais adiante, no tópico “processos automáticos versus controlados”, o autor dá conta de abordar dois processos fundamentais da estrutura cognitiva do indivíduo diante de um estímulo. Esses dois processos são de fundamental importância para a compreensão de como esses elementos da cognição social se manifestam. Os primeiros, “automáticos”, dizem respeito àqueles comportamentos que não envolvem o controle consciente da atenção (capacidade de concentração da consciência sobre um objeto) ou qualquer esforço cognitivo e intencional.
O segundo processo, “controlado”, vai à linha inversa do anterior, pois demanda do indivíduo certo controle atencional, assim como intencionalidade, ou seja, consciência e esforço cognitivo. “Nesta dinâmica cognitiva, pode-se considerar que os processos automáticos procurariam fazer uma identificação das regularidades de um contexto em longo prazo, sendo incapazes de se adaptar, num curto espaço de tempo, a um determinado estímulo, porém, os processos controlados diante de tal contexto seriam mais flexíveis e predispostos a se adaptar às mudanças propostas por um estímulo” (Leite, 2008: 136).
Leite aponta em seguida que as injustiças sociais são resultantes da ativação automática do uso dos estereótipos e, por isso, proceder no controle de pensamentos estereotípicos negativos pode funcionar como obstáculo à manifestação desses estereótipos. Entretanto, aponta ele, há efeitos nesse procedimento. O efeito ricochete (Wegner, 1994), por exemplo, é um efeito indesejado (irônico), já que resulta no oposto ao que se pretendia através da mensagem: ocorre “quando diante de uma motivação (estímulo) que proponha um “novo/outro” posicionamento (supressão/dissociação) do receptor para um pensamento estereotípico, o indivíduo está no momento desta interação sem recursos cognitivos, sob pressão de tempo, distraído, ou sem motivação psicológica para suprimir o estereótipo negativo em questão” (Leite, 2008: 137). Nesse sentido, ao invés de deslocar ou produzir reavaliações de atitudes, estereótipos e crenças sobre determinados grupos/indivíduos, o resultado é a manutenção e reforçamento de pensamentos preconceituosos. Porém, o autor ressalta que esse efeito não é natural, na medida em que o efeito indesejado pode ser também “resultado do tempo de exposição do indivíduo a mensagem e pela (falta de) justificativa/explicação contundente desta ao indivíduo para não se opor em aceitar a supressão ou dissociação de suas crenças produtoras de pensamentos estereotípicos” (Leite, 2008: 137). Ou seja, crenças centrais são muito difíceis de serem modificadas.
Leite destaca que a propaganda contra-intuitiva está alinhada ao modelo teórico de supressão sugerido por Daniel Wegner, em que há uma intervenção nos processos controlados de processamento de informação, tendo em vista que parte de dois processos: a “monitoração de pensamentos” a evitar e, simultaneamente, o “processo operativo de reorientação da consciência” no sentido de focar a atenção num “pensamento distrator”. Essa orientação teórica propõe reorientar o indivíduo receptor mediante a reflexão sobre suas crenças produtoras de estereótipos sociais negativos.
A peça publicitária “Motorista”, da Fiat do Brasil (ano 2002), é trazida como exemplo do raciocínio que Leite se propõe nesse artigo. A propaganda pretende fazer um jogo de inversão de posições, em que um homem negro bem vestido dirige o novo Palio 2002, levando no banco traseiro uma mulher branca de olhos claros carregando um bebê mestiço no colo. Em seguida, uma amiga dessa mulher a vê e a cumprimenta admirada por vê-la num carro novo e dirigido por motorista – se referindo ao homem negro ao volante. Neste instante, a amiga interpela a outra e informa que virou mãe, mostrando seu filho de cor mestiça. A peça finaliza com o slogan: “Xiii… Está na hora de rever seus conceitos. Principalmente seus conceitos sobre carros”. Essa peça publicitária é exemplificada pelo autor como de natureza contra-intuitiva, já que busca um efeito de deslocamento de estereótipos essencialistas inscritos a grupos sociais. Nesse sentido, é possível perceber que a posição de subalternidade do negro (motorista) é problematizada e enfraquecida nessa campanha, assim como a da mulher branca. Em contrapartida, diz Leite, a mensagem também possibilita o efeito indesejável e irônico, “pois, caso seja mal processada pelo indivíduo devido à pressão de tempo, falta de motivação, baixa atenção etc., essa mensagem pode ser automaticamente um reforço à associação (ligação) abordada para reavaliação” (Leite, 2008: 139).
Caminhando para as considerações finais do artigo, Leite afirma que, ainda assim, ainda que correndo o risco do efeito irônico, a propaganda contra-intuitiva não deixa de estimular a reflexão daquelas percepções enraizadas nas crenças centrais, resultantes do processo de aprendizagem do coletivo social. Esse tipo de manobra comunicacional pode contribuir de forma significativa para desestabilizar os processos automáticos e a ativação de pensamentos estereotípicos negativos, principalmente via monitoramento e reorientação proposto por Wegner. Assim, esse tipo de peça publicitária origina “diferenciadas percepções, associações, atitudes e comportamentos do indivíduo social perante os membros de grupos minoritários” (Leite, 2008: 140), contribuindo para a reavaliação das crenças essencialistas compartilhadas, como no caso da opinião pública e estereótipos sociais.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciências & Cognição (UFRJ), v. 13, p. 131/ 12-141, 2008.

Resenha: sobreviver ao medo da violação

Victória Santana

O presente artigo discute a situação da mulher frente a antecipação do sofrimento relacionado ao medo da violação, quais as estratégias usadas para lidar com a ansiedade que essa situação inflige. A população feminina é a mais temerosa e que mais toma medidas de proteção contra crimes e é, entretanto, a que apresente menor probabilidade de sofrer crimes em relação aos homens. A questão é explicar o porque desse medo por outra via que não a possibilidade de ser vitimada (Stanko, 1995) .
As autoras trazem como referência duas hipóteses para a explicação desse medo seria a primeira de que os homens apesar de sofrer do mesmo sentimento por conta da imagem masculina na sociedade disfarçam-no com outros tipos de comportamentos (Clemente & Kleiman, 1977, cit. Por Stanko, 1993), a segunda hipótese seria de que as mulheres relacionam essa ansiedade a um tipo de crime violento em especial, o medo da violação, o qual os homens geralmente não temem (Riger et al., 1978). A autora relata várias pesquisas e autores que falam sobre como o medo da violação – abuso sexual – está difundido entre as mulheres como mais temido que o próprio homicídio, enquanto os homens não dão importância devida a esse risco. Além do medo, as mulheres são as que mais tomam medidas de precaução, ainda assim, é importante ressaltar que os tipo de precaução tomadas pelas mulheres não as protegem de fato por na verdade restringirem o acesso e a liberdade do público feminino aos espaços sociais ao mesmo tempo em que essa violência não está restrita a lugares como ruas à noite, sítio escuros, ou lugares com pouca visibilidade. As autoras asseguram que não a violação por si traz graves consequências à sobrevivente, mas que é de fato importante estudar as consequências que o medo das mulheres as violação tem por si só, mesmo sem nunca terem sido vítimas de crimes dessa espécie.
O medo da violação nas mulheres não deve explicado como individual, mas como um processo social que atinge o ser feminino. Como os estudos feministas apontam a violação é uma forma da sociedade machista subjulgar a mulher, mantendo-a numa posição de vulnerabilidade. As autoras trazem a contribuição dos estudos feministas e da psicologia na violência contra mulher, mostrando a faceta de poder e que é socialmente incentivada. O presente estudo conta com uma metodologia que traz aspectos importantes das teorias feministas e que procuram atentar para 1) há uma focalização no gênero (feminino) e na desigualdade social que esta condição acarreta; 2) procura-se dar voz às experiências pessoais e quotidianas das mulheres (ou mesmo de outros grupos marginalizados); 3) paralelamente ao objeto propriamente dito da investigação, encontra-se um compromisso social, para que uma real mudança ocorra nas condições opressoras sob as quais o grupo em estudo se encontra; 4) a reflexão dos próprios investigadores sobre questões que abordam o gênero, raça, classe social e orientação sexual podem influenciar o processo de investigação, daí que; 5) se abandone, de algum modo, a tradicional investigação positivista, que apoia uma relação formal entre investigador e “investigado”, dando lugar a um ênfase participativo por parte do último na própria construção da investigação (Cosgrove & McHugh, 2000). O estudo investigou 18 mulheres, entre 19 e 25 anos, a amostra foi obtida por conveniência na população do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, tendo em vista a maior vitimização de mulheres na faixa etária entre 18 e 24 anos. Foi utilizado como instrumento um guia ou roteiro de discussão baseado na escala “Fear of Rape Scale” O guião é constituído por 10 itens, os quais compreendem a: 1) Qual o crime que mais temem?; 2) Na condição de mulheres, qual o crime que pensam que mais as afetam?; 3) (referida a violação) O que vos faz sentir?, (violação não referida) E a violação, já pensaram sobre isso?; 4) Qual o local/locais onde pensam haver uma maior probabilidade de acontecer? E em que altura do dia?; 5) O que fazem ou deixam de fazer por causa desse crime? (precauções em casa/ rua/transportes públicos/relações sociais/altura do dia); 6) De que modo pensam que o medo da violação afeta a vossa liberdade?; 7) De onde pensam ter surgido esse medo?; 8) Esta abordagem dos condicionalismos que afetam a liberdade das mulheres parece-lhes pertinente? Em que medida?; 9) Que outras ideias gostariam de acrescentar acerca deste tema?. O procedimento escolhido para coleta de dados foi grupo de discussão, onde após contatarem por telefone a disponibilidade das participantes foram realizados três grupos de discussão e posteriormente um quarto grupo. Foi realizada a seguir a análise de conteúdo das transcrições dos grupos de discussão. Os resultados confirmaram as pesquisas anteriores em vários países de que o receio de ser vítima de um crime de violação, a maioria das participantes (n=11) afirmaram ser o crime de violação o maior medo tanto para si mesmas quanto para os que a rodeiam. Todas as participantes afirmam adotar comportamentos para a prevenir abusos quando estão na rua, como trancar a porta do carro, ter cuidado no lugar onde estaciona. A maioria diz que não tem preocupações com o vestuário. É interessante ressaltar o fato de as precauções tomadas pela maioria das participantes são em relação ao período noturno, durante o dia existe um maior sentimento de segurança em relação ao abuso. Os dados levantados pelo estudo parecem confirmar a perspectiva de Stanko (1993, 1995). Outro fato interessante é que as mulheres afirmam tomarem maiores precauções com pessoas desconhecidas que com pessoas próximas, apesar de ser conhecido que em muitos são pessoas que cometem crimes de abuso sexual. As participantes também mencionam os fatores relacionados à cultura como influenciadores no medo da violação, como por exemplo, os papeis socialmente acordado sobre os comportamentos esperados de cada gênero o que corrobora o estudo de Hall, Howard e Bueziu (citado por Fonow et.al, 1992) sobre o fator de dominação machista que está implícito nesse tipo de violência direcionado à mulher. As autoras consideram a partir do estudo que o crime que mais atemoriza as mulheres é o da violação, e que as precauções tomadas surgem num contexto de diminuição da liberdade individual que vai muito além da proteção das mulheres. O contexto cultural em que essas mulheres estão inseridas trazem a vulnerabilidade como uma característica feminina que a predisporia a ser vítima desse tipo de crime de cunho dominador masculino. Assim, a pesquisa trouxe contribuições que contribuem para a confirmação de hipóteses anteriormente levantadas e que devem ser compreendidas a partir do olhar da psicologia sobre as diferenças de gênero que afetam as expressões de ansiedade em homens e mulheres de maneiras diferentes, trazendo danos muito maiores às mulheres que aos homens.

Referência: Berta, M., Ornelas, J. H., & Maria, S. G. (25 de Janeiro de 2007). Sobreviver ao medo da violação: Constrangimentos enfrentado pelas mulheres. Análise Psicológica , pp. 135-147.

Resenha: Dizer «não» aos estereótipos sociais: As ironias do controlo mental

Janielly Braz

É possível evitar a esteriotipização? Os indivíduos que desejam suprimir qualquer tipo de pensamento que forme um estereótipo podem obter sucesso? Essa é a questão chave do artigo de Dora Luiza Geraldes Bernades, para isso a autora faz uma revisão teórica sobre a tentativa de suprimir os pensamentos estereotipados e suas implicações.

Sabe-se, através de evidências empíricas, que se um indivíduo tentar suprimir um determinado tipo de pensamento o mesmo pode retornar a consciência com maior impacto, se comparado a alguém que não participou do mesmo tipo de tarefa, esse feito irônico é denominado efeito ricochete (Wegner, 1994).

O mesmo ocorre com os estereótipos? Considerando que os mesmos são ferramentas importantes para dinamizar o raciocínio quanto á percepção das informações que estão no entorno social do sujeito, pois pensar a partir de categorias é um processo muito mais eficiente. Porém não se pode esquecer que, como cita a autora, o estereótipo é uma faca de dois gumes, pois possui implicações nefastas para o indivíduo – vítima, além das implicações histórico-sociais já conhecidas.

Um recente estudo feito por Macrae, Bodenhausen e seus colaboradores (Macrae, Bodenhausen & Milne, 1998; Macrae, Bodenhausen, Milne & Jetten, 1994) sugeriu ser uma tarefa impossível conter o pensamento preconceituoso e até mesmo tal tentativa pode suscitar o oposto, ocorrendo um aumento nas categorizações estereotipadas se comparado a sujeitos que não participaram da tentativa de controle desse tipo de pensamento, seria então o efeito ricochete do estereótipo (ERE).

Foi à observação desse efeito que fez com que Macrae e seus colaboradores (Macrae et al., 1994) questionassem até que ponto é possível, mesmo para os indivíduos que possuem a real intenção, controlar o uso dos estereótipos? Devido a implicações sociais profundas a supressão dos estereótipos é muito mais complexa que a supressão de outros tipos de pensamentos, por isso a autora faz uma revisão literária de estudos sobre a supressão dos estereótipos.

Experimentos feitos por Macrae et al. (1994a) confirmaram que o efeito ricochete ocorre realmente com os estereótipos, ou seja, ao ser tentada a supressão os pensamentos voltam à consciência ocasionando impacto na avaliação de determinados comportamentos. Porém partindo do pressuposto que na vida social não há instruções tão explícitas para supressão do pensamento estereotipado como verificar esse efeito no dia a dia?

Uma alternativa seria o aumento da consciência contra a estereotipização e preconceito, ocasionando numa supressão espontânea dos estereótipos, algo que funcionasse como uma vontade natural do indivíduo.

Há também de se considerar a atitude pessoal do indivíduo, pois o efeito ricochete não ocorrerá da mesma maneira em indivíduos que diferem quanto ao grau de preconceito. “Monteith, Spicer e Tooman (1998) verificaram que as pessoas com alto e baixo preconceito diferem no grau de acessibilidade do estereótipo de homossexual após tentativa de supressão”. Lepore e Brown (1997) verificaram que os participantes com baixo preconceito podem não mostrar evidências de ativação do estereótipo. Isso ocorre também com indivíduos que possuem o compromisso pessoal de conter o preconceito, existindo então uma motivação interna para controlar o preconceito.

Como a supressão dos estereótipos está sujeito a diversos fatores, segundo a autora, mesmo indivíduos com alto nível de preconceito podem não aplicar os estereótipos caso as normas sociais façam com que eles não se baseiem nisso. Ainda há os indivíduos que procuram adotar uma prática mais justa e não estereotipar os componentes de um outro grupo, nesse caso ele não vai suprimir o estereótipo, mas vai estabelecer um novo estado mental. Baseada nesses dados a autora conclui que a supressão dos pensamentos estereotipados pode não ser a melhor forma de conter o preconceito. Mesmo assim a supressão não deve ser descartada, pois também pode servir para alertar sobre os lados negativos dos estereótipos, o fato de deixá-los mais evidentes pode ser uma forma de mostrar o quanto são indesejados.

As considerações trazidas pelo artigo são interessantes principalmente por avaliar o quanto é difícil desmanchar os estereótipos após o contato com eles e o quanto é necessário estudos futuros sobre outras vias que possibilitem acabar com o preconceito.

Referência: Bernardes, D. Dizer não aos estereótipos sociais: as ironias do controlo mental. Análise Psicológica. 21,3, 307-321, 2003.

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