Gisele D. Alberton
O artigo inicialmente fornece uma breve introdução a respeito da influência dos estereótipos nas impressões, julgamentos, avaliações e comportamentos, destacando a importância da categorização e estereotipização ao simplificar a percepção social e facilitar o entendimento do observador sobre a realidade social. O estereótipo pode ocorrer de forma espontânea e automática. Assim a autora mostra duas visões no campo das pesquisas em relação ao controle dos estereótipos. Alguns autores defendem que o controle do pensamento estereotipado mesmo sendo difícil pode ser realizado e outros que a tentativa consciente de controlar o preconceito pode não ser conseguida com sucesso, e ainda, aumentar os pensamentos e respostas estereotipadas comparado com uma situação em que não houve tentativa de controle dos pensamentos estereotipados.
Este artigo de revisão intitulado como “Dizer <<não>> aos estereótipos sociais: As ironias do controle mental” cuja autoria é de Dora Luisa Geraldes Bernardes (2003) tem o objetivo de apresentar uma revisão teórica sobre os mecanismos de supressão dos estereótipos e das condições em que este leva ou não a consequências indesejadas. Para alcançar o objetivo citado a autora faz incursões sobre a ativação e uso dos estereótipos, os mecanismos de controle mental, as consequências da supressão dos estereótipos e as influências de moderadores para diminuir o efeito ricochete após a supressão.
Em relação à propensão para o uso de estereótipos Bernardes argumenta que o conhecimento das pessoas sobre um determinado grupo social forma o estereótipo sobre os mesmos. Essa informação é armazenada na memória e influencia a percepção e os comportamentos dos indivíduos em relação ao grupo e aos seus membros. Baseada nas ideias de Macrae (1994) a autora argumenta que os estereótipos servem para simplificar a percepção, julgamentos e ação. Este processo dá sentido ao ambiente social. Por outro lado, os estereótipos podem enviesar as percepções sociais sem que os indivíduos tenham consciência ou intenção e causar sérios danos a relações sociais. A partir de estereótipos os indivíduos podem ter a tendência a responder ao alvo estereotipado constrangendo seu comportamento e os indivíduos que são alvos podem inclinar-se a responder de modo consistente com o estereótipo (Word, Zana, & Cooper, 1974).
No que se refere aos mecanismos de controle mental a autora destaca que na tentativa de controlar as respostas, as pessoas tentam abolir os pensamentos estereotipados da consciência suprimindo-os. No entanto, essa tentativa pode fazer com este mesmo pensamento fique mais acessível. Para exemplificar sua argumentação ela busca o modelo de Wegner (1994; Wegner & Erber, 1992) explicando que é formado por dois processos cognitivos, a monitorização que busca investigar na consciência qualquer sinal do pensamento estereotipado e a reorientação da consciência que é garantir o afastamento do pensamento indesejado e focar a atenção em outro pensamento. Uma questão que a autora levanta é que enquanto o primeiro processo opera de forma automática e eficiente, o segundo requer recursos cognitivos adequados, o que não acontece de forma frequente. Outra questão é que para o indivíduo detectar o pensamento indesejado ele deve estar consciente daquilo que deseja suprimir, o que pode fazê-lo acessar muitas vezes este pensamento. O efeito irônico que a autora se refere nesse artigo é chamado de ricochete (Wegner, 1994), ou seja, a estratégia de supressão que ao mesmo tempo é uma tentativa de frear o pensamento estereotipado, também estimula o indivíduo a acessá-lo mais vezes. Por este motivo a autora questiona se é possível de fato controlar o uso dos estereótipos e erros perceptuais que estão associados aos mesmos.
Sobre as consequências da supressão dos estereótipos a autora salienta que esses pensamentos ao serem suprimidos retornam à consciência e têm impacto nas avaliações e nos comportamentos dos indivíduos em relação aos grupos. Uma segunda consequência é sobre a supressão espontânea do estereótipo. Tentativas de supressão induzidas pela situação podem aumentar a consciência das normas culturais contra a estereotipização e o preconceito através de pistas situacionais, e assim, estimular esforços espontâneos de supressão dos estereótipos. No que tange a consequências na memória, Bernardes evidencia que a supressão do pensamento estereotípico requer maior atenção, gastando uma quantidade significativa de recursos.
Nos argumentos apresentados pela autora percebe-se que a supressão pode levar a resultados indesejados como a maior acessibilidade ao pensamento que se quer suprimir. No entanto, ela nos apresenta outro grupo de autores que defendem a possibilidade de suprimir esses pensamentos sem o efeito ricochete. Ela foca em elementos que podem moderar esse efeito após a supressão dos estereótipos. Um deles é a mediação da atitude pessoal no efeito que a supressão exerce na acessibilidade ao estereótipo. Pessoas com crenças de que não aceitam estereótipos e preconceitos evitam estereotipizar os outros porque elas acreditam que os estereótipos vão contra suas crenças de justiça e igualdade. O segundo elemento são os objetivos de processamento que podem contribuir para o indivíduo não aplicá-los.
A autora aponta alguns fatores que permitem explicar porque motivo indivíduos com baixo preconceito são capazes de evitar sua ativação. Nessas pessoas há probabilidade de não chegar a ocorrer, assim o efeito ricochete será totalmente evitado. Outra possibilidade é que os estereótipos sejam brevemente ativados, e posteriormente, elas sejam eficazes em suprimi-los, não se verificando tal efeito. Outro fator seria a motivação para inibir os estereótipos. Apesar de indivíduos com baixo preconceito terem sucesso a evitar o efeito ricochete, um aspecto importante a considerar na motivação é a distinção entre interna e externa. Quando a motivação é interna para controlar o preconceito, a discrepância com as crenças pessoais leva a sentimentos de culpa e auto recriminação. Quando a motivação é externa, a discrepância leva a sentimentos de ameaça e medo. Quanto mais baixo o nível de preconceito mais forte é a motivação interna para controlar o preconceito. As normas sociais salientes também podem servir como uma fonte reguladora de motivação externa para diminuir os estereótipos após o período de supressão.
Além destes fatores citados anteriormente a autora apresenta estratégias alternativas à supressão do estereótipo. Ela argumenta que indivíduos com baixo nível de preconceito podem recorrer a outras estratégias de controle dos pensamentos para evitar o efeito ricochete, as quais seriam:
a) a substituição do pensamento estereotipado: mais do que suprimir os pensamentos indesejados esses pensamentos podem ser substituídos por crenças igualitárias. A disponibilidade de pensamentos substitutos previne a ocorrência do efeito ricochete. No caso das pessoas com alto preconceito suas crenças pessoais são fortemente estereotípicas ficam sem pensamentos disponíveis que possam substituir os pensamentos intrusivos.
b) a individuação do alvo: pessoas com baixo preconceito podem procurar informações individuais sobre o alvo e formar impressões com base nessas informações.
Em relação ao segundo elemento citado anteriormente (os objetivos de processamento do indivíduo) indivíduos que têm como objetivo consciente não estereotipizar podem tentar criar outro estado mental e não suprimir o existente. Por exemplo, ao invés de tentar suprimir os estereótipos, eles poderiam adotar pensamentos mais justos com relações igualitárias. Esta estratégia leva o estado de monitorização a procurar pensamentos que não são consistentes com o estado mental reduzindo o efeito irônico.
Através das reflexões de Bernardes há possibilidade de pensar que as pessoas têm determinados conhecimentos sobre os grupos sociais que são considerados ao percebê-los. O problema é que essa informação estereotipa pode enviesar as percepções sociais e causar sérios danos às relações sociais. Desse modo a importância de fazer o controle das respostas estereotipadas reside no fato de que as injustiças sociais que resultam da ativação e uso desses estereótipos podem ser evitadas. Embora a autora afirme através de sua revisão que a supressão poder ser uma estratégia pouco eficaz de autorregulação devido aos seus efeitos irônicos, ainda sim é necessário uma quantidade maior de estudos sobre a mesma já que é um fenômeno complexo que pode ser influenciado por vários fatores como os motivacionais.
A forma de fazer este controle é importante para que seus efeitos a curto e longo prazo possam ser positivos nos contextos sociais. Uma alternativa que a autora traz em suas reflexões é dizer “não” ao estereótipo substituindo os pensamentos estereotipados ou criando outros estados mentais para transformar a informação existente em algo que não prejudique os grupos e seus membros e assim promover relações mais igualitárias. Mas, independente das estratégias o ação de controlar estereótipos e preconceito é um processo necessário, árduo que requer motivação, consciência e recursos cognitivos.
Referência: Bernardes, D. L. G. (2003). Dizer <<não>> aos estereótipos sociais: As ironias do controlo mental. Análise Psicológica, 3, 307-321.