Categoria: Textos
Capa
Capa do livro estereótipos, a ser lançado pela KDP.
A capa foi elaborada pelo designer Sílvio Dantas.
Versão a ser publicada
O blog, a partir de hoje, estará sendo atualizado com a versão preliminar do livro Estereótipos, a ser publicado nos próximos dias pela KDP.
Reformulação do site
Pedimos licença aos nossos leitores para modificar o conteúdo do blog. A segunda geração do site organizou-se em torno da publicação do livro eletrônico Enfrentando. Com o passar dos anos, novas leituras e novas evidências, consideramos que o conteúdo de muitos capítulos do livro eletrônico tem se mostrado desatualizado. Uma vez que estamos elaborando um novo livro sobre o assunto, tomamos a decisão de excluir o conteúdo disponível no blog. Não temos a data precisa do lançamento do novo livro, embora trabalhemos com um horizonte de publicá-lo em meados do presente ano. Desde logo, pedimos desculpas apos leitores, ao tempo em que acenamos, muito em breve, com novidades no blog.
Retornando ao blog
Após um longo tempo sem publicar qualquer post, retomamos ao nosso blog para apresentar as versões preliminares do livro eletrônico (e-book) Enfrentando preconceitos e estereótipos. Na escola, no trabalho, nas ruas e os que sobrevivem em cada um de nós.
Clique na opção Enfrentando, no menu, para ganhar acesso a cada um dos capítulos.
Resenha: O insulto racial
Paulo Roberto Cruz Teixeira
O autor, Antônio Sergio Alfredo Guimarães, sociólogo, professor da USP, amparado na mudança normativa no Código Penal Brasileiro Lei n 9459, de 1997, realizou uma investigação com objetivo de determinar o insulto como forma de construção de uma identidade social estigmatizada, simbólica e historicamente construída. Utilizou-se de uma metodologia mista com alguns elementos quantitativos, sistematizados em tabelas percentuais dos diferentes tipos de relações entre insultantes, insultados e suas origens étnicas. Na metodologia qualitativa o autor tentou demonstrar que a função do insulto esta centrada nas relações de poder.
Para tal, realizou uma pesquisa de campo não etnográfica, utilizando-se como fonte primária de coleta de dados os Boletins de Ocorrência da Delegacia de Crimes Raciais da cidade de São Paulo, no período compreendido entre Maio/1997 à Maio/1998.
Esclarece que as origens e causas do insulto podem variar em suas funções desde a: a) legitimação e reprodução de uma ordem moral; b) legitimação de uma hierarquia entre grupos sociais; c) legitimação de uma hierarquia no interior de um grupo e d) socialização de indivíduos em um grupo. Nas três primeiras os insultos raciais são de origem não rituais, cuja função seria legitimizar a hierarquia social centrada no conceito de raça, ordenando a formação dos grupos em dominantes e dominados.
O autor elenca cinco tipos de categorização dos insultos/estigmas; a pobreza (inferioridade natural dos excluídos), a anomia (desorganização social e familiar), a delinquência (não cumprimento das leis), hábitos deficientes de limpeza e pareamento do estigmatizado com animais (não pertencentes a ordem social); ou, conforme classificação de (Eving Goffman. 1963), 1) anomalias corporais, 2) defeitos de caráter individual e 3) estigmas tribais (raça, nação, religião, e mesmo classe), que demarcam o afastamento de insultador em relação ao insultado, já historicamente estabelecido na sociedade paulistana.
Contextualizando que a “estigmatização”, assim como o estereótipo – grifo meu – é um processo que requer aprendizagem pelas vias do contato social. O autor corrobora com a proposta da Abordagem Sociocultural dos Estereótipos: “As repetidas observações de comportamento tipicamente associado a papeis sociais (…), critério para uma espécie de diagnóstico social, (…) acerca dos atributos pessoais daqueles que são observados exercendo os papeis sociais” (Pereira, M. 2002).
A associação de insultos ofensivos sintéticos levantados na pesquisa adjetivam negativamente um grupo étnico-social (Negro/Pobreza), que efetivam pareando do grupo étnico a animais, (Negro/Burro), ou mesmo aludem negativamente a uma condição moral (Negro/Safado) estabelece uma relação, um rótulo genérico e universal a um grupo étnico, baseando-se em limitada experiência empírica do insultador, reforça a conotação do insulto como elemento estereotipado.
Negando o senso comum, o autor contesta a afirmação de que o insulto racial é resultante apenas de uma situação de conflito, justificando esta negação pela desigualdade social pré-existente entre o insultante e o insultado, somando-se o fato de que a classe baixa branca paulistana carregar concepções estereotipadas do negro.
Elencando os dados obtidos na pesquisa, o autor destaca que na maioria das ocorrências instaura-se entre o insultante e o insultado um sentimento hierárquico de superioridade do detrator, ferido em sua concepção pela tentativa igualitária de comportamento do ofendido. Dado a proximidade relacional, o insulto ocorre mais frequentemente em âmbitos em que as relações sociais são mais intensas e também mais formalizadas; 39% em ambientes de trabalho, 24 % por vizinhos, 16% negros na condição de consumidores e 8% no âmbito familiar.
O autor destaca dois fatos apurados pela pesquisa: o insulto é mais praticado contra as mulheres, (64%), e entre as próprias mulheres, (36,8%), especialmente os insultos desabonadores à moral sexual, e, o segundo fato foi a grande quantidade de insultadores de cor ignorada (43%), ou não anotada, (38%), “dado sem importância? Ou silêncio revelador?”, questiona o autor, especialmente dada ao tipo de ocorrência – crime de racismo – fato por si indicador da tendência que a sociedade brasileira em geral e a paulista em particular, tem dificuldades na admissão do racismo praticado de forma velada no Brasil, (Guimarães 1999), (Silvério 2002).
Destacando que a função do insulto contra os negros é institucionalizar um inferior racial, pela aposição de um rótulo sintético, a cor, atrelando-os a aspectos negativos como; a moralidade, organização social, ou hábitos de higiene, portanto como algo simbolicamente capaz de: a) fazer o insultado retornar a um lugar inferior já historicamente constituído, pela alusão a estereótipos já estabelecidos que simbolizem estes estigmas, a saber: 1) pretensa essência escrava; 2) desonestidade e delinquência; 3) moradia precária; 4) devassidão moral; 5) irreligiosidade; 6) falta de higiene; 7) incivilidade, má-educação ou analfabetismo, sem nenhuma outra referência a outras características físicas como cabelos, olhos, nariz etc.
Ao circunscrever o seu estudo dos registros das ocorrências de insultos na Delegacia de Crimes Raciais na cidade de São Paulo, o autor não estudou a implicação da possível variação descritiva dos registros realizada por diferentes escrivães nem sinalizou que a construção do estereótipo calcada no insulto emerge de uma construção coletiva entre o escrivão e o insultado.
Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo. O insulto racial: as ofensas verbais registradas em queixas de discriminação. Estud. afro-asiát. [online]. 2000, n.38, pp. 31-48.
Resenha: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos
Filipe Mateus Duarte
O artigo ao qual a presente resenha se propõe tratar foi desenvolvido por Francisco Leite, em 2008, no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Francisco Leite é bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Salesiana de São Paulo.
O autor divide o artigo em quatro partes, quais sejam: “introdução”; “alguns conceitos relevantes”; “processos automáticos versus controlados”; e, por fim, as “considerações finais”. Basicamente, Leite pretende discutir os efeitos das propagandas contra-intuitivas nas estruturas cognitivas dos indivíduos, mais especificamente no deslocamento de suas crenças, estereótipos e preconceitos.
Leite inicia a introdução definindo o que vem a ser essa modalidade publicitária e recorre ao antropólogo Peter Fry para dizer que esta é a “tentativa deliberada de romper com os antigos estereótipos (…)” (Fry, 2002: 308 apud Leite, 2008: 131). Complementa afirmando que esse tipo de propaganda não está restrito ao politicamente correto, mas busca problematizar as posições cristalizadas pelos produtos da publicidade, nos quais um grupo minoritário é sempre posto num lugar desprivilegiado da narrativa. Na propaganda contra-intuitiva, diz ele, “o indivíduo alvo de estereótipos e preconceito social é alçado ao patamar de protagonista/antagonista e ou destaque do enredo publicitário, posições que antes eram restritas a determinados perfis sociais” (Leite, 2008: 132), desafiando a intuição ou senso comum, como o próprio termo “contra-intuição” (do inglês, counterintuitive) alude. Para o autor, essa manobra é uma tentativa de deslocamento de um conhecimento superficial para um de tipo reflexivo, no qual aqueles estereótipos reforçados constantemente pelos media são questionados e cedem lugar a outras possibilidades nas posições desses indivíduos. Dessa forma, ao senso comum é apresentado o desafio de repensar seus repertórios, contribuindo para o deslocamento de suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos minoritários.
O autor exemplifica citando as posições sociais e comumente conferidas às mulheres, quais sejam, da submissão e da atuação secundária nas esferas públicas; cita, ainda, os indivíduos negros, aos quais são conferidos o lugar da malandragem, da subalternidade e da servidão voluntária e feliz (ponto que será abordado mais à frente a partir do exemplo de uma peça publicitária da Fiat), dentre outros estereótipos e preconceitos reforçados diariamente através dos meios de comunicação publicitária. Assim, a propaganda de “massa social”, termo utilizado pelo autor, é resultado de uma história do comportamento humano.
Mais à frente, Leite utiliza Strozenberg para dizer que “a força de atuação da propaganda pode ou reforçar preconceitos – reproduzindo estereótipos dominantes no discurso social; ou promover e fortalecer novos valores e visões de mundo – abrindo espaço para outras versões da realidade” (2006). A propaganda contra-intuitiva trabalha norteada por esse segundo viés, ainda que guiada, também, por um pressuposto mercadológico. Sua proposta é deslocar o processo de dissociação de estereótipos históricos e presentes no processo de aprendizagem dos indivíduos, em sua memória implícita e explícita, contribuindo para um processo de reavaliação dos pensamentos estereotípicos e das atitudes e comportamentos expressos, que são tidos por esse estilo de discurso como ultrapassados e negativos.
No segundo item do artigo, denominado de “alguns conceitos relevantes”, Leite enfatiza o processo cognitivo da aprendizagem. Nesse momento do texto, o autor afirma que a aprendizagem é eminentemente aquele processo em que as informações já armazenadas na memória do indivíduo dão suporte para a tomada de decisões e escolhas. As etapas do processo de aprendizagem verbal são destacadas pelo autor, que afirma ter início com “um estímulo, seguido por uma resposta e avaliação a este estímulo, sofrendo retroalimentação pela etapa de feedback” (Catania, 1998 apud Leite, 2008: 133). Para exemplificar, cita o exemplo de um enunciado ou mensagem publicitária (estímulo) que sendo de caráter preconceituoso e não eliciando resposta contra-argumentativa por parte do indivíduo presume-se ter sido incorporada por esse indivíduo. Dessa forma, as crenças e valores (negativos e positivos) são determinantes para a contra-argumentação ou incorporação de estereótipos e atitudes. As crenças são estabelecidas no processo de aprendizagem, principalmente nas experiências pessoais dos indivíduos desde sua infância, a partir das mediações de relacionamento (familiar, escolar, midiática, etc.).
Para uma conceituação mais exata daquilo que são as crenças, Leite pensa a partir do conceito de Helmuth Krüger, autor que entende esse constructo como um conteúdo mental de natureza simbólica, cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social.
Outro fenômeno destacado pelo autor é o dos estereótipos, que aparece aqui como uma ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória do indivíduo a pluralidade dos elementos sociais, organizando e facilitando a compreensão da complexidade ambiental. “Os estereótipos surgem como uma capacidade de síntese, condensação e agregação de vários elementos em uma imagem” (Leite, 2008: 134). Para corroborar com essa afirmação, o autor lança mão da caracterização dos estereótipos feita pelo pesquisador Marcos E. Pereira, que se refere a esse fenômeno “como artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos” (Pereira, 2002 apud Leite, 2008: 134). Assim, essa última conceituação ajuda na compreensão daquilo que é objeto desse artigo, os possíveis deslocamentos cognitivos gerados pela recepção dos estímulos contra-intuitivos da narrativa publicitária em estereótipos e atitudes sociais.
Leite afirma que os estereótipos sociais podem ser divididos em uma matriz relacional de atributos positivos e negativos e sofrem, também, duas mobilizações: a que se dirige para o grupo ao qual o indivíduo pertence (auto-estereótipo) e a que indica um grupo distinto (hétero-estereótipo). Além disso, há a dimensão do preconceito, que é sempre da ordem do negativo, pois se caracteriza como uma atitude injusta em relação a um grupo ou pessoa supostamente pertencente a esse grupo. Atitude aqui é entendida como as crenças (componente cognitivo) compostas por carga afetiva (componente afetivo) pró ou contra um determinado objeto social, predispondo o indivíduo a agir (componente comportamental) segundo essa inclinação avaliativa.
A partir desses conceitos (crenças, estereótipos e atitudes) é possível pensar, segundo Leite, na possibilidade de “ocorrência de deslocamentos e mudanças de atitude e comportamento de indivíduos em relação à aplicação de estereótipos negativos a membros e grupos minoritários, mediante a contribuição das informações inseridas em uma comunicação contra-intuitiva” (Leite, 2008: 135), meta principal desse tipo de publicidade.
Mais adiante, no tópico “processos automáticos versus controlados”, o autor dá conta de abordar dois processos fundamentais da estrutura cognitiva do indivíduo diante de um estímulo. Esses dois processos são de fundamental importância para a compreensão de como esses elementos da cognição social se manifestam. Os primeiros, “automáticos”, dizem respeito àqueles comportamentos que não envolvem o controle consciente da atenção (capacidade de concentração da consciência sobre um objeto) ou qualquer esforço cognitivo e intencional.
O segundo processo, “controlado”, vai à linha inversa do anterior, pois demanda do indivíduo certo controle atencional, assim como intencionalidade, ou seja, consciência e esforço cognitivo. “Nesta dinâmica cognitiva, pode-se considerar que os processos automáticos procurariam fazer uma identificação das regularidades de um contexto em longo prazo, sendo incapazes de se adaptar, num curto espaço de tempo, a um determinado estímulo, porém, os processos controlados diante de tal contexto seriam mais flexíveis e predispostos a se adaptar às mudanças propostas por um estímulo” (Leite, 2008: 136).
Leite aponta em seguida que as injustiças sociais são resultantes da ativação automática do uso dos estereótipos e, por isso, proceder no controle de pensamentos estereotípicos negativos pode funcionar como obstáculo à manifestação desses estereótipos. Entretanto, aponta ele, há efeitos nesse procedimento. O efeito ricochete (Wegner, 1994), por exemplo, é um efeito indesejado (irônico), já que resulta no oposto ao que se pretendia através da mensagem: ocorre “quando diante de uma motivação (estímulo) que proponha um “novo/outro” posicionamento (supressão/dissociação) do receptor para um pensamento estereotípico, o indivíduo está no momento desta interação sem recursos cognitivos, sob pressão de tempo, distraído, ou sem motivação psicológica para suprimir o estereótipo negativo em questão” (Leite, 2008: 137). Nesse sentido, ao invés de deslocar ou produzir reavaliações de atitudes, estereótipos e crenças sobre determinados grupos/indivíduos, o resultado é a manutenção e reforçamento de pensamentos preconceituosos. Porém, o autor ressalta que esse efeito não é natural, na medida em que o efeito indesejado pode ser também “resultado do tempo de exposição do indivíduo a mensagem e pela (falta de) justificativa/explicação contundente desta ao indivíduo para não se opor em aceitar a supressão ou dissociação de suas crenças produtoras de pensamentos estereotípicos” (Leite, 2008: 137). Ou seja, crenças centrais são muito difíceis de serem modificadas.
Leite destaca que a propaganda contra-intuitiva está alinhada ao modelo teórico de supressão sugerido por Daniel Wegner, em que há uma intervenção nos processos controlados de processamento de informação, tendo em vista que parte de dois processos: a “monitoração de pensamentos” a evitar e, simultaneamente, o “processo operativo de reorientação da consciência” no sentido de focar a atenção num “pensamento distrator”. Essa orientação teórica propõe reorientar o indivíduo receptor mediante a reflexão sobre suas crenças produtoras de estereótipos sociais negativos.
A peça publicitária “Motorista”, da Fiat do Brasil (ano 2002), é trazida como exemplo do raciocínio que Leite se propõe nesse artigo. A propaganda pretende fazer um jogo de inversão de posições, em que um homem negro bem vestido dirige o novo Palio 2002, levando no banco traseiro uma mulher branca de olhos claros carregando um bebê mestiço no colo. Em seguida, uma amiga dessa mulher a vê e a cumprimenta admirada por vê-la num carro novo e dirigido por motorista – se referindo ao homem negro ao volante. Neste instante, a amiga interpela a outra e informa que virou mãe, mostrando seu filho de cor mestiça. A peça finaliza com o slogan: “Xiii… Está na hora de rever seus conceitos. Principalmente seus conceitos sobre carros”. Essa peça publicitária é exemplificada pelo autor como de natureza contra-intuitiva, já que busca um efeito de deslocamento de estereótipos essencialistas inscritos a grupos sociais. Nesse sentido, é possível perceber que a posição de subalternidade do negro (motorista) é problematizada e enfraquecida nessa campanha, assim como a da mulher branca. Em contrapartida, diz Leite, a mensagem também possibilita o efeito indesejável e irônico, “pois, caso seja mal processada pelo indivíduo devido à pressão de tempo, falta de motivação, baixa atenção etc., essa mensagem pode ser automaticamente um reforço à associação (ligação) abordada para reavaliação” (Leite, 2008: 139).
Caminhando para as considerações finais do artigo, Leite afirma que, ainda assim, ainda que correndo o risco do efeito irônico, a propaganda contra-intuitiva não deixa de estimular a reflexão daquelas percepções enraizadas nas crenças centrais, resultantes do processo de aprendizagem do coletivo social. Esse tipo de manobra comunicacional pode contribuir de forma significativa para desestabilizar os processos automáticos e a ativação de pensamentos estereotípicos negativos, principalmente via monitoramento e reorientação proposto por Wegner. Assim, esse tipo de peça publicitária origina “diferenciadas percepções, associações, atitudes e comportamentos do indivíduo social perante os membros de grupos minoritários” (Leite, 2008: 140), contribuindo para a reavaliação das crenças essencialistas compartilhadas, como no caso da opinião pública e estereótipos sociais.
Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciências & Cognição (UFRJ), v. 13, p. 131/ 12-141, 2008.
Resenha: Comunicação e cognição – os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos
Alexandre Lino
O autor inicia o texto conceituando a propaganda contra-intuitiva como sendo aquela que rompe com o padrão socialmente estereotipado de figuras sociais, tais como negros, mulheres e homossexuais. Enquanto propagandas tradicionalistas alçam essas figuras como sendo submissas, relegadas a um papel de segundo plano ou ainda com aspectos e características aberrantes, uma propaganda contra-intuitiva apresentaria um negro em posição de destaque e sucesso, uma mulher enquanto bem sucedida profissionalmente ou um homossexual sem características afeminadas.
A partir daí, ele passa a discorrer sobre a importância e o papel da propaganda como canal de influência positiva e negativa, que perpetua estereótipos ou insere novas modalidades de interpretação da realidade. Assim, o autor postula que exposição a propagandas contra-intuitivas de caráter positivo poderiam causar uma reavaliação da configuração da realidade por parte do espectador, visando assim atualizar sua visão de mundo para moldes mais humanitariamente aceitos, diminuindo o poder dos estereótipos negativos e reforçando os positivos, através do embate entre os estímulos contra-intuitivos e os tradicionalistas.
O autor então discorre sobre o conceito de formação de memória, crenças, estereótipos e da interconexão destes através de nós na estrutura cognitiva, para formar as atitudes. Então ele prossegue discorrendo sobre a importância dos estereótipos como uma ferramenta de percepção da sociedade, de modo a garantir economia de energia psíquica no modo como nos relacionamos com o mundo. Ele então localiza a justificativa de seu trabalho na manutenção de estereótipos através não somente de contatos individuais, mas reforçados pelos meios de comunicação.
Para conectar com isto, ele passa a discorrer sobre o preconceito versus estereótipo. O preconceito é tido como um julgamento sem base de juízo de valor com base em sentimentos e afetos negativos, voltado para um grupo específico de pessoas de forma discriminatória. A combinação entre o preconceito e as crenças pessoais geram atitudes negativas perante os sujeitos destes grupos.
Sendo as atitudes um elo entre os fatores cognitivos, afetivos e comportamentais que um sujeito tem sobre um objeto social, e que a manutenção dos estereótipos pode ser garantida por meios de comunicação, temos aí a importância real das propagandas contra-intuitivas que visem combater o estabelecimento de racismo e discriminação contra grupos minoritários. Para haver uma real avaliação acerca do impacto dessa estratégia de diminuição de preconceito e discriminação, o autor passa a tratar da dicotomia entre processos automáticos versus controlados.
Os processos automáticos são definidos como processos cognitivos que ocorrem em uma fase anterior à tomada de consciência do indivíduo. Servem e atuam para identificar rapidamente a realidade e visam garantir que não despendamos muita energia focando-nos na tarefa em questão, e ocorrem simultaneamente a diversos outros processos, tanto automáticos quanto controlados. Já os processos controlados devem alcançar a tomada de consciência dos mesmos, pois eles exigem esforço e concentração, e demoram consideravelmente mais tempo de serem executados do que os automáticos. É possível que um procedimento que comece como controlado acabe por tornar-se automático, pois este garante a sustentação cognitiva a longo prazo. Por isso mesmo, os processos automáticos são mais rígidos com relação à mudança, visto que já estão tão arraigados no ser que sequer disparam uma reflexão consciente do sujeito.
Vemos aí a importância do trabalho em meios de comunicação de forma contra-intuitiva, pois as atitudes preconceituosas normalmente estão estabelecidas de forma automática para o sujeito, fazendo com que ele tome ações e juízos negativos sem sequer dar-se conta do mesmo. Ao garantirmos uma exposição de realidade contrária à que o sujeito está acostumado a ponderar, ele é capaz de evocar o processo automático e tomar consciência do mesmo, passando a poder tentar controlar e suprimir, ressignificando a sua atitude perante um indivíduo/grupo social. Exceção a essa regra pode ser o surgimento do efeito ricochete, mas que não é normal e surge majoritariamente em momentos em que o sujeito sequer tem foco ou tempo suficiente para executar um juízo de valor acerca da propaganda contra-intuitiva.
O autor então descreve duas peças publicitárias, onde é possível depreender mensagens de revisão de conceitos e do efeito ricochete. No caso da Fiat, ao exibir a mensagem de “reveja seus conceitos”, o sujeito pode tanto ressignificar o papel do negro na sociedade, como também a de que a realidade apresentada é impossível. Na peça da Credicard, vemos que o papel do negro tanto pode ser entendido enquanto bem sucedido, quanto a de manutenção do estereótipo negativo de “preguiçoso”. Para o efeito ser o desejado, é necessário que um indivíduo com alto nível de preconceito esteja em situação de descanso, com tempo, sem outras grandes pressões, para que ele tenha disposição para tentar confrontar as suas perspectivas sobre a sociedade, enquanto um sujeito com baixo índice de preconceito está mais propenso a controlar e suprimir os seus pensamentos estereotípicos.
Ainda que os efeitos e estudos finais não comprovem, o uso da propaganda contra-intuitiva enquanto potencial ferramenta de alteração de preconceitos e atitudes discriminatórias também não é reprovado. De toda sorte, é muito importante que seja uma estratégia desenvolvida, de maneira que possamos ponderar sobre nossas atitudes, se quisermos criar uma sociedade mais justa e equalitária.
LEITE, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13/m318223.pdf, último acesso em 20 de Março de 2013.
Resenha: A expressão das formas indiretas de racismo na infância
Tainah Santos
Há uma carência de estudos que analisem as formas sutis e indiretas de racismo na infância, inclusive as autoras do texto conseguem demonstrar claramente isso através de seus estudos. De acordo com o artigo, a teoria que faz a abordagem cognitiva do desenvolvimento do racismo na infância está equivocada ao afirmar que o preconceito infantil reduz a partir de uma determinada idade.
Existem diversas teorias sobre as formas de expressão e racismo contemporâneo, porém com pesquisas realizadas em adultos. E o estudo encontrado sobre preconceito racial infantil está baseado na abordagem cognitiva do desenvolvimento do preconceito na infância, este afirma que o preconceito na infância reduz a partir de uma determinada idade e a análise desse estudo conclui ainda, que o preconceito na infância reduz precisamente após os sete anos. Contudo, a pesquisa realizada pelas autoras do artigo mostra que o preconceito na infância não reduz a partir de uma de uma determinada idade, ele apenas se expressa de forma diferente: sutil e indireta. Então, três estudos foram realizados pelas autoras no sentido de verificar o preconceito e sua expressão de acordo com a idade. Os estudos foram feitos em crianças brancas sergipanas que foram separadas em dois grupos de faixa etária diferentes: 5 a 7 e 8 a 10 anos. A pesquisa mostrou que as crianças com idade de 5 a 7 anos não adquiriram ainda a norma anti-racista e por isso demonstram racismo explícito. A norma anti-racista traz valores que engrandecem a igualdade de direito entre pessoas e as crianças são ensinadas a respeitar o outro independente de sua etnia. Já as crianças a partir dos 7 anos de idade por terem absorvido mais essa norma anti-racista do seu endogrupo de referência, racalcam e reprimem a manifestação racista. Na realidade as crianças continuam expressando comportamentos discriminatórios após os 7 anos de idade, porém de forma indireta e sutil por causa da interiorização da norma anti-racista e dos limites sociais. Essas crianças após os 7 anos de idade manifestam racismo explícito quando este é justificável socialmente, que não seja pela categorização racial e a pesquisa deixa essa questão bem clara. O artigo coloca esse tipo de comportamento como nova forma de expressão de racismo e responsabiliza as normas sociais por isso, em vez de eliminá-lo.
As autoras se basearam na cultura de Sergipe, para conceituar essa forma de procedimento que elas designam como “nova forma de racismo”. Porém é necessário levar em conta as diferenças etno-culturais de cada estado brasileiro, na hipótese de refazer essa pesquisa neles os resultados não serão os mesmos, por isso deve-se ter cuidado com as generalizações. Outro fator relevante é que as normas sociais foram criadas para dar limites e não para eliminar o racismo, como as autoras colocam. Já pensou como viveríamos sem as normas socias? Se essas mesmas normas não cumprisse a função de coibir atos racistas como estariam as crianças de Sergipe?
Referência: França, Dalila X. ; Monteiro, Maria B. A expressão das formas indiretas de racismo na infância. Sergipe, Análise psicológica 4 (XXII): 705-720, 2004
Resenha: A imagem das enfermeiras frente aos estereótipos: uma revisão bibliográfica
Cecília Spínla
As autoras iniciam o texto explicitando a relevância dos profissionais de enfermagem manterem uma comunicação eficiente com os pacientes, mas revela que esta é dificultada pelo estereótipo da profissão que faz com que os pacientes possuam preconceitos com os profissionais.
As autoras afirmam que a profissão sofre estereótipo com relação ao gênero e explica que este sofre contribuição da tradição judaico-cristã que define uma dominação do homem sobre a mulher. Corrobora com este fato o papel da mulher na idade Média que era responsável por atividades de menor complexidade. Nesta ocasião o cuidar médico era reservado aos homens e ás mulheres restava o cuidado e a manutenção da higiene dos doentes e da ordem do ambiente, trabalho considerado sujo para os médicos que na sua maioria eram de famílias abastadas.
O texto identifica também o preconceito social que reserva aos profissionais da área o estigma de indivíduos que não tiveram uma melhor oportunidade de formação profissional.
Segundo o texto, o trabalho de enfermagem foi por muito tempo desenvolvido por mulheres religiosas que se dedicavam aos doentes, realidade que durou até o início do século XVI, quando ocorreu a revolta Luterana e a ascenção do anglicanismo.
Com a queda do catolicismo e a expulsão das religiosas dos hospitais, a Enfermagem, sem mão-de-obra qualificada, passou a ser exercida por mulheres de moral duvidosa que eram submetidas a péssimas condições de trabalho.
É neste cenário que se constrói a imagem da profissão. Doentes que preferem tratar-se em casa para não sofrerem maus tratos, comerem péssimas comidas ou terem que ceder a suborno por parte dos “profissionais” de Enfermagem.
Outro estereótipos relacionando a profissão diz respeito a desvalorização do serviço prestado e a visão da enfermagem como mão de obra barata. Essa visão, segundo Padilha (1998) advém da prática da Enfermagem no Brasil por religiosas, criando o entendimento de que esta prática deveria ser prestados apenas pelo amor de Deus e que a remuneração a esses serviços constituiria-se em ato impuro e mercenário.
É discutido pelas autoras também o papel da mídia na formação da imagem do profissional de Enfermagem. Para as autoras este veículo dissemina a idéia da Enfermeira como símbolo sexual, prejudicando ainda mais a desmistificação desses falsos conceitos perante a da sociedade.
Encontramos também no texto uma reflexão sobre o estereótipo de submissão no âmbito de valor da profissão da Enfermagem com relação a Medicina, o que advém de uma tradição militar que prezava pelo treinamento da enfermeira para agir com fiel observância às ordens médica e atenta ás relações de autoridade.
Com os dados acima apresentados podemos entender o preconceito que sofre a profissão de enfermagem e compreender o porque das autoras do texto trazerem neste artigo a preocupação com a capacidade de escuta e confiança do paciente/doente com esses profissionais. Tendo em vista que as relações estabelecidas sofrem influência de todos os estereótipos acima citados, que são muitas vezes reforçados pela nossa sociedade atual, é esperado que estes profissionais sofram o estigma de inferiores e menos competentes e com isso encontrem dificuldade de ascender profissional e socialmente.
Reforçando esses preconceitos, a nossa sociedade atual tende a reconhecer no médico o único profissional capaz de atender integralmente no âmbito da saúde, ficando todos os demais profissionais a cargo de implementar as ações descritas. Exemplo claro temos na Lei do Ato Médico que busca legitimar a soberania deste profissional em detrimento às outras profissões da área de saúde.
Perde-se com isso a noção da relevância do serviço de enfermagem, que atua no ambiente hospitalar cuidando da evolução dos pacientes, supervisionando e controlando rotinas e suportando os serviços médicos e multidisciplinares dispensados aos pacientes.
As autoras concluem que o combate a este preconceito formado sobre a profissão de Enfermagem pode ser feito primeiramente através da identificação e conhecimento destes na população e posteriormente com a criação de estratégias de enfrentamento e divulgação da verdadeira profissão, revertendo assim ao profissional, a valorização da sociedade pelo
seu trabalho.
Referência: Santos, C. e Luchesi, L. A imagem das enfermeiras frente aos estereótipos: uma revisão bibliográfica.Proceedings of the Brazilian Nursing Communication Symposium, 2002, São Paulo, Brasil