Resenha: Dizer não aos estereótipos sociais: As ironias do controle mental

Jamyle Reis

O artigo tem como objetivo apresentar uma ampla revisão teórica sobre os mecanismos de supressão dos estereótipos e dos contextos que resulta em efeitos não almejados. Começa abordando estereotipização como o conhecimento e as crenças que o individuo tem sobre um grupo social. Segue justificando o processo de estereotipização como um mecanismo que permite simplificar as informações do complexo mundo social. Para a autora é quase consenso acreditar que estamos propensos a pensar com o auxilio de categorias. A principal questão que o artigo busca responder é até que ponto é possível controlar a expressão do pensamento categorical.
O segundo tópico abordado é os mecanismos de controle mental que se caracteriza pela tentativa de controlar as respostas estereotípicas. A autora com base em Macrae e colaborares defende que a tentativa de inibir um pensamento pode contribuir para que ele se torne ainda mais acessível. Cita o modelo teórico de supressão desenvolvido por Wegner (1994, Wegner e Erber, 1992), em que primeiro ocorre um processo de monitorização de pensamentos que tem como meta a vigilância de qualquer pensamento a ser evitado. Ao mesmo tempo, começa um segundo processo operativo cuja meta principal é a reorientação da consciência para repelir o pensamento indesejado e focar sua atenção num pensamento de distração. Entretanto o individuo pode falhar nesse processo caso haja pressões do contexto, distração e se não houver recursos cognitivos e motivação para suprimir os estereótipos, de modo que este processo não apenas falhe, mas também ocorra seu oposto. Esse oposto é o efeito irônico de Ricochete (ERE).
O terceiro tópico refere-se às conseqüências irônicas da supressão dos estereótipos, é citado três experimento relatados por Macrae et al (1994a) em que apresenta um aumento na acessibilidade e de dependência dos estereótipos após a tentativa de inibição de estereótipos de skinhead. Nestes experimentos, num primeiro momento os participantes desempenham uma tarefa em que metade dos participantes tinha que suprimir o estereótipo e a outra metade não recebeu nenhuma instrução para suprimir o estereótipo. No experimento 1, na tarefa subseqüente, os participantes de ambos grupos tiveram como instrução escrever um segundo parágrafo sobre outro skinhead, sem que fosse dada qualquer instrução de supressão. Os resultados demonstraram que participantes que tiveram instrução de suprimir na primeira tarefa tiveram um ERE na segunda tarefa, em relação aos participantes que não tiveram essa instrução. No experimento 2, verificou-se que participantes que tiveram a instrução de supressão sentaram-se mais afastados de uma cadeira que seria supostamente ocupada por skinhead do que os que não tiveram a instrução. No experimento 3, ficou evidenciado que o que o estereótipo fica mais acessível após tentativas de inibição. Achado de Macrae et al.(1998) aponta que um elevado self focus (atenção dirigida) está ligado a tentativa de inibição da utilização de estereótipos. Isso ocorre possivelmente devido à atenção auto-dirigida que aumenta a saliência de crenças pessoais que sugerem que estereotipização não é adequada. No que se refere à memória, a tentativa de supressão pode levar a uma maior acessibilidade e melhor memória para esses pensamentos.
O quarto tópico por um lado apresenta uma serie de influencias que podem moderar o impacto da ERE após a supressão de estereótipos, por outro lado aponta que a inibição de estereótipo pode não resultar na ERE. Entre os fatores de moderação da ERE, a influência do nível de preconceito em que a atitude pessoal frente à esterotipização após a supressão é considerado fator mais importante. Questiona que estereótipo está para ser suprimido. Uma vez que o alvo é um importante aspecto para supressão. Outro questionamento é até que ponto o estereótipo é ativado. Visto que a ativação de estereótipo em indivíduos com baixo nível de preconceito, pode não acontecer. A prática de supressão do estereótipo ocorre de maneira diferente em individuo com baixo e alto nível de preconceito, no primeiro caso essas pessoas são altamente motivadas a suprimir preconceito, devido suas crenças igualitárias. No segundo caso, os indivíduos são motivados a suprimir estereótipos devido a pressões externas.
Entre as estratégias alternativas para supressão de estereótipos é apontado o papel de pensamentos substitutos em que os pensamentos estereótipos podem ser substituídos por crenças igualitárias. Outra estratégia é a individuação do alvo e construir impressões com base nestas informações. Além disso, um aspecto importante de ser mencionado na regulação da vida mental é os objetivos do processamento do individuo. Aqueles que têm como objetivo não estereotipizar, ao invés de suprimir, pode adotar como estratégia pensar de forma igualitária.
Por fim, investigações recentes sobre controle de pensamento consideram que tentar suprimir os pensamentos, crenças e desejos podem ser uma perda de tempo. Expulsos da mente, essas cognições podem retornar, ainda mais forte. Demonstrações do efeito ricochete dos estereótipos apontam que a supressão pode ser uma estratégia ineficaz de controle mental. A literatura também indica que as tentativas de inibir o estereótipo não são igualmente prejudiciais em todos os casos. Devido os inúmeros fatores envolvidos na supressão dos estereótipos é preciso que investigações futuras dediquem-se a estratégias alternativas de controle mental e as compare em termos de eficácia e efeitos negativos.

Fonte: Bernardes, D. Dizer não aos estereótipos sociais: as ironias do controlo mental. Análise Psicológica. 21,3, 307-321, 2003

Resenha: Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero

Aline Campos

A autora investiga a teoria do sexismo hostil e benevolente desenvolvida por Glick e Fiske (1996), e de que modo os homens e mulheres endossam esta ideologia. Ela pesquisou como o sexismo ambivalente se manifesta em uma amostra brasileira, submetendo 540 estudantes universitários brasileiros ao Inventário de Sexismo Ambivalente, criado pelos mesmos autores.
A autora apresenta o tema do preconceito, em suas manifestações declaradas ou sutis. Inicia com a definição de preconceito lançada por Allport em 1954: o preconceito é uma hostilidade ou antipatia dirigida a grupos ou membros destes grupos, devido a generalizações incorretas.
Afirma que atualmente o preconceito é visto como uma atitude negativa dirigida a membros de determinados grupos sociais, devido à sua pertença a estes grupos (Smith e Mackie, 1995). Como atitude, o preconceito tem três componentes: o cognitivo, manifestado pela presença dos estereótipos; o afetivo, que é o preconceito em si; e o comportamental, resultando em atos discriminatórios (Fiske, 1998).
O sexismo, preconceito relativo às diferenças entre os sexos, desfavorece as mulheres, em função de sua condição de gênero (Lips, 1993). Este pode ser institucional (por exemplo, através de uma política salarial que prejudica as mulheres) ou interpessoal (por exemplo, a presença de atitudes negativas dirigidas às mulheres).
As teorias feministas explicam o sexismo como derivado da cultura patriarcal, na qual os homens têm a primazia do grupo dominante e controlam o espaço público, enquanto as mulheres são responsáveis pelo privado, e pela reprodução dos valores patriarcais na família.
O sexismo é um instrumento para garantir as desigualdades de gênero, e promove atitudes de desvalorização da mulher através da socialização. Cria representações das mulheres como dóceis, passivas e submissas, e dos homens como fortes e responsáveis.
Mais recentemente, atitudes sexistas tradicionais vêm sendo substituídas por novas formas, indiretas ou simbólicas. O sexismo antigo sugere, por exemplo, estereótipos sobre menor competência feminina; já o moderno nega que ainda exista a discriminação contra as mulheres, e antagoniza sua luta por uma maior inserção social e apoio governamental. O sexismo moderno também incentiva sentimentos negativos em relação às mulheres, só que de forma mais encoberta.
Glick e Fiske (1996) contribuíram ao estudo das novas formas de sexismo, desenvolvendo a teoria do sexismo ambivalente, segundo a qual o sexismo se manifesta através de duas atitudes: hostil e benevolente. O sexismo hostil apresenta uma antipatia explícita contra as mulheres, enquanto o sexismo benevolente exalta um combinado de sentimentos e condutas positivas em relação à mulher – tais como, “o homem não pode viver sem as mulheres”.
A visão benevolente, apesar de atestar aspectos positivos do feminino, reforça o preconceito, pois mantém a visão de que a mulher é frágil, dependente do homem, e naturalmente talentosa para o cuidado. A mulher é vista de forma romântica, e isto discrimina contra mulheres que não cabem neste padrão idealizado, como as feministas.
O sexismo hostil e o benevolente incluem de três componentes, estes também sujeitos à ambivalência. O primeiro componente é o paternalismo, que se manifesta de forma hostil através da dominação, e de forma benevolente através da proteção às mulheres. O segundo é a diferenciação entre os sexos, que se manifesta de forma hostil pela competitividade, e de forma benevolente pela noção de complementaridade. O terceiro é a heterossexualidade, que se manifesta negativamente pela hostilidade entre os sexos, e positivamente pela intimidade (Fiske e Glick, 1995).
No presente estudo, a autora investigava a aplicação do Inventário de Glick e Fiske em uma amostra brasileira. Este inventário consiste em 22 afirmativas, com opções de resposta Likert de seis pontos, e é considerado como fidedigno e válido. Para medir o sexismo hostil, aparecem frases como “quando uma mulher conquista um homem ela costuma mantê-lo sobre rédea curta”; “muitas mulheres, com a desculpa de buscarem igualdade, estão é querendo favores especiais”; e “as mulheres querem obter poder para exercer controle sobre os homens”. Na avaliação do sexismo benevolente, aparecem itens como: “as mulheres devem ser amadas e protegidas pelos homens”; “num desastre, as mulheres devem ser salvas antes dos homens”; e “uma boa mulher deve ser colocada num pedestal pelo seu homem”.
Os resultados do estudo brasileiro confirmaram aqueles apresentados em outros países: o sexismo hostil e o benevolente são construtos independentes, porém correlacionados positivamente. Homens apresentaram escores significantemente mais altos do que as mulheres na escala de sexismo hostil, e na escala de sexismo benevolente não se diferenciam das mesmas. Ou seja, as mulheres tendem a refutar o sexismo hostil e endossar o sexismo benevolente.
As mulheres provavelmente dão suporte ao sexismo benevolente por se sentirem protegidas e recompensadas por este. Porém, o sexismo benevolente é subsidiado pela mesma ideologia que sustenta o sexismo hostil, o patriarcalismo, um sistema que fomenta a desigualdade entre os sexos e a supremacia masculina. Numa proposta aparentemente benevolente, as mulheres são apresentadas como frágeis e necessitadas da proteção, admiração e afeto masculinos.
Sendo assim, endossar o sexismo benevolente preserva os valores patriarcais que limitam as oportunidades das mulheres, e acaba validando o sexismo hostil.

Fonte: Ferreira, M. C. (2004). Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero. Temas em Psicologia da SBP, Vol.12, no 21, 119-126.

Artigo publicado: Team Negotiation

Título: Team Negotiation: Social, Epistemic, Economic, and Psychological Consequences of Subgroup Conflict

Autor: Nir Halevy

Periódico: Personality and Social Psychology Bulletin 2008;34 1687-1702

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Artigo publicado: How to Order a Beer

Título: How to Order a Beer: Cultural Differences in the Use of Conventional Gestures for Numbers

Autores: Simone Pika, Elena Nicoladis, and Paula Marentette

Periódico: Journal of Cross-Cultural Psychology 2009;40 70-80

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Resenha: Effects of exposure to sex-stereotyped video game characters on tolerance of sexual harassment

Thiago Falcão

O artigo em questão se concentra em um ponto no qual, segundo os autores, a literatura que faz convergir o fenômeno dos videogames com os estudos em psicologia social se deparam com um vazio – com uma falta de pesquisas formais sobre a influência dessa nova mídia num “nicho” de violência em específico: a violência contra a mulher.
A pesquisa em questão, então, se concentra em encontrar uma relação entre as ações sexistas representadas nos jogos eletrônicos e dois tipos de atitude ligadas à violência contra as mulheres: julgamentos de assédio sexual e atitudes de tolerância à prática do estupro. De acordo com a revisão feita por Dill e seus colegas, os jogos eletrônicos configuram, hoje, a mídia de massa que mais sustenta os estereótipos relacionados a papéis sexuais: personagens hiper-masculinos e hostis e violência enaltecida fazem dupla com personagens femininos bonitos, de busto farto e tratados geralmente como objeto sexual.
“Adolescentes descreveram personagens femininos como sexualmente promíscuos, vestindo pouca roupa e como sendo magras, com seios fartos. Em contraste, eles viam tipicamente a figura masculina como fisicamente poderosa, com homens dominantes, violentos e cruéis” (DILL et al, 2008, p. 1, tradução livre).
Um ponto de argumentação bastante forte utilizado no artigo é o tratamento dado à figura feminina na série de jogos Grand Theft Auto (GTA). Segundo os autores, o jogo se utiliza de conteúdo depreciativo e lida com situações relacionadas ao sexo que envolvem violência e termos considerados inapropriados.
O escopo do artigo está relacionado à teoria dos Modelos Gerais de Agressão (ANDERSON et al, 2007), que descreve como estruturas de conhecimento relacionadas à agressão são formadas e como elas são ativadas em momentos posteriores. A proposta de Dill e de seus colegas é, então, a de que a exposição a estereótipos negativos de gênero em videogames vai contribuir para a formação de esquemas e scripts para as relações sociais entre homem e mulher.
Os autores se baseiam em algumas teorias que associam a imagem do homem moderno projetada pela mídia como ser dominador e agressivo (Teoria da Masculinidade Hegemônica, Connel 1987, Lull 2003; Teoria do Sexismo Ambivalente, Glick et al, 2004) para fazer assunções a cerca de certos comportamentos – como o caso de mitos relativos ao estupro, por exemplo – que seriam desencadeados – e inerentes – à essência de sociedades patriarcais.
Daí, fazendo uma ponte com outros estudos que relacionam a representação sexista em outras formas midiáticas à atitude violenta, Dill e seus colegas fazem uma ponte para com os videogames, adentrando um universo ainda, segundo os autores, não abordado na literatura em psicologia social.
Os autores então, se debruçaram sobre o seguinte problema: investigar o conteúdo sexista de títulos dos videogames (masculinidade agressiva, feminilidade transformada em objeto) em duas situações: (1) julgamento de assédio sexual e (2) atitudes de apoio a estupro. De posse de quatro hipóteses ([i] Exposição a imagens de conteúdo sexista em personagens de videogames vai resultar num maior grau de tolerância ao assédio sexual; [ii] Exposição a imagens de conteúdo sexista em personagens de videogames vai resultar em um aumento nas atitudes de tolerância ao estupro; [iii] A exposição percebida pelos participantes ao conteúdo dos jogos violentos vai se correlacionar negativamente com os julgamentos progressivos de assédio sexual; [iv] A exposição percebida pelos participantes ao conteúdo dos jogos violentos vai se correlacionar positivamente com as atitudes de tolerância ao estupro), Dill e seus colegas partiram para uma manipulação experimental na qual dois grupos viram duas seqüências independentes de imagens, uma contendo profissionais respeitáveis (grupo de controle) e outra contendo imagens estereotipadas provenientes de alguns jogos eletrônicos. Dill e seus colegas afirmam que, as imagens experimentais funcionam, além de como manipulação, como priming para todo o conteúdo sexista de videogames experimentado pela juventude americana.
Os resultados indicaram suporte para a primeira hipótese, ou seja, a exposição experimental ao conteúdo tendencioso alterou o julgamento sobre aspectos do assédio sexual, mas nenhuma confirmação foi encontrada para a segunda hipótese. Um ponto forte no estudo foi detectar que houve, numa exposição de curto tempo, uma tolerância alta para o assédio de homens velhos a mulheres mais novas (figura do professor e da aluna). Os autores alertam, contudo, para o fato de que modelos mais complexos não mostraram correlação entre videogames e violência num maior espaço de tempo (long term), mas que os estudos de short term associaram os fatos.
A leitura do artigo se faz muito positiva no que diz respeito a entender efeitos de longa exposição e curta exposição, e é um relato inédito de como se dá a relação entre representações estereotipadas no videogame e processos de cognição. O ponto mais positivo do artigo, contudo, está na legitimação do tratamento dos videogames enquanto mídia real, que pode provocar reações – tanto quanto qualquer outra mídia, mediante o tempo de exposição, ou outras variáveis, como envolvimento, temas, etc.

Fonte: Dill, K., Brown, B. e Collins, M. Effects of exposure to sex-stereotyped video game characters on tolerance of sexual harassment. Journal of Experimental Social Psychology 44 (2008). 1402-1408.

Artigo publicado: Threat to self-esteem on ingroup favouritism

Título: Effect of self-construal and threat to self-esteem on ingroup favouritism: Moderating effect of independent/interdependent self-construal on use of ingroup favouritism for maintaining and enhancing self-evaluation

Autores: Ken’ichiro Nakashima, Chikae Isobe, Mitsuhiro Ura

Periódico: Asian Journal of Social Psychology,11, 45, 2008, 286-292

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Artigo publicado: Children’s Perceptions of Discrimination

Título: The Politics of Race and Gender: Children’s Perceptions of Discrimination and the U.S. Presidency

Autores: Rebecca S. Bigler, Andrea E. Arthur, Julie Milligan Hughes, Meagan M. Patterson

Periódico: Analyses of Social Issues and Public Policy, 8, 1, 83-112

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Artigo publicado: sex in a transnational tourist town

Título: Negotiating the public secrecy of sex in a transnational tourist town in Caribbean Costa Rica

Autora: Susan Frohlick

Periódico: Tourist Studies 2008;8 19-39

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Resenha: As Novas Formas de Expressão do Preconceito e do Racismo

André Faro

O racismo e o preconceito étnico refletem os contextos sócio-históricos onde acontecem relações sociais pautadas no critério da racialização. Assim, apesar dos marcantes avanços que a sociedade ostenta no que diz respeito às relações intergrupais e a dissolução de seus conflitos, estes dois fenômenos sociais ainda são realidades perenes em nível global; dado que inclui o Brasil neste campo de estudos sobre a manifestação de atitudes hostis, antipáticas ou odiosas contra indivíduos e/ou grupos minoritários.
Frente a este campo em aberto, Lima e Vala (2004) realizaram, alinhados às discussões atuais no campo da Psicologia Social, uma exposição acerca dos novos e complexos mecanismos de expressão da discriminação. Para tanto, são trabalhadas as chamadas novas expressões de racismo e do preconceito, particularmente as teorias do racismo moderno e simbólico na Austrália e EUA; racismo aversivo e ambivalente nos EUA; o preconceito sutil na Europa e o racismo cordial no Brasil.
Inicialmente os autores definem o preconceito e o racismo demonstrando as nuances de cada conceito. Conceitualmente, o preconceito pode ser entendido como uma atitude hostil contra um determinado sujeito, motivada pelo fato do mesmo pertencer a um grupo que é socialmente desvalorizado (Allport, 1954). Já o racismo envolve uma rede mais ampla de aspectos para sua caracterização, logo: é um processo de hierarquização, discriminação e exclusão de um grupo, ou mesmo um componente deste, que é distinto dos demais por possuir alguma marca física externa (real ou imaginária) que, no olhar do outro, associa-se a alguma característica interna. Em síntese, é a busca por uma redução do sociocultural e psicológico às marcas biológicas (Guimarães, 1999), não se processando apenas em nível individual, mas também com um caráter institucional, político e cultural.
Uma constatação histórica que Lima e Vala (2004) apontam, argumentada também por outros autores, é que o preconceito e o racismo mudaram em relação à forma que vinham sendo manifestados nas últimas décadas: minimizaram-se as expressões abertas e, por outro lado, formas veladas e mais discretas de discriminação foram ampliadas no âmbito das relações sociais. Expressões flagrantes, preconceituosas e racistas, são cada vez menos freqüentes numa escala macro-social – mas nem por isso menos nocivas –, sendo paulatinamente substituídas por manifestações sutis e maquiadas nos relacionamentos interpessoais. Por sua vez, estas não geram um impacto explícito por sua expressão, mas possuem o mesmo poder de repercussão em nível micro-social. Para os autores, esta transformação se processou em virtude das pressões sociais derivadas das políticas anti-racistas e democráticas, adequando-se a cada contexto em que se deprecie a diferença no outro.
Os primeiros modelos referidos no texto são as teorias do Racismo Simbólico e o Racismo Moderno, ambas estudadas nos EUA. O primeiro alude à percepção de que os negros vão de encontro aos valores tradicionais da ética protestante americana; leia-se obediência, ética no trabalho, disciplina e sucesso, já o segundo pauta-se na idéia de que os negros estão obtendo um retorno econômico e social maior do que merecem, além de transgredirem os valores dos brancos. Sob a ótica destes dois tipos de racismo, constata-se que o eixo da discriminação concentra-se no sentimento de invasão, apropriação dos direitos e distorção dos valores dos brancos, causando a rejeição da noção de igualdade racial.
Um segundo tipo é o Racismo Aversivo, estudado na realidade americana. Neste construto considera-se que embora as pessoas defendam a plena refutação da prática de racismo aberto, um preceito politicamente correto e adequado aos valores cristãos, apresentam diversos sentimentos de evitação (desconforto, ansiedade, medo, dentre outros) no contato com os negros. Como destacado pelos autores, na ausência de uma imposição social em direção ao igualitarismo, os racistas aversivos discriminam os negros não através de ódio ou hostilidade, mas pela ampla preferência de não-negros em situações em que o contexto justifique, implicitamente, a discriminação.
O Racismo Ambivalente, terceiro a ser discutido, também foi investigado nos EUA. O pressuposto é que as pessoas possuem duas orientações morais em conflito: uma é valorização da igualdade democrática, que induz a reconhecer a discriminação e assim expressar simpatia pelos negros, e a outra é o valor moral do individualismo, que se liga à noção de liberdade pessoal e responsabilidade individual. Dada a vivência destes princípios opostos, as pessoas tendem a oscilar entre os dois extremos, seja com uma exagerada simpatia ou pelo desconforto frente aos negros. Por conseqüência do conflito, há uma radicalização das respostas racistas a fim de minimizar a tensão gerada pela discrepância de pressupostos; este movimento é chamado de “amplificação da resposta” e se efetiva tanto no pólo da extrema bondade perante os negros (ex. piedade), como por considerar os negros como desviantes dos princípios morais (ex. preguiçosos).
O Preconceito Sutil, quarto modelo, é estudado tanto nos EUA em relação aos negros, como na Austrália, em relação aos aborígenes. Este tipo de preconceito faz o oposto da forma mais explícita, o flagrante, no qual a expressão de rejeição ao outro é claramente manisfesta, seja através de repúdio e humilhação ou mesmo agressão física. No Sutil, a viabilização do preconceito assume em três frentes: 1. O indivíduo defende os valores tradicionais de seu grupo, localizando no outro a violação destes; 2. Homogeneíza as características culturais do seu grupo e exagera as diferenças para com o outro; 3. Não expressa, e sente, emoções positivas para com o outro grupo, evitando, assim, reconhecer qualquer aspecto construtivo no diferente.
O Racismo Cordial, quinto e último construto, é pesquisado na realidade brasileira, sendo específico por ser investigado em uma sociedade multirracial. Sua definição baseia-se na discriminação direcionada a sujeitos não-brancos, estando calcado principalmente na falsa civilidade, ou polidez superficial, quando se manifestam comportamentos e atitudes preconceituosas. São formas habitualmente dissimuladas que se apresentam nas relações interpessoais por meio de brincadeiras, piadas ou ditados populares com conteúdo essencialmente discriminatório. Deste modo, o impacto do preconceito é disfarçado em meio a um hábito mascarado e suas conseqüências são voltadas para uma demonstração de contínua exclusão social.
Em geral, Lima e Vala (2004) apontam as novas formas de apresentação do racismo e do preconceito na atualidade, ressaltando o caráter subliminar e dissimulado que ameaça indivíduos e grupos minoritários, por sua vez ainda excluídos e colocados à margem social. No final, os autores demonstram que apesar de todas estas novas conformações teóricas serem alvo de críticas diversas, tais construtos fornecem essenciais subsídios para compreendermos a presença duradoura da discriminação no âmbito das relações interpessoais, com sua plasticidade insidiosa que corrói moralmente a sociedade.

Fonte: Lima, M.E. & Vala, J. (2004). As novas expressões do preconceito de racismo. Estudos de Psicologia (Natal) 9(3), 401-411

Notícia do dia: miscigenação diminui o QI dos brasileiros

A revista semanal Isto É publica uma controversa entrevista com Charles Murray, co-autor do célebre A curva do sino, no qual o famoso cientista político expressa seus pontos de vista sobre temas como as cotas, a ação afirmativa, o QI, as inteligências múltiplas e temas correlatos. Clique aqui para ler a entrevista.