Resenha: As novas formas de expressão do preconceito e do racismo

Thianne Passos Luz

O artigo “As novas formas de expressão do preconceito e do racismo” de autoria dos doutores em Psicologia Social Marcus Eugênio Oliveira Lima e Jorge Vala traz os conceitos de novas e sofisticadas formas de expressão de preconceito e racismo na contemporaneidade. Essas formas se diferenciam de maneiras antigas de discriminação na medida em que são mais sutis e encobertas.

Iniciando seu texto com uma citação de J.J. Rousseau, Lima e Vala explica que o preconceito e o racismo parecem ser tão antigos quanto são as relações de poder entre os homens e a necessidade de justificação destas. Desde a antiguidade greco-romana já existia um preconceito de base cultural contra os escravos. No entanto, desde então até a os dias de hoje as sociedades modificaram consideravelmente suas formas de expressão de preconceito e de racismo. Depois da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, mudanças sociais, econômicas e políticas ocorreram em todo o mundo, como as críticas ao regime nazifascista, a Declaração dos Direitos Humanos (1948), a condenação da UNESCO às classificações raciais (1950), as lutas pelos direitos civis no EUA entre outros movimentos que foram imprescindíveis para que surgissem novas formas de expressão de preconceito e racismo, apesar de tudo isso possivelmente ter criado uma aparente atmosfera de igualdade, liberdade e fraternidade entre todos.

Os autores apontam para um fato interessante. Preconceito e racismo sempre foram percebidos como problemas do outro. Pesquisas realizadas por Turra e Venturi (1995) mostram que 89% dos pesquisados afirmam que existe racismo no Brasil, mas apenas 10% admitem ser racistas. Ainda são mencionadas pesquisas feitas na Europa, Estados Unidos da América e Austrália. Na distinção entre preconceito e racismo, o primeiro conceito é explicado através da definição de Gordon Allport (1954), como uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente. O segundo termo é classificado como mais do que uma atitude, constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada), a qual é ressignificada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento (Lima e Vala, 2004).

Fazendo uma breve contextualização histórica do racismo, e baseado em pesquisas, os autores identificaram as seguintes novas formas de expressão de preconceito e racismo: o racismo moderno na Austrália e nos EUA (McConahay & Hough, 1976; Pedersen & Walker, 1997), em que admite-se que a desigualdade não é decorrente de questões sociais e sim econômicas, a inferioridade social é explicada a partir de crenças de fundamentação biológica; o racismo simbólico nos EUA (Kinder & Sears, 1981), que se baseia em sentimentos e crenças de que os negros violam os valores tradicionais americanos do individualismo ou da ética protestante nos EUA; o racismo aversivo também nos EUA (Gaertner & Dovidio, 1986), seria o tipo de atitude racial que caracterizaria americanos brancos que têm fortes valores igualitários, mas que apresentam uma certa ambivalência, resultante do conflito entre sentimentos e crenças associados a valores igualitários e sentimentos negativos com relação aos negros; o racismo ambivalente nos EUA (Katz & Hass, 1988), que se caracteriza por atitudes contra (fundamentada na ética protestante de trabalho árduo, realização pessoal e disciplina) e favoráveis (fundamentadas no igualitarismo e no humanitarismo) que coexistem nos indivíduos.
Foi identificado também o preconceito sutil na Europa (Pettigrew & Meertens, 1995) que seria aquele mais frio e indireto, uma forma mais velada de preconceito e que possui três dimensões: defesa dos valores tradicionais, exagero das diferenças culturais e a negação de emoções positivas caracterizada pela rejeição à expressão de simpatia e admiração com relação aos membros do exogrupo; e o racismo cordial no Brasil (Turra & Venturi, 1995) que é definido como uma forma de discriminação contra os cidadãos não brancos (negros e mulatos), que se caracteriza por uma polidez superficial que reveste atitudes e comportamentos discriminatórios, que se expressam ao nível das relações interpessoais através de piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”.
“As novas formas de expressão do preconceito e do racismo” é muito interessante para um esclarecimento de que o preconceito e o racismo estão presentes no dia-dia de todos, em vários lugares do mundo. Os autores deste artigo concluem pontuando que a conceituação e classificação das novas formas de preconceito e racismo existentes hoje demonstram que sua identificação é complicada e também difícil de ser combatida. Mas o combate é necessário, pois não é porque o preconceito e o racismo são expressos de forma menos explicita que antigamente que eles não tragam danos à sociedade e a quem sofre com eles.

Referência: Lima, M. E. e Vala, J. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estudos em Psicologia (Natal), 9, 3, 2004

Resenha: As Novas Formas de Expressão do Preconceito e do Racismo

André Faro

O racismo e o preconceito étnico refletem os contextos sócio-históricos onde acontecem relações sociais pautadas no critério da racialização. Assim, apesar dos marcantes avanços que a sociedade ostenta no que diz respeito às relações intergrupais e a dissolução de seus conflitos, estes dois fenômenos sociais ainda são realidades perenes em nível global; dado que inclui o Brasil neste campo de estudos sobre a manifestação de atitudes hostis, antipáticas ou odiosas contra indivíduos e/ou grupos minoritários.
Frente a este campo em aberto, Lima e Vala (2004) realizaram, alinhados às discussões atuais no campo da Psicologia Social, uma exposição acerca dos novos e complexos mecanismos de expressão da discriminação. Para tanto, são trabalhadas as chamadas novas expressões de racismo e do preconceito, particularmente as teorias do racismo moderno e simbólico na Austrália e EUA; racismo aversivo e ambivalente nos EUA; o preconceito sutil na Europa e o racismo cordial no Brasil.
Inicialmente os autores definem o preconceito e o racismo demonstrando as nuances de cada conceito. Conceitualmente, o preconceito pode ser entendido como uma atitude hostil contra um determinado sujeito, motivada pelo fato do mesmo pertencer a um grupo que é socialmente desvalorizado (Allport, 1954). Já o racismo envolve uma rede mais ampla de aspectos para sua caracterização, logo: é um processo de hierarquização, discriminação e exclusão de um grupo, ou mesmo um componente deste, que é distinto dos demais por possuir alguma marca física externa (real ou imaginária) que, no olhar do outro, associa-se a alguma característica interna. Em síntese, é a busca por uma redução do sociocultural e psicológico às marcas biológicas (Guimarães, 1999), não se processando apenas em nível individual, mas também com um caráter institucional, político e cultural.
Uma constatação histórica que Lima e Vala (2004) apontam, argumentada também por outros autores, é que o preconceito e o racismo mudaram em relação à forma que vinham sendo manifestados nas últimas décadas: minimizaram-se as expressões abertas e, por outro lado, formas veladas e mais discretas de discriminação foram ampliadas no âmbito das relações sociais. Expressões flagrantes, preconceituosas e racistas, são cada vez menos freqüentes numa escala macro-social – mas nem por isso menos nocivas –, sendo paulatinamente substituídas por manifestações sutis e maquiadas nos relacionamentos interpessoais. Por sua vez, estas não geram um impacto explícito por sua expressão, mas possuem o mesmo poder de repercussão em nível micro-social. Para os autores, esta transformação se processou em virtude das pressões sociais derivadas das políticas anti-racistas e democráticas, adequando-se a cada contexto em que se deprecie a diferença no outro.
Os primeiros modelos referidos no texto são as teorias do Racismo Simbólico e o Racismo Moderno, ambas estudadas nos EUA. O primeiro alude à percepção de que os negros vão de encontro aos valores tradicionais da ética protestante americana; leia-se obediência, ética no trabalho, disciplina e sucesso, já o segundo pauta-se na idéia de que os negros estão obtendo um retorno econômico e social maior do que merecem, além de transgredirem os valores dos brancos. Sob a ótica destes dois tipos de racismo, constata-se que o eixo da discriminação concentra-se no sentimento de invasão, apropriação dos direitos e distorção dos valores dos brancos, causando a rejeição da noção de igualdade racial.
Um segundo tipo é o Racismo Aversivo, estudado na realidade americana. Neste construto considera-se que embora as pessoas defendam a plena refutação da prática de racismo aberto, um preceito politicamente correto e adequado aos valores cristãos, apresentam diversos sentimentos de evitação (desconforto, ansiedade, medo, dentre outros) no contato com os negros. Como destacado pelos autores, na ausência de uma imposição social em direção ao igualitarismo, os racistas aversivos discriminam os negros não através de ódio ou hostilidade, mas pela ampla preferência de não-negros em situações em que o contexto justifique, implicitamente, a discriminação.
O Racismo Ambivalente, terceiro a ser discutido, também foi investigado nos EUA. O pressuposto é que as pessoas possuem duas orientações morais em conflito: uma é valorização da igualdade democrática, que induz a reconhecer a discriminação e assim expressar simpatia pelos negros, e a outra é o valor moral do individualismo, que se liga à noção de liberdade pessoal e responsabilidade individual. Dada a vivência destes princípios opostos, as pessoas tendem a oscilar entre os dois extremos, seja com uma exagerada simpatia ou pelo desconforto frente aos negros. Por conseqüência do conflito, há uma radicalização das respostas racistas a fim de minimizar a tensão gerada pela discrepância de pressupostos; este movimento é chamado de “amplificação da resposta” e se efetiva tanto no pólo da extrema bondade perante os negros (ex. piedade), como por considerar os negros como desviantes dos princípios morais (ex. preguiçosos).
O Preconceito Sutil, quarto modelo, é estudado tanto nos EUA em relação aos negros, como na Austrália, em relação aos aborígenes. Este tipo de preconceito faz o oposto da forma mais explícita, o flagrante, no qual a expressão de rejeição ao outro é claramente manisfesta, seja através de repúdio e humilhação ou mesmo agressão física. No Sutil, a viabilização do preconceito assume em três frentes: 1. O indivíduo defende os valores tradicionais de seu grupo, localizando no outro a violação destes; 2. Homogeneíza as características culturais do seu grupo e exagera as diferenças para com o outro; 3. Não expressa, e sente, emoções positivas para com o outro grupo, evitando, assim, reconhecer qualquer aspecto construtivo no diferente.
O Racismo Cordial, quinto e último construto, é pesquisado na realidade brasileira, sendo específico por ser investigado em uma sociedade multirracial. Sua definição baseia-se na discriminação direcionada a sujeitos não-brancos, estando calcado principalmente na falsa civilidade, ou polidez superficial, quando se manifestam comportamentos e atitudes preconceituosas. São formas habitualmente dissimuladas que se apresentam nas relações interpessoais por meio de brincadeiras, piadas ou ditados populares com conteúdo essencialmente discriminatório. Deste modo, o impacto do preconceito é disfarçado em meio a um hábito mascarado e suas conseqüências são voltadas para uma demonstração de contínua exclusão social.
Em geral, Lima e Vala (2004) apontam as novas formas de apresentação do racismo e do preconceito na atualidade, ressaltando o caráter subliminar e dissimulado que ameaça indivíduos e grupos minoritários, por sua vez ainda excluídos e colocados à margem social. No final, os autores demonstram que apesar de todas estas novas conformações teóricas serem alvo de críticas diversas, tais construtos fornecem essenciais subsídios para compreendermos a presença duradoura da discriminação no âmbito das relações interpessoais, com sua plasticidade insidiosa que corrói moralmente a sociedade.

Fonte: Lima, M.E. & Vala, J. (2004). As novas expressões do preconceito de racismo. Estudos de Psicologia (Natal) 9(3), 401-411

%d blogueiros gostam disto: