André Faro
O racismo e o preconceito étnico refletem os contextos sócio-históricos onde acontecem relações sociais pautadas no critério da racialização. Assim, apesar dos marcantes avanços que a sociedade ostenta no que diz respeito às relações intergrupais e a dissolução de seus conflitos, estes dois fenômenos sociais ainda são realidades perenes em nível global; dado que inclui o Brasil neste campo de estudos sobre a manifestação de atitudes hostis, antipáticas ou odiosas contra indivíduos e/ou grupos minoritários.
Frente a este campo em aberto, Lima e Vala (2004) realizaram, alinhados às discussões atuais no campo da Psicologia Social, uma exposição acerca dos novos e complexos mecanismos de expressão da discriminação. Para tanto, são trabalhadas as chamadas novas expressões de racismo e do preconceito, particularmente as teorias do racismo moderno e simbólico na Austrália e EUA; racismo aversivo e ambivalente nos EUA; o preconceito sutil na Europa e o racismo cordial no Brasil.
Inicialmente os autores definem o preconceito e o racismo demonstrando as nuances de cada conceito. Conceitualmente, o preconceito pode ser entendido como uma atitude hostil contra um determinado sujeito, motivada pelo fato do mesmo pertencer a um grupo que é socialmente desvalorizado (Allport, 1954). Já o racismo envolve uma rede mais ampla de aspectos para sua caracterização, logo: é um processo de hierarquização, discriminação e exclusão de um grupo, ou mesmo um componente deste, que é distinto dos demais por possuir alguma marca física externa (real ou imaginária) que, no olhar do outro, associa-se a alguma característica interna. Em síntese, é a busca por uma redução do sociocultural e psicológico às marcas biológicas (Guimarães, 1999), não se processando apenas em nível individual, mas também com um caráter institucional, político e cultural.
Uma constatação histórica que Lima e Vala (2004) apontam, argumentada também por outros autores, é que o preconceito e o racismo mudaram em relação à forma que vinham sendo manifestados nas últimas décadas: minimizaram-se as expressões abertas e, por outro lado, formas veladas e mais discretas de discriminação foram ampliadas no âmbito das relações sociais. Expressões flagrantes, preconceituosas e racistas, são cada vez menos freqüentes numa escala macro-social – mas nem por isso menos nocivas –, sendo paulatinamente substituídas por manifestações sutis e maquiadas nos relacionamentos interpessoais. Por sua vez, estas não geram um impacto explícito por sua expressão, mas possuem o mesmo poder de repercussão em nível micro-social. Para os autores, esta transformação se processou em virtude das pressões sociais derivadas das políticas anti-racistas e democráticas, adequando-se a cada contexto em que se deprecie a diferença no outro.
Os primeiros modelos referidos no texto são as teorias do Racismo Simbólico e o Racismo Moderno, ambas estudadas nos EUA. O primeiro alude à percepção de que os negros vão de encontro aos valores tradicionais da ética protestante americana; leia-se obediência, ética no trabalho, disciplina e sucesso, já o segundo pauta-se na idéia de que os negros estão obtendo um retorno econômico e social maior do que merecem, além de transgredirem os valores dos brancos. Sob a ótica destes dois tipos de racismo, constata-se que o eixo da discriminação concentra-se no sentimento de invasão, apropriação dos direitos e distorção dos valores dos brancos, causando a rejeição da noção de igualdade racial.
Um segundo tipo é o Racismo Aversivo, estudado na realidade americana. Neste construto considera-se que embora as pessoas defendam a plena refutação da prática de racismo aberto, um preceito politicamente correto e adequado aos valores cristãos, apresentam diversos sentimentos de evitação (desconforto, ansiedade, medo, dentre outros) no contato com os negros. Como destacado pelos autores, na ausência de uma imposição social em direção ao igualitarismo, os racistas aversivos discriminam os negros não através de ódio ou hostilidade, mas pela ampla preferência de não-negros em situações em que o contexto justifique, implicitamente, a discriminação.
O Racismo Ambivalente, terceiro a ser discutido, também foi investigado nos EUA. O pressuposto é que as pessoas possuem duas orientações morais em conflito: uma é valorização da igualdade democrática, que induz a reconhecer a discriminação e assim expressar simpatia pelos negros, e a outra é o valor moral do individualismo, que se liga à noção de liberdade pessoal e responsabilidade individual. Dada a vivência destes princípios opostos, as pessoas tendem a oscilar entre os dois extremos, seja com uma exagerada simpatia ou pelo desconforto frente aos negros. Por conseqüência do conflito, há uma radicalização das respostas racistas a fim de minimizar a tensão gerada pela discrepância de pressupostos; este movimento é chamado de “amplificação da resposta” e se efetiva tanto no pólo da extrema bondade perante os negros (ex. piedade), como por considerar os negros como desviantes dos princípios morais (ex. preguiçosos).
O Preconceito Sutil, quarto modelo, é estudado tanto nos EUA em relação aos negros, como na Austrália, em relação aos aborígenes. Este tipo de preconceito faz o oposto da forma mais explícita, o flagrante, no qual a expressão de rejeição ao outro é claramente manisfesta, seja através de repúdio e humilhação ou mesmo agressão física. No Sutil, a viabilização do preconceito assume em três frentes: 1. O indivíduo defende os valores tradicionais de seu grupo, localizando no outro a violação destes; 2. Homogeneíza as características culturais do seu grupo e exagera as diferenças para com o outro; 3. Não expressa, e sente, emoções positivas para com o outro grupo, evitando, assim, reconhecer qualquer aspecto construtivo no diferente.
O Racismo Cordial, quinto e último construto, é pesquisado na realidade brasileira, sendo específico por ser investigado em uma sociedade multirracial. Sua definição baseia-se na discriminação direcionada a sujeitos não-brancos, estando calcado principalmente na falsa civilidade, ou polidez superficial, quando se manifestam comportamentos e atitudes preconceituosas. São formas habitualmente dissimuladas que se apresentam nas relações interpessoais por meio de brincadeiras, piadas ou ditados populares com conteúdo essencialmente discriminatório. Deste modo, o impacto do preconceito é disfarçado em meio a um hábito mascarado e suas conseqüências são voltadas para uma demonstração de contínua exclusão social.
Em geral, Lima e Vala (2004) apontam as novas formas de apresentação do racismo e do preconceito na atualidade, ressaltando o caráter subliminar e dissimulado que ameaça indivíduos e grupos minoritários, por sua vez ainda excluídos e colocados à margem social. No final, os autores demonstram que apesar de todas estas novas conformações teóricas serem alvo de críticas diversas, tais construtos fornecem essenciais subsídios para compreendermos a presença duradoura da discriminação no âmbito das relações interpessoais, com sua plasticidade insidiosa que corrói moralmente a sociedade.
Fonte: Lima, M.E. & Vala, J. (2004). As novas expressões do preconceito de racismo. Estudos de Psicologia (Natal) 9(3), 401-411
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