Aline Campos
A autora investiga a teoria do sexismo hostil e benevolente desenvolvida por Glick e Fiske (1996), e de que modo os homens e mulheres endossam esta ideologia. Ela pesquisou como o sexismo ambivalente se manifesta em uma amostra brasileira, submetendo 540 estudantes universitários brasileiros ao Inventário de Sexismo Ambivalente, criado pelos mesmos autores.
A autora apresenta o tema do preconceito, em suas manifestações declaradas ou sutis. Inicia com a definição de preconceito lançada por Allport em 1954: o preconceito é uma hostilidade ou antipatia dirigida a grupos ou membros destes grupos, devido a generalizações incorretas.
Afirma que atualmente o preconceito é visto como uma atitude negativa dirigida a membros de determinados grupos sociais, devido à sua pertença a estes grupos (Smith e Mackie, 1995). Como atitude, o preconceito tem três componentes: o cognitivo, manifestado pela presença dos estereótipos; o afetivo, que é o preconceito em si; e o comportamental, resultando em atos discriminatórios (Fiske, 1998).
O sexismo, preconceito relativo às diferenças entre os sexos, desfavorece as mulheres, em função de sua condição de gênero (Lips, 1993). Este pode ser institucional (por exemplo, através de uma política salarial que prejudica as mulheres) ou interpessoal (por exemplo, a presença de atitudes negativas dirigidas às mulheres).
As teorias feministas explicam o sexismo como derivado da cultura patriarcal, na qual os homens têm a primazia do grupo dominante e controlam o espaço público, enquanto as mulheres são responsáveis pelo privado, e pela reprodução dos valores patriarcais na família.
O sexismo é um instrumento para garantir as desigualdades de gênero, e promove atitudes de desvalorização da mulher através da socialização. Cria representações das mulheres como dóceis, passivas e submissas, e dos homens como fortes e responsáveis.
Mais recentemente, atitudes sexistas tradicionais vêm sendo substituídas por novas formas, indiretas ou simbólicas. O sexismo antigo sugere, por exemplo, estereótipos sobre menor competência feminina; já o moderno nega que ainda exista a discriminação contra as mulheres, e antagoniza sua luta por uma maior inserção social e apoio governamental. O sexismo moderno também incentiva sentimentos negativos em relação às mulheres, só que de forma mais encoberta.
Glick e Fiske (1996) contribuíram ao estudo das novas formas de sexismo, desenvolvendo a teoria do sexismo ambivalente, segundo a qual o sexismo se manifesta através de duas atitudes: hostil e benevolente. O sexismo hostil apresenta uma antipatia explícita contra as mulheres, enquanto o sexismo benevolente exalta um combinado de sentimentos e condutas positivas em relação à mulher – tais como, “o homem não pode viver sem as mulheres”.
A visão benevolente, apesar de atestar aspectos positivos do feminino, reforça o preconceito, pois mantém a visão de que a mulher é frágil, dependente do homem, e naturalmente talentosa para o cuidado. A mulher é vista de forma romântica, e isto discrimina contra mulheres que não cabem neste padrão idealizado, como as feministas.
O sexismo hostil e o benevolente incluem de três componentes, estes também sujeitos à ambivalência. O primeiro componente é o paternalismo, que se manifesta de forma hostil através da dominação, e de forma benevolente através da proteção às mulheres. O segundo é a diferenciação entre os sexos, que se manifesta de forma hostil pela competitividade, e de forma benevolente pela noção de complementaridade. O terceiro é a heterossexualidade, que se manifesta negativamente pela hostilidade entre os sexos, e positivamente pela intimidade (Fiske e Glick, 1995).
No presente estudo, a autora investigava a aplicação do Inventário de Glick e Fiske em uma amostra brasileira. Este inventário consiste em 22 afirmativas, com opções de resposta Likert de seis pontos, e é considerado como fidedigno e válido. Para medir o sexismo hostil, aparecem frases como “quando uma mulher conquista um homem ela costuma mantê-lo sobre rédea curta”; “muitas mulheres, com a desculpa de buscarem igualdade, estão é querendo favores especiais”; e “as mulheres querem obter poder para exercer controle sobre os homens”. Na avaliação do sexismo benevolente, aparecem itens como: “as mulheres devem ser amadas e protegidas pelos homens”; “num desastre, as mulheres devem ser salvas antes dos homens”; e “uma boa mulher deve ser colocada num pedestal pelo seu homem”.
Os resultados do estudo brasileiro confirmaram aqueles apresentados em outros países: o sexismo hostil e o benevolente são construtos independentes, porém correlacionados positivamente. Homens apresentaram escores significantemente mais altos do que as mulheres na escala de sexismo hostil, e na escala de sexismo benevolente não se diferenciam das mesmas. Ou seja, as mulheres tendem a refutar o sexismo hostil e endossar o sexismo benevolente.
As mulheres provavelmente dão suporte ao sexismo benevolente por se sentirem protegidas e recompensadas por este. Porém, o sexismo benevolente é subsidiado pela mesma ideologia que sustenta o sexismo hostil, o patriarcalismo, um sistema que fomenta a desigualdade entre os sexos e a supremacia masculina. Numa proposta aparentemente benevolente, as mulheres são apresentadas como frágeis e necessitadas da proteção, admiração e afeto masculinos.
Sendo assim, endossar o sexismo benevolente preserva os valores patriarcais que limitam as oportunidades das mulheres, e acaba validando o sexismo hostil.
Fonte: Ferreira, M. C. (2004). Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero. Temas em Psicologia da SBP, Vol.12, no 21, 119-126.