Resenha: Diferença e igualdade nas relações de gênero – revisitando o debate

Louise Correia Vital

O artigo “Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate” da autora Maria de Fátima Araújo situa o leitor, a partir de um enfoque histórico, no debate sobre a diferença e igualdade no âmbito das questões de gênero.
Primeiramente, o texto se inicia apresentando o argumento de que em diversas áreas do conhecimento procuram ou procuraram estudar a “diferença sexual”, como na antropologia e nas ciências sociais. Porém, apenas com o feminismo foi instaurado uma nova forma de análise das diferenças e igualdades entre os sexos. Este novo olhar permitiu que não só se pensasse nessas questões dicotomicamente, entre os sexos, mas também dentro deles: “não só entre homens e mulheres, mas entre mulheres e entre homens”.
A partir da utilização do conceito de “gênero” pelas feministas americanas como uma categoria de análise social, e não no seu sentido puro gramatical de “indivíduos de sexos diferentes”, houve um deslocamento dos estudos sobre a ‘mulher’ para se estudar as ‘relações de gênero’. Pois não é possível dissociar o mundo da mulher do homem e vice-versa. Sendo assim, o termo foi associado mais à relações sociais entre os sexos, e não à padrões de comportamento naturalizados. A definição apresentada pela autora abarca bem esta mudança: O termo “gênero” torna-se, antes, uma maneira de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. “Gênero” é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, “gênero” tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (Scott, 1995: 75).
O estudo sobre gênero percebe, então, as representações deste como estruturador da percepção e da organização concreta e simbólica da vida social, como disse a própria autora “Na medida em que essas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial às fontes materiais e simbólicas), o gênero torna-se envolvido na concepção e na construção do poder em si mesmo. ”
A utilização do gênero como metodologia de estudo analítico foi proposto por autoras como Scott(1995) e a historiadora francesa Louise Tilly(1994) como forma de criticar a forma puramente descritiva com que se dava os estudos sobre a mulher. Elas acreditam que o gênero deveria ser aceito como uma verdadeira categoria de análise, por meio de uma conceitualização que possa desafiar os conceitos dominantes atualmente na disciplina histórica. A autora corrobora com a ideia do gênero como uma categoria empírica e histórica, e portanto, como uma categoria analítica. Sendo assim, ela escreve: “Apreendido da realidade empírica, [o gênero] ele expressa as relações históricas e as formas de existência da realidade social. ”
Além desta categoria, Maria entende o gênero como sendo também uma categoria política que pode ser usado também para estudar a problemática da igualdade e diferença entre os sexos. A diferença entre os seres humanos já foi tratada em diversos âmbitos – filosófico, religioso, biológico, psicológico, antropológico e social. Atualmente esse debate continua muito forte, com a diferença no discurso: não mais “direito à diferença”, mas sim “respeito às diferenças” e a “preservação das particularidades culturais”
Historicamente, a discussão que cerceia o gênero desenvolveu-se a partir de dois vieses: um essencialista, que acreditava na naturalização de certas características, como a “essência feminina”, exaltando a diferença desta com a do sexo oposto; e a culturalista, em que acredita que as diferenças sexuais são resultados da socialização e da cultura. Uma terceira abordagem que se desenvolveu acerca desta temática foi exposta pela feminista francesa Françoise Collin (1992). Ela trouxe os conceitos dicotômicos de igualdade e diferença como constituindo uma única categoria, em que não só há um respeito pelas diferenças, como também uma necessidade. Collin propôs pensar a diferença em 3 níveis: entre o sujeito-mulher e sua condição de mulher; entre as mulheres; e entre as mulheres e o mundo dos homens. Com relaçao a sua primeira distinção, ela diz que uma mulher não é só uma mulher. “Um sujeito mulher não se reduz à sua feminilidade; ao contrário, é um sujeito heterogêneo ”. Sobre a diferença entre as mulheres, diz que é importante construir uma nova forma de socialização entre elas, para que seja possível incluir essas diferenças. E em relação a diferença entre as mulheres e o mundo dos homens, diz ser necessário uma nova forma de compreender essa relação. A proposta de Collin é de incorporar em um diálogo contínuo as diferenças e igualdades, sem haja negação de uma ou de outra, ou seja, desconstruir a análise binária que vem sendo feita desses elementos.
Sobre a questão da igualdade, no início do movimento feminista, a luta pela igualdade se sobrepôs à luta pela diferença. As mulheres tentaram ocupar o lugar do homem, transgredindo a norma que permitia classificar a mulher como o avesso do homem, porém “na luta pela igualdade tropeçaram na diferença”. A diferença, naquela época, era vista como sinônimo de desigualdade. Ao tentar ocupar o lugar do homem na sociedade, essas mulheres se viram em um confronto com sua real identidade. Somente no final dos anos 80 isso se inverteu e as mulheres resolveram defender o direito de serem diferentes dos homens.
Por fim, o último tópico do texto em questão fala sobre a crise da masculinidade e as novas relações de gênero. As mudanças no mundo da mulher decorrente do feminismo não foi isolado do mundo dos homens, esse também se modificou. Assim como feminino, repensar o masculino pressupõe rever modelos de comportamento, teorias e discursos que foram usados para explicar o “masculino” ou a “essência masculina”. A crisa da masculinidade tem início no século XVII na frança, onde existiam mulheres que possuíam mais escolaridade e conhecimento e por isso se questionavam sobre o lugar da mulher na sociedade da época. As chamadas “preciosas francesas” defendiam a igualdade entre os sexos, o direito ao amor e ao prazer sexual, o acesso à mAraújo, M. F. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psicologia clínica, 2005, 17,2,41-52esma educação intelectual dada aos homens. Na Inglaterra, com o desenvolvimento do amor romântico e a ascensão do individualismo – pois um está diretamente ligado ao outro – houveram muitas discussões acerca dos papéis dos homens e das mulheres na família, no casamento e na expressão da sexualidade. Portanto, vê-se que assim como as mudanças no mundo dos homens estão diretamente ligados a questões históricas, o mundo das mulheres não escapa à isso. Com a ascensão do capitalismo e a destituição da estrutura paternalista, houve uma abertura para que a mulher pudesse se inserir no espaço público – trabalhando, por prazer ou necessidade. Devido a essas transformações socais, percebe-se que os homens, assim como as mulheres, buscam maneiras diferentes e distantes do sexismo para se inserir e se afirmar como ser masculino na sociedade, partindo do princípio de que não há uma masculinidade, assim como não há uma única feminilidade. Diante desse quadro, é possível, para a autora, afirmar que relações de gêneros mais democráticas podem vir a surgir, tendo o direito à igualdade e o respeito às diferenças como suporte.
A partir do que foi apresentado, Maria se utiliza do debate histórico sobre a igualdade-diferença e as transformações sociais ocorridas para discutir a questão da igualdade-diferença, a ideia de gênero como categoria de análise e a crise da masculinidade. O que foi apresentado ao final do texto pela autora tem um caráter bastante otimista. Segundo ela, os homens estão buscando novas formas de se inserir na sociedade, “tomando consciência das tensões e conflitos impostos pelo machismo” valorizando a subjetividade e relações íntimas, fugindo do sexismo que por anos vigorou e provocando relações de gênero mais democráticas. Esta idealização pode ainda estar longe de se tornar realidade. É verdade que muitos dos comportamentos-padrão que eram atribuídos a ambos os sexos está sendo hoje muito debatido e alguns deles até desclassificados, porém, presumir que essas modificações se estende para todos os homens ou a maioria não é verídico, e ainda que fosse, admitir que apenas isto desenvolverá relações mais harmoniosas entre os sexos é uma visão bastante ingênua por parte da autora. Uma vez que todos os dias presenciamos formas antigas e retrógradas de comportamento por parte dos homens (e das mulheres). Mesmo os direitos humanos ainda se encontra muito distante deste ideal. Certamente não se pode negar as conquistas e a importância do espaço que existe para que esses debates sobre gênero estejam mais presentes no dia a dia. Porém, uma mudança de valores desta magnitude, como infere a autora, ainda não existe, mas vê-se que a tendência é continuar caminhando em direção a tal ideal, talvez as futuras gerações possam desfrutar disto.

Referência Bibliográfica:Araújo, M. F. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psicologia clínica, 2005, 17,2,41-52

Resenha: música, comportamento social e relações interpessoais.

Agnaldo Júnior Santana Lima

A autora inicia seu artigo afirmando que não existem evidências que possam comprovar a existência de um gene musical propriamente dito, mesmo diante do esforço de pesquisadores de campos como a neurociências e a genética. Contudo, a música continua tendo um caráter universal e tendo um papel importante nas sociedades e culturas. A música vem mantendo funções tradicionais e sentidos próprios em diferentes sociedades ao longo da história. No Mundo Ocidental a música exerce funções relacionadas às relações interpessoais, tais como ninar crianças e entreter.
A atração interpessoal pode ser definida como uma experiência que leva os indivíduos a relatarem uma conexão especial com os outros, e é um elemento crucial no desenvolvimento de vínculos. Para a psicologia cognitiva, a atração está relacionada aos esquemas cognitivos que são construídos a partir dos ideais de parceiros e relacionamentos amorosos construídos ao longo da vida.
Como fatores associados à atração interpessoal podem ser citados: a atração física, proximidade, interação e exposição continuada aos outros indivíduos, além de uma semelhança real ou percebida entre estes. A atração interpessoal depende também do contexto social, que forma crenças pessoais, valores e atitudes, o mesmo pode ser dito sobre a formação do gosto musical.
A atração e a música estão ligadas à indução e/ou surgimento de sentimentos. As formas de utilização e apreciação da música variam de acordo com uma combinação de crenças pessoais e objetivos de excitação, entrelaçados àqueles do grupo social ao qual pertencemos.
No estudo em questão, a autora buscou determinar o papel da música nas relações interpessoais, na atração e escolha de parceiros, além de verificar se os estereótipos associados aos gêneros musicais encontrados em amostras norte-americanas e européias, poderiam ser encontrados numa amostra brasileira. Por fim, o estudo investigou se existem ou não funções específicas da música nas relações interpessoais, baseando-se nos relatos dos participantes.
O estudo contou com a participação de 60 jovens e adultos, com idade entre 12 e 43 anos, recrutados em Campinas, SP. Músicos e estudantes de música foram excluídos da amostra final, que foi composta por 50 jovens adultos com idade média de 27 anos. Foi elaborado para o estudo um instrumento de coleta de dados em três partes. Na primeira, o participante deveria escolher o parceiro que lhe parecesse mais atraente numa lista de classificados. Na segunda parte, o participante deveria completar frases relacionando estilos musicais com adjetivos. A terceira parte consistia num questionário sócio-demográfico bem como questões relativas à importância da música nas relações sociais.
No estudo, a música pareceu não ter efeitos positivos ou negativos na escolha de parceiros. Os participantes do estudo tenderam a associar o gosto musical mais à personalidade e às atitudes do que a outras características. Estereótipos de personalidade foram encontrados apenas para alguns gêneros musicais. A autora aponta a possibilidade da existência de uma relação direta entre o conhecimento musical e o gosto do participante e sua percepção dos ouvintes de música. A maioria dos participantes demonstrou certa abertura para namorar pessoas com gostos musicais contrastantes. Foram revelados quatro usos distintos da música no contexto das relações interpessoais: objetivos de excitação, fundo acústico, facilitadoras de atividades que promovem a aproximação de indivíduos e artefato mnemônico.
Os resultados do estudo reforçam a ideia de que a música exerce um papel importante nas relações interpessoais, embora não tenha aparentado exercer um efeito direto sobre a atração interpessoal e a escolha de parceiros.

Referência: ILARI, Beatriz. Música, comportamento social e relações interpessoais. Psicologia em estudo, Maringá, v. 11, n. 1, Apr. 2006

Resenha: aparência física e amizade íntima na adolescência- Estudo num contexto pré-universitário

Maria de Fátima Andrade Souza

Uns dos pontos mais importantes sobre a adolescência e que atualmente se estuda bastante são o desenvolvimento da capacidade para a comunicação íntima e a percepção sobre o autoconceito.
Definindo “intimidade” como uma “relação emocional” na qual, um permite ao outro sentir bem-estar, porque eles sentem o consentimento implícito para que possam revelar suas questões mais pessoais, compartilhamento dos interesses e atividades comuns, podendo também permitir as sensações, por exemplo, proximidade do corpo, toques, etc.
O autor deixa muito claro a grande importância do desenvolvimento dessa intimidade, pois ela proporciona um espaço para autorrevelação, ao crescimento e ao bem-estar desses adolescentes. Ele cita Sharabany (1994, 2000) quando expõe a estrutura dessas relações em oito dimensões: 1. Sinceridade e Espontaneidade; 2. Sensibilidades e Conhecimento; 3. Vinculação; 4. Exclusividade; 5. Dádiva e Partilha; 6. Imposição; 7. Atividades Comuns; 8. Confiança e Lealdade.
Interessante observar o quanto é difícil para o processo de desenvolvimento e expressão da intimidade sem ainda ter um exercício de autoconhecimento, sem ter definido os seus objetivos e valores perante a “sua sociedade”.
Cordeiro cita Pasini (1990), quando fala do conceito de intimidade corporal, fundamentalmente, “estruturada pela percepção que temos de nós próprios e do nosso próprio corpo, enfim, pelo nosso autoconceito.
Como a nosso sociedade, louva o corpo bonito, esbelto para as meninas e “malhado” para os meninos, esse conceito de ideal corporal se torna determinante na satisfação como um todo, por isso, muito importante na satisfação nas relações e na autoestima desses adolescentes. Outro ponto importante a ser observado: essa imagem que o adolescente tem do seu próprio corpo está intimamente ligada com a imagem que os outros lhe devolvem do seu corpo.
O exposto até agora trás uma conclusão muito importante: o corpo é um instrumento de poder e satisfação na relação com os outros e com consigo mesmo, mas muitas vezes também trás insatisfação chegando até a negação do próprio corpo.
É na adolescência que surgem estas questões com o corpo: a sua percepção, aparência física e isso vai determinar o acesso ao mundo e a toda experiência de vida.
É durante a adolescência que surgem as verdadeiras relações de amizade íntima, fazendo com que o adolescente adquira maior capacidade em expressar valores como a honestidade, descoberta de si mesmo e dos outros, assim como a verdade e todas as suas consequências na procura do prazer relacional. Nesse contexto, nos dias atuais, surgem novas formas de revelação da intimidade: chat groups, SMS, mIRC.
É mais fácil para esses adolescentes revelar-se mais aos seus pares que aos adultos, pois junto com os outros adolescentes encontram experiências idênticas para relatar. Eles escolhem então, amigos que têm os mesmos interesses, valores, credos e atitudes.
Há, entretanto, aspectos muito importantes que não podem deixar de ser considerados: as transformações dos impulsos sexuais, desenvolvimento das capacidades de pensamento, principalmente no domínio do conhecimento social e as específicas mudanças de papéis sociais.
Nesta fase, é desejável que o modelo de vida vá procurar um equilíbrio dinâmico, entre o exercício de pensar e agir para que os reconheçamos como únicos, a procura, construção e partilha de relações de intimidade e a procura também de um envolvimento na vida social, e consequentemente, o natural reconhecimento como integrante do mundo adulto. Existindo aí um grande risco, pois as falhas deste equilíbrio podem determinar falhas na construção da identidade, na autodescoberta ou até de uma forma mais radical, o isolamento social na fase tardia da adolescência.
O autor especifica os objetivos e as hipóteses do seu estudo e os métodos utilizados, assim como das escalas de medidas que utilizou.
É interessante agora, citar alguns dos resultados aos quais Cordeiro (2006) chegou com estes estudos:
1. Os resultados de Amizade Íntima são mais elevados no sexo feminino que no sexo masculino. Provavelmente este fato estará relacionado com a definição mais precoce, no sexo feminino, da sua identidade e por conseguinte, de uma definição mais clara do seu papel nas relações com os outros.
2. Quanto às dimensões que compõem a Amizade Íntima, a que apresenta resultados médios mais elevados para o total pesquisado é a Confiança e Lealdade. As relações de Amizade Íntima envolvem partilhas que não permitem a traição e se sustentam na defesa incondicional do melhor amigo perante os seus pares.
3. Para ambos os sexos, comparando os resultados das várias dimensões, observa-se que a única dimensão onde a diferença não tem expressão significativa é na dimensão Exclusividade Relacional.
4. Para ambos os sexos, a dimensão Amizade Íntima com o Melhor Amigo, a dimensão Atividades Comuns, estatisticamente, não tem nenhuma expressão.
5. Para ambos os sexos, a dimensão Amizade Íntima com a Melhor Amiga, as dimensões que são estatisticamente significativas são Vinculação, Imposição e Confiança e Lealdade.
6. Foram encontradas diferenças significativas entre os sexos nas dimensões Sinceridade e Espontaneidade, Sensibilidade e Conhecimento Mútuo, Exclusividade Relacional, Dádiva e Partilha e Atividades Comuns.
7. Quanto à Percepção do Autoconceito, para a totalidade da população em estudo foi observado um resultado médio, nitidamente acima do ponto médio da Escala utilizada, o que indica um nível de Percepção do Autoconceito médio elevado, sendo ainda mais elevados no sexo masculino.
8. A Percepção sobre a Aparência Física indica um resultado médio com valores mais elevados no sexo masculino
9. Quanto à Percepção sobre a Aparência Física e a Amizade Íntima verifica-se que não existem correlações estatisticamente significativas, segundo os sexos.
10. Na população estudada, o valor mais elevado foi encontrado na correlação Percepção sobre Aparência Física / Amizade Íntima, sugerindo que a associação dessas duas variáveis se encontram muito próximas de ser estatisticamente significativa.
Ao final do artigo, o autor ainda sugere alguns temas para discussão que aqui não serão especificados (ver artigo).

Referência: Cordeiro, Raul A. Aparência física e amizade íntima na adolescência: Estudo num contexto pré-universitário. Análise Psicológica (2006), 4 (XXIV): 509-517.

Resenha: Usuários de drogas injetáveis e terapia anti-retroviral: percepções das equipes de farmácia

Rafael Raposo

O uso de droga injetável (UDI) foi responsável por 21,5 % de casos HIV/AIDS entre 1980 e 2005 no Brasil. Um dos instrumentos de prevenção contra a contaminação de HIV/AIDS é a terapia anti-retroviral (ARV). A adesão à terapia anti-retroviral é o caminho para o controle deste problema de saúde pública. No entanto, para que ocorra o controle é necessário disponibilizar serviços de qualidade através de uma equipe multiprofissional na promoção de adesão.
Os farmacêuticos fazem parte da equipe multidisciplinar, pois pode contribuir para a inclusão e para disponibilizar melhorarias a qualidade de vida dos usuários, pois a representação social interligada aos UDI está diretamente ligada à negação dos usuários a adesão por conta das drogas. Por conta disso, a equipe multiprofissional poderia contribuir para a diminuição da discriminação e da estigmatização que atualmente colocam os UDI num patamar de exclusão e ‘invisibilização’ social.
Por conta disso, o artigo que esta resenha se baseou foi “Usuários de drogas injetáveis e terapia antirretroviral: percepções das equipes de farmácia”, de autoria de Chizuru YokaichiyaI, Wagner FigueiredoII e Lilia SchraiberIteve, publicado em 2007. O principal objetivo deste artigo foi compreender como as equipes de farmácia lidam com os pacientes UDI, e os respectivos problemas que estas equipes encontram para oferecer ações em prol da melhoria da adesão ao tratamento ARV.
Foi efetuado um estudo qualitativo formado por grupos focais que tinham como objetivo fazer uma análise temática dos discursos oriundos dos farmacêuticos, técnicos e auxiliares com uma experiência em unidades assistenciais de DST/AIDS em São Paulo. Os grupos afirmaram que a farmácia tem um papel fundamental para a adesão ARV, pois a partir da sua intervenção são criados laços de confiança entre o paciente e a equipe multidisciplinar. Outro ponto a ser destacado é que os usuários de drogas injetáveis “os pacientes mais complicados” são tratados como qualquer outro paciente das unidades assistenciais, mas o que pode dificultar a relação deles com estes pacientes é a excessiva burocracia que envolve as suas atividades.
Uma das atividades disponibilizadas aos UDI é a troca de seringas (seringas, agulhas descartáveis, lenços anti-sépticos, copo plástico, água estéril e preservativos) do Programa Redução de Danos. A participação dos profissionais de farmácia neste programa é de extrema importância para a prevenção do HIV/AIDS, mas muitos integrantes dos grupos focais não concordam com a prática deste programa. Muitos deles afirmam que no final das contas acaba faltando seringas para outras atividades nas unidades assistenciais.
Contudo, os profissionais de farmácia apontam algumas sugestões para proporcionar melhorias para o atendimento interdisciplinar: elaborar um controle de participação dos pacientes para detectar os faltosos, conseguir controlar os medicamentos do paciente adequando-os conforme o estilo de vida do paciente e facilitar o diálogo entre o paciente e a equipe de saúde. O texto conclui que não se pode achar que dar medicações é o suficiente, pois esta é uma ferramenta – entre inúmeras – utilizada em prol do bem-estar social do paciente.

Referência: Yokaichiya CM, Figueiredo WSF, Schraiber LB. Usuários de drogas injetáveis e terapia anti-retroviral: percepções das equipes de farmácia. Rev Saúde Pública 2007; 41 Suppl 2:14-21.

Resenha: “Estereótipos e destinos turísticos – o uso dos estereótipos nos folders de uma agência de fomento ao turismo

Talita Moreira

Não é sem razão que o uso de estereótipos é uma estratégia bastante requisitada por propagandas turísticas. Muitas vezes somos atraídos a um local, nos sentimos vinculados a um povo, sem nunca termos tido contato direto, mas só de ouvir falar, ver fotografias. É comum encontrar em frases populares, romances, poemas, músicas e folhetos turísticos muitos estereótipos sobre o povo baiano. A Bahia aparece muitas vezes como a terra da felicidade, da alegria, de todos (santos, credos, ritmos, raças, entre outros) e seu povo, por sua vez, é alegre, festeiro, acolhedor, feliz, criativo, e a diversidade parece ser uma característica muito presente.

O artigo escolhido como base para este texto foi “Estereótipos e destinos turísticos: o uso dos estereótipos nos folders de uma agência de fomento ao turismo”, de autoria de Marcos Emanoel Pereira e Tula Ornelas, publicado em 2005. O artigo se propõe a identificar e discutir o uso de estereótipos a partir da análise de folders institucionais e de divulgação, elaborados pela Bahiatursa, destinados à promover o destino turístico Bahia.

Pereira e Ornelas (2005) procuram identificar o potencial utilitário dos estereótipos para analisar como eles são utilizados como um meio de divulgar e promover destinos turísticos. Inicialmente os autores, apresentam uma breve revisão histórica dos estudos sobre estereótipos. Defendem que apesar de mudanças avaliativas que os estereótipos sofreram ao longo do tempo, a visão negativa que sempre acompanhou o construto não foi eliminada totalmente, considerando que os estereótipos ainda continuam sendo considerados fundamentalmente como o efeito da manifestação de mecanismos da economia cognitiva. Porém, é questionado pelos autores se os estereótipos seriam necessariamente negativos ou seria possível apontar que a utilização deles oferece alguma contribuição para determinados segmentos sociais ou mesmo para a sociedade como um todo?

Apesar dos autores reconhecerem que a literatura especializada sobre os estereótipos e o turismo não ser vasta, defendem que possivelmente, hoje, nenhuma área da vida cultural seja capaz de salientar a natureza utilitária dos estereótipos quanto à indústria do turismo. Analisam que os materiais promocionais elaborados pelas agências de fomento ao turismo procuram divulgar e promover os destinos, utilizando os estereótipos como um meio de ressaltar o que determinado local tem de mais belo, atraente, sedutor e encantador, desempenhando, assim, o papel de formador de motivações e desejos, contribuindo para a construção da identidade turística do destino que está sendo promovido.

Quanto aos resultados do estudo, é apontado que dos 35 folders identificados no arquivo da Bahiatursa, 26 exibiam a utilização de estereótipos, em forma de textos ou imagens, entretanto, apenas doze folders institucionais foram escolhidos para análise. Os estereótipos identificados podem ser agrupados em duas grandes categorias, uma referente ao lugar e outra referente ao povo. Sobre a primeira categoria os autores salientam que conceitualmente é inadequado se referir a estereótipos sobre lugares, pois se trata de um conceito cujo referente restringe-se a categorias sociais. Entretanto, é enfatizado, no texto, que para este caso um precedente será aberto, dada a impossibilidade de se refletir sobre estereótipos de um povo sem considerar o território habitado por tal população.

Em relação às representações estereotipadas relativas ao local, o artigo destaca três: A expressão ‘terra encantada’ – aparece em todos os folders, recebe 26 citações; A formulação ‘terra da felicidade’ – com 20 citações; A representação ‘paraíso tropical’ – utilizada em três folders, sendo citada quatro vezes.

O estudo identificou que o tema da festa é um dos temas mais utilizados nos folders. A ideia de um povo alegre e festeiro alcança as maiores frequências, embora não presente em todos os folders. Os estereótipos sobre um povo hospitaleiro aparecem em mais da metade dos folders, a visão estereotipada do baiano hospitaleiro sugere que este povo recebe com carinho o visitante.

É destacado pelos autores que o estereótipo do povo mestiço é apresentado em sete folders, e pretende oferecer certo caráter de democracia racial e de convívio harmonioso entre brancas, negros e índios. Além disso, o estereótipo do baiano criativo aparece em cinco folders, já o estereótipo sensual é apresentado em 8 folders. Sobre este último é válido apontar o destaque dado, no artigo, ao fato que este estereótipo é encontrado, sobretudo nos folders divulgados em língua estrangeira, e que atualmente quase que não se encontra folders com a apresentação de imagens de mulheres seminuas, pois se entende que pode fortalecer o turismo sexual amplamente combatido nas últimas décadas.

Entretanto, Pereira e Ornelas (2005) afirmam que embora não haja uma referência explícita a sensualidade mediante imagens de mulheres de biquínis, existe alusões mais sutis, em que se pode encontrar à sensualidade na maneira baiana de se vestir, visto que o clima permite o uso de vestes decotadas, no jeito de andar. Também aparece a ideia da Bahia enquanto que adepta a todos os credos, santos, há um convite para que “o turista se vista de branco, amarre uma fita do Senhor do Bonfim no pulso, mas não esqueça de colocar um patuá no bolso”.

Por fim, os autores assinalam que a apropriação turística dos estereótipos é uma via de mão dupla, uma vez que não apenas os turistas desenvolvem percepções estereotipadas do povo visitado, como também os nativos desenvolvem estereótipos sobre os turistas. De forma que, para os visitantes os estereótipos permitem uma simplificação do tipo de comportamento a ser adotado durante os contatos. Já para os visitados, os estereótipos favorecem o desenvolvimento de uma sequência de roteiros que proporcionam facilidades nas relações com os visitantes, permitindo a alguns garantir o sustento econômico. Assim, neste contexto, os estereótipos proporcionam uma função relevante a todos os envolvidos nas atividades turísticas.

Referência: Pereira, Marcos Emanoel; Ornelas, Tula. (2005). Estereótipos e destinos turísticos: o uso dos estereótipos nos folders de uma agência de fomento ao turismo. Caderno Virtual de Turismo, vol. 5, núm. 3, 2005, pp. 9-17. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Río de Janeiro, Brasil. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/pdf/1154/115416147002.pdf

Resenha: O saber e a prevenção no trabalho e na vida: representações de profissionais de saúde que trabalham com HIV / AIDS

Cecília Alves

O objetivo dos autores com esta pesquisa é investigar e compreender as representações dos profissionais de saúde que trabalham com a doença sobre “sua prática profissional, buscando investigar como e em que medida o saber sobre AIDS e a prática profissional provocaram repercussões no seu comportamento sexual” (Andrade e Tanaka, 2002).

Como início de discussão, os autores ressaltam que desde o início dos anos 90 a AIDS, que rapidamente se tornou uma epidemia, vem preocupando no que diz respeito à descoberta da sua cura. Em virtude disso, indicam que a recomendação da OMS (1990 apud Andrade e Tanaka, 2002), que a medida prioritária de erradicação desta seria o uso do preservativo, acaba por contradizer o que acontece na prática.
Os estudos mundiais realizados nesta área podem ser sintetizados por Smith (1998 apud Andrade e Tanaka, 2002) quando ele reconhece que “o conhecimento sobre AIDS leva a atitudes favoráveis à adoção do sexo seguro, mas isso não significa que tenham comportamento compatível com tais atitudes.”. É esse o contexto que irá servir de subsídio para os autores pensarem nos profissionais de saúde que trabalham com HIV/AIDS, pois constituem uma população detentora de um conhecimento diferenciado sobre a doença e que se depara com os números crescentes de casos.
A pesquisa foi realizada nos Serviços Ambulatoriais Especializados em HIV/AIDS no Mato Grosso do Sul em virtude do atendimento especializado à doença, o que não ocorre em outros ambulatórios e hospitais da área. Os autores optaram por realizar a pesquisa com: 3 médicos, 3 enfermeiros (representando os vínculos de proximidade corporal e manipulação de fluidos biológicos) e 3 psicólogos e 3 assistentes sociais (representando o vínculo essencialmente verbal). Os instrumentos utilizados foram entrevistas individuais semiestruturadas contendo dois blocos distintos: história profissional em relação à AIDS e representações em relação ao saber e a prática profissional.
Em relação ao trabalho com Aids, foi visto que a entrada desses profissionais no ambulatório se deu por convite ou oferta do cargo para pessoas que já tinham experiência prévia com doenças sexualmente transmissíveis ou apresentavam um perfil típico de quem gosta de desafios. Em relação à inserção no Serviço, a análise das conversas com as Psicólogas e Assistentes Sociais demonstra que esse trabalho tem um aspecto diferenciador em relação à morte devido à incurabilidade da doença, porém apesar disso pode-se perceber a satisfação dos profissionais e dos próprios usuários.
A questão do sofrimento também vai ser abordada no tópico seguinte: “O Significado de Trabalhar com Aids”, quando os profissionais colocam a questão do limite entre o papel profissional e os sentimentos e emoções pessoais, ressaltando a frustração do trabalho e o sofrimento dos pacientes que também é vivido por eles. A partir dos relatos pode-se perceber alguns pontos de confluência, como a questão da perda da onipotência em relação à doença, a Aids como uma lição de vida, o trabalho em equipe como um fator diferenciador e, também, a paixão e o envolvimento com os pacientes que extrapolam os limites do âmbito profissional restrito.
No tópico “Risco Profissional e Risco Pessoal” percebe-se a partir das falas dos profissionais que não há uma distinção entre as representações de profissionais que manipulam fluidos biológicos (médicos e enfermeiros) e dos profissionais que estabelecem relações verbais (psicólogos e assistentes sociais). Os dois grupos compreendem que há riscos, mas se sentem protegidos no ambiente de trabalho. No que tange a vida pessoal também pensam estar protegidos por se tratar de uma relação estável.
O último tópico retrata o como e o porquê o “Saber e a Prática” interferem no comportamento sexual destes. Pelos discursos apresentados vê-se que o fato de ter conhecimento não favorece a proteção, porém:
“uma vez conhecendo as formas de transmissão do HIV, trata-se de uma questão racional evitar ser atingido pelo vírus. Adoecer não é mais uma questão do destino, das contingências que podem escapar ao controle, mas algo que pode ser prevenido a partir de escolhas intencionais baseadas em ações racionais bem informadas” (Castiel 1998 citado por Andrade e Tanaka, 2002).
Quando perguntados sobre o porquê do saber e a prática não se mesclarem no que tange a vida pessoal de cada sujeito, os sujeitos apresentaram argumentações frágeis, que não se sustentam. Muitas das respostas envolvem a questão da confiança no relacionamento e que o uso do preservativo implica a desconfiança com o outro, seja da sua saúde ou sua vida sexual. Uma das falas destaca ainda, que o uso deste acarretaria trazer para a relação real um risco que é irreal e que está muito longe. Os autores trazem, posteriormente, uma análise desse discurso, mostrando que ele está intrinsecamente enraizado por fatores culturais e moldado socialmente.
Além disso, nos depoimentos femininos também há a questão do poder do homem, já que elas esperam que ele use preservativo com as outras, caso haja traição, e não se sentem a vontade para levar essa questão na sua relação mesmo quando há a desconfiança da monogamia. Ou seja, em se tratando da Aids, os profissionais se colocam como seus pacientes, havendo apenas uma:
“possibilidade futura, talvez remota e colocam-se numa posição que os torna imunes ao que mais temem: a destruição do relacionamento, que é real e se sustenta na confiança.”. (Andrade e Tanaka, 2002).
Por fim, os autores concluem que, de fato, o discurso e a prática profissional são diferentes do que se aplica à vida sexual dos profissionais de saúde e que este saber sobre a AIDS localiza-se de forma objetivada. Destacam que a prevenção só se dá no âmbito profissional, sendo estes apenas pessoas comuns ao saírem desse ambiente.

Referência: Andrade, S. e Tanaka, O. O saber e a prevenção no trabalho e na vida: representações de profissionais de saúde que trabalham com HIV/ Aids. Psicologia Ciência e Profissão, 2002, 22, 2, 60-69.

Resenha: Dialética das relações raciais

Núbia dos Santos da Hora

Apesar das grandes manifestações atuais o preconceito não é um desafio contemporâneo. Ele vem se transformando diante das novas formas de socialização e em virtude de pressões sociais que culminam com a modificação e persistência de expressão do preconceito nos seus mais diversos formatos. Como dito por Ianni “a história do mundo moderno é também a história da questão racial”, e do mesmo modo que as relações de classe, as relações raciais vão sendo transformadas, transfigurando ao longo da história que culmina na modernidade. Essa questão é para muitos pesquisadores, cientistas, filósofos um grande embate enfrentado pelos atores, agentes e passivos, da discriminação ao redor do mundo. E assim como os conflitos de classe não se explicam por si mesmos, os conflitos raciais também não explicados. Há sempre um momento anterior, ligado ao modo de produção da vida material, consumo, exploração do trabalho, apropriação de excedentes, capaz de revelar o fundamento das contradições aparentes.

O fundamento destas lutas entre grupos dominantes e dominados, manifestadas em termos de “classe”, “raça”, são as contradições imanentes às sociedades capitalistas ou que tendiam à organização capitalista. O que se coloca, aqui, não é a simples estratificação baseada em cor de pele, origem étnica, mas sim um tipo específico de racismo relacionado à expansão do modo capitalista de produção. Daí ser possível falar em “racialização do mundo”, como faz Octavio Ianni. Nesse processo, já não são mais as classes que estão em conflito, nem as “raças”, mas as “civilizações”.
O “choque das civilizações” está embutido no processo de expansão política e econômica desde os antigos impérios, mas se intensifica a partir da era cristã. O Império Romano, o Mercantilismo, as Cruzadas, a tomada do “Novo” Mundo, as Colônias, o Imperialismo Industrial, manifestaram de diferentes maneiras a hierarquia das civilizações. As relações entre a expansão do capitalismo e as diferentes formas de discriminação racial não são diretas, mas sutis. São relações que dependem da realidade econômica, mas também dos jogos de força política, da manipulação de valores, crenças, símbolos e signos, da apropriação de discursos, enfim, da “racialização” das disputas políticas e econômicas.
É neste sentido que se pode dizer que existem “enigmas escondidos na questão racial”. Enigmas que variam conforme o momento e o contexto e que estão presentes “desde os inícios dos tempos modernos, em todo o mundo”. Como afirma Ianni “a ‘raça’ não é uma condição biológica e racializar uns e outros, pela classificação e hierarquização”, revela-se inclusive uma técnica política, onde são considerados inúmeros fatores, ao passo que hierarquizar as civilizações, e, no mesmo contínuo a hierarquização de povos, nações, nacionalidades e etnias. Com essa hierarquização a classificação dos mesmos tornou-se praticamente indissociável às sociedades e a formação dos estereótipos positivos ou negativos acaba por revelar as referências deste ou daquele povo, nação, grupo étnico, muitas vezes ratificado por teóricos que se empenharam em qualificar e desqualificar pessoas pertencentes a grupos determinados em favor de conduzir e perpetuar emblemas ideológicos de nações ou civilizações.
A diferença é transformada em estigma. Uma “ideologia racial”, forjada ao longo de séculos e que se recria a cada momento da história. Apesar das grandes manifestações atuais o preconceito não é um desafio contemporâneo. Ele vem se transformando diante das novas formas de socialização e em virtude de pressões sociais que culminam com a modificação e persistência de expressão do preconceito nos seus mais diversos formatos. Como dito por Ianni “a história do mundo moderno é também a história da questão racial”, e do mesmo modo que as relações de classe, as relações raciais vão sendo transformadas, transfigurando ao longo da história que culmina na modernidade. Essa questão é para muitos pesquisadores, cientistas, filósofos um grande embate enfrentado pelos atores, agentes e passivos, da discriminação ao redor do mundo. E assim como os conflitos de classe não se explicam por si mesmos, os conflitos raciais também não explicados. Há sempre um momento anterior, ligado ao modo de produção da vida material, consumo, exploração do trabalho, apropriação de excedentes, capaz de revelar o fundamento das contradições aparentes.
O fundamento destas lutas entre grupos dominantes e dominados, manifestadas em termos de “classe”, “raça”, são as contradições imanentes às sociedades capitalistas ou que tendiam à organização capitalista. O que se coloca, aqui, não é a simples estratificação baseada em cor de pele, origem étnica, mas sim um tipo específico de racismo relacionado à expansão do modo capitalista de produção. Daí ser possível falar em “racialização do mundo”, como faz Octavio Ianni. Nesse processo, já não são mais as classes que estão em conflito, nem as “raças”, mas as “civilizações”.
O “choque das civilizações” está embutido no processo de expansão política e econômica desde os antigos impérios, mas se intensifica a partir da era cristã. O Império Romano, o Mercantilismo, as Cruzadas, a tomada do “Novo” Mundo, as Colônias, o Imperialismo Industrial, manifestaram de diferentes maneiras a hierarquia das civilizações. As relações entre a expansão do capitalismo e as diferentes formas de discriminação racial não são diretas, mas sutis. São relações que dependem da realidade econômica, mas também dos jogos de força política, da manipulação de valores, crenças, símbolos e signos, da apropriação de discursos, enfim, da “racialização” das disputas políticas e econômicas.
É neste sentido que se pode dizer que existem “enigmas escondidos na questão racial”. Enigmas que variam conforme o momento e o contexto e que estão presentes “desde os inícios dos tempos modernos, em todo o mundo”. Como afirma Ianni “a ‘raça’ não é uma condição biológica e racializar uns e outros, pela classificação e hierarquização”, revela-se inclusive uma técnica política, onde são considerados inúmeros fatores, ao passo que hierarquizar as civilizações, e, no mesmo contínuo a hierarquização de povos, nações, nacionalidades e etnias. Com essa hierarquização a classificação dos mesmos tornou-se praticamente indissociável às sociedades e a formação dos estereótipos positivos ou negativos acaba por revelar as referências deste ou daquele povo, nação, grupo étnico, muitas vezes ratificado por teóricos que se empenharam em qualificar e desqualificar pessoas pertencentes a grupos determinados em favor de conduzir e perpetuar emblemas ideológicos de nações ou civilizações.
A diferença é transformada em estigma. Uma “ideologia racial”, forjada ao longo de séculos e que se recria a cada momento da história, se transmite por gerações e gerações, através dos meios de comunicação, da indústria cultural, envolvendo também sistemas de ensino, instituições religiosas e partidos políticos que acabam por legitimar suas atitudes institucionalizando formas de preconceito veladas à grande população e materializando suas práticas ao sabor das hierarquizações produzidas com o intuito de conformar dominantes e dominados nos lugares sociais a que foram “destinados”.
A imposição desta “ideologia racial”, contudo, torna-se cada vez mais difícil. Produz reações, “contra-ideologias”, indignação e reivindicação. Os indivíduos que sofrem a estigmatização se dão conta de que a desigualdade que lhes é imposta não é “natural”, mas forjada segundo as prioridades do sistema ou de grupos dominantes. E nesse processo atravessado por vivências, o estigmatizado desenvolve a sua percepção, sensibilidade, compreensão, construindo e reconstruindo a sua consciência para assim reconstruir a sua identidade. Para Ianni, é dessa “autoconsciência crítica”, que nasce a transformação, a ruptura e a transfiguração. Surge então a esperança de que a dialética das relações raciais possa converter-se em outras formas de sociabilidade, outros jogos de forças sociais, outro tipo de sociedade, outro modo de produção e processo civilizatório. As contradições raciais tendem a desenvolver-se de tal modo que estão próximas de colocar em causa a ordem burguesa atual, revelando sua incapacidade de resolvê-las.
Lutas de classe, contradições raciais, são apresentadas como o motor da história e este motor apenas pode ser impulsionado por uma contradição anterior, entre forças produtivas e relações de produção. O modo como ocorre este movimento, no entanto, é particular em cada época, e ainda está para ser desvendado.pesar das grandes manifestações atuais o preconceito não é um desafio contemporâneo. Ele vem se transformando diante das novas formas de socialização e em virtude de pressões sociais que culminam com a modificação e persistência de expressão do preconceito nos seus mais diversos formatos. Como dito por Ianni “a história do mundo moderno é também a história da questão racial”, e do mesmo modo que as relações de classe, as relações raciais vão sendo transformadas, transfigurando ao longo da história que culmina na modernidade. Essa questão é para muitos pesquisadores, cientistas, filósofos um grande embate enfrentado pelos atores, agentes e passivos, da discriminação ao redor do mundo. E assim como os conflitos de classe não se explicam por si mesmos, os conflitos raciais também não explicados. Há sempre um momento anterior, ligado ao modo de produção da vida material, consumo, exploração do trabalho, apropriação de excedentes, capaz de revelar o fundamento das contradições aparentes.
O fundamento destas lutas entre grupos dominantes e dominados, manifestadas em termos de “classe”, “raça”, são as contradições imanentes às sociedades capitalistas ou que tendiam à organização capitalista. O que se coloca, aqui, não é a simples estratificação baseada em cor de pele, origem étnica, mas sim um tipo específico de racismo relacionado à expansão do modo capitalista de produção. Daí ser possível falar em “racialização do mundo”, como faz Octavio Ianni. Nesse processo, já não são mais as classes que estão em conflito, nem as “raças”, mas as “civilizações”.
O “choque das civilizações” está embutido no processo de expansão política e econômica desde os antigos impérios, mas se intensifica a partir da era cristã. O Império Romano, o Mercantilismo, as Cruzadas, a tomada do “Novo” Mundo, as Colônias, o Imperialismo Industrial, manifestaram de diferentes maneiras a hierarquia das civilizações. As relações entre a expansão do capitalismo e as diferentes formas de discriminação racial não são diretas, mas sutis. São relações que dependem da realidade econômica, mas também dos jogos de força política, da manipulação de valores, crenças, símbolos e signos, da apropriação de discursos, enfim, da “racialização” das disputas políticas e econômicas.
É neste sentido que se pode dizer que existem “enigmas escondidos na questão racial”. Enigmas que variam conforme o momento e o contexto e que estão presentes “desde os inícios dos tempos modernos, em todo o mundo”. Como afirma Ianni “a ‘raça’ não é uma condição biológica e racializar uns e outros, pela classificação e hierarquização”, revela-se inclusive uma técnica política, onde são considerados inúmeros fatores, ao passo que hierarquizar as civilizações, e, no mesmo contínuo a hierarquização de povos, nações, nacionalidades e etnias. Com essa hierarquização a classificação dos mesmos tornou-se praticamente indissociável às sociedades e a formação dos estereótipos positivos ou negativos acaba por revelar as referências deste ou daquele povo, nação, grupo étnico, muitas vezes ratificado por teóricos que se empenharam em qualificar e desqualificar pessoas pertencentes a grupos determinados em favor de conduzir e perpetuar emblemas ideológicos de nações ou civilizações.
A diferença é transformada em estigma. Uma “ideologia racial”, forjada ao longo de séculos e que se recria a cada momento da história, se transmite por gerações e gerações, através dos meios de comunicação, da indústria cultural, envolvendo também sistemas de ensino, instituições religiosas e partidos políticos que acabam por legitimar suas atitudes institucionalizando formas de preconceito veladas à grande população e materializando suas práticas ao sabor das hierarquizações produzidas com o intuito de conformar dominantes e dominados nos lugares sociais a que foram “destinados”.
A imposição desta “ideologia racial”, contudo, torna-se cada vez mais difícil. Produz reações, “contra-ideologias”, indignação e reivindicação. Os indivíduos que sofrem a estigmatização se dão conta de que a desigualdade que lhes é imposta não é “natural”, mas forjada segundo as prioridades do sistema ou de grupos dominantes. E nesse processo atravessado por vivências, o estigmatizado desenvolve a sua percepção, sensibilidade, compreensão, construindo e reconstruindo a sua consciência para assim reconstruir a sua identidade. Para Ianni, é dessa “autoconsciência crítica”, que nasce a transformação, a ruptura e a transfiguração. Surge então a esperança de que a dialética das relações raciais possa converter-se em outras formas de sociabilidade, outros jogos de forças sociais, outro tipo de sociedade, outro modo de produção e processo civilizatório. As contradições raciais tendem a desenvolver-se de tal modo que estão próximas de colocar em causa a ordem burguesa atual, revelando sua incapacidade de resolvê-las.
Lutas de classe, contradições raciais, são apresentadas como o motor da história e este motor apenas pode ser impulsionado por uma contradição anterior, entre forças produtivas e relações de produção. O modo como ocorre este movimento, no entanto, é particular em cada época, e ainda está para ser desvendado. transmite por gerações e gerações, através dos meios de comunicação, da indústria cultural, envolvendo também sistemas de ensino, instituições religiosas e partidos políticos que acabam por legitimar suas atitudes institucionalizando formas de preconceito veladas à grande população e materializando suas práticas ao sabor das hierarquizações produzidas com o intuito de conformar dominantes e dominados nos lugares sociais a que foram “destinados”.
A imposição desta “ideologia racial”, contudo, torna-se cada vez mais difícil. Produz reações, “contra-ideologias”, indignação e reivindicação. Os indivíduos que sofrem a estigmatização se dão conta de que a desigualdade que lhes é imposta não é “natural”, mas forjada segundo as prioridades do sistema ou de grupos dominantes. E nesse processo atravessado por vivências, o estigmatizado desenvolve a sua percepção, sensibilidade, compreensão, construindo e reconstruindo a sua consciência para assim reconstruir a sua identidade. Para Ianni, é dessa “autoconsciência crítica”, que nasce a transformação, a ruptura e a transfiguração. Surge então a esperança de que a dialética das relações raciais possa converter-se em outras formas de sociabilidade, outros jogos de forças sociais, outro tipo de sociedade, outro modo de produção e processo civilizatório. As contradições raciais tendem a desenvolver-se de tal modo que estão próximas de colocar em causa a ordem burguesa atual, revelando sua incapacidade de resolvê-las.
Lutas de classe, contradições raciais, são apresentadas como o motor da história e este motor apenas pode ser impulsionado por uma contradição anterior, entre forças produtivas e relações de produção. O modo como ocorre este movimento, no entanto, é particular em cada época, e ainda está para ser desvendado.

Referência: Ianni, O. Dialética das relações raciais. Estudos Avançados, 2004, 18, 50,21-30.

Resenha: Significações e subjetividade em mulheres portadoras de transtornos alimentares

Maria Ivete Valadares dos Anjos

Matos, J e Almeida, L, no artigo Significação e subjetividade em mulheres portadoras de transtornos alimentares, contribuem, com suas análises e pesquisas, para o entendimento deste fenômeno, ainda pouco explorado, que atinge em maior grau as mulheres jovens.

È ressaltado no texto, dois componentes contraditórios no ocidente industrializado: cultua-se a “cultura do corpo” na qual o mito da magreza é associado ao sucesso, à beleza e a felicidade, enquanto que, em outro extremo, se contrapondo a esta diretriz, existe a presença de uma propaganda massiva, induzindo ao consumo de alimentos atrativos, calóricos e de pouco valor nutritivo.

Os fast foods se espalharam e se instalaram nas grandes metrópoles, provocando uma mudança nos hábitos alimentares, principalmente na população jovem, levando-a em direção a uma mudança relacionada com a aparência física, devido a um aumento considerável de peso e conseqüente obesidade.

Os autores sugerem que o transtorno alimentar é causado por multifatores: a pressão social associada à vulnerabilidade biológica ou psicológica (baixa auto-estima, traços obsessivos-compulsivos) e ainda o fator sócio-cultural, como responsáveis pelo aumento da incidência desses transtornos e pela gravidade das conseqüências.

Citam a realização de pesquisas relacionadas a cada um desses fatores:

– pesquisas baseadas em mecanismos fisiológicos, reveladoras da importância de um determinado nível de serotonina e noradrenalina (responsáveis pela sensação de prazer)
no organismo, como preponderantes para o equilíbrio fisiológico, visto que as pessoas portadoras destes distúrbios possuem estas substâncias muito abaixo do nível apresentado por indivíduos que não apresentam estes transtornos.

– pesquisas realizadas com gêmeos indicando a presença de componentes genéticos e hereditários.

-pesquisas centradas em fatores psicológicos e psiquiátricos, sugerindo que a baixa auto-estima, auto-avaliação negativa e a depressão pré-mórbida representam fatores de risco na apresentação desses sintomas.

-pesquisas que abordam os aspectos sócio-culturais, reforçam a importância desses fatores (sócio-culturais), visto que os grupos sociais mais atingidos ou mais vulneráveis encontram-se em paises ocidentais desenvolvidos, nas classes sociais mais altas, grupos de atrizes, modelos, bailarinos, nutricionistas e jockeys, adolescentes e jovens.

O texto alerta sobre a gravidade do problema e o aumento de sua incidência e cita três principais transtornos: o da compulsão alimentar periódica , que induz a obesidade, a anorexia e bulimia nervosa, que levam ao emagrecimento exagerado. Credita o aumento do interesse demonstrado pela sociedade e pela comunidade científica pelo tema, ao crescimento dessas patologias numa proporção que pode ser considerada alarmante. Também sugere que essa nova realidade provocou uma mudança na constituição subjetiva feminina.

Matos e Almeida utilizaram o referencial teórico-metodológico da Rede de Significações, fundamentado epistemologicamente pelo paradigma da complexidade e teoricamente pela perspectiva sócio-histórica do desenvolvimento humano, que entende a significação como a atividade mais fundamental do homem e como resultante das relações interpessoais (Smolka, 2004)

“A RedSig envolve uma concepção da pessoa que tanto se constitui e é determinada pelas relações que estabelece consigo mesma, com os diversos parceiros de interação e com os contextos, como também os constitui e pode modificá-los. Pessoa e meio se encontram, portanto, numa relação de interdependência, se constroem e são construídos, sendo ao mesmo tempo ativos e passivos nessas construções (Rossett i-Ferreira et.al. 2004).”

Os autores realizaram suas pesquisas entrevistando três mulheres portadoras desses sintomas. O resultado aponta para a importância dos fatores sócio-culturais. O anseio pelo atendimento aos padrões de beleza, que exige da mulher a manutenção de um corpo de aparência magra, gera uma insatisfação com o próprio corpo resultando numa relação conflituosa entre o corpo e o alimento. Este conflito leva a uma busca de soluções prejudiciais à saúde, como dietas de restrição alimentar baseadas em falsas crenças, de emagrecimento rápido.

“Vista como um reflexo de quem somos, ou seja, de nossas identidades, de nossos estilos de vida e de nossas competências,a aparência física tornou-se sinônimo de nosso valor pessoal (Hirschmann e Munter, 1991).”

Freud, em 1905, revelava o homem como um ser desejante, percebendo a presença de um componente psíquico – desejo de pertence. Essa forma de perceber o indivíduo faz-se corroborada por diversas teorias sociológicas, dentre as quais a RedSig, que entende que o homem se constrói relacionalmente e quer/busca, fazer parte.
Diante destas duas faces da mesma moeda, presentes na sociedade: uma, que desperta o desejo de estar inserido no padrão de beleza atual, associado a uma idéia de sucesso, que enaltece a silhueta magra e a outra, que desperta/direciona o ser em busca de vivenciar o prazer, através da satisfação de outro instinto, tão forte quanto o de pertence, o de sobrevivência por meio da alimentação, a mulher sucumbe.

Conclusão

O tema escolhido pelos autores é relevante, diante da sua complexidade e atualidade. Faz-se indispensável destacar os aspectos ligados ao prazer e a compulsividade presentes nos transtornos alimentares.
As mulheres, históricamente, representam a face submetida à realidade sócio-cultural pertinente a cada fase do processo histórico da humanidade. Ocuparam status de seres sem alma, sem inteligência , propriedades da família e/ou seus senhores, foram jogadas às fogueiras, como bruxas,quando ousavam revelar os seus saberes.
E, mesmo após adquirirmos o direito ao voto, ao trabalho, ao sexo por prazer, após o advento da pílula anticoncepcional e tantas conquistas oriundas do movimento feminista , continuamos reféns de padrões impostos pelo sistema mundial dominante.
Ditou-se um padrão de beleza, imposto pela mídia, inter-relacionado com fatores sócio-culturais, e nos tornamos frágeis perseguindo esta meta. E não percebemos que esta é uma meta externa. Sentimos culpa por não atingi-la, e carregamos um sentimento de fracasso e desleixo, assumindo o insucesso como pessoal e a ausência de força de vontade para atingir o objetivo.
E adoecemos, física e psicológicamente, gravemente, podendo inclusive alcançar um desfecho fatal, envolvendo a morte, perseguindo “o ideal de beleza”.
Concordo com os autores quando destacam a importância da realização de estudos e pesquisas relacionadas a esse tema, relacionadas aos aspectos subjetivos, com o objetivo de compreender e modificar o quadro grave que se delineia no mundo contemporâneo, no campo dos transtornos alimentares, dentro de uma perspectiva sócio-cultural-histórica.

Referência: Mattos, J. e Almeida, L.  Significações e subjetividade em mulheres portadoras de transtornos alimentares. Ciências & Cognição: 13, 5, 51-69, 2008, 

Resenha: Estereótipos sobre idosos

Maurício Fonseca

Gerontofobia. Termo de origem portuguesa, cujo significado é, segundo o Wikipédia (versão Portugal), o “medo irracional de envelhecer e de tudo que se relaciona com a velhice” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Gerontofobia). Mesmo sendo este um termo lusitano, seu significado retrata uma realidade que ultrapassa fronteiras continentais: há uma percepção social sobre os idosos marcada pela gerontofobia, ou seja, marcada pelo medo de envelhecer. E isso influencia sobremaneira a forma como as pessoas lidam com eles. O artigo estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica, objeto-base (e alvo) desta resenha, parte dessa premissa.
As autoras – graduadas em enfermagem, na cidade de Viseu, Portugal -, em poucas páginas, começam o artigo apresentando diversas definições para o termo estereótipos, sendo que um ponto comum entre elas é o fato de que os estereótipos estão presentes “em todos os domínios da vida social”, e que ele são modelos, que tem como função simplificar a realidade, sendo mecanismo de resolução de problemas e contradições no cotidiano das pessoas e de avaliação e interpretação sobre indivíduos e grupos. Segundo George Box, “essencialmente, todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. Porém, segundo as autoras, o estereótipo “também contribui para o não reconhecimento da unicidade do indivíduo, a não reciprocidade, a não duplicidade, o despotismo em determinadas situações”. É neste ponto que o artigo “começa” de fato.
O problema começa no momento em que a velhice é encarada como algo prejudicial, nocivo. As autoras conceituam esse processo como “ancianismo”, que seria a discriminação sistemática de pessoas mais velhas. O processo de envelhecimento, quando enxergado apenas como o período final da existência humana, gera rejeição e perturbação nos pares, pois ele acaba sendo associado à ideia de morte, de finitude – em paralelo com uma excessiva valorização da juventude -, o que mostra um grande desconhecimento, inclusive de profissionais da área de saúde, sobre os processos que, de fato, caracterizam a velhice. Consequentemente, o tratamento dado aos idosos será baseado nessas crenças generalizadas sobre o ser idoso.
As autoras descrevem um estudo realizado em Montreal, na França, que objetivou identificar os estereótipos mais usados acerca da velhice. Os resultados apontaram para um uso de estereótipos ligados não a aspectos próprios ao envelhecimento, mas a outros fatores, como personalidade e condição socioeconômica. Assim, o desconhecimento generalizado (inclusive por parte dos próprios idosos) acerca do que seria a velhice pode ser encarado como possível causa, dentre outras, para a formação de atitudes discriminatórias, além da formação de estereótipos de natureza perniciosa. O estudo descrito apresenta considerações que se correlacionam com resultados encontrados no Berlim Aging Study (BASE – Bates & Mayer, 1999), um estudo longitudinal e interdisciplinar envolvendo quase dois mil idosos alemães entre 70 e 105 anos, o qual investigou aspectos intelectuais da população-alvo, visando identificar e descrever as diferenças intelectuais existentes, quando associada às diferentes faixas etárias. Como resultados, o BASE mostrou que, apesar da idade ser determinante fator de risco para o declínio intelectual, o funcionamento competente das habilidades intelectuais na velhice é uma possibilidade real, quando associadas a outras variáveis, como uma boa educação formal, prestigio social, renda e experiências de vida (sendo esta última um forte indicador da presença de “comportamentos sábios” – algo pra ser aprofundado em outra oportunidade).
Em suma, o artigo mostrar que estereótipos possuem uma função simplificadora da realidade, funcionando como heurística na resolução de problemas do cotidiano. Contudo, se esta simplificação for feita de maneira arbitrária, pode-se acabar deixando de lado características importantes, e desconsiderando a possibilidade de haverem no caso, idosos vários que não se encaixem no modelo pressuposto. Assim faz-se necessário a precaução – através da difusão de informações seguras, baseadas em estudos aprofundados – contra a distorção que seu uso pode causar no modo de encarar, no caso, a velhice, pois esta é uma fase intrínseca e inevitável na vida humana, e deve ser enxergada, conhecida, acompanhada e vivida da melhor forma possível. Sem estigmas, nem discriminação.

REFERÊNCIAS
Baltes, P. B., & Mayer, K. U. (1999). The Berlin Aging Study. Aging from 70 to 105. Cambridge: Cambridge University Press
Martins, R. M. e Rodrigues, M. L. Estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica. Millenium. Revista do ISPV, 29, 249-254, 2004.

Resenha: A expressão das formas indiretas de racismo na infância

Tainah Santos

Há uma carência de estudos que analisem as formas sutis e indiretas de racismo na infância, inclusive as autoras do texto conseguem demonstrar claramente isso através de seus estudos. De acordo com o artigo, a teoria que faz a abordagem cognitiva do desenvolvimento do racismo na infância está equivocada ao afirmar que o preconceito infantil reduz a partir de uma determinada idade.

Existem diversas teorias sobre as formas de expressão e racismo contemporâneo, porém com pesquisas realizadas em adultos. E o estudo encontrado sobre preconceito racial infantil está baseado na abordagem cognitiva do desenvolvimento do preconceito na infância, este afirma que o preconceito na infância reduz a partir de uma determinada idade e a análise desse estudo conclui ainda, que o preconceito na infância reduz precisamente após os sete anos. Contudo, a pesquisa realizada pelas autoras do artigo mostra que o preconceito na infância não reduz a partir de uma de uma determinada idade, ele apenas se expressa de forma diferente: sutil e indireta. Então, três estudos foram realizados pelas autoras no sentido de verificar o preconceito e sua expressão de acordo com a idade. Os estudos foram feitos em crianças brancas sergipanas que foram separadas em dois grupos de faixa etária diferentes: 5 a 7 e 8 a 10 anos. A pesquisa mostrou que as crianças com idade de 5 a 7 anos não adquiriram ainda a norma anti-racista e por isso demonstram racismo explícito. A norma anti-racista traz valores que engrandecem a igualdade de direito entre pessoas e as crianças são ensinadas a respeitar o outro independente de sua etnia. Já as crianças a partir dos 7 anos de idade por terem absorvido mais essa norma anti-racista do seu endogrupo de referência, racalcam e reprimem a manifestação racista. Na realidade as crianças continuam expressando comportamentos discriminatórios após os 7 anos de idade, porém de forma indireta e sutil por causa da interiorização da norma anti-racista e dos limites sociais. Essas crianças após os 7 anos de idade manifestam racismo explícito quando este é justificável socialmente, que não seja pela categorização racial e a pesquisa deixa essa questão bem clara. O artigo coloca esse tipo de comportamento como nova forma de expressão de racismo e responsabiliza as normas sociais por isso, em vez de eliminá-lo.

As autoras se basearam na cultura de Sergipe, para conceituar essa forma de procedimento que elas designam como “nova forma de racismo”. Porém é necessário levar em conta as diferenças etno-culturais de cada estado brasileiro, na hipótese de refazer essa pesquisa neles os resultados não serão os mesmos, por isso deve-se ter cuidado com as generalizações. Outro fator relevante é que as normas sociais foram criadas para dar limites e não para eliminar o racismo, como as autoras colocam. Já pensou como viveríamos sem as normas socias? Se essas mesmas normas não cumprisse a função de coibir atos racistas como estariam as crianças de Sergipe? 

Referência: França, Dalila X. ; Monteiro, Maria B. A expressão das formas indiretas de racismo na infância. Sergipe, Análise psicológica 4 (XXII): 705-720, 2004