Maurício Fonseca
Gerontofobia. Termo de origem portuguesa, cujo significado é, segundo o Wikipédia (versão Portugal), o “medo irracional de envelhecer e de tudo que se relaciona com a velhice” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Gerontofobia). Mesmo sendo este um termo lusitano, seu significado retrata uma realidade que ultrapassa fronteiras continentais: há uma percepção social sobre os idosos marcada pela gerontofobia, ou seja, marcada pelo medo de envelhecer. E isso influencia sobremaneira a forma como as pessoas lidam com eles. O artigo estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica, objeto-base (e alvo) desta resenha, parte dessa premissa.
As autoras – graduadas em enfermagem, na cidade de Viseu, Portugal -, em poucas páginas, começam o artigo apresentando diversas definições para o termo estereótipos, sendo que um ponto comum entre elas é o fato de que os estereótipos estão presentes “em todos os domínios da vida social”, e que ele são modelos, que tem como função simplificar a realidade, sendo mecanismo de resolução de problemas e contradições no cotidiano das pessoas e de avaliação e interpretação sobre indivíduos e grupos. Segundo George Box, “essencialmente, todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. Porém, segundo as autoras, o estereótipo “também contribui para o não reconhecimento da unicidade do indivíduo, a não reciprocidade, a não duplicidade, o despotismo em determinadas situações”. É neste ponto que o artigo “começa” de fato.
O problema começa no momento em que a velhice é encarada como algo prejudicial, nocivo. As autoras conceituam esse processo como “ancianismo”, que seria a discriminação sistemática de pessoas mais velhas. O processo de envelhecimento, quando enxergado apenas como o período final da existência humana, gera rejeição e perturbação nos pares, pois ele acaba sendo associado à ideia de morte, de finitude – em paralelo com uma excessiva valorização da juventude -, o que mostra um grande desconhecimento, inclusive de profissionais da área de saúde, sobre os processos que, de fato, caracterizam a velhice. Consequentemente, o tratamento dado aos idosos será baseado nessas crenças generalizadas sobre o ser idoso.
As autoras descrevem um estudo realizado em Montreal, na França, que objetivou identificar os estereótipos mais usados acerca da velhice. Os resultados apontaram para um uso de estereótipos ligados não a aspectos próprios ao envelhecimento, mas a outros fatores, como personalidade e condição socioeconômica. Assim, o desconhecimento generalizado (inclusive por parte dos próprios idosos) acerca do que seria a velhice pode ser encarado como possível causa, dentre outras, para a formação de atitudes discriminatórias, além da formação de estereótipos de natureza perniciosa. O estudo descrito apresenta considerações que se correlacionam com resultados encontrados no Berlim Aging Study (BASE – Bates & Mayer, 1999), um estudo longitudinal e interdisciplinar envolvendo quase dois mil idosos alemães entre 70 e 105 anos, o qual investigou aspectos intelectuais da população-alvo, visando identificar e descrever as diferenças intelectuais existentes, quando associada às diferentes faixas etárias. Como resultados, o BASE mostrou que, apesar da idade ser determinante fator de risco para o declínio intelectual, o funcionamento competente das habilidades intelectuais na velhice é uma possibilidade real, quando associadas a outras variáveis, como uma boa educação formal, prestigio social, renda e experiências de vida (sendo esta última um forte indicador da presença de “comportamentos sábios” – algo pra ser aprofundado em outra oportunidade).
Em suma, o artigo mostrar que estereótipos possuem uma função simplificadora da realidade, funcionando como heurística na resolução de problemas do cotidiano. Contudo, se esta simplificação for feita de maneira arbitrária, pode-se acabar deixando de lado características importantes, e desconsiderando a possibilidade de haverem no caso, idosos vários que não se encaixem no modelo pressuposto. Assim faz-se necessário a precaução – através da difusão de informações seguras, baseadas em estudos aprofundados – contra a distorção que seu uso pode causar no modo de encarar, no caso, a velhice, pois esta é uma fase intrínseca e inevitável na vida humana, e deve ser enxergada, conhecida, acompanhada e vivida da melhor forma possível. Sem estigmas, nem discriminação.
REFERÊNCIAS
Baltes, P. B., & Mayer, K. U. (1999). The Berlin Aging Study. Aging from 70 to 105. Cambridge: Cambridge University Press
Martins, R. M. e Rodrigues, M. L. Estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica. Millenium. Revista do ISPV, 29, 249-254, 2004.