Resenha: A imagem da enfermagem frente aos estereótipos – uma revisão bibliográfica

Vinicius Rodrigues Santin

Entre as diversas profissões da área da saúde, a Enfermagem se destaca por ser aquela que, no âmbito de suas diversas atribuições, se responsabiliza por prestar os cuidados mais básicos aos pacientes. É um trabalho essencialmente manual, sendo que ao longo de sua história foi exercido geralmente por mulheres, historicamente e culturalmente associadas ao cuidado materno. Desse modo, a profissão carrega consigo estereótipos intensamente ligados à questão de gênero. A partir disso, o artigo “A imagem da enfermagem frente aos estereótipos: uma revisão bibliográfica”, de Santos e Luchesi (2002) faz uma análise histórica muito interessante sobre como foi construída a representação atual das enfermeiras, fortemente relacionada com a representação da própria mulher e com a desvalorização com a qual o gênero feminino costuma conviver. Identificadas com a natureza e com seu poder de cura em períodos pré-patriarcais, a mulher se viu submetida a uma crença de que deveria ser dominada, juntamente com a natureza, para que o pensamento racional científico – e masculino – desvendasse os seus segredos. As autoras colocam a doença como fazendo parte desta natureza misteriosa e submetida à dominação do homem, mais especificamente do médico. Assim, o “poder da cura”, o papel de dominador do corpo humano era atribuído ao homem, ao médico, ficando sob a responsabilidade das enfermeiras o cuidado, a higiene, o toque no corpo do doente. Elas utilizam uma citação de Badinter (1986) que afirma muitas mulheres terem sido consideradas feiticeiras e queimadas durante a Idade Média, pelo simples fato de praticarem as funções curativas conferidas ao gênero masculino. Em sequência, citando Paixão (1979), o período da Reforma Protestante foi colocado como um período crítico na história da Enfermagem em muitos países em decorrência da expulsão das enfermeiras religiosas que atuavam nos hospitais, que acabaram por ser substituídas por mulheres com menos preparo e definidas pelo autor da citação – de forma um tanto preconceituosa – como de “duvidosa moralidade”, que seriam as analfabetas, bêbadas e imorais. Essas mulheres trabalharam com grande jornada e péssimas condições, e deixavam os pacientes abandonados de forma que muitos optavam por receber cuidados de familiares em casa. O texto pontua ainda uma diferença em relação ao preconceito sofrido pela enfermagem no que se refere à remuneração ou não de quem a exerce, de forma que, segundo Pinheiro (1962), em sua época, a Enfermagem voluntária era vista como sublime quando praticada por religiosas voluntárias e, em contrapartida, era vista como um trabalho servil quando referente às enfermeiras remuneradas. Nesse ponto, é possível fazer uma relação com os estereótipos machistas da mulher santa – a mãe, a esposa recatada – e da prostituta – mulher da rua, libertina -, materializados nas enfermeiras que, ao mesmo tempo que exercem uma função de cuidado altamente associável à função materna, estão entre as profissionais mais sexualizadas no imaginário masculino. Independentemente de o trabalho das enfermeiras ser visto como servil ou como sublime, o estereótipo de submissão aos médicos se mantém. tendo sido consolidado inclusive por Florence Nightingale, enfermeira britânica pioneira no tratamento de feridos de guerra, ao afirmar que a enfermeira deve ser treinada para “agir da melhor forma na execução de ordens” e executar as atividades “em estreita obediência ao poder e conhecimento dos físicos e cirurgiões”, de acordo com citação que as autoras atribuem a Smith (1982). Santos e Luchesi pontuam ainda a existência de estereótipos que relacionam as enfermeiras a um trabalho de mão-de-obra barata, e fazem uma crítica à mídia, colocando-a como uma “grande rival da divulgação do verdadeiro exercício da profissão” ao divulgar a imagem das enfermeiras como símbolo sexual e como profissionais de nível social inferior, afirmando a existência de falta de ética em prol da obtenção de maiores lucros. Deve-se levar em consideração que a mesma mídia que deturpa a imagem da profissão pode ser utilizada em seu benefício, desde que as profissionais se posicionem de forma atuante para isso.

Referência: Santos, C. e Luchesi, L. A imagem das enfermeiras frente aos estereótipos: uma revisão bibliográfica.Proceedings of the Brazilian Nursing Communication Symposium, 2002, São Paulo, Brasil.

Resenha: Estereótipos sobre idosos

Maurício Fonseca

Gerontofobia. Termo de origem portuguesa, cujo significado é, segundo o Wikipédia (versão Portugal), o “medo irracional de envelhecer e de tudo que se relaciona com a velhice” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Gerontofobia). Mesmo sendo este um termo lusitano, seu significado retrata uma realidade que ultrapassa fronteiras continentais: há uma percepção social sobre os idosos marcada pela gerontofobia, ou seja, marcada pelo medo de envelhecer. E isso influencia sobremaneira a forma como as pessoas lidam com eles. O artigo estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica, objeto-base (e alvo) desta resenha, parte dessa premissa.
As autoras – graduadas em enfermagem, na cidade de Viseu, Portugal -, em poucas páginas, começam o artigo apresentando diversas definições para o termo estereótipos, sendo que um ponto comum entre elas é o fato de que os estereótipos estão presentes “em todos os domínios da vida social”, e que ele são modelos, que tem como função simplificar a realidade, sendo mecanismo de resolução de problemas e contradições no cotidiano das pessoas e de avaliação e interpretação sobre indivíduos e grupos. Segundo George Box, “essencialmente, todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. Porém, segundo as autoras, o estereótipo “também contribui para o não reconhecimento da unicidade do indivíduo, a não reciprocidade, a não duplicidade, o despotismo em determinadas situações”. É neste ponto que o artigo “começa” de fato.
O problema começa no momento em que a velhice é encarada como algo prejudicial, nocivo. As autoras conceituam esse processo como “ancianismo”, que seria a discriminação sistemática de pessoas mais velhas. O processo de envelhecimento, quando enxergado apenas como o período final da existência humana, gera rejeição e perturbação nos pares, pois ele acaba sendo associado à ideia de morte, de finitude – em paralelo com uma excessiva valorização da juventude -, o que mostra um grande desconhecimento, inclusive de profissionais da área de saúde, sobre os processos que, de fato, caracterizam a velhice. Consequentemente, o tratamento dado aos idosos será baseado nessas crenças generalizadas sobre o ser idoso.
As autoras descrevem um estudo realizado em Montreal, na França, que objetivou identificar os estereótipos mais usados acerca da velhice. Os resultados apontaram para um uso de estereótipos ligados não a aspectos próprios ao envelhecimento, mas a outros fatores, como personalidade e condição socioeconômica. Assim, o desconhecimento generalizado (inclusive por parte dos próprios idosos) acerca do que seria a velhice pode ser encarado como possível causa, dentre outras, para a formação de atitudes discriminatórias, além da formação de estereótipos de natureza perniciosa. O estudo descrito apresenta considerações que se correlacionam com resultados encontrados no Berlim Aging Study (BASE – Bates & Mayer, 1999), um estudo longitudinal e interdisciplinar envolvendo quase dois mil idosos alemães entre 70 e 105 anos, o qual investigou aspectos intelectuais da população-alvo, visando identificar e descrever as diferenças intelectuais existentes, quando associada às diferentes faixas etárias. Como resultados, o BASE mostrou que, apesar da idade ser determinante fator de risco para o declínio intelectual, o funcionamento competente das habilidades intelectuais na velhice é uma possibilidade real, quando associadas a outras variáveis, como uma boa educação formal, prestigio social, renda e experiências de vida (sendo esta última um forte indicador da presença de “comportamentos sábios” – algo pra ser aprofundado em outra oportunidade).
Em suma, o artigo mostrar que estereótipos possuem uma função simplificadora da realidade, funcionando como heurística na resolução de problemas do cotidiano. Contudo, se esta simplificação for feita de maneira arbitrária, pode-se acabar deixando de lado características importantes, e desconsiderando a possibilidade de haverem no caso, idosos vários que não se encaixem no modelo pressuposto. Assim faz-se necessário a precaução – através da difusão de informações seguras, baseadas em estudos aprofundados – contra a distorção que seu uso pode causar no modo de encarar, no caso, a velhice, pois esta é uma fase intrínseca e inevitável na vida humana, e deve ser enxergada, conhecida, acompanhada e vivida da melhor forma possível. Sem estigmas, nem discriminação.

REFERÊNCIAS
Baltes, P. B., & Mayer, K. U. (1999). The Berlin Aging Study. Aging from 70 to 105. Cambridge: Cambridge University Press
Martins, R. M. e Rodrigues, M. L. Estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica. Millenium. Revista do ISPV, 29, 249-254, 2004.

Estereótipos e música: uma casa portuguesa, com certeza

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