Resenha: O saber e a prevenção no trabalho e na vida: representações de profissionais de saúde que trabalham com HIV / AIDS

Cecília Alves

O objetivo dos autores com esta pesquisa é investigar e compreender as representações dos profissionais de saúde que trabalham com a doença sobre “sua prática profissional, buscando investigar como e em que medida o saber sobre AIDS e a prática profissional provocaram repercussões no seu comportamento sexual” (Andrade e Tanaka, 2002).

Como início de discussão, os autores ressaltam que desde o início dos anos 90 a AIDS, que rapidamente se tornou uma epidemia, vem preocupando no que diz respeito à descoberta da sua cura. Em virtude disso, indicam que a recomendação da OMS (1990 apud Andrade e Tanaka, 2002), que a medida prioritária de erradicação desta seria o uso do preservativo, acaba por contradizer o que acontece na prática.
Os estudos mundiais realizados nesta área podem ser sintetizados por Smith (1998 apud Andrade e Tanaka, 2002) quando ele reconhece que “o conhecimento sobre AIDS leva a atitudes favoráveis à adoção do sexo seguro, mas isso não significa que tenham comportamento compatível com tais atitudes.”. É esse o contexto que irá servir de subsídio para os autores pensarem nos profissionais de saúde que trabalham com HIV/AIDS, pois constituem uma população detentora de um conhecimento diferenciado sobre a doença e que se depara com os números crescentes de casos.
A pesquisa foi realizada nos Serviços Ambulatoriais Especializados em HIV/AIDS no Mato Grosso do Sul em virtude do atendimento especializado à doença, o que não ocorre em outros ambulatórios e hospitais da área. Os autores optaram por realizar a pesquisa com: 3 médicos, 3 enfermeiros (representando os vínculos de proximidade corporal e manipulação de fluidos biológicos) e 3 psicólogos e 3 assistentes sociais (representando o vínculo essencialmente verbal). Os instrumentos utilizados foram entrevistas individuais semiestruturadas contendo dois blocos distintos: história profissional em relação à AIDS e representações em relação ao saber e a prática profissional.
Em relação ao trabalho com Aids, foi visto que a entrada desses profissionais no ambulatório se deu por convite ou oferta do cargo para pessoas que já tinham experiência prévia com doenças sexualmente transmissíveis ou apresentavam um perfil típico de quem gosta de desafios. Em relação à inserção no Serviço, a análise das conversas com as Psicólogas e Assistentes Sociais demonstra que esse trabalho tem um aspecto diferenciador em relação à morte devido à incurabilidade da doença, porém apesar disso pode-se perceber a satisfação dos profissionais e dos próprios usuários.
A questão do sofrimento também vai ser abordada no tópico seguinte: “O Significado de Trabalhar com Aids”, quando os profissionais colocam a questão do limite entre o papel profissional e os sentimentos e emoções pessoais, ressaltando a frustração do trabalho e o sofrimento dos pacientes que também é vivido por eles. A partir dos relatos pode-se perceber alguns pontos de confluência, como a questão da perda da onipotência em relação à doença, a Aids como uma lição de vida, o trabalho em equipe como um fator diferenciador e, também, a paixão e o envolvimento com os pacientes que extrapolam os limites do âmbito profissional restrito.
No tópico “Risco Profissional e Risco Pessoal” percebe-se a partir das falas dos profissionais que não há uma distinção entre as representações de profissionais que manipulam fluidos biológicos (médicos e enfermeiros) e dos profissionais que estabelecem relações verbais (psicólogos e assistentes sociais). Os dois grupos compreendem que há riscos, mas se sentem protegidos no ambiente de trabalho. No que tange a vida pessoal também pensam estar protegidos por se tratar de uma relação estável.
O último tópico retrata o como e o porquê o “Saber e a Prática” interferem no comportamento sexual destes. Pelos discursos apresentados vê-se que o fato de ter conhecimento não favorece a proteção, porém:
“uma vez conhecendo as formas de transmissão do HIV, trata-se de uma questão racional evitar ser atingido pelo vírus. Adoecer não é mais uma questão do destino, das contingências que podem escapar ao controle, mas algo que pode ser prevenido a partir de escolhas intencionais baseadas em ações racionais bem informadas” (Castiel 1998 citado por Andrade e Tanaka, 2002).
Quando perguntados sobre o porquê do saber e a prática não se mesclarem no que tange a vida pessoal de cada sujeito, os sujeitos apresentaram argumentações frágeis, que não se sustentam. Muitas das respostas envolvem a questão da confiança no relacionamento e que o uso do preservativo implica a desconfiança com o outro, seja da sua saúde ou sua vida sexual. Uma das falas destaca ainda, que o uso deste acarretaria trazer para a relação real um risco que é irreal e que está muito longe. Os autores trazem, posteriormente, uma análise desse discurso, mostrando que ele está intrinsecamente enraizado por fatores culturais e moldado socialmente.
Além disso, nos depoimentos femininos também há a questão do poder do homem, já que elas esperam que ele use preservativo com as outras, caso haja traição, e não se sentem a vontade para levar essa questão na sua relação mesmo quando há a desconfiança da monogamia. Ou seja, em se tratando da Aids, os profissionais se colocam como seus pacientes, havendo apenas uma:
“possibilidade futura, talvez remota e colocam-se numa posição que os torna imunes ao que mais temem: a destruição do relacionamento, que é real e se sustenta na confiança.”. (Andrade e Tanaka, 2002).
Por fim, os autores concluem que, de fato, o discurso e a prática profissional são diferentes do que se aplica à vida sexual dos profissionais de saúde e que este saber sobre a AIDS localiza-se de forma objetivada. Destacam que a prevenção só se dá no âmbito profissional, sendo estes apenas pessoas comuns ao saírem desse ambiente.

Referência: Andrade, S. e Tanaka, O. O saber e a prevenção no trabalho e na vida: representações de profissionais de saúde que trabalham com HIV/ Aids. Psicologia Ciência e Profissão, 2002, 22, 2, 60-69.

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