Resenha: aparência física e amizade íntima na adolescência- Estudo num contexto pré-universitário

Maria de Fátima Andrade Souza

Uns dos pontos mais importantes sobre a adolescência e que atualmente se estuda bastante são o desenvolvimento da capacidade para a comunicação íntima e a percepção sobre o autoconceito.
Definindo “intimidade” como uma “relação emocional” na qual, um permite ao outro sentir bem-estar, porque eles sentem o consentimento implícito para que possam revelar suas questões mais pessoais, compartilhamento dos interesses e atividades comuns, podendo também permitir as sensações, por exemplo, proximidade do corpo, toques, etc.
O autor deixa muito claro a grande importância do desenvolvimento dessa intimidade, pois ela proporciona um espaço para autorrevelação, ao crescimento e ao bem-estar desses adolescentes. Ele cita Sharabany (1994, 2000) quando expõe a estrutura dessas relações em oito dimensões: 1. Sinceridade e Espontaneidade; 2. Sensibilidades e Conhecimento; 3. Vinculação; 4. Exclusividade; 5. Dádiva e Partilha; 6. Imposição; 7. Atividades Comuns; 8. Confiança e Lealdade.
Interessante observar o quanto é difícil para o processo de desenvolvimento e expressão da intimidade sem ainda ter um exercício de autoconhecimento, sem ter definido os seus objetivos e valores perante a “sua sociedade”.
Cordeiro cita Pasini (1990), quando fala do conceito de intimidade corporal, fundamentalmente, “estruturada pela percepção que temos de nós próprios e do nosso próprio corpo, enfim, pelo nosso autoconceito.
Como a nosso sociedade, louva o corpo bonito, esbelto para as meninas e “malhado” para os meninos, esse conceito de ideal corporal se torna determinante na satisfação como um todo, por isso, muito importante na satisfação nas relações e na autoestima desses adolescentes. Outro ponto importante a ser observado: essa imagem que o adolescente tem do seu próprio corpo está intimamente ligada com a imagem que os outros lhe devolvem do seu corpo.
O exposto até agora trás uma conclusão muito importante: o corpo é um instrumento de poder e satisfação na relação com os outros e com consigo mesmo, mas muitas vezes também trás insatisfação chegando até a negação do próprio corpo.
É na adolescência que surgem estas questões com o corpo: a sua percepção, aparência física e isso vai determinar o acesso ao mundo e a toda experiência de vida.
É durante a adolescência que surgem as verdadeiras relações de amizade íntima, fazendo com que o adolescente adquira maior capacidade em expressar valores como a honestidade, descoberta de si mesmo e dos outros, assim como a verdade e todas as suas consequências na procura do prazer relacional. Nesse contexto, nos dias atuais, surgem novas formas de revelação da intimidade: chat groups, SMS, mIRC.
É mais fácil para esses adolescentes revelar-se mais aos seus pares que aos adultos, pois junto com os outros adolescentes encontram experiências idênticas para relatar. Eles escolhem então, amigos que têm os mesmos interesses, valores, credos e atitudes.
Há, entretanto, aspectos muito importantes que não podem deixar de ser considerados: as transformações dos impulsos sexuais, desenvolvimento das capacidades de pensamento, principalmente no domínio do conhecimento social e as específicas mudanças de papéis sociais.
Nesta fase, é desejável que o modelo de vida vá procurar um equilíbrio dinâmico, entre o exercício de pensar e agir para que os reconheçamos como únicos, a procura, construção e partilha de relações de intimidade e a procura também de um envolvimento na vida social, e consequentemente, o natural reconhecimento como integrante do mundo adulto. Existindo aí um grande risco, pois as falhas deste equilíbrio podem determinar falhas na construção da identidade, na autodescoberta ou até de uma forma mais radical, o isolamento social na fase tardia da adolescência.
O autor especifica os objetivos e as hipóteses do seu estudo e os métodos utilizados, assim como das escalas de medidas que utilizou.
É interessante agora, citar alguns dos resultados aos quais Cordeiro (2006) chegou com estes estudos:
1. Os resultados de Amizade Íntima são mais elevados no sexo feminino que no sexo masculino. Provavelmente este fato estará relacionado com a definição mais precoce, no sexo feminino, da sua identidade e por conseguinte, de uma definição mais clara do seu papel nas relações com os outros.
2. Quanto às dimensões que compõem a Amizade Íntima, a que apresenta resultados médios mais elevados para o total pesquisado é a Confiança e Lealdade. As relações de Amizade Íntima envolvem partilhas que não permitem a traição e se sustentam na defesa incondicional do melhor amigo perante os seus pares.
3. Para ambos os sexos, comparando os resultados das várias dimensões, observa-se que a única dimensão onde a diferença não tem expressão significativa é na dimensão Exclusividade Relacional.
4. Para ambos os sexos, a dimensão Amizade Íntima com o Melhor Amigo, a dimensão Atividades Comuns, estatisticamente, não tem nenhuma expressão.
5. Para ambos os sexos, a dimensão Amizade Íntima com a Melhor Amiga, as dimensões que são estatisticamente significativas são Vinculação, Imposição e Confiança e Lealdade.
6. Foram encontradas diferenças significativas entre os sexos nas dimensões Sinceridade e Espontaneidade, Sensibilidade e Conhecimento Mútuo, Exclusividade Relacional, Dádiva e Partilha e Atividades Comuns.
7. Quanto à Percepção do Autoconceito, para a totalidade da população em estudo foi observado um resultado médio, nitidamente acima do ponto médio da Escala utilizada, o que indica um nível de Percepção do Autoconceito médio elevado, sendo ainda mais elevados no sexo masculino.
8. A Percepção sobre a Aparência Física indica um resultado médio com valores mais elevados no sexo masculino
9. Quanto à Percepção sobre a Aparência Física e a Amizade Íntima verifica-se que não existem correlações estatisticamente significativas, segundo os sexos.
10. Na população estudada, o valor mais elevado foi encontrado na correlação Percepção sobre Aparência Física / Amizade Íntima, sugerindo que a associação dessas duas variáveis se encontram muito próximas de ser estatisticamente significativa.
Ao final do artigo, o autor ainda sugere alguns temas para discussão que aqui não serão especificados (ver artigo).

Referência: Cordeiro, Raul A. Aparência física e amizade íntima na adolescência: Estudo num contexto pré-universitário. Análise Psicológica (2006), 4 (XXIV): 509-517.

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