Resenha: Aparência física e amizade íntima na adolescência

Leandro Andrade Moreira

O artigo apresentado tem como tema as relações de amizade íntima entre adolescentes e sua relação com a percepção da aparência física Portanto, inicialmente, são apresentados os conceitos de intimidade e intimidade corporal, referente à aparência física. O autor entende como intimidade uma “relação emocional caracterizada pela concessão mútua de bem-estar, pelo consentimento implícito para revelação dos assuntos privados, podendo envolver a esfera dos sentidos e pela partilha de interesses e atividades comuns”. No artigo, em alguns estudos efetuados referidos pelo autor e para o melhor desenvolvimento da pesquisa, o conceito de intimidade/amizade íntima foi estruturado em oito dimensões: sinceridade e espontaneidade; sensibilidade e conhecimento; vinculação; exclusividade; dádiva e partilha; imposição; atividades comuns; confiança e lealdade.
Intimidade corporal pode ser entendida como a percepção que temos de nós próprios e do nosso corpo, ou seja, pelo nosso auto-conceito. Este, por sua vez, é determinante de uma satisfação global do adolescente que influencia em sua satisfação relacional e sua auto-estima, intimamente ligada à forma como se relaciona socialmente.
Segundo o autor é na adolescência que surgem as verdadeiras formas de relações de amizade com base na intimidade. Isto ocorre devido ser nesse período da vida que o individuo amadurece a ponto de expressar melhor valores como a honestidade, descoberta de si e dos outros e até a verdade e todas as suas conseqüências na procura do prazer relacional. Portanto, o estudo relatado opta por trabalhar com adolescentes no décimo segundo ano de escolaridade.
O objetivo geral do estudo foi analisar a relação entre a percepção sobre a aparência física e as relações de amizade na adolescência. Os objetivos específicos pretendiam avaliar a influencia e a diferença entre os sexos com relação a percepção sobre a aparência física, nível de desenvolvimento de relações de amizade íntima. A hipótese do estudo é de que há influencia da percepção que os adolescentes fazem de sua aparência física na forma como estabelecem relações de amizades íntimas.
O estudo foi realizado numa população de 318 adolescentes através da aplicação de três escalas: escala de amizade íntima; escala de percepção de auto-conceito; notação social da família. Além de considerar outras variáveis como escola, sexo, idade, concelho de residência, número de anos matriculado, repetições e anos repetidos antes do décimo segundo ano.
Os resultados do estudo confirmaram que as vivências de relações de amizade íntima são fortemente influenciadas pelo sexo. Foi observado que em ambos os sexos é dado um valor semelhante as relações com o sexo feminino, porém isso pode ocorrer por diferentes causas. Para o sexo feminino isto pode estar relacionado á alguns fenômenos de identificação inter-pares, valorização de idéias e sentimentos comuns ou até por processos de socialização semelhantes. Para o sexo masculino esse valor pode ter relação a afirmação perante o sexo oposto e de sua masculinidade. Percebeu-se que o sexo feminino possui um grau mais relevado de maturidade, porém um auto-conceito mais baixo. Através do estudo também pôde ser observado uma associação estatisticamente significativa na relação entre as principais variáveis de estudo: percepção sobre a aparência física e amizade íntima.

Referência: Cordeiro, R. Aparência física e amizade íntima na adolescência: Estudo num contexto pré-universitário. Análise Psicológica, 4, 509-517, 2007.

Resenha: representação social de crianças acerca do velho e do envelhecimento.

Sidinéa Muniz de Freitas

A velhice é significada de maneira diferente durante o decorrer da história. Percebe-se a transição de características relacionadas com a fase da velhice; anteriormente eram conceituadas como pessoas que emanavam respeito, eram anciãos. Na contemporaneidade essa adjetivação foi reformulada para um termo um pouco mais brando, mais jovial… pessoa com certa idade, idade avançada. Observa-se que em muitos casos esses indivíduos acabam sendo tão massacrados pelos informes midiáticos imperantes que acabam internalizado e consequentemente externalizando um desejo quase insano de adquirir uma gota de juventude que vivera em outra época, negando assim outra fase da vida para de certa forma serem valorizados e percebidos pela sociedade.
No artigo “Representação social das crianças acerca do velho e do envelhecimento”, Lopes e Park destacam que Featherstone (1998) aponta para uma desconstrução da categoria velhice igualando velhos e adultos jovens. Dessa forma ocorre na contemporaneidade uma revisão dos estereótipos relacionados à velhice. Essa representação do ser em suas diferenciadas fases de vida social estão também inseridas no contexto infantil, dessa forma a criança consegue apreender as informações do mundo que a cerca, englobando toda a estruturação nele existente. Essa afirmação pode ser confirmada de acordo com o que mencionam as autoras ao promoverem uma conversa com um grupo de crianças acerca da velhice e de como estas a definiam. Ora, ao definir o que seria uma pessoa velha, a maioria das crianças mencionaram características físicas como cor do cabelo ( branco) e rugas no rosto. No entanto algumas crianças maiores citaram doenças e limitações, espaços ( circulando por praças,festas públicas) e até a morte como principais elementos que as ajudam a definir o que seriam as pessoas velhas.
Percebe-se ao se fazer uma releitura sobre o artigo que as autoras consegue transmitir com clareza, coesão e objetividade que o corpo e também a aparência física são os principais meios pelo qual os indivíduos sejam estes adultos ou crianças utilizam-se para um reconhecimento acerca de qual contexto estão inseridos. No entanto observa-se no decorrer dos parágrafos escritos que independentemente da faixa etária que o indivíduo se encontre a passagem do tempo será sempre o ponto de partida para que os seres possam realizar um mútuo reconhecimento.

Referência:  LOPES, Ewellyne Suely de Lima; PARK, Margareth Brandini. Representação social das crianças acerca do velho e do envelhecimento., Estudos de Psicologia 2007,12(2), 141-148.
Disponível em: <http:WWW.scielo.br/pdf/epsici/v12n2/a06v12n2.pdf>

Resenha: pensamento, crenças e complexidade humana

Adriana Araújo

O artigo apresenta as relações da influência cultural no pensamento humano, mostrando a partir de teorias e de uma pesquisa bem fundamentada que o funcionamento mental não se limita a cognição, lógica e racionalidade.

Ao iniciar a discussão a autora usou a teoria da complexidade que explica a complexidade do mundo real, onde os objetos e fenômenos da natureza só podem ser compreendidos através de uma visão multidimensional e de que todo conhecimento precisará de complementos e apresentará incertezas. O funcionamento do psiquismo humano segundo o autor Araújo, citado no artigo, de maneira complexa recebe influência tanto de fatores internos quanto dos externos. Ele afirma também que todos os aspectos constituintes do sujeito, que sejam eles biológico, afetivo, sociocultural (crença) ou cognitivo atuam simultaneamente influenciando-o totalmente desde sua maneira de ser até o pensar. Ao relacionar cultura e pensamento humano a autora também busca embasar-se na perspectiva de autores como Morin, Vygotsky, Martins e Branco. E na elaboração e fundamentação da pesquisa foi usada a teoria dos modelos organizadores do pensamento criado por Moreno e colabores. Os modelos organizadores do pensamento relata que o ser humano constrói modelos de realidade na sua interação com o mundo e consigo mesmo, como também esses modelos o influência tanto internamente na construção do conhecimento, quanto externamente nos conteúdos da sua realidade. Esses modelos permitem relacionar claramente pensamento e crença quando em sua abordagem defende, que a organização do pensamento está relacionada a sentimentos, emoções, desejos, fantasias, representações sociais, crenças além da cognição, lógica de racionalidade.
Na pesquisa o objetivo foi verificar a influência das crenças na organização do pensamento, as perguntas realizadas com as pessoas entrevistadas foi com relação a crença religiosa e o conteúdo foi a sexualidade. Duas questões foram respondidas por grupo de pessoas religiosas de diversas denominações e um grupo de estudantes. Ao fazer a análise foi verificado que os entrevistados mudam a forma de pensar de acordo com a natureza da crença, a subjetividade não anula a dinâmica do pensamento psíquico, algo que é muito interessante também é que os modelos organizadores com relação a temática sexualidade tiveram associados a significados, conteúdos que envolvem crenças religiosas, mesmo que implícitos no contexto da pergunta que foi aplicada. A pesquisa confirmou as teorias apresentadas pela autora, tornando o artigo coerente e bem contextualizado.

Houveram muitas repetições de informações, tornando as vezes a leitura cansativa, apesar de ser um texto muito enriquecedor. Geralmente alguns autores radicalizam e concluem pesquisas através de uma análise fragmentada do objeto de estudo em seus artigos, isso pode ser muito perigoso a depender da temática. Pátaro fez diferente ,reconheceu que não pode tirar respostas conclusivas com relação a pesquisa, e informou ter surgido novos questionamentos e hipóteses. A pesquisa foi clara , consistente e verdadeira ao colocar diante do leitor as incertezas e fragilidades do pensamento humano que é comumente influenciado pela cultura.

Referência: Pátaro, C. O. Pensamento, crenças e complexidade humana. Ciência & Cognição, 04, 12,134-149, 2007.

Resenha: o brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afrodescendente

Ominlandê Onawale Lima

O artigo mostra de forma explícita a concepção do racismo no Brasil. Na visão do especialista Nelson Rodrigues, o preconceito racial existente no nosso país é velado, e isso acaba “cegando a população”, a qual acredita veementemente que o país vive uma democracia racial.
O preconceito no Brasil, justamente por ser tão mascarado, revela-se capaz de alienar as pessoas a pensarem de modo conformista, de modo em que se não é percebido, não há o que ser combatido. Dessa forma, na visão do autor Ricardo Ferreira, cria-se uma dificuldade inclusive no estabelecimento de leis para coibir tais ações racialmente preconceituosas.
A grande questão é que o racismo presente na sociedade brasileira esconde-se atrás de termos como “moreno”, “denegrir”, entre outros. A forma com que ele é acobertado é algo repugnante, e ainda mais desastroso é perceber que a população parece inerte em meio a tanta ilusão.
É importante enfatizar que o passado de escravidão torna-se causa direta do que acontece atualmente, no sentido de estabelecer uma visão eurocêntrica como dominante nos mais sutis aspectos do nosso dia-a-dia. Aspectos estes, que parecem se tonar invisível aos olhos da maioria da população, exceção feita a determinadas organizações raciais que lutam para reverter tal situação.
Portanto, o artigo gira em torno de nos conscientizar quanto à existência do racismo no Brasil. Muitas vezes manipulado, ele acaba por se esconder em diversas faces, as quais são veladas pelos setores mais influentes da nossa sociedade. Cabem a nós, cidadãos, compreendermos a real existência de tal problema e percebermos maneiras de enfrentá-lo, sem nos deixar influenciar pelas camadas mais altas, que persistem em ocultá-lo.

Referência: Ferreira, R. F. O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente. Psicologia & Sociedade, 14, 1,69-86, 2002.

Resenha: O insulto racial

Paulo Roberto Cruz Teixeira

O autor, Antônio Sergio Alfredo Guimarães, sociólogo, professor da USP, amparado na mudança normativa no Código Penal Brasileiro Lei n 9459, de 1997, realizou uma investigação com objetivo de determinar o insulto como forma de construção de uma identidade social estigmatizada, simbólica e historicamente construída. Utilizou-se de uma metodologia mista com alguns elementos quantitativos, sistematizados em tabelas percentuais dos diferentes tipos de relações entre insultantes, insultados e suas origens étnicas. Na metodologia qualitativa o autor tentou demonstrar que a função do insulto esta centrada nas relações de poder.
Para tal, realizou uma pesquisa de campo não etnográfica, utilizando-se como fonte primária de coleta de dados os Boletins de Ocorrência da Delegacia de Crimes Raciais da cidade de São Paulo, no período compreendido entre Maio/1997 à Maio/1998.
Esclarece que as origens e causas do insulto podem variar em suas funções desde a: a) legitimação e reprodução de uma ordem moral; b) legitimação de uma hierarquia entre grupos sociais; c) legitimação de uma hierarquia no interior de um grupo e d) socialização de indivíduos em um grupo. Nas três primeiras os insultos raciais são de origem não rituais, cuja função seria legitimizar a hierarquia social centrada no conceito de raça, ordenando a formação dos grupos em dominantes e dominados.
O autor elenca cinco tipos de categorização dos insultos/estigmas; a pobreza (inferioridade natural dos excluídos), a anomia (desorganização social e familiar), a delinquência (não cumprimento das leis), hábitos deficientes de limpeza e pareamento do estigmatizado com animais (não pertencentes a ordem social); ou, conforme classificação de (Eving Goffman. 1963), 1) anomalias corporais, 2) defeitos de caráter individual e 3) estigmas tribais (raça, nação, religião, e mesmo classe), que demarcam o afastamento de insultador em relação ao insultado, já historicamente estabelecido na sociedade paulistana.
Contextualizando que a “estigmatização”, assim como o estereótipo – grifo meu – é um processo que requer aprendizagem pelas vias do contato social. O autor corrobora com a proposta da Abordagem Sociocultural dos Estereótipos: “As repetidas observações de comportamento tipicamente associado a papeis sociais (…), critério para uma espécie de diagnóstico social, (…) acerca dos atributos pessoais daqueles que são observados exercendo os papeis sociais” (Pereira, M. 2002).
A associação de insultos ofensivos sintéticos levantados na pesquisa adjetivam negativamente um grupo étnico-social (Negro/Pobreza), que efetivam pareando do grupo étnico a animais, (Negro/Burro), ou mesmo aludem negativamente a uma condição moral (Negro/Safado) estabelece uma relação, um rótulo genérico e universal a um grupo étnico, baseando-se em limitada experiência empírica do insultador, reforça a conotação do insulto como elemento estereotipado.
Negando o senso comum, o autor contesta a afirmação de que o insulto racial é resultante apenas de uma situação de conflito, justificando esta negação pela desigualdade social pré-existente entre o insultante e o insultado, somando-se o fato de que a classe baixa branca paulistana carregar concepções estereotipadas do negro.
Elencando os dados obtidos na pesquisa, o autor destaca que na maioria das ocorrências instaura-se entre o insultante e o insultado um sentimento hierárquico de superioridade do detrator, ferido em sua concepção pela tentativa igualitária de comportamento do ofendido. Dado a proximidade relacional, o insulto ocorre mais frequentemente em âmbitos em que as relações sociais são mais intensas e também mais formalizadas; 39% em ambientes de trabalho, 24 % por vizinhos, 16% negros na condição de consumidores e 8% no âmbito familiar.
O autor destaca dois fatos apurados pela pesquisa: o insulto é mais praticado contra as mulheres, (64%), e entre as próprias mulheres, (36,8%), especialmente os insultos desabonadores à moral sexual, e, o segundo fato foi a grande quantidade de insultadores de cor ignorada (43%), ou não anotada, (38%), “dado sem importância? Ou silêncio revelador?”, questiona o autor, especialmente dada ao tipo de ocorrência – crime de racismo – fato por si indicador da tendência que a sociedade brasileira em geral e a paulista em particular, tem dificuldades na admissão do racismo praticado de forma velada no Brasil, (Guimarães 1999), (Silvério 2002).
Destacando que a função do insulto contra os negros é institucionalizar um inferior racial, pela aposição de um rótulo sintético, a cor, atrelando-os a aspectos negativos como; a moralidade, organização social, ou hábitos de higiene, portanto como algo simbolicamente capaz de: a) fazer o insultado retornar a um lugar inferior já historicamente constituído, pela alusão a estereótipos já estabelecidos que simbolizem estes estigmas, a saber: 1) pretensa essência escrava; 2) desonestidade e delinquência; 3) moradia precária; 4) devassidão moral; 5) irreligiosidade; 6) falta de higiene; 7) incivilidade, má-educação ou analfabetismo, sem nenhuma outra referência a outras características físicas como cabelos, olhos, nariz etc.
Ao circunscrever o seu estudo dos registros das ocorrências de insultos na Delegacia de Crimes Raciais na cidade de São Paulo, o autor não estudou a implicação da possível variação descritiva dos registros realizada por diferentes escrivães nem sinalizou que a construção do estereótipo calcada no insulto emerge de uma construção coletiva entre o escrivão e o insultado.

Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo. O insulto racial: as ofensas verbais registradas em queixas de discriminação. Estud. afro-asiát. [online]. 2000, n.38, pp. 31-48.

Resenha: estilo de vida como indicador de saúde na velhice

Janaína Alvarez

O artigo de Vera Lygia Menezes Figueiredo tem com objetivo explorar o tema envelhecimento saudável e quais fatores podem influenciar na qualidade de vida dos idosos, dentre eles o estilo de vida como importante indicador de saúde.
Para muitos velhice é sinônimo de aposentadoria, na qual os adultos saem do cenário social, principalmente nas sociedades modernas industrializadas que objetivam funcionalidade. Mesmo com o aumento do número de idosos e da expectativa de vida, ainda há um atraso em possibilitar altenativas de ocupação desses idosos, que possuem estereótipos e preconceitos sobre se isso seria possível, o que contribui para que eles sintam-se inativos diante das gerações atuais, e com tempo ele pode se enxegar desvinculado da sociedade, sem compreender-se como pertecente socialmente.
Diante disso, há idosos que se isolam ou permitem que exista um isolamento social, outros vivem bem, mas com uma rotina bem estruturada que não permite muita estimulação cognitiva, e ainda aqueles que por desajustamentos psicológicos diversos vivem sob uma qualidade de vida abaixo do esperado. Em todos esses estilos de vidas citados, existem características comuns como uso deficitário das funções cognitivas, retração da expressividade emocional, e redução das trocas relacionais e com o meio.
Só a partir da virada do século XX que começou o interesse pelo estudo dos fenômenos do envelhecimento, diante da projeção de aumento dessa população específica nos Estados Unidos e outros países da Europa. Após reduzirem taxas como da mortalidade infantil, mortalidade materna, e da mortalidade por doenças crônicas, a expectativa de vida da crescente população idosa requer atenção, até porque é um consenso no meio científico que a expectativa de vida é um dos indicadores mais importantes de saúde. Contudo, disciplinas médicas como geriatria e gerontologia surgem na década de 30 e 50, respectivamente, e seus estudos com outros campos, até mesmo interdisciplinares possibilitam estudos enriquecedores.
O crescimento da população idosa no mundo já é um fenômeno, e com isso, torna-se o maior desafio desse século o envelhecer com saúde. As pesquisam já demonstram possibilidades, mas ainda encontram barreiras nas diferenças individuais cercadas de peculiaridades que dificultam conceituar de modo homogêneo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) redefine o conceito de saúde em 1947 como um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social, mas a Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1994 traz esse conceito como a busca de uma qualidade de vida. Ampliando-se o conceito de saúde, os idosos deixam de ser passivos para serem chamados a um engajamento ativo pela promoção da saúde, sobretudo acompanhada de direitos.
Com o envelhecimento há a senescência, que é a condição daquele que está envelhecendo, já senelidade para o envelhecimento patológico. Dentre os fatores precipitantes de incapacidade funcional destaca-se a área cognitiva, como por exemplo, perda de memória, que por conta das diferenças individuais novamente há uma dificuldade em classificar os déficits principalmente nesses casos. Diante desses impecilhos, o mais importante não é impedir o declínio funcional biológico, muitas vezes esperado, mas providenciar alternativas que ajude na preservação da capacidade funcional para se ter uma velhice saudável.
Dessa forma, o estilo de vida vai impactar na saúde na velhice, por isso a importância de observar além das demências e patologias típicas dessa fase, mas também a relação desses idosos com o mundo, pois algumas fragilidades dizem respeito ao biológico, mas outras ao ambiente externo. Para promoção e prevenção da saúde o estilo de vida deve ser considerado dentre outros indicadores, pois através dele o indivíduo vai entender suas limitações e enxergar possibilidades de adaptações para responder aos desafios impostos no dia-a-dia.
Referência bibliográfica: Figuereido, V. L. M. Estilo de vida como indicador de saúde na velhice. Ciência & Cognição, 04, 12, 156-164, 2007

Resenha: Políticas de educação inclusiva e a instituição na educação da pessoa com deficiência mental

Rosana dos Santos

Segundo Marta Pires Relvas, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento, a pessoa com deficiência mental distingue-se pela incapacidade de generalizar, classificar, abstrair e analisar, quando esta está no período escolar. Sendo que a primeira suspeita que podemos observar nesses indivíduos é com relação ao lento desenvolvimento motor.
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), define a pessoa com deficiência mental como aquela comumente associada ao funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas tais como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, dentre outros.
No decorrer dos períodos históricos a compreensão e concepção acerca da pessoa com deficiência foi se modificando. Em certo momento as crianças com deficiência mental era retirada do convívio familiar e comunitário para residirem em instituições segregadas ou em escolas especiais, frequentemente situadas em locais distantes da família.
Contudo, a partir da década de 1990, com a implementação de leis legais, tais como a Constituição Brasileira de 1988, e a Lei de Diretrizes e Base para a Educação Nacional (LDBEM), cresceu a discussão e busca de condições para efetivação dos direitos referentes à pessoa com deficiência.
O oferecimento da educação especial, bem como a inclusão da pessoa com deficiência mental na escola regular é um direito constitucional do indivíduo, em que o Estado deve assegurar. Sendo assim, o artigo de Silvia Meletti, traz uma discussão sobre as políticas de Educação inclusiva e o paradigma de institucionalização, que consiste no acolhimento de pessoas com deficiência mental em instituições, onde é oferecido um trabalho especializado de cunho meramente assistencialista e clínico, sem tanta enfâse pedagógica.
Além disso a autora traz a análise de uma pesquisa realizada com alguns profissionais da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Tendo como base a seguinte questão: “gostaria que você me falasse um pouco sobre o seu trabalho, sobre o que você quiser me contar a respeito de seu papel aqui na instituição”.
Nesta análise podemos perceber qual a concepção de algumas profissionais da associação, com relação a pessoa com deficiência mental e a definição que os mesmos têm acerca da Educação Especial. Logo, de acordo com os dados observados e descritos, a autora demonstra que a pessoa com deficiência mental ainda é vista a partir do rótulo de deficiente, onde não se levam em consideração as habilidades e possibilidades que esta possui ou venha desenvolver; às vezes estas, também são tratadas de forma infantilizada, outras vezes são vistas como imaturas, incapazes de superar certas limitações.
Esta vissão contribui, intensificamente, para a omissão e descasso do Estado, sobretudo no que diz respeito a contribuição que este deve destinar a escolas que contemplam a modalidade de ensino em questão; bem como a disponibilização de recursos necessários à eficácia da inclusão dessas pessoas.
Levando em conta que a ideia de construção de uma escola na instituiçâo especial, camufla a importância e o dever da escola regular, de educar qualitativamente a pessoa com deficiência, Silvia Meletti, pontua três esferas que revelam a justificativa que certos profissionais dão para manter a instituição especializada como a principal instituição que possa garantir “inclusão” e promover um maior desenvolvimento cognitivo, motor e social das pessoas com deficiência mental; tais esferas são: a manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia; a indistinção entre reabilitação e educação e o não acesso a processos efetivos de escolarização; manutenção da condição segregada da pessoa com deficiência mental na instituição especial “inclusiva”.
Logo a sustentação do discurso dos eixos supracitados dificultam a inclusão das pessoas com deficiência mental no sistema de ensino regular, além de contribui para a manutenção do assistencialismo institucionalizado, tal como acontecia décadas atrás, tendo um caráter meramente clínico, sem cunho pedagógico. Isso deixa uma lacuna para o Estado e as escolas de ensino regular, deixar de cumprir o dever de promover a adaptação estrutural, organizacional e curricular para atender de forma qualitativa às necessidades das pessoas com deficiência mental.

Referência: Meletti, S. Políticas de educação inclusiva e a instituição especializada na educação da pessoa com deficiência mental. Ciências & Cognição: 13, 5, 199-213, 2008.

Resenha: da marginalidade à inclusão

Erlane Bárbara F. Nascimento

Estar à margem em sociedades capitalistas, não é para poucos ao contrário do que se pode pensar, o desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural escolhe seletivamente os seus beneficiários, sendo assim, é muito restrito associar a marginalidade apenas aos indivíduos que cometeram algum ato criminoso, transgredido as leis instituídas. Entretanto, é justamente nessa dimensão da marginalidade, associada aos que transgrediram a lei, nesse caso presidiários que se encontram em cumprimento de pena no presídio de Araguaína (To) que o artigo irá se pautar, buscando refletir de modo crítico a real possibilidade de ressocialização dos seus detentos tendo como instrumento principal a educação.

O artigo nasce como resultado de uma pesquisa promovida por Luisa Helena O. da Silva (doutora em Estudos da linguagem), Francisco Neto P. Pinto (mestre em engenharia de produção que atua como docente no curso de Pedagogia e no curso de especialização em leitura e produção escrita) e Kátia Cristina C. F. Brito (graduanda em letras). É importante situar a formação dos pesquisadores para compreender melhor o prisma de análise por eles estabelecido.

Utilizando a análise de discurso francesa que percebe a linguagem como um processo que se constitui em uma relação dialética de base histórico-cultural, é que os pesquisadores analisaram as representações sociais dos presidiários sobre educação mediante redações que lhes foram solicitadas construir pelos seus professores. Os presidiários estudam na instituição através da modalidade EJA (Educação para Jovens e Adultos) e nessas redações lhes foi pedido que expusessem a concepção que possuem do que é educação e sua importância para a ressocialização.

Problematizando a qualidade da formação dos professores para que eles tenham um efetivo preparo a fim de propiciar uma educação inclusiva em ambientes convencionais e atípicos, capaz de dialogar com a realidade dos seus estudantes. Questionando o conteúdo programático dos módulos trabalhados na unidade prisional, bem como a distância entre o que é preconizado na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e também pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) é que os autores traçam um paralelo entre ideal e prática.

Questionando a validade de termos como reeducação, embasando sua análise em teóricos como Orlandi e Forcault os autores percebem nas falas trazidas (e exemplificadas no corpo do artigo) pelos presidiários, a apropriação do discurso institucional algumas vezes em contradição com a sua própria opinião. A partir dos dados obtidos emergem algumas perguntas: A educação oferecida estaria ligada à construção da autonomia dos presidiários ou a um processo de assujeitamento com vistas unicamente a evitar a reincidência e torná-lo um ser producente? Para tirar as suas próprias conclusões, “Da marginalidade à inclusão: A socialização através da educação no Presídio de Araguaína (TO)” é um artigo que vale a pena ser lido do início ao fim.

Silva O.H.L; Pinto P.N.F; Brito F.C.C.K. (2008). Da marginalidade à inclusão: a socialização através da educação no Presídio de Araguaína (TO). Vol 13 (3): 214-230. Recuperado em 24 de Março de 2013 de http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318257.pdf

Resenha: Música, Comportamento Social e Relações Interpessoais

Ana Carolina Rocha Oliveira

O artigo desenvolvido por Beatriz Ilari discorre pelas relações entre os comportamentos sociais e o papel que a musica pode adquirir nesse contexto. Ou seja, a autora do artigo pretende demonstrar quanto a musica pode ser um fator também importante no modo em que as pessoas interagem e são atraídas umas pelas outras nas suas relações afetivas.
O estudo parte de uma citação de Pinker (1997), em que o linguista sugere que o mundo provavelmente seria igual mesmo sem que existisse a música. Dessa suposição, vários outros autores e pesquisadores, que discordavam da afirmação inicial de Pinker, passaram a estudar e aplicar instrumentos que comprovassem que a música pode ser um fator de importância na evolução das sociedades, sendo produto de um fenômeno social em diferentes culturas.
Entretanto, ate o momento da presente pesquisa, já era possível reconhecer na música as diferentes funções dentro das atividades humanas, principalmente, quando em referência as relações interpessoais. Deste modo, Ilari comenta a teoria desenvolvida por Huron (1999), em que este estabelece um vinculo entre a música e os efeitos que ela causa sobre a atração e consequentemente sobre as relações interpessoais, inclusive as de natureza amorosa.
Ao falar sobre atração interpessoal, a autora do artigo descreve brevemente sobre o papel da mesma na formação das relações entre indivíduos demonstrando que, seja pela perspectiva evolucionista (em que será ponto de partida para a procriação e descendência), seja pela perspectiva cognitivista (em que estará correlacionada aos esquemas cognitivos dos ideais criados de parceiros e relacionamentos), a atração entre as pessoas se deve principalmente a partir do contexto social em que estas estão inseridas. De tal forma, é possível constatar o quanto as atitudes, as crenças e os valores comuns atuarão como forças poderosas e essenciais na atração interpessoal, estabelecendo assim, uma ligação entre essas forças de atração e a escolha por determinados gostos musicais.
Outra ligação que pode ser feita e que está presente no artigo, é a ideia de que tanto a música quanto a atração interpessoal consideram a indução ou surgimento de sentimentos, visto que podem exercer efeitos significativos no comportamento social dos indivíduos em interação. No entanto, as semelhanças vão até esse ponto. Diferentemente da atração entre pessoas, que tem uma conexão obvia com os afetos, o mesmo não se pode garantir da dualidade música-afeto, que geralmente terá seu grau de excitação dependente dos gêneros musicais escolhidos para cada situação, de acordo com o contexto social (North e Hargreaves, 1997).
Diante de todo o inicial teórico sobre a música e suas relações e efeitos no comportamento social, Ileari conclui que as escolhas musicais por determinados gêneros são condutas aprendidas devido às influências grupais, posto que servem como guia às nossas percepções e o modo como avaliamos os outros. Ou seja, nos relacionamentos interpessoais, como a atração, os fatores de interesse apresentam-se como respostas individuais aos estereótipos. Zillman e Bhatia (1989) associavam a percepção do grupo em relação aos gostos musicais de outros grupos aos estereótipos, trazendo estes como esquemas cognitivos impostos social e culturalmente, sendo determinantes para as atitudes interpessoais. E é a partir dessa contextualização que ela parte para o método.
Diante de sua amostra de 50 pessoas (já que 10 foram invalidadas por terem uma relação mais formal com a música: ex. de músicos profissionais e amadores), entre jovens e adultos, numa idade média de 27 anos, Ileari dividiu seu instrumento em três partes. No primeiro momento, exibiu alguns classificados pessoais para que o participante escolhesse o parceiro ideal, com o objetivo de que fosse determinado o papel que a música desempenha nas relações interpessoais, na atração e na escolha do parceiro. Na segunda parte, foi feita uma coleta de dados procurando verificar se os estereótipos brasileiros seguiam pelo mesmo caminho das amostras coletadas nos Estados Unidos e na Europa. Já no terceiro momento, o participante era encaminhado a responder algumas questões abertas sobre ele mesmo e a relação com a música para investigar se realmente existem funções especificas da música nas relações interpessoais.
Na primeira parte da pesquisa, concluiu-se que a música está entre um dos muitos fatores que interferem na atração entre as pessoas não sendo, no entanto, uma característica direta ou mesmo com forte efeito sobre a escolha dos parceiros. O que não significa que a música se torne menos importante, já que, durante a coleta, as respostas, que foram divididas em grupos de maior ou menor frequência do fator musical nos anúncios, resultaram na ausência de diferenças entre eles.
No segundo momento, foram agrupadas em categorias todas as 147 palavras utilizadas pelos participantes para adjetivar os gêneros musicais listados. Das categorias capacidades individuais, personalidade, julgamento de valor, condição socioeconômica, localização geográfica, educação, grupo social, atitudes e ideologia política, as que obtiveram os maiores números de palavras associadas foram personalidade e atitudes, demonstrando quanto às pessoas inferem das preferências musicais os modos de agir e de se portar dos outros indivíduos.
Dentre os gêneros propostos, a maioria das pessoas manteve o padrão de associação de palavras estereotipadas em relação a MPB, ao jazz, a música clássica, ao samba/pagode, ao rock/pop, a música do mundo e ao sertanejo, assim como já havia sido mostrado em pesquisas anteriores como a de Zillman e Bhatia (1989). De todos, os gêneros que tiveram maior destaque foram os gêneros sertanejo e música do mundo. O primeiro pela convergência de adjetivos similares da amostra e o segundo pela divergência e antagonismos de adjetivação.
Na terceira parte do estudo, os participantes foram questionados quanto às possibilidades da musica exercer algum papel na vida amorosa, se os gostos musicais diferentes eram relevantes na escolha do companheiro e se a musica fez parte de algum momento significante na vida dos entrevistados. O resultado para primeira questão foi unânime a favor do papel exercido pela música num contexto amoroso. Na segunda questão, a mesma porcentagem de pessoas (86%) acreditava ser possível estabelecer relacionamentos com pessoas de diferente gosto musical. Na ultima pergunta, também a maioria dos entrevistados conseguiu se lembrar de pelo menos um evento de suas vidas em que a música foi fundamental, sendo o maior número de eventos listados associados às relações interpessoais.
De acordo com a análise da pesquisa tirou-se que a musica e as relações interpessoais possuem uma ligação de fato, mas que se correspondem indiretamente ao contexto subjetivo e experiências de vida de cada pessoa, revelando, simplificadamente, quatro usos possíveis e distintos da música dentro dessas relações, tal como: objetivos de excitação, fundo acústico, facilitadora de atividades que promovem a aproximação de indivíduos e artefato mnemônico.
Ou seja, a pesquisa reforça o papel de importância da música nas relações interpessoais, corroborando a ideia de que música e atração são elementos que tendem a se associar a partir dos esquemas cognitivos tão só o uso de estereótipos, de experiências e até mesmo de funções específicas dadas à música nos possíveis relacionamentos, garantindo essa situação para alem das barreiras culturais.
A música é indefinida. Ela pode significar varias coisa em vários lugares diferentes. A música ultrapassa a barreira do sensível e atingi o que mais profundo possa existir em nós mesmos. A música serve para conhecer e fazer interagir com outras pessoas e grupos, aproximando-os, tanto quanto para ser elemento de excitação ou armazenamento de lembranças. A música não só tem importância como ela é por si só fator fundamental para criar cenários e ambientes sonoros propícios nas relações afetivas e amorosas, facilitando e influenciando o humor, os sentimentos, a sensibilidade e a integração interpessoal, seja lá de que forma for. Evidenciando aqui, o erro da afirmativa de Pinker (1997).
A música está além dos gêneros musicais. Os gêneros são partes de um todo musical e representam as diferentes formas de interação entre as pessoas assim como entre grupos. Talvez, como foi encontrado pela pesquisa Ileari, as pessoas de mais idade realmente tenham mais dificuldade de conseguir conciliar diferentes gostos musicais dentro de um relacionamento, pois fica mais difícil manter atividades de lazer compatíveis. Porém, não necessariamente isso ocorra se os outros dados apresentados da pesquisa estejam corretos, já que a maioria das pessoas confessou não ver problemas em manter um relacionamento com outra que aprecie um gênero musical divergente, acreditando, inclusive, ser uma chance de aprender e vivenciar novos contextos e estilos.
Ou seja, considerando o respeito às diferenças e os limites estabelecidos pela convivência diária, será visível e viável o beneficio que tais diferenças venham a acarretar no relacionamento. Ate porque, a música é também uma forma de libertação. No estudo Ileari, 11% dos entrevistados citou a musica como a arte mais acessível e capaz de libertar a mente das preocupações do cotidiano.
Portanto, tem-se que a autora conseguiu em parte comprovar suas ideias sobre a interferência da música nas interações interpessoais. Concluiu que, apesar de ser uma influência indireta e generalizada, o estudo deve manter investigações que consigam agregar novos dados e inserir novos fatores ainda não tratados para que sejam analisados e, progressivamente, construir novas estatísticas condizentes com a realidade social.
Referência: Ilari, B. (2006). Música, comportamento social e relações interpessoais. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 191-198

Resenha: cognição, categorização, estereótipos e vida urbana

Leonardo Cardoso de Melo

Nesse artigo, o autor se propõe a explorar alguns aspectos envolvidos no processo de formação de representações categóricas e sua relação com julgamentos estereotipados por parte dos indivíduos que habitam grandes centros urbanos. Em sua opinião, o lócus de estudo se justifica em virtude da alta concentração populacional nas metrópoles elevar o grau de complexidade da compreensão do mundo que nos cerca.
Essa compreensão só é possível, segundo os teóricos da cognição, porque possuímos dois sistemas de aprendizagem: um que permite fazer representações de modelos de mundo relativamente constantes, bem como um segundo sistema que complementa o primeiro tornando-nos aptos a responder às mudanças frequentes e características dos espaços urbanos. Sem essa capacidade de categorização estenderíamos ao extremo os limites cognitivos a cada vez que necessitássemos identificar os esquemas de conhecimento sobre o mundo.
Dessa forma, seguimos enquadrando pessoas que acabamos de conhecer de acordo com “crenças gerais e antigas organizadas e armazenadas na memória”, o que só é possível devido a uma modalidade de pensamento dita categórica (p. 281). Nesse sentido, categoria seria a “totalidade de informações que os percebedores possuem na mente sobre uma classe particular de indivíduos” (Moskowitz, 2006, segundo Pereira, 2008, p. 281). O autor ilustra como esse processo de categorização se dá e é fundamental para a nossa orientação diária dando exemplos do cotidiano como quando vamos supermercado, onde encontramos tudo arrumado em seções que teriam um efeito análogo à categorização em nossa mente.
Logo em seguida, Pereira analisa como o pensamento categórico exerce influência sobre a representação social. Esse pensamento teria o papel de guiar a estrutura de conhecimentos acerca do processo de informação que compõem a representação social. Uma vez ativada, essa estrutura de conhecimentos permitem uma série de inferências que envolvem, principalmente, o julgamento e avaliações acerca dos membros de um grupo. Embora essas inferências sejam inerentes à cognição humana, e muitas vezes apropriadas, em boa parte dos casos, elas carregam julgamentos estereotipados como afirma o autor (p. 282). Entretanto o autor salienta que, a despeito da precisão envolvendo a correspondência entre as categorizações que fazemos e os eventos que realmente ocorrem no mundo físico, nossa espécie tem se adaptado relativamente bem ao ambiente, denotando o papel fundamental da categorização em sua sobrevivência por possibilitar que tratemos um “evento novo e inesperado em termos de crenças mais gerais e antigas” (p. 282).
O autor segue descrevendo como tudo que foi dito até agora pode ocorrer no cotidiano citadino. Situações em que podemos evidenciar tanto a confirmação dos estereótipos, bem como as suas controvérsias (p. 283), a exemplo da faxineira que possui o estereótipo de morar em bairro periférico, assim como uma possível contradição caso ela more no apartamento vizinho ao do patrão. Ele aponta que “podem ser encontradas na literatura indicações de que as representações estereotipadas se manifestam de forma menos intensa nos centros urbanos de maior tamanho” (p. 283). O que estaria por trás disso?
A literatura a respeito do tema indica que a vida urbana cria condições para aquisição de informações que muitas vezes põem em xeque concepções estereotipadas. Além disso, por propiciar a relação com as alteridades, algumas obviamente confirmam os estereótipos compartilhados sobre determinada categoria social, “enquanto outras se contrapõem a tudo que se ouviu falar sobre os membros daquele mesmo grupo social” (p. 284).
Entretanto o autor defende a tese de que não é a simples convivência em meio urbano e exposição a uma grande quantidade de informações que reduzirá os índices de estereotipização por parte dos indivíduos, é necessário que haja qualidade nas informações quem nascem do processo de interação social “nos quais são obtidas as informações necessárias para a realização dos julgamentos sociais” (p. 285). Essa qualidade não é privilégio dos grandes centros como ele bem lembra ao afirmar que “alguém pode habitar a maior metrópole do mundo e ser absolutamente desprovido de valores cosmopolitas, assim como pode viver na região mais inóspita e remota do planeta e acolher valores universais” (p. 285).
Por fim, um ponto crucial mencionado pelo autor acerca do processo de categorização merece destaque: nós construímos os fatos sociais e por isso não há realidade própria, já que toda nossa percepção é aprendida. Nesse sentido devemos tomar o cuidado de não extrapolar impondo princípios de uma “realidade social” para uma realidade física. Embora a formação de estereótipos seja algo inerente à condição humana é preciso atentar para esse fato se quisermos evitar preconceitos. Cabe sempre nos perguntarmos se o que penso sobre a realidade é como ela se apresenta, ou é o que desejo que ela seja.

Referências:

Pereira, M. E. Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana. Ciências & Cognição: 13, 5, 280-287, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318280.pdf