Resenha: Imagens e estereótipos do Brasil em reportagens de correspondentes internacionais.

Zélia Fernandez

O artigo traz uma importante articulação entre a produção dos textos de correspondentes internacionais e os seus efeitos na manutenção dos estereótipos relacionados a imagem do Brasil no exterior. O artigo está dividido nas suas 15 páginas, em quatro partes : na primeira parte o artigo traz o resumo e uma introdução com uma revisão histórica das atividades de correspondências de notícia no Brasil e uma pequena revisão teórica sobre os estereótipos, na segunda parte ele apresenta sua metodologia de pesquisa descrevendo também seu referencial teórico para análise metodológica e que serve de referência para confirmação da sua hipótese de pesquisa. Na terceira parte o autor discute os seus resultados fazendo uma articulação rica entre o quanto a manutenção dos estereótipos é reforçada nessas produções jornalísticas, o papel do profissional nas suas escolhas e as repercussões sócio econômicas da manutenção desses estereótipos. E ao final, as referências bibliográficas.
O autor é I.Paganotti, jornalista freelancer formado pela Universidade de São Paulo, professor de Jornalismo do Colégio Stockler.

Na primeira parte do artigo o autor apresenta o resumo e os primeiros exemplos do tratamento que a imagem do Brasil recebe pela mídia e os instrumentos que serão utilizados para aprofundar o tema, assim como uma revisão histórica das impressões estrangeiras como fonte da identidade nacional.

Ele descreve como historicamente a imagem do Brasil foi sendo construída e a formação de uma idéia de Brasil a partir da perspectiva do olhar estrangeiro, mais especificamente da visão dos correspondentes internacionais, que ele chama dos novos jesuítas, que com seus relatos de viagem são responsáveis por levar as noticias do Brasil para fora.

As reportagens feitas por esses profissionais chega a casa dos milhares anualmente e portanto a construção de uma imagem brasileira, onde se reproduz muitos estereótipos não consegue estar fora da pauta. Nesse sentido são dois brasis que são normalmente descritos nesses relatos: o do paraíso e o do inferno.

O autor faz uma pequena revisão teórica do conceito de estereótipo, citando autores como Lippman e Maisonneuve. Segundo o autor é a partir dos estereótipos presentes nos muitos relatos dos estrangeiros sobre o Brasil, que vão se sustentar a imagem do pais lá fora e ajudar a construir o imaginário coletivo estrangeiro sobre o Brasil.

Na segunda parte do texto ao autor apresenta o método da sua pesquisa. Ele usou como fontes o The New York Times dos EUA, El Mundo da Espanha, Diário de Notícias de Portugal, The Guardian e The Observer da Inglaterra, Página/12 e El Clarín da Argentina.

Analisando 1244 textos e usando como referencial teórico para análise dos textos a análise crítica do discurso, definida por Fairclough como “o exame das conexões implícitas entre as características textuais e os processos sociais (Fairclough, 1997: 97)”, ele procurou aprofundar o quanto havia de reprodução ou transformação dos estereótipos. De acordo com Fairclough se pode utilizar uma estratégia mais normativa, reproduzindo uma idéia por meio da repetição ou mais criativa transformando pela contestação, discussão ou até mesmo negação “os pressupostos e estereótipos apresentados”. Segundo o teórico as manifestações criativas mantidas em longo prazo “podem também alterar permanentemente as próprias imagens, pressupostos ou estereótipos que a opinião pública tem sobre certos temas (idem, 1992: 165)”. O autor se preocupou em procurar detectar sinais de desconstrução da imagem estereotípica que os estrangeiros têm sobre o Brasil, nas suas narrativas.

Na terceira parte do texto o autor discute os seus resultados fazendo uma classificação muita rica dos relatos levantados em quatro grupos temáticos estereotipados. São eles: O Brasil “verde”: concentra-se na exaltação da beleza natural do país, o Brasil “de lama”: que foca a corrupção política, o subdesenvolvimento e a pobreza endêmica e freqüentemente inter-relacionados a o terceiro grupo temático, o Brasil “de sangue”: que é o Brasil da violência, incluindo o tráfico de drogas, que leva a um cenário de insegurança. E finalmente no quarto grupo o Brasil “de plástico”: que é um Brasil muito publicitário, “é a nação das festividades carnavalescas, da liberdade sexual (seja qual for a orientação), dos negócios, da alta sociedade e seus caprichos”.

No artigo há uma tabela onde as quatro categorias temáticas são apresentadas e a freqüência em que cada sub tipo relacionados a elas aparece. Uma conclusão muito interessante do autor é sobre a freqüência de estruturas representativas simplificadoras que aparecem em cada três reportagens, deixando claro que a repetição de estereótipos é mais comum do que a transformação. Uma categoria no entanto, chama mais a atenção como aquela que possui o maior percentual de transformação, com 88, 9% , é o da miscigenação, superando o mito da democracia racial. No entanto a maioria ainda é o da reprodução de estereótipos, com uma predominância do Brasil “sangrento” nas ligações com o tráfico de drogas e em segundo lugar o Brasil “de lama” com grande repetições de estereótipos como a corrupção e a pobreza. Aqui o autor faz uma análise muito apropriada de como a escolha do vocabulário pode influenciar a representação e conseqüentemente pode colaborar com os processos de estereotipia onde se passa a idéia por exemplo de que: “é em meio à pobreza que cresce o banditismo”.

Os estereótipos oferecem uma possibilidade de ajuda aos correspondentes no sentido de dar a eles um caminho simplificador, onde eles possam apenas aprofundar, a sua narrativa.O problema apontado pelo é autor é a permanência ou insistência no uso de certas representações que não dizem respeito mais a realidade e que carece de questionamento e transformação, levando a um déjà vu de pré-conceitos e conceitos ideologicamente enviesados. O autor aponta ainda poucos esforços no sentido do que seria uma prática interessante, que a discussão sobre a utilização de estereótipos, tornando esse mecanismo mais consciente, tanto por parte do jornalista quanto do leitor.

A superação ao longo dos anos de uma narrativa transformadora da imagem de um Brasil exclusivamente sensual, festivo e exótico, portanto reducionista, para uma mais crítico, acabou criando novos estereótipos, onde se enfatiza demais certos aspectos negativos. Nesse ponto do artigo e para finalizar, o autor faz uma interessante articulação entre as repercussões ideológicas e sócio econômicas da utilização desses estereótipos. Ele coloca que a expressão desses estereótipos nas narrativas desses profissionais, os alterando ou os mantendo, tem o efeito de servir a interesses, seja intencionalmente ou não.

Referência: Paganotti, I. Imagens e estereótipos do Brasil em reportagens de correspondentes internacionais. RUMORES – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias 1, 1, 2007

Resenha: Teorias Implícitas e Essencialismo Psicológico – Ferramentas Conceituais Para o Estudo das Relações Entre e Dentro dos Grupos

Zélia Fernandez

O artigo traz um aprofundamento nas teorias implícitas e no essencialismo psicológico e o seu efeito nas relações intergrupais. Em doze páginas, os autores fazem uma revisão histórica dos conceitos, percorrendo as contribuições dos vários estudiosos dos temas. Eles não só conceituam mas também descrevem os tipos, as causas e conseqüências dos fenômenos. O artigo esta dividido em duas partes, sendo que cada uma com três tópicos: na primeira parte o artigo mostra uma revisão histórica das teorias implícitas e seu conceito, depois as funções e os tipos, na segunda parte com mais três tópicos, eles abordam o conceito de essencialismo psicológico, também apresentando a contribuição dos diversos autores sobre o tema, as causas e resumidamente seus efeitos. E ao final, as referências bibliográficas.
Os autores são Claudia Estrada Goic da Faculdade de Humanidades, Ciências Sociais e Ciências da Saúde, Miriam Oyarzún Jara da Direção de Assuntos Estudantis, ambas da Universidade de Magallanes no Chile e Vincent Yzerbyt do Departamento de Psicologia Social e Organizacional da Universidade Católica de Louvain na Bélgica,
Na primeira parte do artigo, os autores procuram situar a importância das teorias implícitas e do essencialismo como área de investigação crescente nos últimos anos na psicologia social e a sua participação nos processos psicossociais, destacando a contribuição desses estudos na formação de impressão e nas estratégias cognitivas na apreensão da realidade social. Eles primeiro se utilizam dos usos dos termos para aprofundar o conceito que define as teorias implícitas como um conjunto de crenças sob as quais o sujeito se sustenta para definir como são as pessoas, a natureza humana e os processos sociais. Ele reforça essa conceituação a partir da análise dos próprios termos, teoria e implícita, teoria como um conjunto de crenças consistentes para explicar fenômenos e implícitas porque na verdade aquelas se baseiam em teorias pouco formais, indutivas e pouco consistentes, não tendo portanto, nenhuma relação com as teorias científicas. Ele termina essa primeira parte fazendo uma rápida correlação entre dois conceitos: o das representações sócias e das TI (teorias ingênuas) como ambas tendo cargas motivacionais e afetivas que incitam a ação (Rodrigo, 1994)
Na segunda e terceira partes do artigo os autores tratam das funções e dos tipos de teorias ingênuas. Segundo Levy e colaboradores as TI servem para organizar, compreender e simplificar a realidade social e compartilhar e estabelecer um marco justificativo para as nossas ações e do outro. De forma bem didática, os autores descrevem os tipos de teorias que servem as funções descritas acima. As teorias podem ser: sobre a personalidade, sobre a natureza humana e as que fazem referência a natureza humana mais a origem dos grupos.
A teoria que toma como base a personalidade, se referencia no conhecimento que temos sobre alguém e a forma como utilizamos esse conhecimento para fazer inferências sobre a sua personalidade. Uma das principais contribuições dos autores no entanto é marcar o caráter não particular desse tipo de teoria, isto é, ela pode ser compartilhada, pois possuem elementos comuns e gerais, como por exemplo, todas as pessoas extrovertidas são mais acolhedoras que as introvertidas.
Todas as teorias sobre a bondade, a maldade e a raça humana, por exemplo, fazem parte das teorias ingênuas sobre a natureza humana, esse é um segundo tipo, que seriam crenças gerais mas que podem ainda ser classificadas em dois subtipos: a do locus de controle e as teorias sobre a natureza humana propriamente dita. A teoria do locus de controle é uma das primeiras teorias explicativas da atribuição social, que postula que uma pessoa pode estimar que seu comportamento é provocado, ou por fatores internos (locus de controle interno) ou por fatores externos (locus de controle externo). Ela faz parte dos estudos de alguns fenômenos como por exemplo: a ansiedade como reação ao fracasso (Lefcourt, 1973) e os comportamentos de risco (Hunter, 2002; Miller & Mulligan, 2002),
Dweck e colaboradores propuseram um modelo que explica em quais aspectos da natureza humana as pessoas concentram as suas teorias ingênuas, são elas: a inteligência, o caráter moral, a personalidade e a concepção de mundo. Aí os autores falam das formas como essa aplicação das TI é feita: de uma forma entitativa ou incrementalista, a primeira mais parcial e estabelecendo diagnósticos a partir de inferências, tendem a ver o outro com características mais fixas e menos maleáveis e o segundo, menos parcial, leva em conta fatores situacionais. Duas das várias contribuições importantes do artigo é a correlação entre essas duas formas, das quais um mesmo individuo pode se valer, ora de uma, ora de outra teoria (Dweck e col, 1995) e a confirmação da idéia de que aqueles com maior tendência entitativa recorrem mais aos estereótipos.
Finalmente o último tipo de TI sobre a natureza dos grupos sociais são as que colocam nossas crenças e conhecimentos gerais sobre alguém a partir de sua pertença a um determinado grupo social
No primeiro tópico da segunda parte do artigo, os autores fazem um breve histórico do conceito de essencialismo nas diversas disciplinas como na filosofia, genética e biologia e aprofundam esse histórico mais especificamente na psicologia e mostram as contribuições dos diversos autores nessa área. O termo, primeiro utilizado por Alport(1954) relacionando-o com o preconceito, foi reentroduzido por Medin(1989), que conceitua o essencialismo como a tendência a pensar que há a existência de uma essência ou uma natureza subjacente que fazem com que as coisas ou pessoas sejam como são. Rothbart e Taylor (1992) estudaram e tipificaram o essencialismo e sua influência nas definições de categorizações sociais, ou melhor, a tendência dos observadores, a compreender as categorias sociais como algo natural que comporta uma essência e que tem características estáveis e de pouca maleabilidade, além do seu potencial indutivo, isto é, a possibilidade de prever novas características a partir das conhecidas.
Os autores descrevem as características do essencialismo diante de um grupo, propostas pelo próprio Yzerbyt e Schadron(1996) a partir das proposições teóricas de Rothbart e Taylor(1992), quais são: o grupo como uma unidade, com um destino comum, a inalterabilidade, o caráter indutivo, a existência de una relação causal entre uma essência e todas as características do grupo social e a exclusão de outras formas de conhecimento e apreensão do indivíduo. As características propostas por Estrada(2003) se assemelham as descritas acima e acrescentam que a essência preexiste ao grupo, ela é inferida, imutável, exclusiva e é coerente.

No segundo tópico os autores descrevem as causas do essencialismo, usando como base os trabalhos de Rothbart e Taylor (1992) e Hirschfeld (1995, 1998, 1999). Os primeiros pensavam que o essencialismo se origina em um “erro ontológico”, que é compreender as categorias sociais como categorias naturais, por exemplo a diferença entre ser judeu e cristão é a mesma entre um mineral e um vegetal.
Para Hirschfeld (1995, 1998 e 1999) as pessoas são capazes de organizar uma espécie de reino humano que ajuda a classificar os seres humanos tomando como base diferenças superficiais, por isso algumas categorias tendem a ser mais essencializadas, como raça por exemplo.
No terceiro e último tópico da segunda parte do artigo os autores aprofundam os efeitos do essencialismo nas relações endo e intergrupais . O essencialismo é uma teoría implícita que serve para explicar as diferenças entre os grupos . Estrada e cols. (2004) mostraram como o essencialismo modula o uso de fatores explicativos biológicos e culturais e Martín e Parker (1995) incluíram nesses, os fatores sociais. Leyens e cols (2000-2002) estudaram o fenômeno da infrahumanização, que significa que ao dar ao seu grupo de pertencimento uma característica própria, essencial, humana e superior então para o exogrupo essa essência seria menos humana ou infrahumana e inferior.
Outros aspectos apontados nessa parte do artigo são os efeitos do essencialismo sob os estereótipos e o preconceito como por exemplo no estudo de Bastían e Haslam (2006) que confirmam que as pessoas essencialistas usam mais os estereótipos. A avaliação e o enfrentamento do membro desviante no endogrupo, o fenômeno da projeção social e o efeito do falso consenso são outros aspectos tratados nessa parte do artigo.
Os autores reconhecem que ainda há muito estudo empírico a ser realizado na busca de respostas no que podem ser ferramentas conceituais poderosas, no sentido de aprofundar o estudo e o entendimento das relações intergrupais. As TI representariam um grande potencial explicativo dos fenômenos associados ao pensamento e a dinâmica da interação social, segundo os autores.
Eles apontam caminhos futuros de investigação como o papel que estas crenças desempenham em questões sociais, mais específicas, tais como: a resistência à mudança de jovens com comportamento marginal (em gangues, por exemplo) e a busca de formas de diálogo entre os grupos com idéias radicais (políticas ou religiosas, por exemplo).
O artigo é bastante objetivo e didático no sentido de traçar um panorama geral sobre as principais contribuições dos diversos autores aos conceitos propostos e é de fácil leitura.Ele aborda de forma organizada e detalhada os conceitos e é uma boa referência para aqueles interessados na abordagem de conceituações relacionadas a expressão dos estereótipos e nas relações intergrupais, sobre as quais ele incita a um aprofundamento maior por parte dos investigadores.

Referência: Estrada, C., Oyarzún, M e Yzerbyt, V. Teorías Implícitas y Esencialismo Psicológico: Herramientas Conceptuales Para el Estudio de las Relaciones Entre y Dentro de los Grupos. Psykhe, 16, 2, 2008, 139-149

Resenha: Dizer não aos estereótipos sociais: as ironias do controle mental.

Wilma Ribeiro

Quem consegue escapar dos estereótipos? Portugueses, brasileiros, italianos, taxistas, garçonetes, políticos, todos os grupos existentes possuem seus esquemas categóricos e, portanto, seus estereótipos. Todos nos encontramos em categorias sociais que por sua vez são estereotipadas. Estereótipos são, sem dúvida, estruturas cognitivas úteis no nosso cotidiano. Rápidos, automáticos, espontâneos, naturais, nos fazem economizar recursos cognitivos e simplificar nossa realidade. Em contrapartida, nossos preconceitos se encontram em maior ou menor medida associados a um estereótipo. Seria possível controlar o pensamento estereotípico com eficácia? O artigo de Bernardes (2003) trata do suporte teórico dos mecanismos de supressão do estereótipo e das conseqüências da utilização do mesmo.
O estereótipo refere-se a crenças e conhecimentos a respeito de determinado grupo, que podem influenciar as percepções e os comportamentos relacionados ao mesmo e aos seus membros. Um problema pode surgir quando os estereótipos fazem com que um indivíduo afaste ou rejeite outro por este pertencer a determinada categoria, sem que este último tenha a chance de se fazer conhecer efetivamente com suas qualidades e limitações. Por exemplo, você pode desconsiderar Karla em uma entrevista de emprego de uma empresa, por ser mulher, e perder uma fiel e competente funcionária. Os estereótipos levaram a tomar esta decisão.
Será que uma supressão do estereótipo resolveria este problema? De acordo com o artigo de Bernardes (2003), a tentativa de inibir os pensamentos estereotípicos de acederem à consciência (supressão) pode resultar em efeitos indesejados. Se reiteradas vezes um pensamento é detectado conscientemente a fim de que se possa suprimi-lo, o resultado pode ser a hiperacessibilidade do mesmo, fazendo com que se torne mais acessível do que se não tentasse suprimi-lo. Este é o chamado efeito de ricochete (ERE). Este efeito foi observado nos experimentos realizados em que havia uma supressão explícita (Pedia-se ao participante para não pensarem em estereótipos) e em situações em que a supressão era induzida pela situação (Avaliador pertencia ao grupo a ser estereotipado pelo participante).
A autora também aponta alguns estudos que relacionam estereotipização e memória, citando dentre eles o de Macrae et al (1996). Tais estudos sugerem que a supressão do estereótipo requer recursos atencionais da parte dos indivíduos. Em situações de supressão em que informações estereotípicas e não estereotípicas estavam disponíveis, os participantes posteriormente lembravam-se mais daquelas estereotípicas. O ato de suprimir o estereótipo pode impedir o processamento e retenção da informação não-estereotípica.
Somos, portanto escravos dos estereótipos? Não. A autora aponta alguns autores dentre eles Monteith et al. (1998) que advogam que nem sempre a supressão leva a efeitos irônicos. Um fator moderador relaciona-se a atitude pessoal relacionada a que tipos de grupos estão sendo estereotipados. Por exemplo, estereotipar pedófilos é diferente de estereotipar mulheres, uma vez que para esses últimos há normas pessoais e sociais contra a aplicação de estereótipos. Assim, “quando os indivíduos são instruídos a suprimir os estereótipos dos grupos para os quais não têm preocupações sociais e pessoais acerca da estereotipização, o subsequente ERE poderá não ocorrer.” Ademais, foi verificado que entre os indivíduos com um baixo nível de preconceito havia uma grande probabilidade da ativação dos estereótipos não chegar a se concretizar. E mesmo que esta ocorra, a motivação dos mesmos e o sentimento de culpa subjacente, leva-os a evitar reações estereotípicas. O processo de supressão de pensamentos estereotípicos pode se tornar automático através da prática. Além disso, a negação das associações estereotípicas também facilita a inibição da ativação do estereótipo após a categoria social ter sido apresentada.
A autora também aponta para outras estratégias que podem ser utilizadas de maneira eficaz no momento em que se deseja evitar um estereótipo: a substituição dos pensamentos estereotípicos por outros (por crenças igualitárias, por ex.) e a individuação do alvo (formar impressões com base em informações individuais sobre o alvo). Verifica-se também que aqueles indivíduos que estabelecem o objetivo de não serem preconceituosos, podem viabilizar a não ativação dos estereótipos.
Ao considerar os efeitos negativos das crenças estereotípicas surge a necessidade de evitá-las. Estas vão de encontro às normas de igualdade e de justiça, em especial em uma sociedade dita democrática. Além disto, estas crenças conduzem a um sentimento de culpa em pessoas que possuem senso de justiça e uma visão aberta da realidade. Seria, portanto muito interessante se pudéssemos simplesmente dizer a nós mesmos para não sermos preconceituosos e automaticamente todos os nossos estereótipos negativos desaparecerem. Desta forma especificamente não. Mas a depender das condições, motivações e objetivos podemos fazer uso não apenas da supressão como também das outras estratégias para evitar o impacto dos estereótipos sociais.

Referência: Bernardes, D. Dizer não aos estereótipos sociais: as ironias do controle mental. Análise Psicológica. 21,3, 307-321, 2003.

Resenha: as novas formas de expressão do preconceito e do racismo

Wilma Ribeiro

Atualmente encontramos novas formas de expressão do preconceito e do racismo, que corporifica muitos comportamentos cotidianos de discriminação sendo estes ocorridos ao nível institucional, ou ao nível interpessoal como trata o artigo de Lima e Vala (2004). O objetivo do artigo é analisar as várias teorizações produzidas pela Psicologia Social que explicitam as novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Dentre estas pode-se citar: os racismos moderno e simbólico da Austrália e dos EUA; os racismos aversivo e ambivalente dos EUA; o preconceito sutil da Europa; e, finalmente, o racismo cordial do Brasil. O racismo simbólico “se baseia em sentimentos e crenças de que os negros violam os valores tradicionais americanos do individualismo ou da ética protestante”. Já o racismo moderno guarda elementos comuns com o racismo simbólico e envolve a percepção de que os negros violam valores que são considerados importantes para os brancos e ainda recebem mais do que são merecedores. O racismo aversivo é considerado como decorrente da coexistência de um sistema de valores igualitários com sentimentos e crenças negativos direcionados aos negros. Por sua vez, o racismo ambivalente aborda a ambivalência de sentimentos na expressão do racismo. O artigo trata também sobre o preconceito sutil como uma forma mais velada e disfarçada de preconceito, e o racismo cordial como aquele que caracteriza o encontrado na sociedade brasileira. Sobre este último falaremos mais adiante. O artigo de Lima e Vala (9999) estabelece a diferenciação entre dois fenômenos distintos mais relacionados um ao outro: o preconceito e o racismo. O preconceito se refere a uma atitude hostil contra um indivíduo pertencente a um grupo desvalorizado socialmente. Dentre as várias formas de preconceito, encontramos o étnico ou racial “que se dirige a grupos definidos em função de características físicas ou fenotípicas supostamente herdadas”. Já o racismo constitui-se num processo de “exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa, a qual é re-significada em termos de uma marca cultural interna.” O racismo é apontado como fenômeno que repousa sobre uma crença na distinção natural entre grupos. Mas afinal, quem é preconceituoso no Brasil? Os autores apontam para os dados de uma pesquisa realizada junto a uma amostra nacional indicando que quase 90% dos entrevistados se considera não racista. É bom pensar, entretanto, que não se é racista, uma vez que este termo caminha atrelado a outras características negativas como desumano, frio, etc. Mas a pesquisa continua demonstrando dados interessantes e contraditórios, pois ao passo em que esta alta porcentagem de brasileiros se considera não racista, a mesma quantidade de pessoas acredita que existe racismo no Brasil (Turra & Venturi, 1995). Onde estão os preconceituosos, então? Observa-se que as formas de expressão do preconceito bem como a natureza do mesmo são influenciadas e definidas pelas normas sociais vigentes na contemporaneidade. O artigo aponta para a mudança nos estereótipos relacionados a negros no Brasil com dados coletados na década de 50 e no ano de 2001. O resultado demonstra um decréscimo nos escores dos estereótipos negativos (ex.: preguiçosos e estúpidos) e um aumento nos escores dos positivos (ex.: musicais e alegres). O que poderíamos compreender erroneamente a partir dos dados apresentados é que o preconceito contra os negros diminuiu, e então celebrarmos a igualdade entre raças. Esta inferência não passa de um ingênuo engano. O que se observa hoje são formas sutis e veladas de demonstração do preconceito, enquanto o mesmo continua sendo fortemente vivenciado. Estas demonstrações estão ocorrendo em todo o mundo e no Brasil adquiriu o nome de “racismo cordial”. O Brasil é considerado um país multiracial. A miscigenação encontrada na pele, cultura, religião do povo brasileiro nos fala de um país onde o contato inter-racial, tem sido desde o início da civilização e o é até então, um fenômeno definidor da identidade social. A presença do preconceito neste país difere da dos outros países uma vez que aqui encontramos manifestações polidas de atitudes e comportamentos discriminatórios. Em especial, essas se expressam “ao nível das relações interpessoais através de piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”. Isto é o que podemos chamar de racismo cordial. Assim, em geral, pessoas de cor negra não deixam de ser vítimas do sarcasmo de pessoas que de longe, se consideram preconceituosas. O artigo traz a posição de Guimarães (1999, p. 67), sobre este relevante aspecto: “trata-se de um racismo sem intenção, às vezes de brincadeira, mas sempre com conseqüências sobre os direitos e as oportunidades de vida dos atingidos”. Assim, no lugar de observarmos pessoas sendo xingadas ou agredidas por serem negras, ou sendo expulsas de ambientes restritos, identificamos novas modalidades de discriminação. Embora esteja claro que maneiras mais explícitas de demonstração não tenham deixado de existir por completo. Ademais, algumas expressões como: ‘A coisa tá ficando preta!’, ‘Denegrir a imagem’, ‘Humor negro’, são naturalizadas no vocabulário cotidiano e escondem uma depreciação e desvalorização daquilo que está relacionado com a cor escura, com o negro. Estas formas são mais difíceis de serem identificadas e conseqüentemente mais complexas no que se refere ao seu enfrentamento. Durante décadas o preconceito racial esteve presente na história da humanidade. O questionamento que se instaurou: Como vai a sua manifestação hoje? Pode ser respondido de forma clara. Certamente as leis que obrigam a uma convivência pacífica e penalizam aqueles que manifestam sua aversão a raça do outro tem conseguido uma diminuição dos atos de agressão e exclusão. Mas essas mesmas leis não têm diminuído o preconceito. A literatura aponta para a possibilidade de pessoas preconceituosas mascararem com negação, falseamento ou justificativas seus atos de discriminação. A lei, desta forma, não diminuiu o preconceito e situações discriminatórias ainda continuam perpassando o cotidiano de indivíduos em todo o mundo que nem sempre recorrem aos seus direitos legais. O artigo que faz uma comparação entre os preconceitos existentes no Brasil, Austrália, Europa e EUA, salienta a necessidade de maior ênfase na investigação dessas modernas formas de preconceito no Brasil, a fim de encontrar elementos que diferenciem e assemelhem as maneiras de demonstração preconceituosa existente nesses diferentes países. O anseio pessoal é que as investigações também caminhem para a descoberta de novas e eficazes formas de enfrentamento e diminuição do preconceito.

Referência:  Lima, M. E. e Vala, J. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estudos em Psicologia (Natal), 9, 3, 2004.

Resenha: Flutuações e diferenças de gênero no desenvolvimento da orientação sexual – Perspectivas teóricas.

Apohena Noroya

O artigo faz uma revisão de pesquisas que abordam as diferenças de gênero e suas flutuações no desenvolvimento da orientação sexual. As autoras são psicólogas clínicas portuguesas e uma delas realiza pós doutorado. Elas fazem um apanhado sobre as conceituações e diferenças entre a identidade de gênero, papéis sexuais e orientação sexual, assim como, de que forma (geralmente numa ótica estereotipada) a sociedade vê as flutuações de orientação sexual – uma hora heterossexual, na outra bissexual, transexual, pansexual, polisexual.
Na introdução as autoras falam da importância da compreensão do que leva as pessoas a relacionarem-se entre si, investigando as relações dos sexos e dos gêneros com a diversidade de comportamentos humanos. Elas afirmam que para uma melhor entendimento psicológico da identidade sexual é preciso definir separadamente os conceitos de sexo- estrutura anatômica e gênero- aspectos psicossociais do sexo. No desenvolvimento da identidade sexual é preciso destacar três componentes que vão se desenvolvendo gradativamente: a identidade de gênero, os papeis sexuais e a orientação sexual.
Durante a fase da identidade de gênero, a criança se reconhece num processo de auto-identificação como menino ou menina, os papeis sociais e sexuais dizem respeito aos estereótipos das características masculinas e femininas, sobre os ditames sociais do que se espera socialmente da aparência,comportamento e aspectos da personalidade destas pessoas. Em relação a orientação sexual, as autoras falam da preferência por parceiros do sexo oposto, do mesmo sexo ou por ambos os sexos, destacando dois aspectos essenciais distintos: a preferência física sexual e a preferência afetiva. Sendo assim, as categorias homossexual, heterossexual e bissexual se caracterizam não como nomes mas sim como adjetivos que se referem ao sexo do parceiro que uma pessoa escolhe para se relacionar afetivamente e sexualmente.
Ao abordar a questão da fluidez no desenvolvimento da orientação sexual, as autoras se detém a exemplificar e explicar este tema através do universo feminino. Através de pesquisas as autoras constataram que a sexualidade da mulher é relativamente fluida, a identidade sexual das mulheres passa por diversas mudanças nas atrações sexuais ao longo do tempo, passam de heterossexuais, a homossexuais ou bissexuais. Embora alguns estudos sobre desenvolvimento afirmem que uma vez se assumindo homossexual para si e para os outros não haja mais alteração da identidade sexual, outros estudos dizem que algumas mulheres se assumem como lésbicas por não se encaixarem ou não se aceitarem como bissexuais.
Apesar das atrações sexuais entre as mulheres parecerem bastante estáveis, as identidades e os comportamentos são bem mais fluidos e diversificados, exemplo disto é o fato das lésbicas geralmente se reportarem a um colega de escola homem entre as suas primeiras atrações sexuais. Elas podem inclusive ficar com homens mais tarde novamente espontaneamente, não por pressão social, embora não se vejam ou não se assumam como bissexuais. Segundo alguns autores, os bissexuais tem uma maior capacidade de experimentar atrações por ambos os sexos o que dará aos seus sentimentos subjetivos uma maior suscetibilidade de serem influenciados pelo ambiente, se afastando assim, da identidade sexual minoritária. As autoras acreditam que há consistência de mudanças na orientação sexual ao longo do tempo, exemplo disto são os bissexuais se tornarem homossexuais em sua orientação sexual, embora se mantenham em sua identidade sexual como bissexuais.
Em relação às diferenças de gênero no desenvolvimento da orientação sexual, as autoras verificaram através de pesquisas que sujeitos do sexo feminino tem maior probabilidade de experienciar relações heterossexuais antes de ter experiências com o mesmo sexo e os rapazes a ter experiências primarias com o mesmo sexo. As diferenças de gênero na orientação sexual podem ser compreendidas através: a)preferências por relações sexuais descomprometidas, assim como no interesse em estímulos visuais, b)importância subjetiva da fidelidade emocional e sexual e c)no valor da percepção de características do parceiro. Sendo que, as diferenças de gênero prevalecem independente da orientação sexual. Em termos de atrações sexuais verificou-se que os sujeitos do sexo masculino apresentam um contexto sexual, de sexo descomprometido e estímulos visuais, enquanto as mulheres seguem um contexto emocional, atribuindo maior importância a fidelidade emocional.
Diferenças de gênero X idade foram encontradas em relação a convicção da identidade sexual mas não em relação aos primeiros comportamento sexuais. Resultados de estudos comprovaram que as mulheres mais jovens afirmavam mais identidades bissexuais que os homens jovens. Verificou-se que as diferenças de gênero tem sido muito importantes em relação as questões de comportamento sexuais, numero de parceiros sexuais e idade de iniciação, mas em relação a orientação sexual não foram encontradas diferenças significativas entre as categorizações gay, heterossexual ou bissexual.
Em sua conclusão as autoras falam do privilégio feminino visto na fluidez, na permissão de uma maior possibilidade de escolhas e de mudanças no ciclo de vida, enquanto o homens ainda são muito cobrados em manter uma maior exclusividade de orientação sexual refletindo numa maior rigidez social. As relações, a sexualidade e os amores são influenciados pelo meio e predispostas biologicamente, na sua subjetividade individual sem ser separados de um contexto social de inserção.

Referência:
Almeida, J. e Carvalheira, A. A. Flutuações e diferenças de género no desenvolvimento da orientação sexual: Perspectivas teóricas. Análise Psicológica, 25, 3, 343-350, 2007

Resenha: Imagens e estereótipos do Brasil em reportagens de correspondentes internacionais

Yasmin Oliveira

Ivan Paganotti é jornalista freelancer formado pela Universidade de São Paulo e professor de Jornalismo no Colégio Stockler. O artigo “Imagens e estereótipos do Brasil em reportagens de correspondentes internacionais” baseia-se nas pesquisas para o seu Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social “Uma certa libertinagem, muito carnaval e um pouco de pecado O Brasil dos correspondentes internacionais”.

A partir da revisão de literatura, o autor explica que as impressões estrangeiras são fontes da identidade pessoal de um país. É evidente que os meios de comunicação de massa se encarregam de transmitir, difundir e criar estereótipos a respeito das mais diversas categorias sociais, sobretudo através dos jornais, da rádio, da televisão e do cinema.

A pesquisa de Paganotti propõe que, através das produções dos correspondentes internacionais, entre o período de 2002 e 2005, é possível identificar as imagens coletivas referentes ao Brasil, e os estereótipos freqüentemente utilizados para representar a identidade brasileira. O artigo aborda as estratégias de construção, reprodução e transformação destes estereótipos.

O material divulgado, pelo meio jornalístico, no caso, correspondentes internacionais, é um fator que influencia a própria construção do imaginário coletivo estrangeiro sobre o país. Esse processo implica uma categorização e uma conseqüente simplificação sobre os temas e os locais que tratam.

Essa simplicidade é, em certo nível, vantajosa, para os correspondentes, pois não é possível um aprofundamento temático devido ao curto tempo e espaço que dispõem. Ainda mais ao se pensar em notícias internacionais que se encontram mais distantes da realidade dos espectadores.

Além de fazer parte desse processo de criação dos estereótipos, o material publicado através dos correspondentes internacionais, freqüentemente, reproduz os estereótipos existentes.

Levando em consideração os processos de estereotipia, o autor do artigo separou os textos em quatro grupos de “Brasis”: o “de sangue”; o “de lama”; o “verde”; e o “de plástico”.

O Brasil sangrento foi o grupo de notícias mais encontrado nos jornais, tem como foco a violência, o tráfico de drogas, a insegurança generalizada e a impunidade. É importante ressaltar que costumam vir atrelados a justificativas estruturais, como omissão governamental, pobreza e exclusão social.

Em segundo lugar quanto ao aparecimento, está o Brasil de lama. Comumente associado a idéia da violência, mas tendo como foco os textos que acusam a corrupção política, o subdesenvolvimento e a pobreza.

O Brasil verde apesar de ser o mais antigo grupo de representação do país foi ao longo da história sendo remodelado e além de trazer a já conhecida exótica Amazônia com sua importância ecológica, a apresenta como uma “terra sem lei” e da depredação ambiental.

O Brasil de plástico é o mais otimista, com caráter propagandístico de exportação, neste grupo encontram-se as notícias das festas, liberdade sexual, dos negócios e da alta sociedade. Um caráter interessante dos estereótipos é que, muitas vezes, sua amplitude alcança os próprios alvos, no caso os brasileiros, que, além de assimilarem o Brasil das festas e a esperança do futuro passam a agir de acordo com essas informações.

Em sua pesquisa, Paganotti, se preocupou em identificar os textos que procuravam reproduzir os estereótipos, assim como, os que buscavam transformá-los. Segundo o autor, o jornal é um local adequado para a valorização dessas modificações. Mas o observado por ele foi um nível de repetição incrivelmente superior às transformações dos estereótipos.

O artigo termina com uma espécie de alerta para os interesses particulares que regem essas perpetuações, e inclusive algumas das transformações que são feitas. Estes interesses são, normalmente, de fins mercantis. Mas como o autor deixa claro, os estereótipos não são criados e reproduzidos unicamente para este fim, mas, também, não é possível negá-los.

Os resultados da pesquisa apontam para uma predominância dos estereótipos de cunho negativo. Uma possibilidade para a insistência na perpetuação destes estereótipos descritos é o interesse dos que transmitem as notícias (sejam a própria instituição jornalística, o público alvo – os leitores, ou interessados dos mais diversos) em de alguma forma minimizarem a importância do país. O Brasil verde não tem competência para administrar seu patrimônio ecológico, o Brasil de lama vive uma situação de omissão do poder e incapacidade dos pobres, e o Brasil sangrento em estado de insegurança constante. E por outro lado existe o interesse em vender outro Brasil, o de plástico, pais do futuro e das festas carnavalescas e da sexualidade a flor da pele.

Todos esses “Brasis” e estatísticas trazidas pela pesquisa são interessantes para se refletir sobre o porquê dessas representações da identidade brasileira. Discussão esta compatível com o trazido por Paganotti na sua revisão de literatura: os estereótipos baseiam-se em relações afetivas, dizem, portanto, menos sobre a realidade e mais sobre como é tratado.

Corroborando com Paganotti, Gomes (2007) afirma que “o jornalismo é uma construção social que se desenvolve numa formação econômica, social, cultural particular e cumpre funções fundamentais nessa formação”. Para a mesma, a notícia é uma construção e jamais uma representação precisa da realidade. Dessa forma, conclui-se que o processo de produção da notícia inclui o conhecimento das áreas temáticas de cobertura noticiosa; o conhecimento das expectativas dos receptores; e os interesses vigentes na sociedade de publicação.

Referências:
Paganotti, I. Imagens e estereótipos do Brasil em reportagens de correspondentes internacionais. RUMORES – Revista Online de Comunicação, Linguagem e Mídias 1, 1, 2007.
Gomes, I. M. Questões de método na análise do telejornalismo: premissas, conceitos, operadores de análise. ECOMPOS – Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 4-31, 2007.

Resenha: Representação social de crianças acerca do velho e do envelhecimento

Milena Magalhães

As representações sociais do idoso e da velhice se refletem no modo como são tratados, e são fruto das circunstâncias materiais e dos sistemas de valores e crenças de cada sociedade, e sofreu mudanças com o passar do tempo. Nesse estudo as autoras colocam como essa representação mudou ao longo do tempo, e como existem diferentes imagens sobre os idosos na sociedade contemporânea, por vezes considerados sábios, e em outras considerados velhos decrépitos.

Essas autoras apontam ainda a proposta de Park de trocar o termo velho por idoso, o que seria favorável a manutenção dessa classe etária. Colocam ainda que os estudos que investigam crenças, atitudes, percepções e representações sociais do idoso predominam os aspectos negativos.

Isso pode ser facilmente percebido, como por exemplo a idéia que se tem de que os idosos não fazem sexo, não podem frequentar determinados lugares e que eles têm que ficar em casa, fazendo tricô ou jogando baralho.

As crianças estão inseridas desde a primeira infância em um mundo estruturado pelas representações sociais, e o modo como ela percebe e se posiciona e no mundo é por influência destas.

O estudo foi feito com dois grupos de crianças de baixa renda da zona rural. A estratégia metodológica utilizada foi a utilização do desenho aliado à entrevista semi-estruturada e da brincadeira tematizada como instrumentos de investigação.

As autoras optaram por apresentar os resultados e a discussão em dois tópicos: O envelhecer: porque uma pessoa é velha e Como é uma pessoa velha.

As crianças dão uma ampla importância às características físicas, rugas e cabelos brancos, como forma de reconhecer os idosos. O que é justificável já que são características visíveis e palpáveis, além do mais os seres humanos se utilizam da aparência física para se reconhecerem, e essa observação é base para os julgamentos sobre o status e o valor dos outro. Mas essas características não são os únicos métodos que as crianças utilizam para fazer a distinção do idoso. Uma das crianças aponta o uso da bengala como um indicativo da idade, o que faz com que percebamos que a associação do idoso a limitações físicas já é algo feito desde a infância, e isso normalmente não é modificado ao longo de sua vida. Outras ainda apontam as limitações, a fragilidade e a morte como outros indicativos.

Muitas crianças fazem uma associação do idoso como avós – se é idoso é avô, se é avô é idoso –, porém isso não é feito por crianças que moram com os avós, estas não classificam seus avós como idosos. Isso nos mostra como o grupo que está se relacionando com a criança é importante para a construção das representações sociais.

Na questão que se refere à condição do idoso vale ressaltar que quanto mais velhas as crianças eram, mais a doença era associada a eles, colocando ainda a idéia de que os idosos são desagradáveis e indesejados. Isso é fruto do que lhes rodeia, o idoso, infelizmente, é visto assim pela sociedade, e essa ideéa tão errada é passada para as crianças, que inicialmente apenas reproduzem o que vêem e ouvem, mas que depois admitem como verdade, passando para as pessoas a sua volta.

Mesmo acreditando que o idoso é doente algumas crianças os colocaram com sendo ativos, que trabalham, que viajam e circulam pela cidade, mas as crianças que já tinham visitado cidades maiores ou tido acesso a programas televisivos os colocou também como pobres e mendigos.

As crianças colocaram o envelhecimento como um processo natural relacionado com a passagem do tempo, em que todos estão sujeitos. E que elas serão idosas quando tiverem crescido, casado, tido filhos e netos. Essa representação mostra claramente a influencia da sociedade que determina um ciclo a ser cumprido desde a infância.

As contradições existentes nas falas das crianças nos mostra como elas estão atentas a tudo a sua volta, e fazendo as suas representações a partir dessas informações. Dessa forma é nessa fase que se deve apresentar as crianças as diferenças existentes entre os objetos sociais, para assim, diminuir os preconceitos e os estereótipos negativos que se relacionam com os idosos e com outros objetos sociais.

Esse estudo que buscou entender como a velhice, o idoso e o envelhecimento são percebidos e representados é bastante importante pois dá a oportunidade de compreender os comportamentos e sentimentos para com estes. Porém, possui algumas limitações como o número de participantes que é muito baixo, além da amostra conter apenas representantes de uma mesma classe e de um mesmo local, mas, ainda assim, o estudo nos possibilita uma visão acerca dessa temática.

Resenha: Os Flintstones e o preconceito na escola

Patrícia Carvalho

As relações interpessoais são perpassadas pelos estereótipos – crenças coletivamente compartilhadas acerca de algum atributo, característica ou traço psicológico, moral ou físico atribuído extensivamente a um agrupamento humano (Krüger, 2004). Estes se constituem um importante mediador entre a percepção dos indivíduos e os fatos sociais, visto que moldam e direcionam a primeira a aspectos específicos dos últimos, limitando-os, assim, ao seu escopo.

A compreensão de tal fenômeno justifica-se, então, por sua ampla interferência na estruturação das interações sociais, estando este, muitas vezes, atrelado a manifestações de preconceito – um julgamento negativo de um grupo e seus membros individuais (Myers, David. 2000) – e discriminação – comportamento manifesto que se exprime através da adoção de padrões de preferência em relação aos membros do próprio grupo e/ou de rejeição em relação aos membros dos grupos externos (Pereira, 2002).

Tânia Baibich, professora adjunta III do departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, aborda em “Os Flintstones e o preconceito na escola” a temática do preconceito e sua negação.

O texto trás a problemática da comum negação da existência de preconceito atuando como perpetuadora dessa atitude. Por trás de um discurso politicamente correto de igualdade escondem-se as estatísticas de injustiça e desigualdade social, regional, de gênero etc. Fato que denuncia a incongruência gritante entre a realidade e o que dela é pregado.

A partir da aplicação de um questionário composto por questões abertas e fechadas em nove professores e um funcionário da secretaria de uma escola publica, a autora procurou avaliar a ocorrência e possível negação da existência de preconceito no ambiente da escola. Os resultados seguem a tendência de negação encontrada em outros contextos de socialização, apontando para uma deficiência estrutural da instituição escolar que compromete uma de suas principais finalidades: a formação de uma consciência crítica que não permita a aceitação pacifica (e conseqüente introjeção) de valores errôneos.

Baibich destaca algumas questões levantadas pelas entrevistas que caracterizam a existência do que chamou “varredura para debaixo do tapete” nas condutas dos sujeitos. Esses vão desde o “reconhecimento da existência do preconceito” até “o tratamento dispensado pela escola à questão do preconceito e de suas conseqüências” além da “observação do preconceito em si e/ou nos outros”.

Em todos os quesitos é marcante a presença de um discurso de negação referente ao próprio comportamento e denúncia de praticas preconceituosas por parte de outros. Fica, assim, clara a distância entre a realidade escolar daquilo que pretende-se a partir de uma educação igualitária: “uma escola que alicerce uma sociedade que nunca mais permita a barbárie”. Barbárie essa embasada numa idéia extremada de alteridade.

A concepção de alteridade, presente na base do comportamento preconceituoso, é percebida desde os tempos antigos e parece estar relacionada às diferenças culturais. Seja entre os índios sul-americanos ou entre os romanos, a percepção de um outro é marcante e assume importante papel nas dinâmicas intra e intercomunidades.

A questão central em tal discussão parece girar em torno da tênue linha entre uma a distinção equilibrada entre o ingroup e outgroup – imprescindível ao processo de formação da identidade – e seu extremismo. Seja nos atentados terroristas ou nos feitos nazistas a concepção de eu e de outro configura-se o cerne de um problema que envolve diversas instancias da sociedade: desde as instituições de ensino ate as políticas publicas e idéias veiculadas na mídia.

Referências
Baibich, T. Os Flintstones e o preconceito na escola. Educar, 19, 2, 111-129, 2002.
Krüger, Helmuth. Cognição, Estereótipos e preconceitos sociais. Em Marcos E. O. Lima e Marcos E. Pereira. Estereótipos, preconceitos e discriminação. Perspectivas teóricas e metodológicas. Salvador: EDUFBA, 2004.
Myers, David (2000). Psicologia Social. São Paulo: LTC.
Pereira, Marcos E. (2002). Psicologia Social dos estereótipos.

Resenha: Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero

Contribuição: Bernardo Follador Lo Bianco de Oliveira

Este artigo trata de um estudo realizado por Maria Cristina Ferreira sobre a aplicação do Inventário de Sexismo Ambivalente, desenvolvido por Glick e Fiske (1996), em uma amostra brasileira. Este instrumento tem demonstrado boas características psicométricas, no que se refere à identificação e comparação de atitudes sexistas – inclusive as maneiras mais modernas e encobertas – não só nos Estados Unidos, como no Chile, na Alemanha e no México. O objetivo do trabalho foi replicar a estrutura bi-fatorial do sexismo (hostil e benevolente) no Brasil, verificando as relações desses fatores com as diferenças de gênero.

Maria Cristina Ferreira é graduada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1972), e possui mestrado e doutorado em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (1977 e 1985). Atualmente é professora titular na Universidade Salgado de Oliveira e atua principalmente com os seguintes temas: comportamento organizacional, psicologia transcultural, papéis de gênero e medidas psicológicas. Ela apresentou este artigo em 2004 na XXXI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, no Simpósio Relações sociais de gênero: Possibilidades e perspectivas de análises psicossoal.

O artigo foi dividido em três partes: uma introdução com a revisão de literatura, uma segunda parte, de título método, que explica os procedimentos de aplicação do instrumento e, por fim, a discussão dos resultados obtidos.

A autora inicia sua revisão de literatura remetendo à obra de Gordon Allport “A natureza do preconceito” (1954) a origem dos estudos científicos do preconceito sob a perspectiva psicossocial. Porém hoje a definição que se tornou consenso é a de Smith e Mackie (1995), que o define como uma atitude negativa dirigida a membros de determinados grupos sociais em função de uma pertença ao grupo. Enquanto um tipo de atitude o preconceito apresenta um componente cognitivo – crenças e representações negativas que caracterizam membros de determinados grupos sociais –, um afetivo – sentimentos e avaliações negativas –, e um comportamental – associado à discriminação e a atos hostis –. Em meio aos diferentes tipos de preconceito encontramos o sexismo, que compreende avaliações negativas e atos discriminatórios direcionados a mulheres devido a sua condição de gênero.

As teorias feministas explicam o sexismo como um resquício da cultura patriarcal. Elas apontam que a dicotomia público versus privado característica das sociedades patriarcais dotou o homem de um poder estrutural – controle das instituições econômicas, políticas e legais – e delegou às mulheres o cuidado da casa e dos filhos, concedendo, assim, ao primeiro a característica de grupo dominante. Esses valores, reforçados constantemente durante o processo de socialização, dariam origem às representações das mulheres como dóceis, submissas e responsáveis.

A literatura mais recente, porém, tem mostrado que as atitudes tradicionais a respeito da mulher têm sido substituídas por novas formas de sexismo. Os estudos de Swin, Aikin, Hall e Hunter (1995) apontam que atualmente a antipatia dirigida ao sexo feminino tem se expressado de forma mais simbólica ou indireta na atualidade. Esse sexismo moderno é caracterizado pela negação de que a discriminação contra a mulher ainda exista e por um antagonismo contra as lutas e políticas de apoio à população feminina.

Glick e Flicke (1996), ao estudarem estas novas formas de sexismo, propuseram que este tipo de preconceito se expressa através de duas facetas distintas: sexismo hostil e sexismo benevolente. O primeiro manifesta-se através de grande antipatia com as mulheres e o segundo por meios de sentimentos e condutas positivas em relação a estas – caracterizados pela visão idealizada da mulher como objeto romântico e pelas atitudes de reverência e proteção. Entretanto, estes mesmos autores, registram que apesar de se manifestar através de atitudes de proteção, idealização e afeto, o sexismo benevolente é permeado pela mesma ideologia do sexismo hostil – crenças sobre a inferioridade feminina – e também pode ser usado para justificar as desigualdades de gênero. Fundamentados nessas concepções teóricas, Glick e Flicke desenvolveram o Inventário de Sexismo Ambivalente, composto de 22 afirmativas com opções de resposta Likert de 6 pontos.

Na segunda parte do artigo a autora explica os procedimentos utilizados para aplicação deste inventário. A amostra foi composta de 540 universitários do Rio de Janeiro, de ambos os sexos e de idade média 21,83 anos. As 22 afirmativas da versão original do Inventário de Sexismo Ambivalente foram todas mantidas, traduzidas e corrigidas por 4 pessoas bilíngües. Porém houve uma dificuldade de tradução nos itens fraseados negativamente e decidiu-se trabalhar com todos os itens fraseados no sentido positivo. A aplicação do questionário se deu nas próprias salas de aula e os participantes foram solicitados a contribuir para uma pesquisa sobre a percepção das pessoas a respeito de diferentes grupos sociais. Os que deram suas opiniões a respeito de cada uma das frases do questionário de acordo com a escala Likert de 6 pontos, variando de “discordo fortemente” a “concordo fortemente”.

Os resultados obtidos foram bem semelhantes àqueles coletados em outros países. A estrutura fatorial obtida reproduziu fielmente a estrutura original, com os itens apresentando cargas fatoriais elevadas em um fator associado ao sexismo hostil ou em outro fator associado ao sexismo benevolente. Tais fatores foram responsáveis por 29% da variância do instrumento e sua consistência interna (Alfa de Cronbach) revelou resultados de 0,84 e 0,75 respectivamente. Os homens apresentaram escores significativamente mais altos para a escala de sexismo hostil, mas na escala de sexismo benevolente não houve distinção entre os sexos.

Ferreira conclui o seu artigo discutindo os resultados do estudo. Ficou evidente que a estrutura bi-dimensional obtida com a análise fatorial reproduziu integralmente as duas formas de sexismo (hostil e benevolente) dos estudos Glick e Flicke, confirmando que se trata de construtos independentes. Também ficou comprovado que o instrumento pode mensurar estes construtos em uma amostra brasileira de forma válida e fidedigna. A convergência dos resultados com amostras diversificadas obtidas anteriormente apontam a favor da posição de que o sexismo benevolente e hostil se caracterizam por ideologias válidas transculturalmente.

A autora considera as mulheres rejeitarem apenas o sexismo hostil, mas aceitarem o sexismo benevolente, como um sinal de que elas também impõem resistências às políticas que buscam reduzir as desigualdades entre os sexos. O sexismo benevolente ser aceito na mesma proporção por ambos os gêneros indica que ele pode estar sendo utilizado para levar a mulher a aceitar o maior poder estrutural dos homens e ainda ser recompensada por isso, já que este poder seria usado para lhe proteger. O fato de ele ser associado à proteção, admiração e afeto masculino, mascara toda a sua ideologia patriarcal que busca reforçar as desigualdades. Em outras palavras, ao endossarem o sexismo benevolente, as mulheres reforçam toda a ideologia hierárquica da relação entre os sexos afirmando que os homens não as dominam, mas as protegem. Ferreira conclui o texto afirmando que o sexo feminino ainda não tomou consciência do modo sutil através do qual o sexismo benevolente perpetua os valores patriarcais que limitam suas oportunidades.

O trabalho de Maria Cristina Ferreira alcançou a maioria dos seus objetivos, replicar a estrutura bi-fatorial do sexismo e analisar as relações entre esses fatores e as diferenças de gêneros. Porém, podemos questionar se uma amostra de 540 alunos de nível superior é a melhor amostragem para testar a fidedignidade e a validade de um instrumento na realidade brasileira. O ponto forte do artigo é sua revisão de literatura que, de forma breve e abrangente, cobre as bases que fundamentam a ambivalência do sexismo; tornando-o uma leitura agradável para iniciar-se no assunto.

Referencia: Ferreira, M.C. (2004). Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de genero. Temas em Psicologia da SBP. Vol.2. No 22. Pg. 119-126.

Resenha: Estereótipos e mulheres na cultura marroquina

Yasmin Oliveira

O artigo “Estereótipos e mulheres na cultura marroquina” de Fatima Sadiqi faz parte de um dossiê sobre a questão de gênero no Islã, da revista brasileira cadernos pagu. Tem como objetivo esclarecer o público de língua portuguesa e espanhola sobre a atual situação, no Marrocos, sobre o Islã a as relações de gênero.

Fatima Sadiqi, autora deste artigo é professora da Universidade de Fez, Marrocos. Ela apresenta os estereótipos sobre as mulheres e como estes são significativos na cultura local, que aplica representações poderosas para transmitir e sustentar tais estereótipos. No entanto, realça que as marroquinas não são receptoras e transmissoras passivas, elas utilizam estratégias para lutar contra tais estereótipos.

Segundo Sadiqi, os estereótipos, sobre as mulheres no Marrocos, podem ser definidos como crenças culturais incompletas e inexatas mantidas por algumas pessoas e que se encontram inscritos em expressões lingüísticas ou em discursos subliminares.

No país em questão, a importância peculiar destes estereótipos se dá porque a sociedade marroquina é extremamente reguladora e cria uma forte postura cultural que se manifesta nos modelos de pensamento e nas atitudes.

O artigo se encontra estruturado, didaticamente, em três sessões principais: os componentes principais da cultura marroquina; estereótipos e a relação de gênero na cultura; e reações das mulheres aos estereótipos negativos.

A apresentação inicial que ela faz sobre a cultura marroquina é essencial para o entendimento de como essas relações de gênero se dão e quais os estereótipos negativos ligados às mulheres marroquinas.

Ao delinear os componentes que constituem a cultura, Sadiqi, a partir de sua definição, explica que todas as culturas controlam seus membros diferindo apenas quanto ao grau de controle. O forte nível de controle exercido nesta cultura está, principalmente, ligado às instituições sociais descritas pela autora: história, geografia, Islã, oralidade, realidade multilíngüe, organização social, status econômico, e sistema político. Todas desempenham impacto direto na percepção de gênero e determinação de papéis.

Entre os componentes culturais mais importantes para a percepção de gênero dos marroquinos, está a geografia. O país encontra-se entre a África e a Europa. Essa aproximação com culturas diferentes tornou-o flexível: com uma tolerância religiosa, de uma heterogeneidade cultural e uma complexidade lingüística. Flexibilidade esta, que admite uma atitude mais positiva com relação às mudanças dos papéis relativos aos gêneros.

A política atual é um dos mais ilustrativos exemplos, de tolerância e até ambigüidade, trazidos por Sadiqi. O poder público, e conseqüentemente o ambiente político, são culturalmente de competência apenas dos homens. No entanto, a própria monarquia tem trabalhado insistentemente para a entrada das mulheres no ambiente político.

Fatores como a história nacional, que apresenta o ponto de vista patriarcal, de subordinação das mulheres, reforçam os estereótipos negativos. Assim como, a oralidade, típica da cultura marroquina, que devido à força e ao valor atribuído a fala e as expressões verbais locais, ajudam a perpetuar os papéis de gênero no país.

De acordo com o texto pode-se dizer que a linguagem é o fator essencial para o entendimento do processo de criação, estabelecimento e perpetuação dos estereótipos no Marrocos. Na cultura marroquina a fala possui um forte valor. Isso ocorre pois as línguas maternas, o berbere e o árabe marroquino, são tradições lingüísticas orais. Dessa forma o falado publicamente se iguala aos contratos escritos (valor da cultura ocidental). A oralidade é típica desta sociedade e é a forma mais comum de transmissão dos estereótipos sobre as mulheres.

As línguas faladas também estão associadas ao status social. As mulheres com baixo nível de educação e classe social falam, normalmente, apenas o berbere e/ou o árabe marroquino, dessa maneira são, na maioria dos casos, analfabetas e ainda mais alheias ao contexto político.

A relevância de estudar a cultura marroquina e seus conseqüentes estereótipos de gênero é poder traçar a evolução das relações de gênero no país. Apesar da heterogeneidade observável das mulheres marroquinas, elas fazem parte da mesma organização social, a que Sadiqi se propôs, exaustivamente, a explicar. E é na unidade primordial da sociedade – a família – que se inicia o processo de estereotipagem. Estes estereótipos construídos no nível familiar, vão sendo valorizados no contexto sócio-cultural, perpetuando-os.

Os estereótipos explícitos sobre as mulheres no Marrocos costumam reforçar os modelos de “boas mães” e “esposas”. Enquanto que os estereótipos implícitos são percebidos nos comportamentos e na fala e são extremamente danosos e permanentes. Ambos podem ser negativos ou positivos, ou ainda, ditos como “nocivos”, no sentido da pressão que fazem sobre as mulheres.

No entanto, as marroquinas reagem a estas crenças negativas. As estratégias de reação aos estereótipos variam de acordo com as variáveis sociais, como as de origem geográfica, de classe, nível de educação, estado civil, entre outras.

Segundo a autora, elas utilizam artifícios variados, como o uso de outros estereótipos, os chamados “contratipos”, que substituem os estereótipos negativos já existentes, assim com as, tentativas de grupos de defesa femininos que estão em processo de busca por modelos de mulheres bem sucedidas tanto na vida pública quanto na educação. O Marrocos é carregado de estereótipos negativos em relação às mulheres, a maioria deles difíceis de serem evitados devido à cultura local. E a primeira ação necessária para combatê-los, de acordo com Sadiqi, é torná-los conscientes.

Apesar de todas as dificuldades existentes, estratégias de reação aos estereótipos negativos estão sendo elaboradas. Assim como, o delineamento dos estereótipos que afetam as marroquinas. E como é possível observar pelo exemplo da própria autora do artigo – uma profissional renomada da Universidade de Fez – modelos estão aos poucos sendo erguidos.

Referências:
Sadiqi, F. Estereótipos e mulheres na cultura marroquina. Cadernos pagu (30), 11-32, 2008.
Harrak, F.;Aouad, O. Apresentação. Cad. Pagu, Campinas, ( 30), 2008 .