Resenha: da marginalidade à inclusão

Erlane Bárbara F. Nascimento

Estar à margem em sociedades capitalistas, não é para poucos ao contrário do que se pode pensar, o desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural escolhe seletivamente os seus beneficiários, sendo assim, é muito restrito associar a marginalidade apenas aos indivíduos que cometeram algum ato criminoso, transgredido as leis instituídas. Entretanto, é justamente nessa dimensão da marginalidade, associada aos que transgrediram a lei, nesse caso presidiários que se encontram em cumprimento de pena no presídio de Araguaína (To) que o artigo irá se pautar, buscando refletir de modo crítico a real possibilidade de ressocialização dos seus detentos tendo como instrumento principal a educação.

O artigo nasce como resultado de uma pesquisa promovida por Luisa Helena O. da Silva (doutora em Estudos da linguagem), Francisco Neto P. Pinto (mestre em engenharia de produção que atua como docente no curso de Pedagogia e no curso de especialização em leitura e produção escrita) e Kátia Cristina C. F. Brito (graduanda em letras). É importante situar a formação dos pesquisadores para compreender melhor o prisma de análise por eles estabelecido.

Utilizando a análise de discurso francesa que percebe a linguagem como um processo que se constitui em uma relação dialética de base histórico-cultural, é que os pesquisadores analisaram as representações sociais dos presidiários sobre educação mediante redações que lhes foram solicitadas construir pelos seus professores. Os presidiários estudam na instituição através da modalidade EJA (Educação para Jovens e Adultos) e nessas redações lhes foi pedido que expusessem a concepção que possuem do que é educação e sua importância para a ressocialização.

Problematizando a qualidade da formação dos professores para que eles tenham um efetivo preparo a fim de propiciar uma educação inclusiva em ambientes convencionais e atípicos, capaz de dialogar com a realidade dos seus estudantes. Questionando o conteúdo programático dos módulos trabalhados na unidade prisional, bem como a distância entre o que é preconizado na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e também pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) é que os autores traçam um paralelo entre ideal e prática.

Questionando a validade de termos como reeducação, embasando sua análise em teóricos como Orlandi e Forcault os autores percebem nas falas trazidas (e exemplificadas no corpo do artigo) pelos presidiários, a apropriação do discurso institucional algumas vezes em contradição com a sua própria opinião. A partir dos dados obtidos emergem algumas perguntas: A educação oferecida estaria ligada à construção da autonomia dos presidiários ou a um processo de assujeitamento com vistas unicamente a evitar a reincidência e torná-lo um ser producente? Para tirar as suas próprias conclusões, “Da marginalidade à inclusão: A socialização através da educação no Presídio de Araguaína (TO)” é um artigo que vale a pena ser lido do início ao fim.

Silva O.H.L; Pinto P.N.F; Brito F.C.C.K. (2008). Da marginalidade à inclusão: a socialização através da educação no Presídio de Araguaína (TO). Vol 13 (3): 214-230. Recuperado em 24 de Março de 2013 de http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318257.pdf

Resenha: cognição, categorização, estereótipos e vida urbana

Leonardo Cardoso de Melo

Nesse artigo, o autor se propõe a explorar alguns aspectos envolvidos no processo de formação de representações categóricas e sua relação com julgamentos estereotipados por parte dos indivíduos que habitam grandes centros urbanos. Em sua opinião, o lócus de estudo se justifica em virtude da alta concentração populacional nas metrópoles elevar o grau de complexidade da compreensão do mundo que nos cerca.
Essa compreensão só é possível, segundo os teóricos da cognição, porque possuímos dois sistemas de aprendizagem: um que permite fazer representações de modelos de mundo relativamente constantes, bem como um segundo sistema que complementa o primeiro tornando-nos aptos a responder às mudanças frequentes e características dos espaços urbanos. Sem essa capacidade de categorização estenderíamos ao extremo os limites cognitivos a cada vez que necessitássemos identificar os esquemas de conhecimento sobre o mundo.
Dessa forma, seguimos enquadrando pessoas que acabamos de conhecer de acordo com “crenças gerais e antigas organizadas e armazenadas na memória”, o que só é possível devido a uma modalidade de pensamento dita categórica (p. 281). Nesse sentido, categoria seria a “totalidade de informações que os percebedores possuem na mente sobre uma classe particular de indivíduos” (Moskowitz, 2006, segundo Pereira, 2008, p. 281). O autor ilustra como esse processo de categorização se dá e é fundamental para a nossa orientação diária dando exemplos do cotidiano como quando vamos supermercado, onde encontramos tudo arrumado em seções que teriam um efeito análogo à categorização em nossa mente.
Logo em seguida, Pereira analisa como o pensamento categórico exerce influência sobre a representação social. Esse pensamento teria o papel de guiar a estrutura de conhecimentos acerca do processo de informação que compõem a representação social. Uma vez ativada, essa estrutura de conhecimentos permitem uma série de inferências que envolvem, principalmente, o julgamento e avaliações acerca dos membros de um grupo. Embora essas inferências sejam inerentes à cognição humana, e muitas vezes apropriadas, em boa parte dos casos, elas carregam julgamentos estereotipados como afirma o autor (p. 282). Entretanto o autor salienta que, a despeito da precisão envolvendo a correspondência entre as categorizações que fazemos e os eventos que realmente ocorrem no mundo físico, nossa espécie tem se adaptado relativamente bem ao ambiente, denotando o papel fundamental da categorização em sua sobrevivência por possibilitar que tratemos um “evento novo e inesperado em termos de crenças mais gerais e antigas” (p. 282).
O autor segue descrevendo como tudo que foi dito até agora pode ocorrer no cotidiano citadino. Situações em que podemos evidenciar tanto a confirmação dos estereótipos, bem como as suas controvérsias (p. 283), a exemplo da faxineira que possui o estereótipo de morar em bairro periférico, assim como uma possível contradição caso ela more no apartamento vizinho ao do patrão. Ele aponta que “podem ser encontradas na literatura indicações de que as representações estereotipadas se manifestam de forma menos intensa nos centros urbanos de maior tamanho” (p. 283). O que estaria por trás disso?
A literatura a respeito do tema indica que a vida urbana cria condições para aquisição de informações que muitas vezes põem em xeque concepções estereotipadas. Além disso, por propiciar a relação com as alteridades, algumas obviamente confirmam os estereótipos compartilhados sobre determinada categoria social, “enquanto outras se contrapõem a tudo que se ouviu falar sobre os membros daquele mesmo grupo social” (p. 284).
Entretanto o autor defende a tese de que não é a simples convivência em meio urbano e exposição a uma grande quantidade de informações que reduzirá os índices de estereotipização por parte dos indivíduos, é necessário que haja qualidade nas informações quem nascem do processo de interação social “nos quais são obtidas as informações necessárias para a realização dos julgamentos sociais” (p. 285). Essa qualidade não é privilégio dos grandes centros como ele bem lembra ao afirmar que “alguém pode habitar a maior metrópole do mundo e ser absolutamente desprovido de valores cosmopolitas, assim como pode viver na região mais inóspita e remota do planeta e acolher valores universais” (p. 285).
Por fim, um ponto crucial mencionado pelo autor acerca do processo de categorização merece destaque: nós construímos os fatos sociais e por isso não há realidade própria, já que toda nossa percepção é aprendida. Nesse sentido devemos tomar o cuidado de não extrapolar impondo princípios de uma “realidade social” para uma realidade física. Embora a formação de estereótipos seja algo inerente à condição humana é preciso atentar para esse fato se quisermos evitar preconceitos. Cabe sempre nos perguntarmos se o que penso sobre a realidade é como ela se apresenta, ou é o que desejo que ela seja.

Referências:

Pereira, M. E. Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana. Ciências & Cognição: 13, 5, 280-287, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318280.pdf

Resenha: As diferenças entre os sexos: Mito ou realidade?

Thamires Wanke

O presente artigo de Gabrielle Poeschl, Cláudia Múrias e Raquel Ribeiro, publicado em 2003, que visa questionar-se acerca dos papéis sociais de homens e mulheres baseados numa suposta matriz biológica, é todo tecido em cima dos resultados de pesquisas científicas em que se exerce o diálogo entre possíveis contradições; contra argumentos e demais percepções sobre diferenciação sexual.
Como dito no texto, as teorias sexistas propagadas durante e após a Revolução Industrial que tentavam justificar as posições sociais dos sexos, e consequentemente, o Status Quo da mulher, em uma condição inferior e degradante, foram e são abertamente apoiadas assim como, continuam a disseminar-se.
A nova roupagem das hipóteses que tentam provar uma diferenciação sexual, atualmente valorizadas por muitos neurocientistas, afirmam que em função das diferenças cerebrais entre homens e mulheres, estes comportam-se de forma diferenciada, ou seja, deixa-se aquém o processo de aprendizagem social que cada indivíduo inserido numa dada cultura sofre.
Na segunda metade do século XIX inúmeras teorias destacaram-se pela busca da natureza de homens e mulheres, falando aqui especificamente da craniometria. A constatação das diferenças entre tamanho do cérebro e o desenvolvimento de determinadas áreas cerebrais a pertença sexual tornou-se uma constatação importante da fisiologia para a crença das mulheres instintivas e dos homens de racionalidade.
Atrelado a isso estudo Americano publicado pela revista Nature assume que um bom desempenho em testes de QI está ligado a quantidade de massa cinzenta que a pessoa tem no cérebro. Visto que mulheres possuem mais massa branca e homens maior quantidade de massa cinzenta a constatação corrobora com a hipótese de que as mulheres apresentam-se como dominadas pelos instintos e as emoções, manifestações inibidas nos homens pela sua inteligência superior (Shields, 1986).
Alain Giami (2007) atenta ainda para o crescente patrocínio farmacológico neste tipo de pesquisa que por fim gera produtos novos que dizem “solucionar” problemas relacionados por exemplo a funções sexuais.
“Essas pesquisas parecem reforçar as representações tradicionais e mais que centenárias da sexualidade masculina e feminina, também embasadas nas dicotomias opostas da natureza biológica da sexualidade masculina e da natureza espiritual da sexualidade feminina.” (GIAMI 2007)
As discussões propostas no artigo também são retratadas no livro de Elisabeth Badinter Um é o Outro. A autora tenta desmistificar os tabus sexuais e propor uma nova forma de se pensar os gêneros. Afirma que apesar da divisão sexual do trabalho sempre persistir, muitos antropólogos e historiados argumentam que no início do processo evolutivo tanto homens quanto mulheres estavam aptos a realizar as mesmas tarefas, porém o advento do bipedismo fez com que a prole dificultasse a locomoção feminina, visto que os bebês tiveram que nascer mais prematuros em função do estreitamento da bacia, o que levou ao maior cuidado com as crianças além da impossibilidade de serem carregados nas costas.
Essa condição evolutiva acabou por “impossibilitar” as mulheres a caça, porém estas cultivavam, e ao contrário do que o senso comum atesta, os legumes e vegetais eram extremamente importantes à alimentação bem como a carne; e as aquisições comportamentais derivadas das diferentes tarefas foram sendo adquiridos por ambos os sexos, apenas com algumas diferenciações. Em que através da caça na savana os homens desenvolviam a atenção, a tenacidade e a astúcia Edgar Morin (1973) e as mulheres que por não possuir as características físicas dos machos tinham de coletar eficaz e rapidamente estimulando suas percepções de perigo por exemplo, Adrienne Zilhman (1970).
Além disso, com advento da agricultura, as mulheres ganharam notoriedade por serem a principal fornecedora de alimento em épocas de seca ou enchentes.
Essa constatação por sua vez, enfraquece a idéia de que a evolução segregou os homens das mulheres. Na arte pré histórica por exemplo, percebe-se uma valorização de ambos, tanto na figura da deusa mãe (que tinha o poder de dar e tirar a vida), quanto na imagem do homem caçador (aquele que se arriscava perante as feras, trazendo carne ao grupo).
Voltando ao artigo, as autoras irão destacar uma série de pesquisadores que em confronto debatem sobre se as diferenças morfológicas entre os sexos explicam, as diferenças de aptidões, temperamento, inteligência, etc. Em linhas gerais o que se percebe é: Primeiramente que os resultados encontrados numa busca pela diferenciação sexual descrevem respostas muito pouco discrepantes ou mesmo iguais, que os cientistas são majoritariamente homens e que os métodos são pouco precisos e/ou contestáveis.
Mostra no texto que com base na hierarquização dos grupos sexuais Termam e Miles (1936) elaboraram o Teste de atitudes e de interesses que permite oferecer uma descrição da mulher típica através de uma série de oposições com o homem típico; pondo em contraste às emoções em detrimento das racionalidades e impossibilitando o tráfego de aptidões entre os gêneros.
Traz Parsons (1956) que analisa às esferas pública e privada, pela associação que o autor estabelece entre os temperamentos masculinos e femininos e os papéis que eles desempenham. “Por outras palavras, as famílias mais eficazes e mais coesivas seriam aquelas em que os homens e as mulheres desempenham, respectivamente, os papéis instrumental e expressivo (cf. Brown, 1988)” (referência do texto pág.3).
“Desligadas da sua origem social, as maneiras de ser dos homens e das mulheres tornam-se um dado psicológico proveniente meramente do seu sexo biológico e permitem justificar as desigualdades de acesso a posições que requerem competências instrumentais ou expressivas” (Lorenzi-Cioldi, 1994).
Desta vez o artigo fala do Questionário de estereótipos de papéis de sexo de 1970 por Rosen- krantz, Vogel, Bee, Broverman e Broverman (1968) que confirma a existência da valorização dos atributos ditos masculinos daqueles femininos, além da crença estereotipada de que os homens são racionais e assertivos e as mulheres calorosas e expressivas.
O texto atenta para como o conteúdo dos estereótipos sexuais interferem na construção simbólica da sociedade e desta forma passa a ser instrumento de discriminação nos gêneros. Traz ainda a androgenia, como sendo aquela que esta além da construção do feminino e masculino flexível as características demarcadas de homem e mulher.
“As estatísticas, os testemunhos e a experiência pessoal de cada um mostram, sem contestação, que homens e mulheres estão modificando profundamente a imagem que fazem de si mesmos e do Outro. Suas respectivas atribuições – por muito temmpo definidas pela “natureza” de cada um dos sexos – são diferenciadas cada vez com mais dificuldade”
(BADINTER, Elisabeth. Um é o outro. 3ªed. RJ: Nova Fronteira, 1986)
Porém o ponto chave do artigo é a discussão acerca do sexo como uma característica biológica. Neste quesito os teóricos se dividem e trazem diversos dados sobre as “diferenças” sexuais, quanto a infidelidade, a agressividade, a conformidade, a linguagem, capacidades cognitivas, ao reconhecimento de emoções (que por sinal vai de encontro a hipótese também evolutiva de Paul Ekman, que diz que independente do sexo, classe social e/ou cultura as pessoas reconhecem as emoções nas expressões faciais igualmente.) etc.
Por fim, as autoras concluem o artigo mostrando que o estereótipo de homens e mulheres não passa de uma possível visão dos papéis sociais e da sociedade; de que as pesquisas científicas não tiverem a capacidade e/ou qualidade de provar que a morfologia cerebral/biologia sozinha explica o comportamento de homens e mulheres.
De que independente de um traço evolutivo, as mulheres necessitam refletir sobre seu papel na sociedade, e valorizarem a sua condição feminina, tendo em vista a sobreposição a uma ordem preconceituosa e estigmatizante.
Muitas mudanças têm acontecido, principalmente nos últimos séculos, e é notável que ainda exista uma definição de papéis. Conceitos engessados sobre as questões de gênero estiveram presentes por muito tempo na história da humanidade, fizeram e ainda fazem parte da ideologia dominante, e discursos religiosos ou biológicos contribuíram para isso. As aracterísticas relacionadas aos gêneros foram se legitimando, e o papel que cada sexo tinha na sociedade começou a ser enxergado como algo dado a priori, e não como uma construção também cultural e modificável.
Logo, é preciso perceber a implicação de se afirmar que existem características instrinsecamente masculinas e femininas, pois é perigosa essa ideia, e pode nos levar à conclusão de que essas diferenças entre os gêneros justificam os lugares diferenciado na sociedade para homens e mulheres.
A visão de homem como sendo bio-psico-social, não pode se firmar enquanto enxergarmos os indíviduos como sendo apenas fruto de uma evolução biológica da espécie, consolidando uma dicotomia que se assegura na sobreposição de Um pelo Outro.

Referências:
BADINTER, Elisabeth. Um é o outro. Editora Nova Fronteira, 3ª Ed.; 1986.
GIAMI, A. Permanência das representações do gênero em sexologia: as inovações científicas e médicas comprometidas pelos estereótipos de gênero. Physis, 2007, 17, 2, 301-320. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n2/v17n2a06.pdf > . Acessado em: 03/03/2013
POESCHL, G.; MÚRIAS, C.; RIBEIRO, R. As diferenças entre os sexos: Mito ou realidade? Análise Psicológica. 2003, 21, 2, 213-228. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/p

Resenha: representação social de crianças acerca do velho e do envelhecimento

Nina Maia de Vasconcelos

No artigo Representação social de crianças acerca do velho e do envelhecimento, os autores apresentam e analisam os resultados do estudo que teve como objetivo investigar a representação social de um grupo de crianças acerca do velho e do processo de envelhecimento. Ressalta-se que as crianças tinham entre cinco e dez anos de idade e viviam em ambiente rural, o que trouxe relevantes implicações nos resultados, demonstrando que o contexto no qual vivemos é de suma importância para as nossas experiências e conseqüentemente para a percepção que temos do mundo e para a construção das nossas crenças.
Na revisão da literatura são trazidas contribuições de diversos autores sobre o envelhecimento que propiciam uma melhor compreensão do tema. Para Beauvoir (1990, apud Lopes e Park, 2007), por exemplo, as representações do velho e da velhice são resultados tanto das circunstâncias materiais de cada sociedade quanto do seu sistema de valores e crenças. Tal autor ressalta ainda que tais sistemas podem se apresentar de maneiras diferentes em diferentes sociedades e são passíveis de mudanças ao longo do tempo dentro de uma mesma sociedade. Para contextualizar o seu estudo, os autores também citam diversas pesquisas nacionais e internacionais que assim como eles se propuseram a investigar as crenças, atitudes, percepções e representações sociais do velho e da velhice. Eles destacam que nos resultados de tais pesquisas, as relações entre os velhos e aspectos negativos tais como perdas de funções biológicas, perdas nas relações familiares e no ritmo de trabalho são predominantes, apesar de aparecer também a ideia do velho sábio e experiente.
A análise dos dados encontrados foi feita à luz do conceito de representação social. Sobre tal conceito, os autores consideram que a partir das ideias de Moscovici (1978, apud Lopes e Park, 2007), é possível dizer que as representações sociais são uma forma de conhecimento construída por um grupo acerca de um objeto social que vai influenciar nos comportamentos e na comunicação dos integrantes deste grupo. Os resultados da pesquisa mostraram que as características físicas aparecem como uma importante forma para as crianças reconhecerem os velhos, assim como a condição de ser avô ou avó. Em outras palavras, para as crianças todo avô é velho e vice-versa. Porém, uma ressalva interessante é feita em função da fala de duas crianças que são criadas por seus avós. Para elas, eles não são muito velhos, o que demonstra que além das condições físicas, o papel desempenhado pelo indivíduo também é importante na sua percepção como velho. Ou seja, faz parte do estereótipo do velho ser avô e do avô ser velho, porém, quando um avô, apesar de ter idade para ser considerado velho, exerce uma função que normalmente é exercida por pessoas mais jovens, ele pode ser percebido como menos velho.
Os autores destacam que a associação de pessoas velhas com a morte, doenças e com limitações físicas que foi encontrada nos resultados da pesquisa sofre a influência do modelo biológico que considera a velhice como o período da vida caracterizado principalmente por perdas. Dessa forma, os autores concluem que as informações científicas advindas do universo reificado também atingem a população em geral, incluindo as crianças, através da mídia, o que influencia na representação social da velhice. Um ponto curioso encontrado pelos autores foi que apesar das crianças terem relacionado o velho a condições de limitações físicas, para elas os velhos não são pessoas reclusas nem excluídas da sociedade. Tal observação levou os autores a estabelecerem a categoria de análise intitulada “num monte de lugar”. Interessante que algumas crianças que já tinham visitado cidades maiores mencionaram a ideia de que os velhos moram nas ruas, o que demonstra que a imagem que elas constroem dos diversos objetos se relaciona diretamente com as experiências vividas por elas. Além de considerarem que os velhos estão em um monte de lugares, também foi destacado que as crianças acham que os velhos fazem um monte de coisas, o que tem uma relação com a observação que elas fazem dos velhos com quem convivem, já que no ambiente rural onde elas moram, a aposentadoria não é tão freqüente (1999, Albuquerque, Lobo e Raimundo apud Lopes e Park, 2007).
Na análise dos achados os pesquisadores constataram ainda que as crianças também consideravam outras possibilidades para a imagem do velho, além daquela de debilidade física. Em algumas ocasiões os velhos foram representados como pessoas que trabalham, podem viajar, estudar e se divertir. De acordo com os autores, essa imagem mais positiva do velho tem relação com a imagem da terceira idade ativa que tem sido amplamente divulgada pela mídia. Sobre isso, os autores consideram que como as representações sociais são construídas pelos sujeitos a partir de informações provenientes da sociedade, no intuito de organizá-las tornando-as familiares (2005, Moscovici, apud Lopes e Park, 2007), a existência de imagens conflitantes acerca do velho encontrada nesse estudo representa justamente esse processo de construção e re-construção das representações sociais.
Por fim, os autores enfatizam a presença de representações sociais aparentemente contraditórias acerca do velho que ao mesmo tempo em que foi representado como apresentando limitações físicas e doenças também apareceu como sendo ativo e trabalhador. Para os autores, esse fato não é uma incoerência, pois considerando que as representações sociais são construídas com base nas informações que são divulgadas na sociedade, os achados demonstraram que as representações sociais que as crianças pesquisadas têm acerca do velho estão condizentes tanto com as suas respectivas experiências com esse objeto social assim como com as imagens que são divulgadas sobre o mesmo: ora os velhos nos são apresentados como pessoas ativas e que aproveitam a vida, ora como pessoas frágeis, mais sujeitas a doenças e que necessitam de cuidados especiais. Sobre esse aspecto encontrado na investigação, os autores também constataram que a coexistência de tantas informações diferentes sobre o velho pode indicar um momento de transição na representação social deste e que com o tempo apenas uma dessas imagens poderá se sobressair.

Referência: LOPES, Ewellyne Suely de Lima and PARK, Margareth Brandini. Representação social de crianças acerca do velho e do envelhecimento. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2007000200006&script=sci_arttext. Acesso em 20 de março de 2013.

Resenha: a expressão das formas indiretas de racismo na infância

João Raphael Gomes da Silva Oliveira

O ponto inicial do artigo é uma observação crítica sobre o quanto a expressão do racismo nos adultos se apresentou na sociedade a partir da primeira metade do século XX e de que maneira ele continua se manifestando na contemporaneidade a partir das crianças. As autoras procuram levantar as formas indiretas de racismo na infância, levando em consideração que esse estudo apresenta carência de análises sobre esse tema.
Levando em consideração as novas formas de preconceito e racismo dos adultos, encontra-se no artigo teorias do racismo: ambivalente (resultado do conflito dos americanos brancos em relação aos americanos negros), a teoria do racismo simbólico (que afirma que atitudes contra os negros decorrem de ameaça aos valores do individualismo) e a teoria do preconceito sutil (que distingue duas formas de preconceito: o sutil e o flagrante). Todas as teorias citadas nesse parágrafo analisam aspectos do racismo velado. Porém, a teoria que busca ser enfatizada é a teoria do racismo aversivo. Segundo essa teoria, os contextos de resposta do indivíduo diante de uma possível situação de preconceito são o que determinam as expressões mais abertas ou veladas do racismo.
Através de alguns experimentos, tomando como base os estudos de Dovidio e Gaertner, foi possível chegar a conclusão de que quando a norma anti-racista está amostra a discriminação não se manifesta. De acordo com pesquisas de outro estudioso sobre expressões do Racismo Moderno (McConahay, 1986), a manifestação do racismo depende de quem pergunta e de quem é perguntado como em uma entrevista, por exemplo. Alguns desses estudos foram replicados e os resultados sustentaram que a norma social anti-racista se manifesta hoje de forma indireta ou encoberta.
Observamos que em determinado momento da infância a criança evolui de uma fase egocêntrica, para uma fase de sociocentrismo, em que os julgamentos sociais se baseiam na categorização e percepção de semelhanças e dessemelhanças entre grupos sociais, tudo isso por volta dos 7-8 anos que é quando as crianças, segundos os pesquisadores, reconhecem termos de tolerância e comportamento. No primeiro estudo os resultados indicaram não existir efeito do gênero sobre a discriminação. Foi observado que tanto as crianças mais novas quanto as mais velhas recompensavam mais o branco do que o negro num objetivo que buscava investigar o efeito do contexto de igualdade ou diferenciação sobre a expressão das formas indiretas de racismo levando em consideração a função da idade.
Em um segundo estudo, com a finalidade de verificar a influencia de uma norma anti-racista entre crianças brancas e negras, verificou-se que em um cenário de entrevistas a ausência da entrevistadora negra desativava os conteúdos da norma anti-racista e as crianças brancas acabaram expressando o preconceito apesar de ter relação com as crianças negras. Em outras palavras, o que tem buscado saber é se nas idades em que as crianças apresentam racismo de forma direta elas estão buscando uma análise sob o efeito de se mostrarem igualitárias. Em um terceiro experimento, foi verificado que na faixa etária de 5-7 anos, as crianças ainda não adquiriram ou interiorizaram a norma anti-racista, ao contrario das crianças que tem mais de 7 anos de idade que apresentaram ter o mesmo padrão de preconceito das suas mães.
Portanto, podemos concluir, através desses três estudos e levando em consideração as vertentes teóricas citadas acima que as novas formas de racismo tem-se confirmado como expressões sutis e indiretas por meio de reflexo das pressões das normas sociais anti-racistas sobre o indivíduo. Ficou claro que a partir dos 8 anos, nas crianças brancas, de acordo com o estudo, ocorre uma interiorização da norma anti-racista. O que também foi verificado é que em crianças mais velhas o comportamento discriminatório passa cada vez mais a se expressar de modo indireto e distante da punição social e que o processo de mudança para essa situação merece ter como ponto de início o estudo sobre como isso infere no processo de interiorização desse tipo de normas sociais e como tudo isso se configura a partir dos 8 anos de idade.

Referência Bibliográfica: França, D. e Monteiro, B. A expressão das formas indirectas de racismo na infância. Análise Psicológica, 22, 4, 705-720, 2004.

Resenha: permanência das Representações do Gênero em Sexologia

Narena de Alencar Moreira

O objetivo do artigo foi questionar a adoção de estereótipos de gênero pela sexologia, sendo que esta tem mostrado em suas pesquisas uma função sexual masculina, puramente biológica e fisiológica, indiferente aos aspectos relacionais, emocionais e contextuais, enquanto a função sexual feminina seria exclusivamente emocional e psicológica, ignorando-se os fatores biológicos, sendo os desejos sexuais “naturais” no homem e inexistentes na mulher.
No artigo o autor aponta que pesquisas têm sido feitas seguindo uma abordagem organicista, o que representa um avanço na área. Contudo, essas pesquisas ainda não atribuem a mesma importância para a função sexual do homem e da mulher. Mesmo que baseadas em fatores biológicos, essas pesquisas ainda parecem seguir estereótipos de gênero, bem difundidos no senso comum.
A questão é intensificada quando estes estereótipos de gênero ultrapassam as barreiras do senso comum e passam a interferir nas práticas científicas. Assim, a ciência iria ao encontro do senso comum, através das pesquisas realizadas, ao invés de questionar estes valores. Vemos o velho disfarçado de novo. As velhas concepções sobre a sexualidade disfarçada de novas descobertas científicas.
A análise traçada pelo autor resgata o contexto histórico dessa ciência da sexualidade a partir do final do século XIX, ilustrando como desde então os debates em torno do tema caracterizam a sexualidade do homem como simples, urgente e constante, além de centrada na genitália, enquanto a sexualidade da mulher seria complexa, problemática, intermitente, difusa no que diz respeito ao corpo e assim não necessariamente relacionada ao orgasmo. O modelo predominante se baseia em uma dominação do homem e submissão da mulher, adotando apenas em sua definição uma relação heterossexual. A partir dos anos 1970 são formuladas as primeiras críticas a esse modelo, contudo essa concepção vigora mesmo nos dias de hoje.
Além do reducionismo criticado pelo autor, que prioriza alguns aspectos em detrimento de outros, outro ponto é problematizado, a medicalização da sexualidade. “Atualmente, a sexologia cede lugar a uma ‘medicina sexual’, que visa a se constituir como especialidade médica dos transtornos da função sexual” (Giami, 2007). Deste modo, a sexualidade é reduzida a transtornos a serem medicados, excluindo-se a função sexual normal e os fatores que extrapolam a área da biologia. O termo sexualidade, que implica também em uma abordagem psicológica, dá lugar ao termo “saúde sexual” ou “função sexual”. “Não é mais o aspecto comportamental nem psicológico que constitui o objeto de interesse científico, mas a função somática dos órgãos genitais em sua dimensão biofisiológica” (Giami, 2007).
Seguindo-se o desenvolvimento da chamada medicina sexual, é possível notar que as pesquisas sobre disfunções da sexualidade masculina são maioria. Como o autor aponta, “os trabalhos fundamentais relativos à função sexual masculina, notadamente a ereção, foram muito mais desenvolvidos após o início dos anos 80 que aqueles sobre a função sexual feminina (sobre os transtornos do desejo e da excitação)” (Giami, 2004 apud Giami, 2007). De maneira similar, os instrumentos de avaliação destes transtornos são bem diferentes, segundo o gênero. Enquanto na avaliação de transtornos relacionados à sexualidade feminina são inseridas questões sobre fatores psicológicos e subjetivos, na avaliação da sexualidade masculina esses fatores são desprezados, atendo-se apenas a um funcionamento corporal mecânico.
Perante as críticas feitas pelo autor, faz necessário ressaltar a importância da reavaliação dos valores que têm sido transmitidos não só pelo senso comum, mas também pela ciência, que além de aprisionar a mulher em um conceito de sexualidade ultrapassado e limitado, também dificulta o estudo da sexualidade masculina, que certamente está além dos fatores biológicos. Sendo a vivência humana complexa e multifatorial, há de ser também complexa também a experiência sexual, para homens e mulheres, levando-se em consideração seus variados aspectos.

Referência: Giami, A. (2007). Permanência das representações do gênero em sexologia: as inovações científicas e médicas comprometidas pelos estereótipos de gênero. Revista Saúde Coletiva, 17(2), 301-320

Resenha: diferenças e igualdades nas relações de gênero

Renata Bárbara da Silva

O artigo traz uma discussão acerca da questão da diferença e da igualdade nas relações de gênero e a influência do movimento feminista, discorre sobre a crise da masculinidade e de mudanças socioculturais sobre essa temática. Inicialmente, a autora se respalda nas concepções da historiadora estadunidense Joan Scott para analisar o conceito de gênero e sua aplicabilidade enquanto categoria analítica. O termo “gênero”, no sentido gramatical, designa indivíduos de sexos diferentes, masculino/feminino. Para a literatura feminista, no entanto, gênero é um construto sociocultural, diferentemente do conceito de sexo, que se refere a diferenças biológicas. Segundo Scott (1995, apud ARAÚJO), “gênero” é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos e rejeitar de forma radical explicações biológicas que deixam implícitas diversas formas de subordinação feminina.
“Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e também um modo primordial de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, apud ARÁUJO). Nesse sentido, gênero seria a primeira forma de articular o poder.
A utilização desse conceito enquanto categoria analítica incide em visões antagônicas entre diversos autores, principalmente no que se refere ao estatuto cognitivo do conceito. A autora , no entanto, defende o uso do conceito de gênero como categoria de análise, apoiando-se em Scott (1995), Tilly (1994) e Saffiotti (1997), que fazem crítica ao caráter descritivo dos estudos sobre a história da mulher. Concebe gênero como uma categoria empírica e histórica, portanto, empreende valor de categoria analítica. Emergente de uma realidade empírica, o conceito de gênero, expressa as relações históricas e as formas de existência da realidade social.
De acordo ao artigo, o conceito de gênero pode ser ademais empregado em uma categoria política, que permite a análise da questão da igualdade e da diferença, apontando para uma nova perspectiva de interpretação e transformação da realidade social. A autora aponta três perspectivas principais sob as quais o debate acerca da diferença entre os sexos se desenvolveu: a essencialista, na qual há uma exaltação da “diferença sexual”, psicologizando e biologizando as constatações sociológicas e culturais historicamente produzidas; o discurso culturalista, onde as diferenças sexuais provêm da socialização e da cultura; e por último, a perspectiva da feminista Françoise Collin (1992), na qual propõe um dialogo contínuo, que incorpora a igualdade e as diferenças sem negá-las, num constante jogo dialético em que a pluralidade e o diálogo são os princípios fundamentais. Esses argumentos são reforçados pelas propostas desconstrutivistas de Scott (1995) da oposição igualdade/diferença. Para ela, com a desconstrução dessa antítese será possível não só dizer que os seres humanos nascem iguais mas diferentes, como também sustentar que a igualdade reside na diferença.
O debate sobre a igualdade versus diferença, entretanto, só foi introduzido no movimento feminista entre a década de 70 e 80, quando atribuindo uma valência positiva à diferença, direcionou-se a luta em favor da igualdade na diferença. Essa revisão no feminismo surge a partir do momento em que se percebeu uma ambiguidade nos discursos, em que as mulheres se esforçavam para assimilar os modelos considerados masculinos em detrimento dos femininos.
A autora considera que a grande conquista do projeto feminista igualdade na diferença foi a possibilidade de mudança nas relações de gênero, na medida em que as mulheres (e os homens) puderam se libertar dos velhos estereótipos e construir novas formas de se relacionar, agir e se comportar.
Outro reflexo provocado pelo movimento feminista foi a crise da masculinidade, uma vez que esse movimento foi responsável por mudanças radicais nos valores, nos costumes e nas relações de trabalho e família, e de transformações socioeconômicas e culturais num contexto amplo caracterizado pela ascensão do capitalismo. Por consequência, observa-se hoje, pelo menos nas sociedades ocidentais, um distanciando dos modelos estereotipados de gênero, permitindo que homens e mulheres possam desenvolver novas formas de subjetividade.

Referência: Araújo, M. F. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psicologia clínica, 2005, 17, 2,41-52.

Resenha: crenças de senso comum sobre medicamentos genéricos vs medicamentos de marca

Maria Madalena R. de M. da S. Neta

Medicamentos genéricos são medicamentos que possuem a mesma substância ativa dos de marca, sendo também mais baratos. No Brasil, este tipo de medicamento foi introduzido em 1999, através da Lei 9.787 e avaliação da manutenção da qualidade é realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em parcerias.
Contando com a amostra de 144 voluntários, maiores de 18 anos, o estudo objeto desta resenha buscou investigar “em que medida o nome da doença pode influenciar a crença sobre o uso de medicamentos (genéricos e de marca) em indivíduos saudáveis, e a existência de eventuais diferenças de gênero associadas às crenças sobre a medicação para doenças específicas” Filgueiras, M.J.; Marcelino, D.; Cortes, M.A.; Horne, R.; Weinman, J. (2007). Através deste estudo realizado em Portugal, os participantes responderam a três questões para avaliar as crenças de senso comum sobre a medicação prescrita para as doenças gripe, amigdalite, asma e angina de peito.
Segundo os autores o aumento do consumo de medicamentos genéricos em Portugal pode demonstrar tanto um aumento da aceitação, como uma menor percepção de risco associado a sua utilização. Estes citam uma pesquisa de Carrol, Wolfgang, Kotzan & Perri (1988), onde os resultados indicam que mesmo os pacientes que tiveram experiências positivas com o uso de medicamentos genéricos, considerando-os com a mesma qualidade dos medicamentos de marca, apresentavam menos probabilidade de fazer a uso destes para tratamento de doenças crônicas ou graves, levando a crer ser a percepção da doença e não a percepção acerca do medicamento em si que determina o seu uso. O possível risco de uso do medicamento genérico parece estar associado à gravidade da doença, no entanto a mesma pesquisa mostra que seja sua bioequivalência atestada por um profissional habilitado, os consumidores assumem um comportamento mais confiante no uso destes medicamentos.
Os autores trazem também a ideia de que os consumidores ainda estão mais habituados a receberem prescrição de um medicamento de marca, cujo nome pode já ser conhecido, em contrapartida ao aumento da oferta de informações acerca dos medicamentos genéricos e sua bioequivalência. E assinalam as crenças individuais sobre a medicação referenciando-se a um estudo de Macedo, Moital Santos, Nunes, Baños, & Farré (2007) onde caso esses nomes comerciais façam alusão aos efeitos ou indicações do fármaco, os efeitos placebo podem ser potenciados.
Em relação às diferenças de gênero, os autores citam diversos estudos mencionando que as mulheres apresentam queixas sintomáticas com mais frequência, intensidade e diversidade do que os homens, além de procurarem cuidados médicos, em média, mais vezes também. Contudo fazem alusão a um estudo recente de Figueiras, Marcelino, & Cortes (2007) onde se verifica que em relação às crenças gerais e específicas sobre medicamentos genéricos, apesar de haverem diferenças em termos de nível de escolaridade e grupo etário, não existem diferenças de gênero.
A partir da análise dos dados coletados em Portugal, os autores identificaram que os resultados obtidos indicam que existe de fato uma correlação entre a doença e o tipo de medicamento, onde a crença na eficácia do medicamento genérico diminui consideravelmente quando associadas a doenças consideradas no senso comum como mais graves, corroborando com a literatura. As mulheres apresentam uma crença mais forte na eficácia dos medicamentos de marca do que nos medicamentos genéricos para asma e angina de peito (doenças consideradas mais graves). Em relação ao alívio dos sintomas, a crença na eficácia dos medicamentos genéricos diminui com o aumento da gravidade da doença, assim como a crença na utilização de um medicamento de marca é mais forte para doenças consideradas mais graves. Nesse quesito fica clara uma diferença de gênero, onde os homens apresentam uma crença mais forte nos medicamentos genéricos no alívio de sintomas da gripe, enquanto as mulheres apresentam uma crença mais forte nos medicamentos de marca para alívio dos sintomas desta doença.
Contudo os autores analisaram que apesar da recente inserção dos medicamentos genéricos no país, os indivíduos têm uma atitude positiva em relação a este tipo de fármacos. Isso pode ser resultado da já citada crescente oferta de informações acerca dos aspectos relativos à equivalência destes, através dos meios de comunicação, propiciando um nível de conhecimento satisfatório por parte dos consumidores. Finalizando, quanto aos efeitos de gênero na pesquisa, fazem alusão a Macintyre et al. (1996) que argumentam a origem das diferenças de gênero nos papéis sociais.

Referência bibliográfica: Filgueiras, M.J.; Marcelino, D.; Cortes, M.A.; Horne, R.; Weinman, J. Crenças de senso comum sobre medicamentos genéricos VS. Medicamentos de marca: Um estudo piloto sobre diferenças de gênero. Análise Psicológica (2007), 3 (XXV): 427-437

Resenha: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Filipe Mateus Duarte

O artigo ao qual a presente resenha se propõe tratar foi desenvolvido por Francisco Leite, em 2008, no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Francisco Leite é bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Salesiana de São Paulo.
O autor divide o artigo em quatro partes, quais sejam: “introdução”; “alguns conceitos relevantes”; “processos automáticos versus controlados”; e, por fim, as “considerações finais”. Basicamente, Leite pretende discutir os efeitos das propagandas contra-intuitivas nas estruturas cognitivas dos indivíduos, mais especificamente no deslocamento de suas crenças, estereótipos e preconceitos.
Leite inicia a introdução definindo o que vem a ser essa modalidade publicitária e recorre ao antropólogo Peter Fry para dizer que esta é a “tentativa deliberada de romper com os antigos estereótipos (…)” (Fry, 2002: 308 apud Leite, 2008: 131). Complementa afirmando que esse tipo de propaganda não está restrito ao politicamente correto, mas busca problematizar as posições cristalizadas pelos produtos da publicidade, nos quais um grupo minoritário é sempre posto num lugar desprivilegiado da narrativa. Na propaganda contra-intuitiva, diz ele, “o indivíduo alvo de estereótipos e preconceito social é alçado ao patamar de protagonista/antagonista e ou destaque do enredo publicitário, posições que antes eram restritas a determinados perfis sociais” (Leite, 2008: 132), desafiando a intuição ou senso comum, como o próprio termo “contra-intuição” (do inglês, counterintuitive) alude. Para o autor, essa manobra é uma tentativa de deslocamento de um conhecimento superficial para um de tipo reflexivo, no qual aqueles estereótipos reforçados constantemente pelos media são questionados e cedem lugar a outras possibilidades nas posições desses indivíduos. Dessa forma, ao senso comum é apresentado o desafio de repensar seus repertórios, contribuindo para o deslocamento de suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos minoritários.
O autor exemplifica citando as posições sociais e comumente conferidas às mulheres, quais sejam, da submissão e da atuação secundária nas esferas públicas; cita, ainda, os indivíduos negros, aos quais são conferidos o lugar da malandragem, da subalternidade e da servidão voluntária e feliz (ponto que será abordado mais à frente a partir do exemplo de uma peça publicitária da Fiat), dentre outros estereótipos e preconceitos reforçados diariamente através dos meios de comunicação publicitária. Assim, a propaganda de “massa social”, termo utilizado pelo autor, é resultado de uma história do comportamento humano.
Mais à frente, Leite utiliza Strozenberg para dizer que “a força de atuação da propaganda pode ou reforçar preconceitos – reproduzindo estereótipos dominantes no discurso social; ou promover e fortalecer novos valores e visões de mundo – abrindo espaço para outras versões da realidade” (2006). A propaganda contra-intuitiva trabalha norteada por esse segundo viés, ainda que guiada, também, por um pressuposto mercadológico. Sua proposta é deslocar o processo de dissociação de estereótipos históricos e presentes no processo de aprendizagem dos indivíduos, em sua memória implícita e explícita, contribuindo para um processo de reavaliação dos pensamentos estereotípicos e das atitudes e comportamentos expressos, que são tidos por esse estilo de discurso como ultrapassados e negativos.
No segundo item do artigo, denominado de “alguns conceitos relevantes”, Leite enfatiza o processo cognitivo da aprendizagem. Nesse momento do texto, o autor afirma que a aprendizagem é eminentemente aquele processo em que as informações já armazenadas na memória do indivíduo dão suporte para a tomada de decisões e escolhas. As etapas do processo de aprendizagem verbal são destacadas pelo autor, que afirma ter início com “um estímulo, seguido por uma resposta e avaliação a este estímulo, sofrendo retroalimentação pela etapa de feedback” (Catania, 1998 apud Leite, 2008: 133). Para exemplificar, cita o exemplo de um enunciado ou mensagem publicitária (estímulo) que sendo de caráter preconceituoso e não eliciando resposta contra-argumentativa por parte do indivíduo presume-se ter sido incorporada por esse indivíduo. Dessa forma, as crenças e valores (negativos e positivos) são determinantes para a contra-argumentação ou incorporação de estereótipos e atitudes. As crenças são estabelecidas no processo de aprendizagem, principalmente nas experiências pessoais dos indivíduos desde sua infância, a partir das mediações de relacionamento (familiar, escolar, midiática, etc.).
Para uma conceituação mais exata daquilo que são as crenças, Leite pensa a partir do conceito de Helmuth Krüger, autor que entende esse constructo como um conteúdo mental de natureza simbólica, cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social.
Outro fenômeno destacado pelo autor é o dos estereótipos, que aparece aqui como uma ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória do indivíduo a pluralidade dos elementos sociais, organizando e facilitando a compreensão da complexidade ambiental. “Os estereótipos surgem como uma capacidade de síntese, condensação e agregação de vários elementos em uma imagem” (Leite, 2008: 134). Para corroborar com essa afirmação, o autor lança mão da caracterização dos estereótipos feita pelo pesquisador Marcos E. Pereira, que se refere a esse fenômeno “como artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos” (Pereira, 2002 apud Leite, 2008: 134). Assim, essa última conceituação ajuda na compreensão daquilo que é objeto desse artigo, os possíveis deslocamentos cognitivos gerados pela recepção dos estímulos contra-intuitivos da narrativa publicitária em estereótipos e atitudes sociais.
Leite afirma que os estereótipos sociais podem ser divididos em uma matriz relacional de atributos positivos e negativos e sofrem, também, duas mobilizações: a que se dirige para o grupo ao qual o indivíduo pertence (auto-estereótipo) e a que indica um grupo distinto (hétero-estereótipo). Além disso, há a dimensão do preconceito, que é sempre da ordem do negativo, pois se caracteriza como uma atitude injusta em relação a um grupo ou pessoa supostamente pertencente a esse grupo. Atitude aqui é entendida como as crenças (componente cognitivo) compostas por carga afetiva (componente afetivo) pró ou contra um determinado objeto social, predispondo o indivíduo a agir (componente comportamental) segundo essa inclinação avaliativa.
A partir desses conceitos (crenças, estereótipos e atitudes) é possível pensar, segundo Leite, na possibilidade de “ocorrência de deslocamentos e mudanças de atitude e comportamento de indivíduos em relação à aplicação de estereótipos negativos a membros e grupos minoritários, mediante a contribuição das informações inseridas em uma comunicação contra-intuitiva” (Leite, 2008: 135), meta principal desse tipo de publicidade.
Mais adiante, no tópico “processos automáticos versus controlados”, o autor dá conta de abordar dois processos fundamentais da estrutura cognitiva do indivíduo diante de um estímulo. Esses dois processos são de fundamental importância para a compreensão de como esses elementos da cognição social se manifestam. Os primeiros, “automáticos”, dizem respeito àqueles comportamentos que não envolvem o controle consciente da atenção (capacidade de concentração da consciência sobre um objeto) ou qualquer esforço cognitivo e intencional.
O segundo processo, “controlado”, vai à linha inversa do anterior, pois demanda do indivíduo certo controle atencional, assim como intencionalidade, ou seja, consciência e esforço cognitivo. “Nesta dinâmica cognitiva, pode-se considerar que os processos automáticos procurariam fazer uma identificação das regularidades de um contexto em longo prazo, sendo incapazes de se adaptar, num curto espaço de tempo, a um determinado estímulo, porém, os processos controlados diante de tal contexto seriam mais flexíveis e predispostos a se adaptar às mudanças propostas por um estímulo” (Leite, 2008: 136).
Leite aponta em seguida que as injustiças sociais são resultantes da ativação automática do uso dos estereótipos e, por isso, proceder no controle de pensamentos estereotípicos negativos pode funcionar como obstáculo à manifestação desses estereótipos. Entretanto, aponta ele, há efeitos nesse procedimento. O efeito ricochete (Wegner, 1994), por exemplo, é um efeito indesejado (irônico), já que resulta no oposto ao que se pretendia através da mensagem: ocorre “quando diante de uma motivação (estímulo) que proponha um “novo/outro” posicionamento (supressão/dissociação) do receptor para um pensamento estereotípico, o indivíduo está no momento desta interação sem recursos cognitivos, sob pressão de tempo, distraído, ou sem motivação psicológica para suprimir o estereótipo negativo em questão” (Leite, 2008: 137). Nesse sentido, ao invés de deslocar ou produzir reavaliações de atitudes, estereótipos e crenças sobre determinados grupos/indivíduos, o resultado é a manutenção e reforçamento de pensamentos preconceituosos. Porém, o autor ressalta que esse efeito não é natural, na medida em que o efeito indesejado pode ser também “resultado do tempo de exposição do indivíduo a mensagem e pela (falta de) justificativa/explicação contundente desta ao indivíduo para não se opor em aceitar a supressão ou dissociação de suas crenças produtoras de pensamentos estereotípicos” (Leite, 2008: 137). Ou seja, crenças centrais são muito difíceis de serem modificadas.
Leite destaca que a propaganda contra-intuitiva está alinhada ao modelo teórico de supressão sugerido por Daniel Wegner, em que há uma intervenção nos processos controlados de processamento de informação, tendo em vista que parte de dois processos: a “monitoração de pensamentos” a evitar e, simultaneamente, o “processo operativo de reorientação da consciência” no sentido de focar a atenção num “pensamento distrator”. Essa orientação teórica propõe reorientar o indivíduo receptor mediante a reflexão sobre suas crenças produtoras de estereótipos sociais negativos.
A peça publicitária “Motorista”, da Fiat do Brasil (ano 2002), é trazida como exemplo do raciocínio que Leite se propõe nesse artigo. A propaganda pretende fazer um jogo de inversão de posições, em que um homem negro bem vestido dirige o novo Palio 2002, levando no banco traseiro uma mulher branca de olhos claros carregando um bebê mestiço no colo. Em seguida, uma amiga dessa mulher a vê e a cumprimenta admirada por vê-la num carro novo e dirigido por motorista – se referindo ao homem negro ao volante. Neste instante, a amiga interpela a outra e informa que virou mãe, mostrando seu filho de cor mestiça. A peça finaliza com o slogan: “Xiii… Está na hora de rever seus conceitos. Principalmente seus conceitos sobre carros”. Essa peça publicitária é exemplificada pelo autor como de natureza contra-intuitiva, já que busca um efeito de deslocamento de estereótipos essencialistas inscritos a grupos sociais. Nesse sentido, é possível perceber que a posição de subalternidade do negro (motorista) é problematizada e enfraquecida nessa campanha, assim como a da mulher branca. Em contrapartida, diz Leite, a mensagem também possibilita o efeito indesejável e irônico, “pois, caso seja mal processada pelo indivíduo devido à pressão de tempo, falta de motivação, baixa atenção etc., essa mensagem pode ser automaticamente um reforço à associação (ligação) abordada para reavaliação” (Leite, 2008: 139).
Caminhando para as considerações finais do artigo, Leite afirma que, ainda assim, ainda que correndo o risco do efeito irônico, a propaganda contra-intuitiva não deixa de estimular a reflexão daquelas percepções enraizadas nas crenças centrais, resultantes do processo de aprendizagem do coletivo social. Esse tipo de manobra comunicacional pode contribuir de forma significativa para desestabilizar os processos automáticos e a ativação de pensamentos estereotípicos negativos, principalmente via monitoramento e reorientação proposto por Wegner. Assim, esse tipo de peça publicitária origina “diferenciadas percepções, associações, atitudes e comportamentos do indivíduo social perante os membros de grupos minoritários” (Leite, 2008: 140), contribuindo para a reavaliação das crenças essencialistas compartilhadas, como no caso da opinião pública e estereótipos sociais.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciências & Cognição (UFRJ), v. 13, p. 131/ 12-141, 2008.

Resenha: Comunicação e cognição – os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

Alexandre Lino

O autor inicia o texto conceituando a propaganda contra-intuitiva como sendo aquela que rompe com o padrão socialmente estereotipado de figuras sociais, tais como negros, mulheres e homossexuais. Enquanto propagandas tradicionalistas alçam essas figuras como sendo submissas, relegadas a um papel de segundo plano ou ainda com aspectos e características aberrantes, uma propaganda contra-intuitiva apresentaria um negro em posição de destaque e sucesso, uma mulher enquanto bem sucedida profissionalmente ou um homossexual sem características afeminadas.
A partir daí, ele passa a discorrer sobre a importância e o papel da propaganda como canal de influência positiva e negativa, que perpetua estereótipos ou insere novas modalidades de interpretação da realidade. Assim, o autor postula que exposição a propagandas contra-intuitivas de caráter positivo poderiam causar uma reavaliação da configuração da realidade por parte do espectador, visando assim atualizar sua visão de mundo para moldes mais humanitariamente aceitos, diminuindo o poder dos estereótipos negativos e reforçando os positivos, através do embate entre os estímulos contra-intuitivos e os tradicionalistas.
O autor então discorre sobre o conceito de formação de memória, crenças, estereótipos e da interconexão destes através de nós na estrutura cognitiva, para formar as atitudes. Então ele prossegue discorrendo sobre a importância dos estereótipos como uma ferramenta de percepção da sociedade, de modo a garantir economia de energia psíquica no modo como nos relacionamos com o mundo. Ele então localiza a justificativa de seu trabalho na manutenção de estereótipos através não somente de contatos individuais, mas reforçados pelos meios de comunicação.
Para conectar com isto, ele passa a discorrer sobre o preconceito versus estereótipo. O preconceito é tido como um julgamento sem base de juízo de valor com base em sentimentos e afetos negativos, voltado para um grupo específico de pessoas de forma discriminatória. A combinação entre o preconceito e as crenças pessoais geram atitudes negativas perante os sujeitos destes grupos.
Sendo as atitudes um elo entre os fatores cognitivos, afetivos e comportamentais que um sujeito tem sobre um objeto social, e que a manutenção dos estereótipos pode ser garantida por meios de comunicação, temos aí a importância real das propagandas contra-intuitivas que visem combater o estabelecimento de racismo e discriminação contra grupos minoritários. Para haver uma real avaliação acerca do impacto dessa estratégia de diminuição de preconceito e discriminação, o autor passa a tratar da dicotomia entre processos automáticos versus controlados.
Os processos automáticos são definidos como processos cognitivos que ocorrem em uma fase anterior à tomada de consciência do indivíduo. Servem e atuam para identificar rapidamente a realidade e visam garantir que não despendamos muita energia focando-nos na tarefa em questão, e ocorrem simultaneamente a diversos outros processos, tanto automáticos quanto controlados. Já os processos controlados devem alcançar a tomada de consciência dos mesmos, pois eles exigem esforço e concentração, e demoram consideravelmente mais tempo de serem executados do que os automáticos. É possível que um procedimento que comece como controlado acabe por tornar-se automático, pois este garante a sustentação cognitiva a longo prazo. Por isso mesmo, os processos automáticos são mais rígidos com relação à mudança, visto que já estão tão arraigados no ser que sequer disparam uma reflexão consciente do sujeito.
Vemos aí a importância do trabalho em meios de comunicação de forma contra-intuitiva, pois as atitudes preconceituosas normalmente estão estabelecidas de forma automática para o sujeito, fazendo com que ele tome ações e juízos negativos sem sequer dar-se conta do mesmo. Ao garantirmos uma exposição de realidade contrária à que o sujeito está acostumado a ponderar, ele é capaz de evocar o processo automático e tomar consciência do mesmo, passando a poder tentar controlar e suprimir, ressignificando a sua atitude perante um indivíduo/grupo social. Exceção a essa regra pode ser o surgimento do efeito ricochete, mas que não é normal e surge majoritariamente em momentos em que o sujeito sequer tem foco ou tempo suficiente para executar um juízo de valor acerca da propaganda contra-intuitiva.
O autor então descreve duas peças publicitárias, onde é possível depreender mensagens de revisão de conceitos e do efeito ricochete. No caso da Fiat, ao exibir a mensagem de “reveja seus conceitos”, o sujeito pode tanto ressignificar o papel do negro na sociedade, como também a de que a realidade apresentada é impossível. Na peça da Credicard, vemos que o papel do negro tanto pode ser entendido enquanto bem sucedido, quanto a de manutenção do estereótipo negativo de “preguiçoso”. Para o efeito ser o desejado, é necessário que um indivíduo com alto nível de preconceito esteja em situação de descanso, com tempo, sem outras grandes pressões, para que ele tenha disposição para tentar confrontar as suas perspectivas sobre a sociedade, enquanto um sujeito com baixo índice de preconceito está mais propenso a controlar e suprimir os seus pensamentos estereotípicos.
Ainda que os efeitos e estudos finais não comprovem, o uso da propaganda contra-intuitiva enquanto potencial ferramenta de alteração de preconceitos e atitudes discriminatórias também não é reprovado. De toda sorte, é muito importante que seja uma estratégia desenvolvida, de maneira que possamos ponderar sobre nossas atitudes, se quisermos criar uma sociedade mais justa e equalitária.

LEITE, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13/m318223.pdf, último acesso em 20 de Março de 2013.