Victória Santana
O presente artigo discute a situação da mulher frente a antecipação do sofrimento relacionado ao medo da violação, quais as estratégias usadas para lidar com a ansiedade que essa situação inflige. A população feminina é a mais temerosa e que mais toma medidas de proteção contra crimes e é, entretanto, a que apresente menor probabilidade de sofrer crimes em relação aos homens. A questão é explicar o porque desse medo por outra via que não a possibilidade de ser vitimada (Stanko, 1995) .
As autoras trazem como referência duas hipóteses para a explicação desse medo seria a primeira de que os homens apesar de sofrer do mesmo sentimento por conta da imagem masculina na sociedade disfarçam-no com outros tipos de comportamentos (Clemente & Kleiman, 1977, cit. Por Stanko, 1993), a segunda hipótese seria de que as mulheres relacionam essa ansiedade a um tipo de crime violento em especial, o medo da violação, o qual os homens geralmente não temem (Riger et al., 1978). A autora relata várias pesquisas e autores que falam sobre como o medo da violação – abuso sexual – está difundido entre as mulheres como mais temido que o próprio homicídio, enquanto os homens não dão importância devida a esse risco. Além do medo, as mulheres são as que mais tomam medidas de precaução, ainda assim, é importante ressaltar que os tipo de precaução tomadas pelas mulheres não as protegem de fato por na verdade restringirem o acesso e a liberdade do público feminino aos espaços sociais ao mesmo tempo em que essa violência não está restrita a lugares como ruas à noite, sítio escuros, ou lugares com pouca visibilidade. As autoras asseguram que não a violação por si traz graves consequências à sobrevivente, mas que é de fato importante estudar as consequências que o medo das mulheres as violação tem por si só, mesmo sem nunca terem sido vítimas de crimes dessa espécie.
O medo da violação nas mulheres não deve explicado como individual, mas como um processo social que atinge o ser feminino. Como os estudos feministas apontam a violação é uma forma da sociedade machista subjulgar a mulher, mantendo-a numa posição de vulnerabilidade. As autoras trazem a contribuição dos estudos feministas e da psicologia na violência contra mulher, mostrando a faceta de poder e que é socialmente incentivada. O presente estudo conta com uma metodologia que traz aspectos importantes das teorias feministas e que procuram atentar para 1) há uma focalização no gênero (feminino) e na desigualdade social que esta condição acarreta; 2) procura-se dar voz às experiências pessoais e quotidianas das mulheres (ou mesmo de outros grupos marginalizados); 3) paralelamente ao objeto propriamente dito da investigação, encontra-se um compromisso social, para que uma real mudança ocorra nas condições opressoras sob as quais o grupo em estudo se encontra; 4) a reflexão dos próprios investigadores sobre questões que abordam o gênero, raça, classe social e orientação sexual podem influenciar o processo de investigação, daí que; 5) se abandone, de algum modo, a tradicional investigação positivista, que apoia uma relação formal entre investigador e “investigado”, dando lugar a um ênfase participativo por parte do último na própria construção da investigação (Cosgrove & McHugh, 2000). O estudo investigou 18 mulheres, entre 19 e 25 anos, a amostra foi obtida por conveniência na população do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, tendo em vista a maior vitimização de mulheres na faixa etária entre 18 e 24 anos. Foi utilizado como instrumento um guia ou roteiro de discussão baseado na escala “Fear of Rape Scale” O guião é constituído por 10 itens, os quais compreendem a: 1) Qual o crime que mais temem?; 2) Na condição de mulheres, qual o crime que pensam que mais as afetam?; 3) (referida a violação) O que vos faz sentir?, (violação não referida) E a violação, já pensaram sobre isso?; 4) Qual o local/locais onde pensam haver uma maior probabilidade de acontecer? E em que altura do dia?; 5) O que fazem ou deixam de fazer por causa desse crime? (precauções em casa/ rua/transportes públicos/relações sociais/altura do dia); 6) De que modo pensam que o medo da violação afeta a vossa liberdade?; 7) De onde pensam ter surgido esse medo?; 8) Esta abordagem dos condicionalismos que afetam a liberdade das mulheres parece-lhes pertinente? Em que medida?; 9) Que outras ideias gostariam de acrescentar acerca deste tema?. O procedimento escolhido para coleta de dados foi grupo de discussão, onde após contatarem por telefone a disponibilidade das participantes foram realizados três grupos de discussão e posteriormente um quarto grupo. Foi realizada a seguir a análise de conteúdo das transcrições dos grupos de discussão. Os resultados confirmaram as pesquisas anteriores em vários países de que o receio de ser vítima de um crime de violação, a maioria das participantes (n=11) afirmaram ser o crime de violação o maior medo tanto para si mesmas quanto para os que a rodeiam. Todas as participantes afirmam adotar comportamentos para a prevenir abusos quando estão na rua, como trancar a porta do carro, ter cuidado no lugar onde estaciona. A maioria diz que não tem preocupações com o vestuário. É interessante ressaltar o fato de as precauções tomadas pela maioria das participantes são em relação ao período noturno, durante o dia existe um maior sentimento de segurança em relação ao abuso. Os dados levantados pelo estudo parecem confirmar a perspectiva de Stanko (1993, 1995). Outro fato interessante é que as mulheres afirmam tomarem maiores precauções com pessoas desconhecidas que com pessoas próximas, apesar de ser conhecido que em muitos são pessoas que cometem crimes de abuso sexual. As participantes também mencionam os fatores relacionados à cultura como influenciadores no medo da violação, como por exemplo, os papeis socialmente acordado sobre os comportamentos esperados de cada gênero o que corrobora o estudo de Hall, Howard e Bueziu (citado por Fonow et.al, 1992) sobre o fator de dominação machista que está implícito nesse tipo de violência direcionado à mulher. As autoras consideram a partir do estudo que o crime que mais atemoriza as mulheres é o da violação, e que as precauções tomadas surgem num contexto de diminuição da liberdade individual que vai muito além da proteção das mulheres. O contexto cultural em que essas mulheres estão inseridas trazem a vulnerabilidade como uma característica feminina que a predisporia a ser vítima desse tipo de crime de cunho dominador masculino. Assim, a pesquisa trouxe contribuições que contribuem para a confirmação de hipóteses anteriormente levantadas e que devem ser compreendidas a partir do olhar da psicologia sobre as diferenças de gênero que afetam as expressões de ansiedade em homens e mulheres de maneiras diferentes, trazendo danos muito maiores às mulheres que aos homens.
Referência: Berta, M., Ornelas, J. H., & Maria, S. G. (25 de Janeiro de 2007). Sobreviver ao medo da violação: Constrangimentos enfrentado pelas mulheres. Análise Psicológica , pp. 135-147.