Resenha: You are what you listen To: Young People’s Stereotypes about Music Fans

Marcus Vinicius C. Alves

A música é um dos meios de expressão mais utilizados por pessoas em qualquer lugar do mundo. O presente artigo sugere ainda que para os jovens, essa intensidade é ainda mais visível, a música – ou o estilo musical – serviria como uma insígnia que a priori revelaria para outrem em qual grupo social este jovem estaria incluso e qual o estilo de vida que ele possui. As palavras cantadas displicentemente no meio da rua, a camiseta preta de sua banda favorita ou mesmo o adesivo do Camaleão colado no carro seriam instrumentos cruciais para a identificação grupal. Os autores lembram que nos últimos anos houve uma proliferação de recursos virtuais – blogs, fóruns e comunidades virtuais – onde demonstrar seu estilo musical era peça-chave para ser bem ou mal visto por outros, o que você ouve teria se transformado ainda mais em um estandarte do que você é. Os jovens teriam se apegado aos clãs de identidade musical parecida, expondo quem são, quem querem ser e como querem ser percebidos. É compreensível então o argumento científico de que para adolescentes a música seria um cartaz melhor do que a pessoa é do que as roupas que ela veste, os filmes que vê ou os hobbies que possui. Tendo então a compreensão de que revelar o estilo musical encaixa o indivíduo em um grupo, o artigo propõe o estudo sobre como tais pessoas e seus grupos são percebidos. Qual informação é comunicada pela preferência musical.

Pessoas preferem estilos musicais que reforcem e reflitam aspectos da sua identidade e personalidade (e.g. indivíduos procurando sensações intensas ouviriam punk, enquanto que rebeldes ouviriam rock ou rap, e indivíduos que se percebem como criativos ouviriam músicas sofisticadas como jazz ou clássica), então, somando ao grupo em que a pessoa é encaixada, o gosto musical também revelaria seus valores e personalidade. Os autores argumentam que estudos revelaram que, primeiramente, todos teriam crenças sobre os estilos musicais e as pessoas que os ouvem, além disso, ouvintes de certos gêneros musicais já teriam em si estereótipos de conduta e personalidade definidos. Ademais, o artigo sugere que os estereótipos encontrados para cada gênero musical tenham um núcleo de realidade quando relacionados com os ouvintes destes gêneros, ou seja, os estereótipos formados não estariam de todo errados (Seriam os baianos percebidos como um povo alegre por causa do axé? Ou o axé percebido como um estilo alegre por causa dos baianos?).

Apesar dos estudos revelarem que as pessoas possuem de algum modo uma visão sortida de características psicológicas dos integrantes de certos gêneros musicais, os autores argumentam que ao serem relacionados os resultados dos estudos realizados por cientistas anteriores são encontradas certas limitações. Primeiramente, os estudos só observaram os fatores psicológicos, esquecendo os culturais e sociais. Por pesquisas, já é sabido que o estilo musical que se adere também está relacionado à classe social em que se encontra (e.g. fãs de jazz e música clássica comumente estão relacionados com a classe alta e com maior grau de instrução, enquanto que a classe trabalhadora ou menos instruída costuma ouvir músicas como gospel, rap e, no Brasil, poderíamos citar o pagode). Há ainda pesquisas que revelaram que a etnia também está diretamente ligada ao que se ouve, nos EUA, negros tendem a ouvir jazz e rap, enquanto que brancos ouviriam mais o rock, a música clássica e o country. Logo, os estereótipos musicais poderiam estar diretamente relacionados aos étnicos. Outro limite é o desconhecimento sobre como os estereótipos funcionariam em diferentes estados ou países, pois cada estudo tem sido realizado em locais geográficos pontuais. Sem dúvidas, este fator não pode ser negligenciado, pois pessoas em diferentes países são expostos a diferentes estilos musicais e são estimulados positiva ou negativamente de formas também diferentes ao entrarem em contato com esses estilos (e.g. no Pará o estilo “arrocha” foi menos ouvido do que na Bahia e assim é menos valorizado que o “tecnobrega”, equanto que na Bahia o superpopular não fez sucesso algum. Assim temos dois estilos parecidos qualitativamente, mas que possuem valores diferentes para cada estado.)

A pesquisa realizada se ateve a gêneros musicais, pois em um teste foi revelado que os diferentes subgêneros musicais são pouco conhecidos, o que dificultaria consideravelmente a obtenção de resultados verossímeis devido a pouca familiaridade do grupo experimental com as vertentes de cada gênero. A pesquisa foi realizada na Inglaterra e propôs comparar os dados com estudos semelhantes nos Estados Unidos visando fazer com que os dados fossem passíveis de generalização. Os autores afirmam que o estudo teve como perguntas principais (1) O quanto as pessoas concordam sobre aspectos psicológicos e sociais ligados a estereótipos de estilos musicais; (2) seriam os estereótipos entre os gêneros distintos?; E (3) o quanto há de generalização nos estereótipos? Utilizando de pesquisas anteriores, os autores tiveram como hipótese a concordância entre os indivíduos com a existência de estereótipos únicos por gêneros, especialmente no rap, rock e clássicos, e que o conteúdo dos estereótipos seria similar tanto nos Estados Unidos, quanto na Inglaterra.

O grupo experimental da pesquisa foi formado em grande parte por Brancos (87,5%) e pertencentes à classe média (61,3%), os autores não citam, mas tais fatores podem ter influenciado os resultados, pois homogeneízam a amostra, podendo revelar a percepção e os estereótipos contidos em um pequeno grupo e não em nível global. Esse grupo experimental ainda limita a generalização desse estudo para o Brasil, sendo esses dados exageradamente divergentes à população nacional. O estudo fez com que o grupo experimental julgasse protótipos de fãs dos gêneros musicais específicos e associasse a esses estereótipos certas características em uma escala tipo Lickert. A pesquisa avaliou a percepção das características psicológicas, sociais, de religiosidade, de personalidade, sociais e étnicos.

Os resultados da pesquisa foram condizentes com as expectativas dos autores, somado a isso, tem-se que os jovens têm os padrões dos estereótipos dos fãs de certos grupos musicais altamente estruturados cognitivamente. Os resultados revelaram que alguns estereótipos foram similares em certos construtos (e.g. a personalidade dos fãs de rock e música eletrônica), todavia as particularidades dos estereótipos foram diferenciadas em um nível macro de entendimento. Houve ainda a confirmação do potencial de categorização social acima da psicológica, pois os resultados acerca da classe e da etnia de cada gênero foram mais consistentes que os de personalidade. O grupo experimental americano e o inglês obtiveram resultados semelhantes, entretanto, os países são também semelhantes em diversas características, tais resultados poderiam ser diferentes em um país em desenvolvimento, tendo como idioma o português e a maioria da sua população pouco alfabetizada.

Entretanto, a pouca adaptabilidade do estudo para âmbitos nacionais não desmerece a sua compreensão de que os resultados de fato demonstraram a importância dos estilos musicais nas relações intergrupais, propondo para outros cientistas, a reflexão e experimentação posterior na área.

Referência: Rentfrow, P. J., McDonald, J. A., Oldmeadow J. A. (2009). You are what you listen To: Young People’s Stereotypes about Music Fans. Group Processes & Intergroup Relations, 12, 329-344.

Biblioteca: inclusão de conteúdo

Acrescentado à biblioteca a resenha Argentinos e brasileiros:  encontros, imagens e estereótipos, de Ricardo Mendes Pereira

Resenha do texto Rethinking the Link Between Categorization and Prejudice Within the Social Cognition Perspective

Letícia Vasconcelos

O presente artigo traz uma crítica à correlação direta que foi se estabelecendo ao longo dos últimos 40 anos entre a categorização e o preconceito. Os autores analisam teorizações e pesquisas da perspectiva da cognição social para demonstrar a tese de que não se pode comprovar a existência de tal correlação, bem como questiona sua conseqüência direta: a elaboração de propostas de redução do preconceito que se baseiam na redução das fronteiras entre as categorias sociais. Os dois eixos principais de argumentação são: demonstrar a ausência de suporte empírico que comprove tal correlação e re-afirmar que uma eliminação da categorização não só é impossível, como altamente indesejável. Uma breve revisão histórica visa demonstrar que trabalhos como os de Allport, Tajfel e Campbell, tidos como precursores da tradição da cognição social, ainda que apontassem para o papel da categorização na formação do preconceito, davam uma ênfase menor ao caráter cognitivo do viés inter-grupal do que o assumido por seus sucessores. São analisadas as três conseqüências principais que derivam da dominância da perspectiva da cognição social para o estudo do preconceito: a preponderância de explicações de base cognitiva sobre os conflitos inter-grupais, a não inclusão do componente afetivo presente em tais conflitos e a compreensão do preconceito como produto do conteúdo de estereótipos negativos. Estudos tradicionalmente usados para comprovar a existência da correlação entre categorização e preconceito são questionados, apontando-se ora uma imprecisão conceitual, ora a variedade de explicações alternativas para dar conta da suposta correlação encontrada. Quanto à questão do preconceito, os autores buscam demonstrar que as estratégias de descategorização e de recategorização não surtem o efeito esperado de sua diminuição. Nem por isso os autores deixam de apontar alternativas para a diminuição do preconceito. Segundo eles, a estratégia ideal é aquela que encontra o equilíbrio entre manter as fronteiras das categorias, como elemento de constituição da identidade social, e minimizando ao máximo o viés inter-grupal. O multiculturalismo é descrito como uma estratégia que mais se aproxima deste ideal, uma vez que mantém a diversidade cultural e étnica. Mais do que simplesmente reconhecer esta diversidade, uma estratégia que busque reduzir o preconceito precisa reconhecê-la como riqueza. Com uma argumentação que recorre a uma revisão teórica e empírica bastante abrangente, o artigo, em última instância, vem defender uma abordagem que atue no sistema de valores individuais e grupais, em especial pela ênfase em valores como a diversidade e a tolerância

Resenha: Cues that Matter: How Political Ads Prime Racial Attitudes During Campaigns

Thiago Falcão

O artigo examina o efeito de como as pistas raciais podem ativar um pensamento racial/racista na avaliação de um certo candidato, pelo público. Os autores vão apresentando suas hipóteses no decorrer do texto: (1) apelos que tenham pistas raciais vão aumentar o poder de justificativa de atitudes raciais nas avaliações de certos candidatos; (2) entrevistados levariam menos tempo para identificar deixas raciais quando esse conteúdo já tiver sido ativado; Os autores ainda executam a extensão de um estudo anterior (Nelson et al, 1997; Miller e Krosnick, 2001), sobre a importância das questões raciais nos processos de ativação, e (3) testam se há um processo psicológico sofisticado o suficiente, na avaliação dos candidatos pelo público, para que a importância que tal candidato dá a certos grupos seja um fator relevante.
Os autores começam o artigo discutindo um fato emergente na América: no decorrer dos últimos 40 anos, atitudes públicas relacionadas à raça foram radicalmente diminuídas, mas algumas pesquisas ainda indicam que formas midiáticas ainda reforçam os estereótipos de minorias. Valentino e seus colegas, então, se utilizam de um modelo desenvolvido por Mendelberg para se referir ao assunto, mas adiantam que enquanto o modelo é muito convincente e seus resultados muito persuasivos, mais testes precisam ser executados sobre o problema. A premissa básica do estudo, então, é a de que mesmo velados, os componentes raciais no discurso midiático ainda são uma força potente na política americana.
A aproximação teórica de Mendelberg tem quatro componentes: (1) americanos brancos são divididos entre a “norma de igualdade” e seu ressentimento com relação aos negros em falhar ao aderir à crença americana no individualismo e no trabalho duro; (2) o priming racial funciona porque certas deixas tornam alguns esquemas racionais mais acessíveis pela memória, daí eles serem usados nos processos de tomada de decisão imediatamente posteriores; (3) estar ciente de conteúdo racial numa mensagem faz com que a maioria dos americanos a rejeitem, por causa da “norma de igualdade” e (4) apelos raciais só são efetivos se não forem reconhecidos como tal pela audiência.
Os autores vão, então, se focar em três questões que pra eles estão relacionadas, para tentar jogar alguma luz sobre o problema: (1) pistas raciais em apelos políticos normais realmente ativam atitudes raciais? (2) que tipos de deixas ativam atitudes raciais? (3) afinal, qual o mecanismo psicológico que está associado à ativação racial? Seguindo esse viés argumentativo, os autores finalmente chegam à teoria que dá suporte (com base em várias pesquisas) ao artigo: para a maioria das pessoas, atitudes raciais negativas afetam o pensamento político automaticamente – ou simplesmente não o fazem mais.
O estudo, então, foi realizado com 346 adultos não-estudantes, na Universidade de Michigan, com os entrevistados tendo sido informados via panfletos. A amostra não era perfeitamente representativa da nação como um todo por conter muitos graduados e poucos republicanos, além de os autores apontarem o problema de não poder isolar as respostas por grupos étnicos, porque a amostra não continha um número suficiente de pessoas enquadradas nesse grupo. Os entrevistados foram expostos a um questionário demográfico e três comerciais, tendo sido levados a realizar uma atividade de cunho léxico desenhada para medir a acessibilidade de atitudes raciais na memória.
Os resultados mostram que uma variedade de pistas raciais implícitas pode, sim, ativar questões raciais, especialmente aquelas que implicam que os negros não seriam merecedores dos gastos do governo. Com relação à segunda hipótese, os autores percebem que os resultados corroboram com a idéia anterior de que as pistas raciais ativam questões nas memórias dos espectadores, mas mais importante que isso, embora a narrativa já o fizesse por si só, quando as deixas visuais foram apresentadas, o efeito detectado foi maior – o que dá pistas de como os processos de ativação funcionariam.
Os autores ainda executam a extensão de dois estudos (Nelson et al, 1997; e Miller e Krosnick, 2001), sobre os níveis de importância que os expectadores dariam às representações de grupos na avaliação de certos candidatos. Segundo Valentino e seus colegas, o nível de importância que os expectadores dão ao problema seria uma variável tão importante quando a ativação das informações na memória, pelas pistas raciais. Os resultados sugerem que a hipótese é sustentada – pistas raciais implícitas, especialmente aquelas sobre os negros não serem merecedores da ajuda do governo, ativam atitudes com relação ao problema e tornam a questão de grupos mais importante no cálculo de votos.
Por fim, os autores testam a última hipótese, e chegam à conclusão de que deixas raciais ativam as questões referentes à raça causando impacto sobre a avaliação dos candidatos. Os autores ainda especulam que deixas anti-estereotípicas não ativam tais questões, mas podem levar a uma reflexão sobre a questão dos grupos étnicos na avaliação de um candidato.
Os autores encerram o artigo sugerindo que um maior debate sobre questões raciais precisa ser travado nos Estados Unidos, e que, em suma, quando os americanos estão cientes do assunto – quando o assunto da raça é explícito – eles suprimem o pensamento racial/racista.

Referência: VALENTINO, N., HUTCHINGS, V. E WHITE, I. (2002) Cues that Matter: How Political Ads Prime Racial Attitudes During Campaigns. In: American Political Science Review, Vol. 95, N. 1, p. 75-90.

Resenha: The Role of Threat, Evolutionary Psychology, and the Will to Power

Jamyle Reis

No artigo em questão investigou uma serie de mecanismos psicológicos evolutivo, com base na literatura anterior, que é consistente com a forma como o individuo reage à ameaça autoritária. Estabeleceu-se uma ligação teórica entre a conceitualização de Nietzsche em “desejo de poder” (1901/1967) e a operação de autoritarismo num contexto evolucionário e societal. O resultado é uma conceitualização de autoritarismo mais enraizada teoricamente na ciência filosófica, psicológica, sociológica e biológica.
O texto abarca conceitualizações iniciais como a de Adorno, From entre outros e mais recentes como a de Altemeyer acerca de autoritarismo e ameaça. Adorno et al. (1950) defende que autoritarismo foi resultado de ambiente de infância ameaçado e práticas de criação da criança inconsistente. Erich From (1941) sugere que a ameaça de insegurança, manifestação de uma sociedade capitalista, leva a níveis de autoritarismo ainda mais alto. Altemeyer (1988, 1996) integrou teoricamente o papel da ameaça definindo autoritarismo como um “complexo mundo perigoso” e sugeriu que esse complexo é a causa principal da xenofobia e etnocentrismo manifestada na personalidade autoritária.
Para a psicologia evolucionária todos os seres humanos possuem mecanismos psicológicos que são o resultado naturalmente adaptativo de nossa historia evolutiva. Nesse sentido, o autoritarismo como processo evolutivo opera a nível grupal durante períodos muito longo de tempo, enquanto processos psicológicos manifestam a nível individual durante pontos específicos no tempo. De modo que mecanismos psicológicos específicos quando utilizado por indivíduos sob condições de ameaça, ilustra como autoritarismo opera de uma perspectiva evolucionária.
A teoria da seleção parental e formação de coligação defendem que as pessoas normalmente formam grupos cooperativos a fim de obter os benefícios de uma ação coletiva. Ela prediz que os indivíduos são mais propensos a favorecer parentes do que não parentes. Para a teoria seleção parental e formação de coligação autoritarismo pode ser visto como um subproduto da necessidade de sobrevivência do ancestral anterior. Para Altermeyer (1988), a personalidade autoritária representa um aglomerado de três componentes principais: a submissão a autoridade, convencionalismo e agressão a grupos externos. Então, esses indivíduos autoritários buscam um grupo de identificação formando uma parentela “fictícia”. Assim, em termos de ameaça, o individuo utiliza o grupo autoritário como um “refugio” fora do perigo onde os recursos são agrupados em um esforço coletivo contra os perigos colocados por outros.
Na mesma linha da psicologia evolucionária o texto apresenta a teoria do intercambio social e altruísmo recíproco que sugere assim como os seres humanos procuram maximizar os lucros e minimizar perdas, o mesmo é valido para as relações sociais. A premissa fundamental é que o relacionamento com outra pessoa é avaliado de acordo com nossas percepções sobre o equilíbrio entre o que colocamos na relação e o que ganhamos com isso, o tipo de relação que pretendemos atingir e as chances de ter um relacionamento mais produtivo com outra pessoa.  De modo que a teoria do altruísmo recíproco prediz que comportamento altruísta será também uma função da probabilidade de reciprocidade do beneficio.
Um novo modelo de autoritarismo sugere três facetas sobre a conceitualização de autoritarismo. Explica porque a ameaça é fundamental para o entendimento do autoritarismo, através da abordagem evolucionária mostrando como a ameaça elicia características comportamentais da personalidade autoritária. A segunda faceta refere-se ao autoritarismo conceitualizado como uma variável continua que interage com a ameaça ambiental. Finalmente, esse modelo contribui para a conceitualização teórica do autoritarismo como uma resposta ao ambiente ameaçador. Para o presente modelo variáveis como orientação de dominação social, dogmatismo e outras podem ser vistas como adaptativas sob condições de ameaça. Para uma fundamentação filosófica da teoria recorreu-se aos escritos de Friedrich Nietzsche que sugere que para a direção para auto-preservação é abarcada pelo mais fundamental “desejo de poder”.
O artigo apresentado oferece uma perspectiva do autoritarismo como um subproduto de um passado evolucionário sugerindo que ameaça é importante porque o autoritarismo geralmente é uma função adaptativa. Conclui que pesquisas futuras deveriam examinar não apenas conseqüências negativas do autoritarismo, mas também as vantagens de manter uma visão de mundo autoritária.
Fonte: Hastings, B. M. and Shaffer, B. The Role of Threat, Evolutionary Psychology, and the Will to Power. Theory & Psychology, 18, 423-440, 2008.

Resenha: a natureza do preconceito (capítulos iniciais)

chamada

Letícia Vasconcelos.


O livro, A Natureza do Preconceito, foi escrito por Gordon W. Allport em 1954 e teve seus quatro primeiros capítulos publicados em 2000 no Key Reading de psicologia social da Psychology Press, versão analisada para a elaboração desta resenha.

No primeiro capítulo, Qual é o problema?, o autor se ocupa de definir o que é o preconceito. Segundo ele, o preconceito se origina na generalização errônea e na hostilidade. Ele apresenta, ainda, duas dimensões essenciais que devem estar presentes em qualquer definição de preconceito: atitude e crença.

No segundo capítulo, A normalidade do prejulgamento, o autor afirma que as condições originárias do prejulgamento são capacidades naturais e comuns da mente humana; salientando assim, sua condição de normalidade. Tal condição fica amplamente demonstrada pela quantidade e qualidade dos exemplos de situações prosaicas. O recurso a uma multiplicidade de fontes ilustra a proximidade e casualidade do preconceito no dia-a-dia de todos. No entanto, esta normalidade não fica circunscrita às possibilidades cognitivas; antes, é remetida à construção do sistema de valores pessoais.

O terceiro capítulo, Formação de in-groups, em que busca demonstrar o conceito previamente apresentado de preconceito pelo amor (em oposição ao preconceito pelo ódio), salienta a importância e influência do grupo para cada indivíduo, tomando-o como essencial para a própria constituição do self. Afirma que, embora o familiar seja preferido ao estranho, a hostilidade ao out-group não é condição para a manutenção do in-group. Ainda que seus laços tendam sim a se estreitarem quando as condições gerais estão piores. Com a noção de grupo de referência, tomado de Sherif e Sherif, vem trazer o conceito de sentimento de pertença, que parece se situar na raiz das posteriores formulações sobre justificação do sistema. Como comprovação conclusiva da importância das relações com o in-group o autor demonstra que mudanças de atitudes e crenças são mais facilmente atingidas quando partem do grupo do que dos indivíduos.

Por fim, o quarto capítulo, Rejeição de out-groups, examina três graus pelos quais tal rejeição se expressa: a rejeição verbal, a discriminação e o ataque físico. Cada uma das formas subseqüentes pressupõe a existência da anterior, embora esse caminho nem sempre seja percorrido até o último grau. Compreender a rejeição é essencial para que se possa pensar ações efetivas no sentido de evitá-la, ou, pelo menos, amenizá-la. O autor caracteriza duas formas de expressão do conflito étnico, comuns na América à época, os motins e linchamentos. Fazendo, por fim, uma análise do papel essencial do rumor na deflagração de tais conflitos, apontando-o em contrapartida como possível ferramenta de controle da hostilidade.

Neste texto, escrito há 54 anos, mas ainda uma referência, é possível identificar as origens de inúmeros estudos posteriores, que se ocuparam de verificar, comparar, aprofundar e refutar as afirmações nele anunciadas.

Não surpreende por ser bastante abrangente, nem por abordar a questão do preconceito desde diferentes aspectos, já que estas são características esperadas dos textos escolhidos para integrar este tipo de publicação (key reading); tampouco surpreende por sua atemporalidade, já que também isso se espera de um texto clássico como o presente. Surpreende antes por sua leitura fácil, de tom quase informal, porém sem prejuízo de sua seriedade científica. É um texto que transmite sua mensagem não só por seu conteúdo teórico, mas também por seu estilo.

Resenha: Dizer não aos estereótipos sociais: As ironias do controle mental

Jamyle Reis

O artigo tem como objetivo apresentar uma ampla revisão teórica sobre os mecanismos de supressão dos estereótipos e dos contextos que resulta em efeitos não almejados. Começa abordando estereotipização como o conhecimento e as crenças que o individuo tem sobre um grupo social. Segue justificando o processo de estereotipização como um mecanismo que permite simplificar as informações do complexo mundo social. Para a autora é quase consenso acreditar que estamos propensos a pensar com o auxilio de categorias. A principal questão que o artigo busca responder é até que ponto é possível controlar a expressão do pensamento categorical.
O segundo tópico abordado é os mecanismos de controle mental que se caracteriza pela tentativa de controlar as respostas estereotípicas. A autora com base em Macrae e colaborares defende que a tentativa de inibir um pensamento pode contribuir para que ele se torne ainda mais acessível. Cita o modelo teórico de supressão desenvolvido por Wegner (1994, Wegner e Erber, 1992), em que primeiro ocorre um processo de monitorização de pensamentos que tem como meta a vigilância de qualquer pensamento a ser evitado. Ao mesmo tempo, começa um segundo processo operativo cuja meta principal é a reorientação da consciência para repelir o pensamento indesejado e focar sua atenção num pensamento de distração. Entretanto o individuo pode falhar nesse processo caso haja pressões do contexto, distração e se não houver recursos cognitivos e motivação para suprimir os estereótipos, de modo que este processo não apenas falhe, mas também ocorra seu oposto. Esse oposto é o efeito irônico de Ricochete (ERE).
O terceiro tópico refere-se às conseqüências irônicas da supressão dos estereótipos, é citado três experimento relatados por Macrae et al (1994a) em que apresenta um aumento na acessibilidade e de dependência dos estereótipos após a tentativa de inibição de estereótipos de skinhead. Nestes experimentos, num primeiro momento os participantes desempenham uma tarefa em que metade dos participantes tinha que suprimir o estereótipo e a outra metade não recebeu nenhuma instrução para suprimir o estereótipo. No experimento 1, na tarefa subseqüente, os participantes de ambos grupos tiveram como instrução escrever um segundo parágrafo sobre outro skinhead, sem que fosse dada qualquer instrução de supressão. Os resultados demonstraram que participantes que tiveram instrução de suprimir na primeira tarefa tiveram um ERE na segunda tarefa, em relação aos participantes que não tiveram essa instrução. No experimento 2, verificou-se que participantes que tiveram a instrução de supressão sentaram-se mais afastados de uma cadeira que seria supostamente ocupada por skinhead do que os que não tiveram a instrução. No experimento 3, ficou evidenciado que o que o estereótipo fica mais acessível após tentativas de inibição. Achado de Macrae et al.(1998) aponta que um elevado self focus (atenção dirigida) está ligado a tentativa de inibição da utilização de estereótipos. Isso ocorre possivelmente devido à atenção auto-dirigida que aumenta a saliência de crenças pessoais que sugerem que estereotipização não é adequada. No que se refere à memória, a tentativa de supressão pode levar a uma maior acessibilidade e melhor memória para esses pensamentos.
O quarto tópico por um lado apresenta uma serie de influencias que podem moderar o impacto da ERE após a supressão de estereótipos, por outro lado aponta que a inibição de estereótipo pode não resultar na ERE. Entre os fatores de moderação da ERE, a influência do nível de preconceito em que a atitude pessoal frente à esterotipização após a supressão é considerado fator mais importante. Questiona que estereótipo está para ser suprimido. Uma vez que o alvo é um importante aspecto para supressão. Outro questionamento é até que ponto o estereótipo é ativado. Visto que a ativação de estereótipo em indivíduos com baixo nível de preconceito, pode não acontecer. A prática de supressão do estereótipo ocorre de maneira diferente em individuo com baixo e alto nível de preconceito, no primeiro caso essas pessoas são altamente motivadas a suprimir preconceito, devido suas crenças igualitárias. No segundo caso, os indivíduos são motivados a suprimir estereótipos devido a pressões externas.
Entre as estratégias alternativas para supressão de estereótipos é apontado o papel de pensamentos substitutos em que os pensamentos estereótipos podem ser substituídos por crenças igualitárias. Outra estratégia é a individuação do alvo e construir impressões com base nestas informações. Além disso, um aspecto importante de ser mencionado na regulação da vida mental é os objetivos do processamento do individuo. Aqueles que têm como objetivo não estereotipizar, ao invés de suprimir, pode adotar como estratégia pensar de forma igualitária.
Por fim, investigações recentes sobre controle de pensamento consideram que tentar suprimir os pensamentos, crenças e desejos podem ser uma perda de tempo. Expulsos da mente, essas cognições podem retornar, ainda mais forte. Demonstrações do efeito ricochete dos estereótipos apontam que a supressão pode ser uma estratégia ineficaz de controle mental. A literatura também indica que as tentativas de inibir o estereótipo não são igualmente prejudiciais em todos os casos. Devido os inúmeros fatores envolvidos na supressão dos estereótipos é preciso que investigações futuras dediquem-se a estratégias alternativas de controle mental e as compare em termos de eficácia e efeitos negativos.

Fonte: Bernardes, D. Dizer não aos estereótipos sociais: as ironias do controlo mental. Análise Psicológica. 21,3, 307-321, 2003

Resenha: Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero

Aline Campos

A autora investiga a teoria do sexismo hostil e benevolente desenvolvida por Glick e Fiske (1996), e de que modo os homens e mulheres endossam esta ideologia. Ela pesquisou como o sexismo ambivalente se manifesta em uma amostra brasileira, submetendo 540 estudantes universitários brasileiros ao Inventário de Sexismo Ambivalente, criado pelos mesmos autores.
A autora apresenta o tema do preconceito, em suas manifestações declaradas ou sutis. Inicia com a definição de preconceito lançada por Allport em 1954: o preconceito é uma hostilidade ou antipatia dirigida a grupos ou membros destes grupos, devido a generalizações incorretas.
Afirma que atualmente o preconceito é visto como uma atitude negativa dirigida a membros de determinados grupos sociais, devido à sua pertença a estes grupos (Smith e Mackie, 1995). Como atitude, o preconceito tem três componentes: o cognitivo, manifestado pela presença dos estereótipos; o afetivo, que é o preconceito em si; e o comportamental, resultando em atos discriminatórios (Fiske, 1998).
O sexismo, preconceito relativo às diferenças entre os sexos, desfavorece as mulheres, em função de sua condição de gênero (Lips, 1993). Este pode ser institucional (por exemplo, através de uma política salarial que prejudica as mulheres) ou interpessoal (por exemplo, a presença de atitudes negativas dirigidas às mulheres).
As teorias feministas explicam o sexismo como derivado da cultura patriarcal, na qual os homens têm a primazia do grupo dominante e controlam o espaço público, enquanto as mulheres são responsáveis pelo privado, e pela reprodução dos valores patriarcais na família.
O sexismo é um instrumento para garantir as desigualdades de gênero, e promove atitudes de desvalorização da mulher através da socialização. Cria representações das mulheres como dóceis, passivas e submissas, e dos homens como fortes e responsáveis.
Mais recentemente, atitudes sexistas tradicionais vêm sendo substituídas por novas formas, indiretas ou simbólicas. O sexismo antigo sugere, por exemplo, estereótipos sobre menor competência feminina; já o moderno nega que ainda exista a discriminação contra as mulheres, e antagoniza sua luta por uma maior inserção social e apoio governamental. O sexismo moderno também incentiva sentimentos negativos em relação às mulheres, só que de forma mais encoberta.
Glick e Fiske (1996) contribuíram ao estudo das novas formas de sexismo, desenvolvendo a teoria do sexismo ambivalente, segundo a qual o sexismo se manifesta através de duas atitudes: hostil e benevolente. O sexismo hostil apresenta uma antipatia explícita contra as mulheres, enquanto o sexismo benevolente exalta um combinado de sentimentos e condutas positivas em relação à mulher – tais como, “o homem não pode viver sem as mulheres”.
A visão benevolente, apesar de atestar aspectos positivos do feminino, reforça o preconceito, pois mantém a visão de que a mulher é frágil, dependente do homem, e naturalmente talentosa para o cuidado. A mulher é vista de forma romântica, e isto discrimina contra mulheres que não cabem neste padrão idealizado, como as feministas.
O sexismo hostil e o benevolente incluem de três componentes, estes também sujeitos à ambivalência. O primeiro componente é o paternalismo, que se manifesta de forma hostil através da dominação, e de forma benevolente através da proteção às mulheres. O segundo é a diferenciação entre os sexos, que se manifesta de forma hostil pela competitividade, e de forma benevolente pela noção de complementaridade. O terceiro é a heterossexualidade, que se manifesta negativamente pela hostilidade entre os sexos, e positivamente pela intimidade (Fiske e Glick, 1995).
No presente estudo, a autora investigava a aplicação do Inventário de Glick e Fiske em uma amostra brasileira. Este inventário consiste em 22 afirmativas, com opções de resposta Likert de seis pontos, e é considerado como fidedigno e válido. Para medir o sexismo hostil, aparecem frases como “quando uma mulher conquista um homem ela costuma mantê-lo sobre rédea curta”; “muitas mulheres, com a desculpa de buscarem igualdade, estão é querendo favores especiais”; e “as mulheres querem obter poder para exercer controle sobre os homens”. Na avaliação do sexismo benevolente, aparecem itens como: “as mulheres devem ser amadas e protegidas pelos homens”; “num desastre, as mulheres devem ser salvas antes dos homens”; e “uma boa mulher deve ser colocada num pedestal pelo seu homem”.
Os resultados do estudo brasileiro confirmaram aqueles apresentados em outros países: o sexismo hostil e o benevolente são construtos independentes, porém correlacionados positivamente. Homens apresentaram escores significantemente mais altos do que as mulheres na escala de sexismo hostil, e na escala de sexismo benevolente não se diferenciam das mesmas. Ou seja, as mulheres tendem a refutar o sexismo hostil e endossar o sexismo benevolente.
As mulheres provavelmente dão suporte ao sexismo benevolente por se sentirem protegidas e recompensadas por este. Porém, o sexismo benevolente é subsidiado pela mesma ideologia que sustenta o sexismo hostil, o patriarcalismo, um sistema que fomenta a desigualdade entre os sexos e a supremacia masculina. Numa proposta aparentemente benevolente, as mulheres são apresentadas como frágeis e necessitadas da proteção, admiração e afeto masculinos.
Sendo assim, endossar o sexismo benevolente preserva os valores patriarcais que limitam as oportunidades das mulheres, e acaba validando o sexismo hostil.

Fonte: Ferreira, M. C. (2004). Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero. Temas em Psicologia da SBP, Vol.12, no 21, 119-126.

Resenha: Effects of exposure to sex-stereotyped video game characters on tolerance of sexual harassment

Thiago Falcão

O artigo em questão se concentra em um ponto no qual, segundo os autores, a literatura que faz convergir o fenômeno dos videogames com os estudos em psicologia social se deparam com um vazio – com uma falta de pesquisas formais sobre a influência dessa nova mídia num “nicho” de violência em específico: a violência contra a mulher.
A pesquisa em questão, então, se concentra em encontrar uma relação entre as ações sexistas representadas nos jogos eletrônicos e dois tipos de atitude ligadas à violência contra as mulheres: julgamentos de assédio sexual e atitudes de tolerância à prática do estupro. De acordo com a revisão feita por Dill e seus colegas, os jogos eletrônicos configuram, hoje, a mídia de massa que mais sustenta os estereótipos relacionados a papéis sexuais: personagens hiper-masculinos e hostis e violência enaltecida fazem dupla com personagens femininos bonitos, de busto farto e tratados geralmente como objeto sexual.
“Adolescentes descreveram personagens femininos como sexualmente promíscuos, vestindo pouca roupa e como sendo magras, com seios fartos. Em contraste, eles viam tipicamente a figura masculina como fisicamente poderosa, com homens dominantes, violentos e cruéis” (DILL et al, 2008, p. 1, tradução livre).
Um ponto de argumentação bastante forte utilizado no artigo é o tratamento dado à figura feminina na série de jogos Grand Theft Auto (GTA). Segundo os autores, o jogo se utiliza de conteúdo depreciativo e lida com situações relacionadas ao sexo que envolvem violência e termos considerados inapropriados.
O escopo do artigo está relacionado à teoria dos Modelos Gerais de Agressão (ANDERSON et al, 2007), que descreve como estruturas de conhecimento relacionadas à agressão são formadas e como elas são ativadas em momentos posteriores. A proposta de Dill e de seus colegas é, então, a de que a exposição a estereótipos negativos de gênero em videogames vai contribuir para a formação de esquemas e scripts para as relações sociais entre homem e mulher.
Os autores se baseiam em algumas teorias que associam a imagem do homem moderno projetada pela mídia como ser dominador e agressivo (Teoria da Masculinidade Hegemônica, Connel 1987, Lull 2003; Teoria do Sexismo Ambivalente, Glick et al, 2004) para fazer assunções a cerca de certos comportamentos – como o caso de mitos relativos ao estupro, por exemplo – que seriam desencadeados – e inerentes – à essência de sociedades patriarcais.
Daí, fazendo uma ponte com outros estudos que relacionam a representação sexista em outras formas midiáticas à atitude violenta, Dill e seus colegas fazem uma ponte para com os videogames, adentrando um universo ainda, segundo os autores, não abordado na literatura em psicologia social.
Os autores então, se debruçaram sobre o seguinte problema: investigar o conteúdo sexista de títulos dos videogames (masculinidade agressiva, feminilidade transformada em objeto) em duas situações: (1) julgamento de assédio sexual e (2) atitudes de apoio a estupro. De posse de quatro hipóteses ([i] Exposição a imagens de conteúdo sexista em personagens de videogames vai resultar num maior grau de tolerância ao assédio sexual; [ii] Exposição a imagens de conteúdo sexista em personagens de videogames vai resultar em um aumento nas atitudes de tolerância ao estupro; [iii] A exposição percebida pelos participantes ao conteúdo dos jogos violentos vai se correlacionar negativamente com os julgamentos progressivos de assédio sexual; [iv] A exposição percebida pelos participantes ao conteúdo dos jogos violentos vai se correlacionar positivamente com as atitudes de tolerância ao estupro), Dill e seus colegas partiram para uma manipulação experimental na qual dois grupos viram duas seqüências independentes de imagens, uma contendo profissionais respeitáveis (grupo de controle) e outra contendo imagens estereotipadas provenientes de alguns jogos eletrônicos. Dill e seus colegas afirmam que, as imagens experimentais funcionam, além de como manipulação, como priming para todo o conteúdo sexista de videogames experimentado pela juventude americana.
Os resultados indicaram suporte para a primeira hipótese, ou seja, a exposição experimental ao conteúdo tendencioso alterou o julgamento sobre aspectos do assédio sexual, mas nenhuma confirmação foi encontrada para a segunda hipótese. Um ponto forte no estudo foi detectar que houve, numa exposição de curto tempo, uma tolerância alta para o assédio de homens velhos a mulheres mais novas (figura do professor e da aluna). Os autores alertam, contudo, para o fato de que modelos mais complexos não mostraram correlação entre videogames e violência num maior espaço de tempo (long term), mas que os estudos de short term associaram os fatos.
A leitura do artigo se faz muito positiva no que diz respeito a entender efeitos de longa exposição e curta exposição, e é um relato inédito de como se dá a relação entre representações estereotipadas no videogame e processos de cognição. O ponto mais positivo do artigo, contudo, está na legitimação do tratamento dos videogames enquanto mídia real, que pode provocar reações – tanto quanto qualquer outra mídia, mediante o tempo de exposição, ou outras variáveis, como envolvimento, temas, etc.

Fonte: Dill, K., Brown, B. e Collins, M. Effects of exposure to sex-stereotyped video game characters on tolerance of sexual harassment. Journal of Experimental Social Psychology 44 (2008). 1402-1408.

Resenha: A publicidade contra-intuitiva e o efeito ricochete

Rafael Oliveira

O artigo discute de maneira geral o papel da publicidade tanto na manutenção como na possível dissolução de estereótipos depreciativos relativos a grupos minoritários. A publicidade contra-intutitiva é entendida como uma tentativa de romper com crenças estereotipadas. Funciona como uma espécie de contra-estereótipo. Nesse sentido um gay seria reportado com características de virilidade, por exemplo. A estratégia da informação contra-intutitiva é justamente provocar o indivíduo a fazer reflexões sobre o conteúdo das crenças estereotipadas que tipicamente estão vinculadas aos grupos minoritários com o objetivo de desconstruir percepções e opiniões negativas. Ainda na introdução do artigo é feita uma revisão dos conceitos de estereótipo, preconceito e discriminação, tendo como fundamento a psicologia social cognitiva.
Essa nova forma de manejamento dos estereótipos visando a redução de crenças depreciativas de grupos minoritários não está dissociada do caráter mercadológico da propaganda e publicidade. Desta forma, atrelado a uma nova consciência de profissionais da área de comunicação preocupados com os efeitos psicológicos e sociais que a mídia exerce sobre indivíduos pertencentes a grupos minoritários está também um crescente nicho de mercado voltado para essas mudanças sociais denominadas politicamente corretas.
No entanto, o principal objetivo do artigo é refletir sobre uma importante questão que se refere a um efeito indesejado da estratégia contra-intuitiva que é o efeito de ricochete. Esse efeito ocorreria quando da apresentação da propaganda contra-inuítiva o sujeito esteja com seu aparato cognitivo sobrecarregado por outras atividades, não podendo ponderar que se trata de um contra-estereótipo e reforçando o antigo estereótipo que se pretendia reduzir. Assim o efeito causado seria justamente o contrário do pretendido. Apesar deste inconveniente, o autor é otimista quanto ao uso da estratégia contra-intuitiva argumentando que, apesar da possibilidade de efeitos indesejados como o ricohete, as mensagens podem ter conseqüências desejáveis ao caracterizar os preconceitos como politicamente incorretos e indesejáveis. Complementarmente, aponta que o aprimoramento dessas mensagens podem ajudar a reduzir efeitos indesejados como o de ricohete.
Fica evidente na leitura do artigo a importância que temas da psicologia como os estereótipos, crenças e cognições estão ganhando no subsídio a outros campos do conhecimento bem como na resolução de problemas sociais. Isso representa um grande avanço se pensarmos que durante muito tempo ocorreu justamente o contrário.

Leite, F. e Batista, L. A publicidade contra-intuitiva e o efeito ricochete. Galáxia, 15.