Artigo publicado: Rosenberg Self-Esteem Scale Across Eight Countries

Título: Examining the Differential Item Functioning of the Rosenberg Self-Esteem Scale Across Eight Countries

Autores: Baranika, L., Meadeb, A., Lakeya, C., Lance, C.,Huc, C., Huad, W. e Michalos, A.

Periódico: Journal of Applied Social Psychology, 38, 7, 1867-1904, 2008

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Resenha – Sobreviver ao medo da violação: Constrangimentos enfrentados pelas mulheres

Manuela Moura

O artigo “Sobreviver ao medo da violação: constrangimentos enfrentados pelas mulheres”, dos autores Margarida Berta, José H. Ornelas e Susana G. Maria é fruto de uma pesquisa muito interessante que visou estudar quais as possíveis causas, efeitos e conseqüências que o medo da violação tem no cotidiano da sociedade e na vida das mulheres principalmente.
Estudos mostram que, em comparação com o homem, a mulher possui menos probabilidade de ser agredida. Porém, são elas quem mais sentem medo de serem violadas. Então, estes autores se propõem a estudar de onde vem a ansiedade vivida pelas mulheres diante do sentimento de insegurança social.
Clemente & Kleiman (1977, cit. Por Stanko, 1993) suscitam basicamente duas explicações: a primeira é baseada nas características atribuída as mulheres de que elas são seres frágeis e dependentes, enquanto que o homem é socialmente visto como alguém que não sabe expressar sentimentos, portanto mais rígidos ou socialmente vistos como “fortes”. A segunda explicação baseia-se em um tipo de crime específico que afeta particularmente as mulheres: o crime de violação.
Os mesmo autores citados acima enfatizam a necessidade de pesquisar sobre esse crime de gênero feminino, uma vez que este afeta a maioria das mulheres, quer elas tenham sido vítimas ou não, mas que ainda assim se sentem ameaçadas.
Pesquisas mostram que depois do homicídio, o abuso sexual é o crime mais temido pelas mulheres. Porém, o medo de violação é mais vivido pelas mulheres do que pelos homens, e pode-se supor que este medo está associado ao caráter sexual inerente a ele. Portanto, percebe-se que essas mulheres, além de serem as mais temerosas, são também as mais cuidadosas, adotando com maior freqüência medidas de prevenção.
Day (1994) postula que o quê as mulheres mais temem são os meios públicos (rua), sítios isolados, sair no turno da noite, ter a visibilidade limitada, passar por locais ou situações desconhecidas e por pessoas estranhas. Infelizmente, não há nenhuma garantia de que essas medidas irão proteger, mas muitas vezes acabam por inibir a liberdade das mulheres e restringir o acesso a meios comunitários. Então, conforme essa teoria, a violação não apenas apresenta conseqüências para a sobrevivente, mas acabam por condicionar a vida das mulheres em geral.
Existem alguns fatores interdependentes no espaço social que acabam por compor um pano de fundo para tal medo. São exemplos desses fatores: “a existência do crime de violação propriamente dito (sua prevalência e deficiente resposta legal e social em face de este crime), assim como o assédio e todo o tipo de incivilidades públicas percebidas como intrusivas; a própria cultura social e seus valores que incluem a desigualdade dos papéis sexuais e sociais de ambos os gêneros; as conseqüências da violação; os mitos sociais sobre o crime em questão; a educação; e a comunicação social”.
Todos estes fatores potencializam a interiorização de valores por parte de homens e mulheres e, conseqüentemente, obrigam à adoção de comportamentos constrangedores e limitantes por parte das mulheres.
É importante pensar que a liberdade para se viver em segurança deveria ser um direito de todos os cidadãos, porém este tipo de crime culmina na construção de um controlo social, suscitando nas mulheres o sentimento exacerbado de medo, ansiedade e apreensão.
Esses sentimentos de ansiedade e insegurança não devem ser tomados como algo particular, e sim como uma construção social, fato que causa um impacto considerável na sociedade e na vida dos cidadãos como um todo.
Riger e Gordon (1981) vão defender que o medo de violação se origina e é continuamente reforçado pela história, religião, cultura, instituições sociais que fazem parte do cotidiano de todas as mulheres. Estes mesmos autores trazem que a violação é motivada pelo poder e domínio exercidos nas sobreviventes, e não pelo desejo sexual. Sendo assim, apenas pode-se vislumbrar uma mudança nessa sociedade patriarcal e oprimida através de transformações nas instituições sociais e culturais.
Para investigar essas e outras questões importantes, os autores dessa pesquisa se basearam na metodologia de Investigação Participada Feminista (IPF), contando com as contribuições da Psicologia para a compreensão da violência contra as mulheres enquanto um problema social, decorrente do abuso de poder por parte dos homens, cujo processo de socialização incentiva.
Existem cinco itens que são importantes na definição da metodologia de investigação feminista que contribuíram para o presente estudo: “1º) há uma focalização no gênero (feminino) e na desigualdade social que esta condição acarreta; 2º) procura-se dar voz às experiências pessoais e cotidianas das mulheres (ou mesmo de outros grupos marginalizados); 3º) paralelamente ao objeto propriamente dito da investigação, encontra-se um compromisso social, para que uma real mudança ocorra nas condições opressoras sob as quais o grupo em estudo se encontra; 4º) a reflexão dos próprios investigadores sobre questões que abordam o gênero, raça, classe social e orientação sexual podem influenciar o processo de investigação, daí que; 5º) se abandone, de algum modo, a tradicional investigação positivista, que apóia uma relação formal entre investigador e “investigado”, dando lugar a um ênfase participativo por parte do último na própria construção da investigação” (Cosgrove & McHugh, 2000).
Este estudo, ao se basear nessa perspectiva, tem em si uma expectativa de catalisar mudanças sociais e de proporcionar a conscientização do fenômeno social do medo da violação. Sendo assim, tal pesquisa mostrou-se importante na medida em que se propõe a alertar, refletir e esclarecer acerca de um tema que se encontra no âmago da cultura e da sociedade.
Por fim, para melhor esclarecer quais os princípios norteadores desta pesquisa, faz-se importante mencionar quais as questões de investigação utilizadas. São elas:
1. De que modo o crime de violação afeta a vida das mulheres em geral?
2. Que comportamentos de prevenção as mulheres em geral adotam ou não para evitar este crime?
3. Que tipo de constrangimentos provoca ou não o crime de violação nas mulheres em geral?
4. A que níveis as mulheres em geral sentem ou não a sua liberdade condicionada por causa do medo da violação?
5. Qual a origem do medo da violação?

Metodologia do estudo
Foram selecionados 18 participantes do sexo feminino com idades compreendidas entre os 19 e os 25 anos. Todas elas eram universitárias no Instituto Superior de Psicologia Aplicada.
Para avaliar as respostas das participantes foi elaborado um instrumento baseado na escala “Fear of Rape Scale” (Fors) validada por Senn e Dzinas (1996). Este instrumento tem por objetivo conhecer a realidade do medo da violação e os condicionamentos que a sua existência provoca na vida das mulheres, a partir das experiências das participantes. Tal instrumento abarca dez itens. São eles:
1) Qual o crime que mais temem?
2) Na condição de mulheres, qual o crime que pensam que mais as afetam?
3) (referida a violação) O que vos faz sentir?
4) (violação não referida) E a violação, já pensaram sobre isso?
5) Qual o local/locais onde pensam haver uma maior probabilidade de acontecer? E em que altura do dia?
6) O que fazem ou deixam de fazer por causa desse crime? (precauções em casa/ rua/transportes públicos/relações sociais/altura do dia)
7) De que modo pensam que o medo da violação afeta a vossa liberdade?
8 ) De onde pensam ter surgido esse medo?
9) Esta abordagem dos condicionamentos que afeta a liberdade das mulheres parece-lhes pertinente? Em que medida?
10) Que outras idéias gostariam de acrescentar acerca deste tema?
Por fim, o procedimento utilizado foi a construção de quatro grupos de debate, contando com um total de 18 participantes. O enquadre do encontro foi definido por contato telefônico. Estes grupos eram coordenados por uma facilitadora, cuja função era resumir as idéias que foram sendo expostas; questionar o grupo sobre o que foi relatado; facilitar e promover idéias, colocar os tópicos de diversas formas; procurar saber se alguém pretendia acrescentar algo às questões que foram sendo levantadas; incentivar as pessoas menos participativas a expressar as suas idéias e promover opiniões, não emitindo juízos de valor.

Discussão dos resultados
Os resultados foram muito interessantes, corroborando em sua maioria a teoria. Grande parte das participantes neste estudo parecia ter uma opinião formada e estarem esclarecidas quanto às realidades e mitos da violação. Entre os diversos mitos existentes, elas pareciam ter conhecimento sobre o mito da mulher provocar a violação através de comportamentos ousados, do uso de um vestuário provocador, por circular em horários tardios, bem como o mito de que os violadores cometem o crime pela gratificação sexual.
Boa parte das participantes apontou na condição de mulheres o crime de violação como aquele que mais temem para si, como para aqueles que a rodeiam, e não o sexual.
Algumas delas consideram, ainda, que em face de uma situação percebida como perigosa, automaticamente pensam no risco de violação. Elas demonstraram possuir uma consciência comum de vulnerabilidade sexual e, conseqüentemente, em relação aos crimes de caráter sexual.
Alguns outros medos foram citados em menor freqüência, sendo alguns deles o medo frente às situações de risco passadas, enquanto outras associaram maiores níveis de medo à possibilidade de vitimação. O medo de violação parece estar relacionado com as conseqüências deste crime a vários níveis, encontrando-se enraizado na sua ansiedade como conseqüência da violação.
Também foi levantada que a possibilidade da violação acontecer por parte de conhecidos e no seio familiar não é uma realidade que lhes é alheia. O violador pode ser alguém conhecido da vítima, quer seja um companheiro de circunstância, amigo, colega, alguém com quem a vítima manteve ou mantém uma relação amorosa, inclusive em contexto de relação extra-conjugal.
Uma grande parte das participantes considerou maior probabilidade da violência contra as mulheres também ocorrer no contexto privado, como por exemplo, o lar. Em contrapartida, foi dado um número menor de respostas quanto à consideração da maior probabilidade de vitimização ser em local público, como na rua, ou em locais descampados/isolados, ou em locais escuros, em parques de estacionamento, em becos, em parques e principalmente quando se encontram sós.
Essas mulheres acabam por adotar comportamentos de precaução em casa, freqüentemente trancando as portas e janelas, verificando quem é quando lhe batem à porta, não abrindo a porta a estranhos, optando por utilizar alarmes.
No que tange às precauções adotadas quando estão na rua, tanto de caráter de evitação, como em estratégias de coping, percebe-se que a maioria das mulheres escolhe por trancar as portas do carro e fechar os vidros, tomar precauções quanto ao local onde estacionam o carro, procuram estar mais em estado de alerta, tanto na rua como nos transportes públicos, em face de situações entendidas como perigosas mudam de passeio, aproximam-se de zonas com mais gente ou de locais /alguém que lhes transmita segurança, quando se sentem ameaçadas correm ou apressam o passo, caminham para sítios mais iluminados ou, ainda, utilizam objetos de defesa como medida de proteção.
Day (1999), através do estudo anteriormente referido, sugeriu que a aparência, a raça e o preconceito social, podem determinar quais os homens que são temidos como potenciais ofensores. Bem como os delinqüentes que são sempre alvos de suspeita e de insegurança, sendo classificadas como pessoas perigosas.
O medo da violação é visto como limitador da liberdade por metade das participantes, causando-lhes em algum nível o sentimento de constrangimento e de limitação ao andarem sozinhas, de se movimentarem livremente, assim como consideram interferir em suas relações interpessoais, na escolha de emprego, na escolha do vestuário e ao nível do comportamento em geral.
Por fim, com base numa pressuposta diferenciação biológica, as mulheres eram/são vistas como seres delicados e vulneráveis. As normas culturais de violência e atitudes sexistas contribuem para os crimes de caráter sexual, dado que a socialização dos papéis sexuais conduz ao desenvolvimento de mitos sobre o crime de abuso sexual que resultam das atitudes sociais face às mulheres e da violência interpessoal (White & Humphrey, 1991, cit. Por White & Humphrey, 1997; Fonow et al., 1992).

Conclusão
As mulheres parecem encarar a violação como o crime que mais temem, sobrevivendo às sua ameaça adaptando estratégias que lhes permitam sentirem-se mais seguras.
Os fatores sociais que culminam no medo de violação são a cultura social que abarca a identidade do gênero e os papéis sociais e sexuais, bem como a desigualdade entre esses, a educação, as conseqüências reais do crime de violação, os mitos sociais sobre a violação que acabam por distorcer a percepção da sua realidade, a comunicação social; e, por fim, a prevalência do crime de violação, assim como as experiências de assédio no cotidiano dessas mulheres.
Sendo assim, a violação, e o receio freqüente em face desse crime, deixará de ser prevalente quando for alcançada a igualdade entre gêneros e quando estes deixarem de ser encarados como uma dimensão não muito importante na estrutura da sociedade, atendendo aos seus membros como indivíduos e não como pertencentes a um grupo sexual.
Por fim, faz-se necessário promover uma sensibilização pública focada no esclarecimento daquilo que constitui a igualdade entre gêneros e seus papéis sociais, bem como uma conscientização social que vise potencializar essa mudança. É preciso também apresentar contextualização adequada das realidades acerca da violência sexual, dispersando mitos, dissipando a culpabilização das sobreviventes e, desse modo, minimizando a ansiedade das mesmas perante o ato de violação.

Referência: Berta, M., Ornelas, J e Maria, S. Sobreviver ao medo da violação: Constrangimentos enfrentados pelas mulheres. Análise Psicológica, 25, 1, 135-147, 2008.

Biblioteca: inclusão de conteúdo

Acrescentado à biblioteca o artigo A expressão das formas indirectas de racismo na infância , de Dalila França e Benedita Monteiro

Artigo publicado: Conceptions of Modesty

Título: Everyday Conceptions of Modesty: A Prototype Analysis

Autores: Aiden P. Gregg, Claire M. Hart, Constantine Sedikides, and Madoka Kumashiro

Periódico: Personality and Social Psychology Bulletin, 34, 978-992, 2008

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Artigo publicado: Attractive Opposite-Sex

Título: Mimicking Attractive Opposite-Sex Others: The Role of Romantic Relationship Status

Autores: Johan C. Karremans and Thijs Verwijmeren

Periódico: Personality and Social Psychology Bulletin, 34, 939-950, 2008

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Biblioteca: inclusão de conteúdo

Acrescentado à a biblioteca o artigo Preconceito de cor e racismo no Brasil, de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães

Artigo publicado: School Success in Challenging Circumstances

Título:Integrative Mixed Methods Data Analytic Strategies in Research on School Success in Challenging Circumstances

Autores: Eunice E. Jang, Douglas E. McDougall, Dawn Pollon, Monique Herbert e Pia Russell

Periódico: Journal of Mixed Methods Research, 2, 221-247, 2008

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Artigo publicado: Financial Implications of Death of a Life Partner

Título:Implementing a Mixed Methods Approach to Explore the Financial Implications of Death of a Life Partner

Autores: Anne Corden e Michael Hirst

Periódico: Journal of Mixed Methods Research, 2, 208-220, 2008

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Resenha: Propaganda contra-intuitiva e dissolução de estereótipos

Flávia Mendonça Protásio

Baseando-se no grande raio de abrangência da comunicação através da TV, a propaganda contra-intuitiva surge como uma proposta de releitura das mensagens levadas aos telespectadores a fim de diluir ou quem sabe até suprimir os estereótipos difundidos. Há uma expectativa de incitar o telespectador quanto às suas fontes de conhecimento, sugerindo a utilização não só do senso comum, mas também do senso crítico na avaliação da informação transmitida. Assim, é válido afirmar que a propaganda contra-intuitiva visa operacionalizar o desenvolvimento do pensamento, passando de uma esfera superficial a uma esfera de pensamento crítico, reflexivo.
Em seu artigo, Francisco Leite aponta a expressão “propaganda contra-intuitiva”, adotada por Peter Fry para descrever as propagandas que rompem com os padrões, como uma tentativa de desafiar a intuição, ou seja, o senso comum, e que se propõe a uma nova avaliação a respeito dos objetos estereotipados. Trata-se de um olhar diferenciado para as outras realidades nas quais estão inseridos os indivíduos vítimas de comportamentos preconceituosos. O que se assemelha à proposta da pesquisadora e socióloga Jane Elliot em seu documentário Olhos Azuis, ao proporcionar uma inversão de papéis entre “percebedor” e “alvo”. Com isso, Elliot permitiu que os que se encontravam no lugar de vantagem pudessem experimentar a perspectiva do alvo e assim contribuir para a supressão desses estereótipos.
Além da inserção de representantes de grupos estereotipados, a propaganda contra-intuitiva se propõe a promover-lhes um novo patamar, atribuindo-lhes uma nova posição antes jamais experimentada. A campanha pela “Real Beleza” desenvolvida pela empresa DOVE é um bom exemplo dessa tentativa inovadora. Ao mostrar a beleza da mulher gordinha, da ruiva, da negra, dentre outras, a propaganda promove um novo conceito a respeito desses grupos estigmatizados, incluindo-os nos “padrões” de beleza. Entretanto, é preciso muita cautela, uma vez que esse processo também pode surtir efeitos contrários, contribuindo para a produção do sentido reverso das informações presentes na propaganda.
Ainda tomando como exemplo a propaganda da DOVE, tem-se que ao invés de uma tentativa de formatar as informações já fixadas, colocadas em xeque pelo comercial, em prol de uma reconstrução do conceito de beleza, pode-se fazer uma leitura dessa propaganda onde essas mulheres são negadas enquanto referenciais de beleza. É o efeito reverso que foi denominado por Wegner (1994, apud Leite) de ricochete e nada mais é do que a ausência de motivação para suprimir um dado estereótipo, causada por estados de sonolência ou distração, levando o indivíduo a reforçar tais pensamentos preconceituosos. Diante disso, o autor se propôs a discutir se seria realmente válido investir nas propagandas contra-intuitivas enquanto mecanismo de supressão de estereótipos.
De maneira simplista, os estereótipos podem ser concebidos como crenças compartilhadas socialmente sobre atributos típicos de um dado grupo. Dependendo da classificação dessas crenças enquanto centrais ou periféricas na vida do indivíduo, o seu processo de dissolução pode exigir grandes esforços. Na tentativa de estabelecer estratégias de atuação, o autor faz uso de um modelo teórico de supressão sugerido pelo cientista social Daniel Wegner, o qual pressupõe a existência de dois processos: monitoração e reorientação. A utilização do mecanismo de monitoração do pensamento permitiria ao indivíduo um acesso ao conteúdo mental, de forma que se tornasse mais fácil controlá-lo. Concomitantemente, o indivíduo experimentaria a reorientação da consciência, o que permitiria afastar deliberadamente os pensamentos indesejados ao destinar sua atenção a qualquer outro pensamento distrator. Não obstante, a eficácia desses mecanismos ainda é questionada.
Aqui vale apontar para dois fatores que justificam a força da propaganda enquanto ferramenta estratégica na formação e transformação da opinião pública: força da justificativa e contínua exposição. “A propaganda pela sua base estratégica de sempre renovar seu discurso de sedução, capta tendências e as disseminam de forma pioneira contribuindo para a construção de novos reflexos sociais e culturais.” (Leite, 2008). As informações armazenadas na memória são de extrema importância na tomada de decisão, promovendo constantemente a reconfiguração na estrutura cognitiva do indivíduo. A apresentação de um estímulo ativa o sistema de interação entre crenças e estereótipos, interferindo no comportamento que o indivíduo apresenta perante o foco de sua avaliação. Uma vez que se apresente um estímulo novo e positivo, por exemplo, em relação aos negros, pode haver uma modificação nas informações armazenadas pelos telespectadores, influenciando na alteração dos seus comportamentos em relação aos representantes desse grupo.
. Dessa forma, é preciso pontuar as propagandas contra-intuitivas como “uma tendência que considera em seus enredos comerciais as diversas políticas de representação identitária ao projetar na sua narrativa outros sentidos para a percepção dos estereótipos negativos socioculturais” (Leite, 2008). Ainda que possuam certas limitações, as propagandas contra-intuitivas são de grande importância no que diz respeito à estimulação do questionamento a respeito das informações transmitidas, o que visa aflorar no telespectador também o senso crítico.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008

Resenha – A face oculta do racismo no Brasil: uma análise psicossociológica

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Sheila Lima

O texto versa sobre as novas formas de expressão do racismo, uma vez que os seus atos explícitos são proibidos por lei. Os autores sugerem que existe na sociedade moderna um discurso contraditório, onde se reconhece a existência do racismo, mas individualmente não se assume a responsabilidade pelo mesmo. Para os referidos autores, os atos explícitos de discriminação racial e étnica estariam acabando, o que não significaria, contudo, que o preconceito racial o esteja. O que ocorre é uma mudança nas formas de expressão e conteúdo do preconceito, alterando, por conseguinte, a expressão de um racismo aberto e agressivo para outro que não desafia as normas sociais.

Muitas abordagens teóricas vêm tentar explicar essa nova modalidade de preconceito que não desafia as normas anti-racistas. Para os autores que abordam essa problemática (Katz, Wackenhut e Hass, 1986; MMcConahay, 1986; Pettigrew e Meertens, 1995; Meertens e Pettigrew, 1999; Vala, 1999), nos últimos 30 ou 40 anos as sociedades vêm desenvolvendo restrições institucionais à pratica discriminatória baseada nas diferenças de raça. Tais abordagens consideram que a diminuição do racismo é um fenômeno aparente, uma vez que as atitudes preconceituosas permaneceriam presentes em cada individuo. O que ocorreria é que a discriminação manifesta estaria sendo substituída por outras formas mais sutis.

Autores como Sears e Kinder (1971, apud Camino et al ,2001) propõem a teoria do racismo simbólico, cujo núcleo seria a afirmação de valores igualitários (de acordo com o Pós Modernismo) e, simultaneamente, a oposição às políticas que estariam de acordo com esses referidos valores. Um exemplo disso seria a política de cotas para ingresso na universidade, cujo ataque teria por base o argumento de uma igualdade de direitos para todas as pessoas, independente de sua origem.

Essa nova abordagem apresenta problemas metodológicos, uma vez que essas novas formas de preconceito se manifestam a partir de crenças e práticas distintas do racismo clássico. Para os autores, o foco dessa abordagem engloba a compreensão das características próprias de cada ambiente social a fim de construir em cada um desses contextos medidas adequadas, ou seja, não englobaria a construção de escalas a priori.

No que se refere ao aspecto conceitual, essa nova abordagem significa que as pessoas experimentam, consciente ou inconscientemente, “um conflito psicológico devido ao confronto entre suas atitudes íntimas preconceituosas e as normas sociais contra o preconceito” (Camino et al, 2001), o que levaria à construção de formas adequadas e capciosas de preconceito. Entretanto, esse conflito pode ter tido sua origem a partir dos argumentos que circulam na própria sociedade e não nos processos psicológicos individuais. Todavia, as concepções atuais sobre o preconceito utilizam uma abordagem individualista e processual, não adaptada aos fenômenos sociais ligados aos processos de exclusão, o que se configura como um elemento dificultador para a elucidação da referida problemática.

Os autores ressaltam que o processo de globalização e a conseqüente intensificação das relações entre diferentes culturas e etnias produz um fenômeno ambíguo: por um lado um maior respeito à diversidade dos valores culturais, e, por outro lado, o crescimento dos movimentos nacionalistas, provocando fenômenos de fanatismo e discriminação contra etnias e grupos minoritários. Além disso, o desenvolvimento econômico e tecnológico do capitalismo acentua a diferença entre ricos e pobres no âmbito individual e político.

Estudos atuais sobre grupos demonstram que nos países ocidentais o preconceito se expressa pela negação de traços positivos ao grupo-alvo, ao invés de atribuição de traços negativos ao mesmo. Isso sugere que as práticas discriminatórias estão adquirindo expressões cada vez mais tênues, a fim de preservar o ideal de não-discriminação dos grupos sociais a partir dos critérios de raça.

Numa pesquisa que atingiu todo o território nacional, Venturi e Paulino (1995, apud Camino et al ,2001)) constataram que 89% dos brasileiros reconheciam a existência de preconceito racial no Brasil, contudo, apesar dessa consciência, só 10% admitia ser pessoalmente preconceituoso. O fato do individuo não se reconhecer preconceituoso, por outro lado, não exclui a demonstração desse mesmo preconceito. Martiniano Silva (1995, apud Camino et al ,2001) argumenta que esse racismo seria muito mais engenhoso e mascarado, e, por conseguinte, mais eficiente em sua função de discriminar e mais difícil de erradicar.

Essa disparidade produz uma dissonância cognitiva que permite aceitar a existência social dos estereótipos negativos sobre os negros e, ao mesmo tempo, negar que a própria pessoa endossa tais crenças. Dessa forma, uma visão racial estereotipada tenderá a se manifestar mais facilmente quando essa mesma visão for atribuída a outros.

Os resultados da pesquisa realizada pelos autores apontam que estudantes atribuíram aos negros adjetivos como alegres e simpáticos, entretanto, esses mesmos estudantes acreditam que o povo brasileiro considera os negros como desonestos, agressivos e pouco inteligentes. Os resultados do estudo refletem o conflito no qual o brasileiro vive: a consciência da discriminação que o negro sofre e os laços criados pela miscigenação e as pressões politicamente corretas que impedem que o papel de cada um nesse processo de discriminação seja elucidado.

Mesmo existindo a manutenção de uma postura politicamente correta, fica claro o consenso de que a discriminação existe e que a mesma passa a ter novas justificativas mais aceitáveis socialmente. Um ponto relevante destacado é a formação de uma nova categorização social que vai substituir o conceito de raça e que seria fruto desse processo dissociativo: a adaptação aos valores modernos e progressistas. A ideologia neoliberal, portanto, nega a existência de uma hierarquia de raças, mas pressupõe a existência de diferenças no sentido do progresso econômico e social.

A cor da pele estaria associada a esse progresso: a cor branca estaria ligada aos valores progressistas do primeiro mundo e a cor negra aos valores tradicionais e menos avançados do terceiro mundo. Da mesma forma os negros teriam aptidões naturais relacionadas ao esporte ou às artes, enquanto que os brancos teriam aptidões intelectuais e para atividades ligadas ao poder. Essa nova forma de categorizar estaria de acordo com as normas anti-racistas, culminando na facilitação dos processos de exclusão, na preservação da discriminação racial e na retirada do sentimento de responsabilidade individual.

Embora possamos concordar que as manifestações públicas de racismo são severamente criticadas no espaço social, o mesmo se faz muito presente e se mostra cada dia mais forte, sendo preciso apenas analisar as estatísticas brasileiras para fins de constatação: os negros são aqueles que moram em situações menos favoráveis, os que possuem empregos com menor remuneração, que dependem de um sistema de saúde que, embora bem elaborado, não consegue atender a toda a demanda da população, além disso, estudos recentes apontam que epidemias como o HIV/AIDS têm sofrido uma pauperização, o que significa que esses índices têm crescido entre em negros e pobres.

Em outubro de 2005, Carlos Lopes, representante do Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD) afirmou em entrevista quando indagado sobre a forma como o racismo se expressa no Brasil: “Quando se analisa a distribuição de recursos em termos raciais, desde que as estatísticas permitam essa desagregação, chega-se facilmente à conclusão de que há uma diferença entre brancos e negros. Se há melhora social no país, a situação dos brancos melhora mais. Quanto menos negros você tem em determinada zona, melhores os indicadores”. No mesmo mês, o relator especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo e discriminação racial, Doudou Diène, considera em seu relatório de visita ao Brasil: “toda a sociedade está organizada a partir de uma perspectiva racista: os negros são excluídos de todos os setores da sociedade e confinados aos trabalhos difíceis, com baixos salários, e seus direitos básicos, incluindo o direito à vida, sendo violados”.

Esse relatório apresenta alguns dados estatísticos que nos fazem questionar até que ponto o racismo se apresenta de forma oculta ou mesmo se não seríamos nós, brasileiros, que fechamos os olhos para dados tão gritantes. Somente a titulo de ilustração, no referido relatório consta, por exemplo, que a renda média mensal de mulheres negras no Brasil, em 2003, foi de R$ 279,70, contra R$ 428,30 para os homens negros, R$ 554,60 para as mulheres brancas e R$ 931,10 para os homens brancos. Na Bahia, as mulheres negras recebem 40% do salário de um homem branco que exerce a mesma função. Além disso, a expectativa de vida de negros é menor (67,87) que a dos brancos (73,99). Segundo Diène (2005), isso demonstra a persistência do racismo e discriminação social de forma estrutural e sistêmica.

Quando consideramos tais dados e outros, infelizmente, tão comuns à nossa sociedade, não podemos deixar de considerar que, efetivamente, o povo brasileiro vive um processo dissociativo: todos esses índices nos são velhos conhecidos e, simultaneamente, cada dia fechamos mais os olhos para essa realidade. No final, o que resta é um “faz de conta”: todos nós sabemos que o racismo existe, mas não admitimos nossa contribuição para sua persistência e isso ocorre no mesmo momento em que a questão da desigualdade e, por conseguinte, a problemática do racismo deveria ser o elemento de discussão, reflexão e combate mais importante para cada brasileiro.

Referências

1. Camino, L., Silva, P. Machado, A. e Pereira, C. A face oculta do racismo no Brasil: uma analise psicossociológica. Revista Psicologia Política, 1, 1, 13-36, 2001.

2. Relatório do relator especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada, Doudou Diène, em sua missão no Brasil (17-26 de outubro de 2005) disponível em http://www.irohin.org.br/imp/n15/07.htm.

Relatório de Doudou Diène terá impacto no sistema ONU no Brasil? Disponível em http://www.irohin.org.br/imp/n15/07.htm.