Resenha: Propaganda contra-intuitiva e dissolução de estereótipos

Flávia Mendonça Protásio

Baseando-se no grande raio de abrangência da comunicação através da TV, a propaganda contra-intuitiva surge como uma proposta de releitura das mensagens levadas aos telespectadores a fim de diluir ou quem sabe até suprimir os estereótipos difundidos. Há uma expectativa de incitar o telespectador quanto às suas fontes de conhecimento, sugerindo a utilização não só do senso comum, mas também do senso crítico na avaliação da informação transmitida. Assim, é válido afirmar que a propaganda contra-intuitiva visa operacionalizar o desenvolvimento do pensamento, passando de uma esfera superficial a uma esfera de pensamento crítico, reflexivo.
Em seu artigo, Francisco Leite aponta a expressão “propaganda contra-intuitiva”, adotada por Peter Fry para descrever as propagandas que rompem com os padrões, como uma tentativa de desafiar a intuição, ou seja, o senso comum, e que se propõe a uma nova avaliação a respeito dos objetos estereotipados. Trata-se de um olhar diferenciado para as outras realidades nas quais estão inseridos os indivíduos vítimas de comportamentos preconceituosos. O que se assemelha à proposta da pesquisadora e socióloga Jane Elliot em seu documentário Olhos Azuis, ao proporcionar uma inversão de papéis entre “percebedor” e “alvo”. Com isso, Elliot permitiu que os que se encontravam no lugar de vantagem pudessem experimentar a perspectiva do alvo e assim contribuir para a supressão desses estereótipos.
Além da inserção de representantes de grupos estereotipados, a propaganda contra-intuitiva se propõe a promover-lhes um novo patamar, atribuindo-lhes uma nova posição antes jamais experimentada. A campanha pela “Real Beleza” desenvolvida pela empresa DOVE é um bom exemplo dessa tentativa inovadora. Ao mostrar a beleza da mulher gordinha, da ruiva, da negra, dentre outras, a propaganda promove um novo conceito a respeito desses grupos estigmatizados, incluindo-os nos “padrões” de beleza. Entretanto, é preciso muita cautela, uma vez que esse processo também pode surtir efeitos contrários, contribuindo para a produção do sentido reverso das informações presentes na propaganda.
Ainda tomando como exemplo a propaganda da DOVE, tem-se que ao invés de uma tentativa de formatar as informações já fixadas, colocadas em xeque pelo comercial, em prol de uma reconstrução do conceito de beleza, pode-se fazer uma leitura dessa propaganda onde essas mulheres são negadas enquanto referenciais de beleza. É o efeito reverso que foi denominado por Wegner (1994, apud Leite) de ricochete e nada mais é do que a ausência de motivação para suprimir um dado estereótipo, causada por estados de sonolência ou distração, levando o indivíduo a reforçar tais pensamentos preconceituosos. Diante disso, o autor se propôs a discutir se seria realmente válido investir nas propagandas contra-intuitivas enquanto mecanismo de supressão de estereótipos.
De maneira simplista, os estereótipos podem ser concebidos como crenças compartilhadas socialmente sobre atributos típicos de um dado grupo. Dependendo da classificação dessas crenças enquanto centrais ou periféricas na vida do indivíduo, o seu processo de dissolução pode exigir grandes esforços. Na tentativa de estabelecer estratégias de atuação, o autor faz uso de um modelo teórico de supressão sugerido pelo cientista social Daniel Wegner, o qual pressupõe a existência de dois processos: monitoração e reorientação. A utilização do mecanismo de monitoração do pensamento permitiria ao indivíduo um acesso ao conteúdo mental, de forma que se tornasse mais fácil controlá-lo. Concomitantemente, o indivíduo experimentaria a reorientação da consciência, o que permitiria afastar deliberadamente os pensamentos indesejados ao destinar sua atenção a qualquer outro pensamento distrator. Não obstante, a eficácia desses mecanismos ainda é questionada.
Aqui vale apontar para dois fatores que justificam a força da propaganda enquanto ferramenta estratégica na formação e transformação da opinião pública: força da justificativa e contínua exposição. “A propaganda pela sua base estratégica de sempre renovar seu discurso de sedução, capta tendências e as disseminam de forma pioneira contribuindo para a construção de novos reflexos sociais e culturais.” (Leite, 2008). As informações armazenadas na memória são de extrema importância na tomada de decisão, promovendo constantemente a reconfiguração na estrutura cognitiva do indivíduo. A apresentação de um estímulo ativa o sistema de interação entre crenças e estereótipos, interferindo no comportamento que o indivíduo apresenta perante o foco de sua avaliação. Uma vez que se apresente um estímulo novo e positivo, por exemplo, em relação aos negros, pode haver uma modificação nas informações armazenadas pelos telespectadores, influenciando na alteração dos seus comportamentos em relação aos representantes desse grupo.
. Dessa forma, é preciso pontuar as propagandas contra-intuitivas como “uma tendência que considera em seus enredos comerciais as diversas políticas de representação identitária ao projetar na sua narrativa outros sentidos para a percepção dos estereótipos negativos socioculturais” (Leite, 2008). Ainda que possuam certas limitações, as propagandas contra-intuitivas são de grande importância no que diz respeito à estimulação do questionamento a respeito das informações transmitidas, o que visa aflorar no telespectador também o senso crítico.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008

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