Resenha: Crenças de senso comum sobre medicamentos genéricos vs. medicamentos de marca: um estudo piloto sobre diferenças de gênero.

Marinês Oliveira

O presente artigo faz um estudo pautado nas crenças do senso comum sobre Medicamentos Genéricos vs. Medicamentos de Marca na perspectiva de Gêneros. Segundo Figueiras, Marcelino & Cortes (2007), em termos da população em geral, existem crenças de senso comum acerca da eficácia e segurança dos genéricos, que poderão condicionar a escolha do medicamento no momento da compra, na medida em que esta é influenciada pelas características individuais, crenças subjetivas sobre o tratamento e representações da doença do consumidor. Tal fato se concretiza, quando as pesquisas percebem que o uso do genérico está associado a percepção do individuo a respeito da gravidade de sua doença, ou seja, a percepção de doença e não a percepção acerca do medicamento que determina o seu uso. Assim, quando a percepção acerca da doença não é tão grave o uso dos genéricos dispõe a aumentar. Os autores também atribuem esta crença ao fato de que nos últimos anos, embora a população tenha recebido grandes informações sobre medicamentos genéricos, os indivíduos estão mais habituados a receberem uma prescrição de um medicamento de marca, cujo nome é mais conhecido, ou por experiências anteriores, ou por indicação de terceiros. Acrescenta ainda que, um estudo recente mostrou a importância do nome do fármaco em termos dos significados implícitos e explícitos dos nomes de marca.
Tal fato tem subsídio nas abordagens dos sistemas de crenças de Bem (1973) e Rockeach (1981), quando colocam que as origens das crenças podem advir de experiências, vivencias, meios de comunicações, autoridades, e outros. Percebe-se o bombardeio da mídia farmacêutica no que diz respeito às medicações, tornando estas mensagens de maneira tão organizadas e imperativas que, ao passar, do tempo, elas vão adquirindo a forma de doutrinas, verdades absolutas e sistema de opiniões e pensamentos.
O presente estudo avaliou em que medida o nome da doença pode influenciar a crença sobre o uso de medicamentos (genéricos e de marca) em indivíduos saudáveis, e (2) a existência de eventuais diferenças de gênero associadas às crenças sobre a medicação. Os resultados indicam que existem efeitos de interação entre tipo de medicamento e doença. Os participantes concordam com a prescrição do medicamento genérico para todas as doenças, no entanto esta concordância diminui significativamente à medida que a gravidade da doença aumenta. Verificaram-se ainda diferenças de gênero em relação à crença na eficácia dos medicamentos genéricos para as diferentes doenças. Os homens associam o uso do medicamento genérico a doenças que consideram menos graves, enquanto as mulheres associam a utilização do medicamento de marca a doenças percepcionadas como mais graves. Sendo importante salientar que a gravidade de cada doença dentro da percepção masculina/feminina é o que diferenciou este resultado. Ou seja, para a doença gripe, os resultados foram diferentes, pois homens e mulheres tiveram percepções de gravidade distintas. Este estudo levanta questões importantes no que se refere a aspectos subjetivos relacionados com a escolha e uso de medicamentos, o que pode ter implicações para a saúde em geral e para a adesão a regimes terapêuticos.
Neste caso, é visível o quanto as crenças manifestam os seus efeitos nos processos cognitivos de uma forma importante que são capazes de influenciar a maneira através da qual as pessoas percebem e interpretam os fatos. No artigo, elas não só delimitam as proposições que os indivíduos tem a respeito do objeto, como foram capazes de ditar suas escolhas e comportamentos.
Referência: Figueiras, Marcelin, Cortes, Horne & Weinman (2004), Crenças de senso comum sobre medicamentos genéricos vs. medicamentos de marca: Um estudo piloto sobre diferenças de gênero.

Resenha: As novas formas de expressão do preconceito e do racismo

chamada

Daiana Nogueira

A sociedade contemporânea tem avançado cada vez mais em termos de direitos humanos e estratégias de resolução de conflitos intergrupais, porém o preconceito e o racismo ainda são fenômenos intensamente presentes nos dias atuais. Apesar de sua relevância e gravidade como problema social, estes sempre foram percebidos como sendo um problema do outro e, portanto distante, de cada um de nós. Tal fato é verificado em inúmeras pesquisas em diferentes países do mundo. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa realizada junto uma amostra representativa da população nacional revelou que 90% dos entrevistados se considera não racista, enquanto uma igual porcentagem de brasileiros acredita que existe racismo no Brasil.

Para Allport (1954), o preconceito pode ser definido como uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente. Considerando que existem inúmeros grupos socialmente desvalorizados, existem tantos tipos de preconceitos quantos tipos de grupos minoritários existentes. Dentre estas variadas formas possíveis de preconceito, destaca-se uma em particular, que se dirige a grupos em função das características físicas ou fenotípicas apresentadas por estes – trata-se do preconceito racial.

O racismo, por sua vez, diferentemente do preconceito, se manifesta através de muito mais que uma atitude. Segundo Lima & Vala (2004), o racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada). Existe neste fenômeno uma crença na distinção natural dos grupos, ou prevalece a idéia de que os grupos são diferentes porque possuem elementos essenciais que os constituem como diferentes.

As definições, bem como a natureza e as formas de expressão, do preconceito e do racismo são influenciadas pelas normas sociais presente no contexto social que está sendo analisado. Nos séculos de escravidão e exploração do trabalho, por exemplo, o racismo era expresso de maneira aberta, uma vez que caracterizava as normas sociais de discriminação e exploração vigentes naquele período. Atualmente, depois de uma série de movimentos sociais, históricos e políticos, como a Declaração dos Direitos Humanos em 1948, e a condenação da UNESCO às classificações raciais em 1950, as formas de expressão do preconceito e racismo modificaram-se significadamente. Em consonância com Os Estados Unidos e alguns países da Europa, o Brasil também demonstrou padrões de mudanças nos estereótipos negativos atribuídos aos negros aliado a uma maior força dos estereótipos positivos atribuídos aos mesmos.

Estes dados revelam, ao contrário do que se possa pensar, não o declínio do preconceito contra grupos minoritários, mas sim o surgimento e consolidação de novas formas de preconceito e racismo. Frente às mudanças sociais, pressões da legislação anti-racista, princípios de liberdade e igualdade divulgados pelas democracias liberais, os indivíduos continuam a expressar seus preconceitos, só que de forma mais sutil e velada.

No contexto americano, observar-se a prevalência dos chamados racismos simbólico e moderno. O racismo simbólico representa uma forma de resistência a mudanças no status quo das relações racializadas nos EUA pós Declaração dos Direitos Civis. Sob esta perspectiva, verifica-se a crença de que os negros “estão indo longe demais” na luta por direitos iguais aliada à percepção destes como ameaça econômica ou simbólica à ordem vigente. Já o racismo moderno é representado pela percepção de que os negros estão recebendo mais do que merecem e, conseqüentemente, violando os valores de dominação e controle dos brancos. Ainda no nos Estados Unidos, é facilmente identificável também o racismo aversivo, no qual os indivíduos se auto-definem como igualitários e sem preconceito racial. Os racistas aversivos não discriminam os negros, e até têm atitudes favoráveis em relação a estes, quando se encontram em contextos públicos, onde impera o que é socialmente aceito. No entanto, quando as normas igualitárias não estão explícitas na situação ou existe um contexto que justifica a discriminação, os racistas aversivos discriminam, sim, os negros. O racismo ambivalente, por sua vez, também estudado na cultura americana, considera que os indivíduos brancos podem aderir, por um lado, valores de igualdade e humanitarismo, simpatizando com os negros, que se encontram em pior situação econômica. Por outro lado, a adesão aos valores do individualismo, típicos da ética protestante, desencadearia sentimentos de aversão e atitudes negativas frente aos negros – caracterizando uma relação extremamente ambivalente no que se diz respeito à sentimentos e atitudes em relação aos negros.

O preconceito sutil é estudado, ao contrário dos anteriores, na Europa e tem como alvo minorias culturais advindas de antigas ex-colônias de países europeus. Definido com uma forma mais velada, indireta e disfarçada de preconceito, o preconceito sutil engloba a dimensão da defesa dos valores tradicionais, o exagero das diferenças culturais, numa percepção que o exogrupo é culturalmente muito diferente do endogrupo, e, por fim, a dimensão de rejeição à expressão de simpatia e admiração em relação aos membros do exogrupo.

O preconceito predominante no Brasil apresenta particularidades marcantes, justificadas pela própria composição multi-racial deste país. O racismo cordial, considerado pelos pesquisadores como um tipo de racismo “tipicamente brasileiro”, é definido por Lima & Vala (2004) como uma forma de discriminação contra os cidadãos negros e mulatos, que se caracteriza por uma polidez superficial que reveste atitudes e comportamentos discriminatórios, que se expressam através de relações interpessoais cotidianas, piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”. Assim, o racismo cordial é verificado através de “brincadeiras”, “ sem a intenção de ofender ninguém”, mas com grandes conseqüências, como a intensa discriminação e exclusão das pessoas negras da sociedade.

As novas expressões de preconceito e racismo, listadas acima, apesar de sutis e indiretas, são tão ou mais prejudiciais que as expressões mais abertas e flagrantes, uma vez que, por serem mais difíceis de serem identificadas, são também mais difíceis de serem modificadas ou combatidas. Soma-se a isto, a capacidade de mutação destas formas veladas de preconceito em expressões violentas de fanatismo nacionalista ou xenófobo, quando não se encontram presentes normas de igualdade em um dado contexto.

Referência: Lima, M. E. e Vala, J. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estudos em Psicologia (Natal), 9, 3, 2004.

Resenha: Flutuações e diferenças de gênero no desenvolvimento da orientação sexual: Perspectivas teóricas

André Oliveira de Assis Núñez

No desenvolvimento das identidades individuais e relacionais, as relações dos sexos e dos gêneros com a diversidade de comportamentos humanos – e com a linguagem disponível socialmente – levou a que encontrássemos e nos definíssemos segundo conceitos e expressões como: mulher/homem, feminino/masculino, heterossexuais, homossexuais ou bissexuais (lésbicas, gays, bissexuais – LGB), transexuais. É válido ressaltar também à importância da proporção do espaço de reflexão social e de investigação que estuda os mundos relacionais e as relações entre as pessoas, com os muitos significados que os discursos sociais criam sobre tal, que abrange desde à sociologia até algumas áreas da medicina, contribuindo assim para a compreensão do que leva às pessoas a escolherem relacionar-se entre si. Tornando assim, o tema sobre orientação sexual atual e complexo.
O termo sexo se relaciona com a estrutura anatômica e o termo gênero aos aspectos psicossociais do sexo, impostos ou adaptados socialmente – devendo os construtos ser mantidos separados e claramente definidos na sua especificidade, para a melhor compreensão psicológica da identidade. Sendo de extrema importância para a análise das características distintas que ocorrem nas relações entre as pessoas, existindo assim diferenças importantes entre o ser – anatomicamente – , e o pensar, não necessariamente se relacionando.
O desenvolvimento da identidade sexual pode ser encarado em três dimensões: a identidade de gênero, os papéis sexuais e a orientação sexual.
A identidade de gênero – o primeiro componente da identidade sexual – desenvolve-se entre o nascimento e os três anos de idade, sendo definida como “a convicção básica do indivíduo acerca do seu sexo biológico”.
O segundo componente a desenvolver-se são os papéis sexuais, ou seja, as características culturalmente associadas com ser homem ou mulher – que através dos estereótipos são percebidas como as características masculinas ou femininas. Os papéis sexuais associam-se por sua vez, ao que se espera de uma “menina-menino”, evoluindo ao longo da vida, consoante as circunstâncias sociais. É importante notar, que esse processo ocorre nas pessoas entre três a sete anos, sendo que não são processos estáveis e definitivos, dependendo muito do contexto social onde a criança está inserida. E por fim, O terceiro componente da identidade sexual é a orientação sexual – a preferência por parceiros do sexo oposto, do mesmo sexo ou por ambos os sexos.
Através da relação entre a identidade de gênero, os papéis sexuais e a orientação sexual, faz com que possamos entender a identidade sexual das pessoas, porém é válido notar que ter comportamentos ou atrações pelo mesmo gênero, por exemplo, não significará necessariamente ter uma identidade homossexual, não ocorrendo necessariamente uma correlação positiva entre esses fatores da identidade sexual.
Tem-se vivenciado na realidade e na pesquisa, a idéia de que a sexualidade da mulher é relativamente fluida, termo ainda não consensual, mas que se utiliza para referir mudanças longitudinais na identidade sexual, nas atrações e nos comportamentos das mesmas, como afirma Lisa Diamond. Por conseguinte, podemos afirmar que as mulheres tem uma tendência para mudar suas atrações sexuais ao longo do tempo. È importante ressaltar que Lisa Diamond explora este conceito da fluidez na identidade sexual citando quatro estudos longitudinais sobre a orientação sexual, enquanto enfatiza a necessidade paralela de estudos prospectivos, pois os que estão disponíveis, por não serem feitas avaliações que permitam uma comparação de dados de evolução nas dimensões da orientação sexual, tem pouca evidência empírica.
A criação dos modelos de desenvolvimento do coming-out levou à idéia de uma sequência linear de estágios que presumem que uma vez desenvolvidos determinadas atitudes, assumindo-se para si e para os outros como homossexuais, não há mais alterações – o que não está em concordância com alguns estudos do desenvolvimento da orientação sexual da mulher, em que a primeira identidade sexual não é a última e definitiva. Podemos inserir então, os estudos de Diamond sobre a fluidez da sexualidade da mulher, sendo um campo ainda muito vasto para a investigação e questionamentos.
Dentro dos estudos com amostras de mulheres, a autora a afirma que embora as atrações sexuais pareçam bastante estáveis, as identidades e os comportamentos são bem mais fluidos e diversificados.
Outro aspecto importante que devemos abordar é que num processo de desenvolvimento multidimensional como é a orientação sexual, temos evidências de existirem diferenças de gênero em alguns estudos, mas não é consenso. Para exemplificar tais estudos, podemos citar Herdt e Boxer (2000), com uma amostra de 202 jovens (27% do sexo feminino). Os rapazes demonstraram um início mais precoce dos comportamentos homossexuais, cerca de dois anos mais cedo que as moças, apresentando portanto diferenças estatisticamente significativas. As mulheres têm uma maior probabilidade de ter experiências sexuais heterossexuais antes de ter experiências com o mesmo sexo. Estes autores concluíram sobre a existência de diferenças de gênero na sequência desenvolvimental, mas limitaram tal afirmação aos comportamentos sexuais heterossexual ou homossexual a ocorrer em primeiro lugar. Esse estudo é importante, pois aborda um assunto relacionado à sexualidade que gera discórdia entre alguns pesquisadores, favorecendo assim, mas um estudo para incrementar tais discussões. Além do mais, instigar à saber o porquê – se for comprovado essa teoria -do amadurecimento de comportamentos homossexual dos rapazes em comparação ao moças.
As relações das pessoas consigo e os seus amores são certamente determinadas por muitas dimensões, influenciadas pelo meio, mas predispostas biologicamente, assim, na sua subjetividade individual, não serão separadas de um contexto social de inserção. Portanto, a tolerância em relação à opção sexual dos outros deve ser uma característica marcante na sociedade como um todo, pois formas estereotipadas e preconceituosas só proporcionam o afastamento e a desunião das pessoas.

Referência: Almeida, J. e Cavalheira, A (2007). Flutuações e diferenças de gênero no desenvolvimento da orientação sexual: Perspectivas teóricas. Análise Psicológica

Resenha: O saber e a prevenção no trabalho e na vida: Representações de profissionais de saúde que trabalham com HIV/Aids

Clara Vasconcelos

O presente artigo busca investigar e compreender as representações dos profissionais de saúde que trabalham com HIV/Aids sobre as suas práticas profissionais, sobre os riscos no trabalho e na vida pessoal.

Smith(1998) afirma que o conhecimento sobre a Aids leva atitudes favoráveis à adoção do sexo seguro, porém tais atitudes não são necessariamente expressas em comportamentos compatíveis. Tal afirmação corresponde a realidade não só do Brasil, como das mais diversas localidades do mundo.

O artigo então traz que os profissionais que trabalham com esta doença são muito mais capacitados e detêm muito mais conhecimentos acerca da mesma do que a população em geral. Retomando então a afirmação de Smith supracitada, os autores trazem a constatação de que os esforços no sentido de manter a população informada não tem gerado mudanças comportamentais significativas, incluindo-se inclusive os próprios profissionais que trabalham na área.

O artigo então traz o objetivo da pesquisa que foi o de conhecer as representações dos profissionais de saúde, que trabalham com o HIV/Aids ,sobre a sua prática profissional, investigando como e em que medida o saber sobre a Aids influenciam nas suas práticas sexuais.

Método: A pesquisa foi realizada nos Serviços Ambulatórios Especializados HIV/Aids (SAE), em três cidades do Mato Grosso do Sul. Este local atente apenas pacientes portadores da doença e pode ser considerado como uma referência no tratamento do HIV/Aids. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas individuais semi estruturadas que continham dois blocos: A história profissional em relação a Aids e as relações entra o saber e a prática na vida pessoal. Foram 12 sujeitos: 3 psicólogos e 3 assistentes sociais ( que não mantinham contato com os fluidos dos pacientes) e 3 médicos e 3 enfermeiros ( que mantinham contato com os fluidos dos pacientes) .

Foi feita uma leitura fluente de todas as entrevistas, o que permitiu o registro de anotações livres e depois foram construídos dois “corpus” comunicacionais ( um para os que mantinham contato com os fluidos e outros para os que tinham apenas contato verbal). Houve depois um agrupamento por sexo. Por fim reconstruiu-se o discurso dos sujeitos numa síntese do que significava para eles as questões levantadas nos objetivos da pesquisa.

A questão da inserção profissional demonstrou que o ingresso ao SAE ocorreu por meio de convite ou por oferta do cargo para profissionais que já desenvolviam trabalhos com DSTs. Vale destacar que não houve diferenças nas respostas dos dois blocos comunicacionais.

Para estes profissionais, trabalhar no SAE constitui-se como um desafio, devido a questão da incurabilidade da doença. Outro aspecto que surgiu foi a questão do trabalho em equipe, realizado neste ambiente, que despontou como uma das causas de satisfação dos profissionais entrevistados. A proposta diferenciada de atendimento também foi trazida, bem como a qualidade do serviço prestado.

Para estes profissionais trabalhar no SAE é aprender a lidar com a morte o tempo todo, bem como estabelecer limites no próprio vínculo, lidar com a perda da onipotência e ver aspectos negativos de uma forma diferente. Segundo eles, este tipo de serviço coloca a questão da imparcialidade em cheque. Há inúmeras citações referentes a paixão de trabalhar lá. “gratificante” e “lição de vida” são algumas das palavras chave. De acordo com os profissionais as coisas negativas tornam-se insignificantes diante de tudo que foi citado acima.

No outro pólo estudado, buscou-se compreender onde estes profissionais corriam mais riscos. Se era no contato com o vírus no desempenhar de sua profissão ou se era na vida pessoal. Os profissionais foram unânimes afirmando que na vida pessoal eles corriam mais riscos. De acordo com os entrevistados, os riscos no trabalho eram conhecidos e existiam diversas medidas preventivas, enquanto na vida pessoal tais comportamentos não faziam-se presentes.

Todos os profissionais, portanto, relataram não utilizar o preservativo com seus parceiros. Foram relatadas mudanças na representação dos infectados com o vírus, porém não foi relatada uma mudança no comportamento de risco dos profissionais. O que ocorreu após eles iniciarem o trabalho nesta área foi na verdade uma maior identificação com a história do paciente, tendo em vista inclusive a ausência de preservativos nas práticas sexuais.

Parker(1994) diz que não há surpresa nos pequenos impactos promovidos pelos esforços iniciais de educação sobre a Aids. Pois apesar de haver uma preocupação com a informação, pouco se apresenta no sentido de ter formas mais concretas de mudança comportamental. Tem-se acreditado que ao receberem informações objetivas os indivíduos vão responder através de escolhas racionais, reduzindo o comportamento de risco. Tal crença porém não corresponde a realidade até então averiguada.Madeira(1998) trouxe a importância de analisar este fenômeno de maneira menos linear, dando conta de mais dimensões e níveis que certamente estão envolvidos nesta equação.

No que tange aos profissionais da área, pareceu aos autores do texto que a regra era: o conhecimento é para o trabalho e não para a vida. O discurso em torno de explicações para este tipo de comportamento foi redundante e com explicações muito superficiais. Observou-se também um certo incomodo por parte dos entrevistados em responder estas perguntas. Muitos profissionais trazem o discurso de que antes de terem uma profissão são seres humanos, suscetíveis a erros, pressões e inseguranças. Alguns chegam, inclusive a dizer que na vida pessoal são exatamente como seus pacientes. Afirmam também que preferem não pensar sobre o assunto.

As questões culturais e históricas, referentes a confiança no parceiro são bastante presentes, bem como o medo de trazer para o relacionamento a discussão sobre desconfiança e infidelidade. Esta última questão ficou presente de forma acentuada nos discursos das mulheres. Mesmo as que consideram a possibilidade do parceiro ser infiel, preferem delegar a responsabilidade de utilizar preservativo com as amantes para este parceiro, ao invés de tomarem para si mesmas a responsabilidade de cuidar da própria saúde.

As mulheres trouxeram também que a ameaça da destruição do relacionamento parece muito mais eminente e real do que a ameaça da Aids. As verbalizações demonstram simbolicamente a existência de um poder dos homens de fazer escolhas pela sua parceira. Todos os profissionais perceberam a fragilidade do argumento, porém insistiram em afirmar que o componente cultural da fidelidade tem mais poder sobre suas ações do que o conhecimento dos riscos.

De acordo com Madeira(1998) esta lógica pode ser considerada como racional, por ser uma construção que articula no nível do sujeito o psíquico, o social e o histórico, no concreto das relações que articulam as diversas partes do todo. É porém uma lógica diferente das lógicas lineares construídas pelas campanhas.

Para concluir os autores apontam que de fato a prática profissional não interfere de forma positiva na utilização de preservativos na vida pessoal dos profissionais de saúde.

Referência: Andrade, S. e Tanaka, O. O saber e a prevenção no trabalho e na vida: representações de profissionais de saúde que trabalham com HIV/ Aids. Psicologia Ciência e Profissão, 2002, 22, 2, 60-69

Resenha: Dialética das relações raciais

André Oliveira de Assis Núñez

A questão racial parece um desafio do presente, mas trata-se de algo que existe desde há muito tempo. Modifica-se ao acaso das situações, das formas de sociabilidade e dos jogos das forças sociais, mas reitera-se continuamente, modificada, mas persistente. Esse é o enigma com o qual se defrontam uns e outros, intolerantes e tolerantes, discriminados e preconceituosos, em todo o mundo. Mais do que tudo isso, a questão racial revela, de forma particularmente evidente, nuançada e estridente, como funciona a fábrica da sociedade, compreendendo identidade e alteridade, diversidade e desigualdade. Na prática, essas atitudes proporcionam e exclusão e marginalização dos que são alvo do preconceito. Comprometem também as relações sociais e de trabalho, fazendo com que, ocorra uma perpetuação dos que dominam.
A história do mundo moderno é também a história da questão racial, um dos dilemas da modernidade. Ao lado de outros dilemas, também fundamentais, como as guerras religiosas, as desigualdades masculino-feminino, o contraponto natureza e sociedade e as contradições de classes sociais, a questão racial revela-se um desafio permanente, tanto para indivíduos e coletividades como para cientistas sociais e filósofos. É assim que o mundo ingressa no século XXI, debatendo-se com a questão racial, com problemas e debates relacionados ao vários tipos de estereótipos e preconceitos derivados dessas questões – implícitas ou explicitamente.
Em certa medida, o debate relativo ao “choque de civilizações” implica xenofobia,
etnicismo e racismo. Ao hierarquizar as “civilizações”, hierarquizando também povos, nações e etnias, é evidente que se promove a classificação, entre positiva, negativa, neutra ou indefinida, de uns e de outros.Como por exemplo, quando Samuel P. Huntington classifica as “civilizações contemporâneas” em chinesa, japonesa, hindu, islâmica, ocidental e latino-americana, está, simultaneamente, estabelecendo alguma relação entre etnia, ou raça, e cultura, ou civilização; uma relação cientificamente insustentável. Com essa classificação, e ao priorizar a civilização ocidental, por motivos econômicos, culturais e por sua dita “modernização”, ocorre assim uma exclusão dos que não fazem parte dessa parte do globo, fazendo com que a civilização ocidental seja o modelo a ser seguida, priorizando sempre as nações mais desenvolvidas, como os EUA e os países da Europa.
No século XXI continuam a desenvolver-se operações de “limpeza étnica”, praticadas em diferentes países e colônias, compreendendo inclusive países do “primeiro-mundo”; uma prática “oficializada” pelo nazismo nos anos da Segunda Guerra Mundial, atingindo judeus, ciganos, comunistas e outros; em nome da “civilização ocidental”, colonizando, combatendo ou mutilando outras “civilizações”, outros povos ou etnias. Outro aspecto importante nessa trajetória de uma suposta superioridade, algumas civilizações se achavam “melhores” somente apenas por diferenças fenotípicas, por conseguinte, tentavam propagar a sua etnia e exterminar ou marginalizar as outras.
A raça, a racialização e o racismo são produzidos na dinâmica das relações sociais, compreendendo as suas implicações políticas, econômicas, culturais. É a dialética das relações sociais que promove a metamorfose da etnia em raça. A “raça” não é uma condição biológica como a etnia, mas uma condição social, psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais, envolvendo jogos de forças sociais e progressos de dominação e apropriação. Racionalizar uns e outros, pela classificação e hierarquização, revela-se inclusive uma técnica política, garantindo a articulação sistêmica em que se fundam as estruturas de poder. Podemos exemplificar essas práticas no cotidiano – na escola, no trabalho, ou em qualquer outro lugar da sociedade -, que através da estigmatização do “outro”, ocorre um bloqueio nas relações sociais, proporcionando assim a aparição de estereótipos e preconceitos, por conseguinte, a exclusão e a hierarquização são práticas vigentes.
Aos poucos, o traço, a característica ou a marca fenotípica transfigura-se em estigma. Estigma esse que se insere e se impregna nos comportamentos e nas atitudes, formas
de sociabilidade e jogos de forças sociais, como se fosse “natural”, inquestionável, reiterando-se recorrentemente em diferentes níveis das relações sociais. Sendo que muitas vezes, fica difícil de perceber como e em quais momentos, os preconceituosos atuam frente ao discriminado, proporcionando assim a marginalização dos mesmos.
Trata-se de elaboração psicossocial e cultural com a qual a “marca” transfigura-se em “estigma”, expresso em algum signo, emblema, estereótipo, com o qual se assinala, demarca, descreve, qualifica, desqualifica ou subordina o “outro” e a “outra”, indivíduo ou coletivo. Este é um aspecto fundamental da ideologia racial: o estigmatizado, aberta ou veladamente, é levado a ver-se e a movimentar-se como estigmatizado, estranho, exótico, estrangeiro, alheio ao “nós”, ameaça. Sendo que tais pensamento em relação ao “outro” muitas vezes são mecanismo que proporcionam pensamentos de que o grupo ao qual o percebedor pertence é superior, ou até mesmo, fazer com que o estereotipado seja visto como “quase humano” ou um “animal”. O racista fundamenta em argumentos que parecem consistentes e convincentes à sua ótica, distinguindo, segregando ou estranhando o “outro”: negro, árabe, judeu, índio, oriental dentre outros. São estereótipos, signos, símbolos mobilizados ao acaso das situações elaboradas no curso de anos, décadas, séculos, com os quais o “branco”, “ariano”, “ocidental” explica, legitima ou naturaliza a sua posição e perspectiva privilegiadas, de controle de instrumentos de poder.
Sob vários aspectos, essa ideologia racial é transmitida por gerações e gerações, através dos meios de comunicação, da indústria cultural, envolvendo também sistema de ensino, instituições religiosas e partidos políticos, e tem sido, continuando a ser, um componente nuclear da cultura da modernidade burguesa. Esse o contexto em que formula, cria ou engendra “o mito da democracia racial”, significando que a sociedade brasileira seria uma democracia racial, sem ser uma democracia política e, muito menos, uma democracia social.
Mais do que isso, pode ser uma cruel mistificação da desigualdade, da intolerância, do preconceito, do etnicismo ou do racismo, como “argamassas” da ordem social vigente, da lei e da ordem. “Cruel” porque implica neutralizar eventuais reações ou protestos, reivindicações ou lutas dos estigmatizados, definidos de antemão como participantes tolerados da comunidade nacional. E quando uma pessoa ou um grupo tem uma maior sensibilidade para com esse preconceito e marginalização que ocorre em um país “disfarçado” com a máscara da democracia racial, essa(s) pessoas(s) são vistas como “chatas”. Mas esse é o percurso em que se desenvolve a consciência crítica, a autoconsciência ou a consciência para si, reconhecendo que é desde essa autoconsciência crítica que nasce a transformação, a ruptura ou a transfiguração.

Referência
Ianni O. (2004). Dialética das relações raciais. ESTUDOS AVANÇADOS 18 (50). Departamento de Sociologia do instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

Resenha: Flutuações e diferenças de gênero no desenvolvimento da orientação sexual: Perspectivas teóricas

Clara Vasconcelos

O trabalho busca fazer uma revisão teórica das principais investigações sobre as flutuações e transições na orientação sexual. De maneira geral, destaca a obra de Lisa Diamond, que apresenta investigações sobre transições na identidade, no comportamento e na atração.

O texto de Almeida e Carvalheira(2007) começa afirmando que muitas áreas têm feito investigações acerca do que representa e de como ocorre a escolha da orientação sexual. Dentre estes campos destacam-se a religião, as leis, as ciências sociais e biológicas e até mesmo algumas áreas da medicina. De acordo com as autoras, nossas identidades individuais e relacionais, bem como toda a diversidade de comportamento humano faz com que os indivíduos, se encontrem e se relacionem com conceitos e categorias, como homem/mulher; homossexual/bissexual/heterossexual, dentre diversas outras.

O texto traz também a diferenciação de Sexo e Gênero, de acordo com Diamond(2002). De acordo com ele, o sexo refere-se a estrutura anatômica, enquanto o gênero refere-se aos aspectos psicossociais do sexo. O texto traz também, que a identidade sexual tem três dimensões: A identidade de gênero, os papéis sexuais e a orientação sexual.

A identidade de gênero: É o primeiro comportamento, desenvolve-se entre o nascimento e o terceiro aniversário. De acordo com Green é “ a convicção básica acerca do seu sexo biológico”. Está identidade nem sempre é equivalente ao órgão reprodutor visível. Depois, desenvolvem-se os papéis sociais, que são características associadas ao ser homem e ser mulher através da cultura e da história. Estes papéis têm muita ligação com a aparência, com os comportamentos esperados daquela pessoa e da sua personalidade. Estes papéis não necessariamente são fixos, devido a fluidez propiciada pela cultura vigente. Só após esta segunda fase, que dura em média dos três aos sete anos, é que começaríamos a discutir a orientação sexual: A escolha pelo sexo oposto, pelo mesmo sexo ou pelos dois. A orientação sexual pode ser dividida em dois aspectos: A preferência física sexual e a afetiva.

Para Diamond, a orientação sexual engloba várias dimensões da identidade sexual, da de gênero e dos papéis sociais. Para ele as categorias bissexual, heterossexual, dentre outras, são mais adjetivos do que nomes propriamente ditos. Lisa Diamond tem tentado mudar a forma de estudar a orientação sexual, em especial a feminina.

O texto a partir deste ponto traz estudos que corroboram hipóteses opostas entre si. Algumas correntes que trazem que a orientação sexual é mais fluida e inconstante do que costuma-se estabelecer e outras que dizem justamente o oposto. Os estudos feitos, foram em sua maioria longitudinais. As investigações mais recentes demonstram a desvalorização das mudanças provenientes do passar do tempo. Diamond, traz que é como se ocorresse a descoberta de um self verdadeiro, ponto a partir do qual, as mudanças na orientação sexual não ocorreriam mais. Diamond porém não concorda com esta afirmação, dizendo que há evidências destas mudanças ao longo do tempo, em especial nas mulheres.É importante salientar que existe também opiniões controversas a esta no que tange a diferenciação dos gêneros e as diferenças na orientação sexual. Ao longo do texto, fica bastante claro que há uma grande necessidade de novos estudos, mais completos na área.

O texto além de trazer estudos que corroboram esta idéia de que as mulheres têm modificado sua orientação sexual ao longo do tempo, afirma também que os movimentos de defesa dos direitos gays podem influenciar na escolha dos indivíduos para serem lésbicas e gays, uma vez que há um preconceito, por parte de destes movimentos acerca da possibilidade do bissexualismo.

Os estudos de Diamond e Rust demonstram ainda que há uma diferença clara nos resultados das mulheres que se consideravam lésbicas ou bissexuais. As que se consideravam lésbicas responderam em sua maioria sentir mais atrações sexuais por mulheres, enquanto as bissexuais afirmaram justamente o contrário.

É importante salientar também, que estes estudos realizados e que têm corroborado tanto a hipótese de fluidez como a hipótese de permanência forma realizados em ambientes muito restritos, tendo como participantes apenas membros da LGBT americana, e estudantes universitários. Desta forma, não existem dados que se relacionem a pessoas desvinculadas destes espaços, em especial pessoas que residem em ambientes mais rurais, de etnias minoritárias e com condição sócio-econômica mais baixa.

Weinberg ET AL(1994) traz a hipótese de que talvez os bissexuais, sejam eles homens ou mulheres, tenham uma maior capacidade de experimentar atrações por ambos os sexos, o que permite que seus sentimentos estejam mais suscetíveis a mudanças externas, no ambiente.

Herdt e Boxer ( 1993) fizeram estudos que demonstraram que os homens têm experiências com pessoas do mesmo sexo antes do que as mulheres. Bem como as mulheres demonstraram ter uma maior probabilidade de se relacionar primeiro com o sexo oposto e só depois com pessoas do mesmo sexo. As mulheres também apareceram como tento uma certeza mais tardia das suas orientações sexuais do que os homens. Mais mulheres também se consideraram como bissexuais do que os homens. No que tange os contextos das orientações sexuais dividiu-se os sujeitos em dois grupos: Os que eram atraídos por pessoas do mesmo sexo a partir de questões emocionais e os que tinham pensamentos explícitos com o mesmo sexo, envolvendo atividades sexuais. Os resultados encontrados demonstram que mais mulheres se encontram no primeiro grupo e mais homens no segundo.
Para concluir, as autoras trazem que a diversidade sexual tem encontrado um ambiente muito mais favorável e que a flexibilização das atrações tem permitido uma maior liberdade de escolha para mulheres. No caso dos homens, há uma maior rigidez na escolha sexual, o que pode estar refletindo uma maior rigidez social com tal, ou de tal categoria. As autoras finalizam afirmando que a orientação sexual surge a parir de uma interação do ambiente com a biologia.

Referência: Almeida, J. e Carvalheira, A. A. Flutuações e diferenças de género no desenvolvimento da orientação sexual: Perspectivas teóricas. Análise Psicológica, 25, 3, 343-350, 2007

Resenha: Flutuações e diferenças de género no desenvolvimento da orientação sexual – Perspectivas teóricas.

Aílton Alves de Araújo

Em busca de uma definição no sentido de uma orientação sexual, partindo da premissa relacional, a visão sobre a perspectiva das identidades individuais e relacionais, fatalmente nos levará aos conceitos de gênero e sexo que dentro dos comportamentos encontraram-se expressões como: homem/mulher, masculino/feminino, heterossexual/homossexual dentre outros.

Convém atentar para as diferenças, que segundo Milton Diamond (2002), diz que sexo se refere a estrutura anatômica e gênero traduz os aspectos psicossociais do sexo e estes conceitos devem ficar claramente mantidos para se proporcionar uma melhor identidade psicológica.

Dentro de uma perspectiva teórica, a identidade sexual pode ser entendida do ponto de vista do desenvolvimento em três dimensões: a identidade de gênero, os papéis sexuais e a orientação sexual.
Nestes aspectos, encontramos a definição biológica do sexo propriamente dita e que aliado a isso, a configuração de gênero que será formatado pela sociedade quanto aos papeis sexuais e sociais que vai está intimamente ligado às características de ser homem ou ser mulher e que neste caso, estará assim vinculado ao que se espera diante do gênero, entretanto, ao longo do desenvolvimento, esta categoria irá se consolidar ou mimetizar de acordo com a interação do indivíduo.

A identidade de gênero na dimensão dos papeis sexuais e sociais poderá ser formatado entre masculinidade e a feminilidade. Na orientação sexual é onde se pode dizer que surge a inclinação pelos parceiros do sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos, onde segundo os teóricos, se configuram duas situações: uma é a preferência física sexual e a outra é a preferência afetiva.
De acordo Fausto Starling (1999), explicações táteis a respeito da bidirecionalidade da identidade sexual, pode se encontrar numa escala explicativa entre a biologia e a cultura.

Baseado no parecer de Lisa Diamond há controvérsia quanto ao estudo da sexualidade, sobretudo a feminina, onde se vê a orientação sexual como uma predisposição para atração com pessoas do mesmo sexo, sexo oposto ou ambos. Sua contestação reside no fato de que a identidade de gênero e os papeis sexuais passam por períodos de desenvolvimento ao longo do tempo que vão de uma fase precoce ao início da idade adulta do indivíduo, onde se deve considerar o contexto social, histórico e cultural também como fatores de influência.

A identidade sexual pode variar baseado numa observação longitudinal onde se perceba que as atrações e comportamentos se alterem por influência das mudanças freqüentes, sem isso, não se pode inferir que pelo fato de uma situação tópica, o indivíduo por adotar comportamento ou atração homossexual ele tenha uma identidade homossexual. Analisando tal situação de forma crítica, isso se configura no campo de sua subjetividade, uma vez que a identidade se relaciona com o sentir-se e ver-se como homossexual (Davies & Neal, 1999).
Partindo da premissa da criação da subjetividade do indivíduo, os processos de categorização social e as representações sociais criados dentro da idiossincrasia de um povo, onde os indivíduos de forma incongruente descrevem a sua sexualidade ocultando comportamentos e fantasias sexuais, a utilização do termo “homossexual”, seria inadequado uma vez que a orientação sexual, deverá ser estável e duradoura (Albuquerque, 2006).

Quanto à fluidez na orientação do desenvolvimento sexual, ainda existem pontos divergentes entre os teóricos, ao passo que uns acreditam na desvalorização dos processos longitudinais pela pseudo existência de um self verdadeiro diante de uma transição de uma identidade heterossexual à identidade homossexual ou bissexual, o qual adquire característica invariável na identidade sexual (Diamond, 2000). Por outro lado, outros teóricos atestam bastante fluidez na orientação sexual da mulher onde elas demonstram muitas mudanças nas atrações sexuais ao longo do tempo.
Muito embora seja um aspecto de caráter não consensual entre os teóricos, mas, toma-se essa fluidez na orientação sexual da mulher como ponto de partida, para referir mudanças longitudinais na identidade sexual, nas atrações e nos comportamentos (Diamond, 2000).

Apesar das alterações sexuais não se apresentarem com mudanças relevantes sobre a bissexualidade, mesmo assim, dá margem a alguns autores (Weinberg e colaboradores, 1994, Diamond, 2004) a interpretar como um potencial para as experiências íntimas sem a predominância de um único sexo, o que para eles pode-se traduzir numa instabilidade exercendo reflexos sobre a identidade sexual. No tocante à bissexualidade sendo em homens ou mulheres, deduz-se daí que há maior possibilidade pela via das experiências ambíguas sexuais de que se crie uma subjetividade pautada nas influências ambientais.

No que tange à perspectiva ambiental, o indivíduo busca uma congruência dentro de uma estimulação caótica do meio e diante da tensão psicológica deste meio, com intuito de se atingir a homeostase comportamental, o indivíduo pode declinar para uma identidade homossexual congruente e vice-versa.

Apesar de alguns estudos não encontrarem alterações significativas no que concerne à diferença de gênero no desenvolvimento da orientação sexual, alguns autores atestam e mostram as evidências de tal existência. Segundo Herdt e Boxer (1993) através de suas pesquisas indicaram que os jovens do sexo masculino iniciam precocemente suas experiências homossexuais do que os indivíduos do sexo feminino cujas diferenças são significativas. Quanto ao indivíduo feminino, incide grande probabilidade de que suas primeiras experiências sexuais sejam de caráter heterossexual antes de experienciar ações homossexuais.

Nestas circunstâncias onde parece prevalecer mais relevância sobre gênero do que na orientação sexual, neste sentido, pesquisadores indicam que a análise deverá ser feita sob a perspectiva individual de cada gênero, bem como as descrições fenomenológicas associadas e as experiências subjetivas no que tange aos sentimentos e comportamentos sexuais como mantenedores de valores à identidade sexual.

Assim, se pode concluir que na consolidação da identidade sexual, a diferença de gênero que atrelada a comportamentos sexuais, a quantidade de parceiros e a idade de iniciação, se configuram como aspectos mais relevantes da diferenciação do que a própria orientação sexual.

Considerações
Diante da complexidade do tema, concita-nos a uma reflexão profunda sobre como se constrói uma identidade sexual e os aspectos relevantes que de forma epistemológica devem ser considerados.
Ao serem analisados os processos longitudinais em busca de consolidação das identidades, isso deverá ser feito de forma criteriosa e buscar sempre dados representativos que possam fidedignamente asseverar.

Como vimos, a construção da subjetividade e da individualidade, passa pelo crivo de uma interação social onde o processo cultural e histórico é parte integrante deste contexto. Assim, não se pode conceber a construção da identidade sexual partindo de uma análise isolada e abstendo-se da compreensão da dicotomia biologia X ambiente ou até mesmo desconsiderar a temporalidade e as observações longitudinais com suas respectivas transformações.

Ficou claro que para a formação da identidade sexual, torna-se necessário levar em consideração os seus três fatores (identidade de gênero, os papeis sexuais e a orientação sexual), onde, baseado nos investigadores, dentro de uma visão criteriosa, é sabido que os indicadores que dão consistência à identidade bissexual, se constituem como um ponto de transição para uma possível eclosão da homossexualidade.

Uma das primeiras teorias formuladas para compreender a homossexualidade, intitulou-a como caráter perverso, entretanto, nos tempos atuais, ainda se busca compreender dentro de um campo fisiológico, genético, comportamental, psicológico, físico, metafísico de leigos e cientistas a sua verdadeira gênese.

Bibliografia: Almeida, J. e Carvalheira, A. A. Flutuações e diferenças de género no desenvolvimento da orientação sexual: Perspectivas teóricas. Análise Psicológica, 25, 3, 343-350, 2007

Resenha: You are what you listen To: Young People’s Stereotypes about Music Fans

Marcus Vinicius C. Alves

A música é um dos meios de expressão mais utilizados por pessoas em qualquer lugar do mundo. O presente artigo sugere ainda que para os jovens, essa intensidade é ainda mais visível, a música – ou o estilo musical – serviria como uma insígnia que a priori revelaria para outrem em qual grupo social este jovem estaria incluso e qual o estilo de vida que ele possui. As palavras cantadas displicentemente no meio da rua, a camiseta preta de sua banda favorita ou mesmo o adesivo do Camaleão colado no carro seriam instrumentos cruciais para a identificação grupal. Os autores lembram que nos últimos anos houve uma proliferação de recursos virtuais – blogs, fóruns e comunidades virtuais – onde demonstrar seu estilo musical era peça-chave para ser bem ou mal visto por outros, o que você ouve teria se transformado ainda mais em um estandarte do que você é. Os jovens teriam se apegado aos clãs de identidade musical parecida, expondo quem são, quem querem ser e como querem ser percebidos. É compreensível então o argumento científico de que para adolescentes a música seria um cartaz melhor do que a pessoa é do que as roupas que ela veste, os filmes que vê ou os hobbies que possui. Tendo então a compreensão de que revelar o estilo musical encaixa o indivíduo em um grupo, o artigo propõe o estudo sobre como tais pessoas e seus grupos são percebidos. Qual informação é comunicada pela preferência musical.

Pessoas preferem estilos musicais que reforcem e reflitam aspectos da sua identidade e personalidade (e.g. indivíduos procurando sensações intensas ouviriam punk, enquanto que rebeldes ouviriam rock ou rap, e indivíduos que se percebem como criativos ouviriam músicas sofisticadas como jazz ou clássica), então, somando ao grupo em que a pessoa é encaixada, o gosto musical também revelaria seus valores e personalidade. Os autores argumentam que estudos revelaram que, primeiramente, todos teriam crenças sobre os estilos musicais e as pessoas que os ouvem, além disso, ouvintes de certos gêneros musicais já teriam em si estereótipos de conduta e personalidade definidos. Ademais, o artigo sugere que os estereótipos encontrados para cada gênero musical tenham um núcleo de realidade quando relacionados com os ouvintes destes gêneros, ou seja, os estereótipos formados não estariam de todo errados (Seriam os baianos percebidos como um povo alegre por causa do axé? Ou o axé percebido como um estilo alegre por causa dos baianos?).

Apesar dos estudos revelarem que as pessoas possuem de algum modo uma visão sortida de características psicológicas dos integrantes de certos gêneros musicais, os autores argumentam que ao serem relacionados os resultados dos estudos realizados por cientistas anteriores são encontradas certas limitações. Primeiramente, os estudos só observaram os fatores psicológicos, esquecendo os culturais e sociais. Por pesquisas, já é sabido que o estilo musical que se adere também está relacionado à classe social em que se encontra (e.g. fãs de jazz e música clássica comumente estão relacionados com a classe alta e com maior grau de instrução, enquanto que a classe trabalhadora ou menos instruída costuma ouvir músicas como gospel, rap e, no Brasil, poderíamos citar o pagode). Há ainda pesquisas que revelaram que a etnia também está diretamente ligada ao que se ouve, nos EUA, negros tendem a ouvir jazz e rap, enquanto que brancos ouviriam mais o rock, a música clássica e o country. Logo, os estereótipos musicais poderiam estar diretamente relacionados aos étnicos. Outro limite é o desconhecimento sobre como os estereótipos funcionariam em diferentes estados ou países, pois cada estudo tem sido realizado em locais geográficos pontuais. Sem dúvidas, este fator não pode ser negligenciado, pois pessoas em diferentes países são expostos a diferentes estilos musicais e são estimulados positiva ou negativamente de formas também diferentes ao entrarem em contato com esses estilos (e.g. no Pará o estilo “arrocha” foi menos ouvido do que na Bahia e assim é menos valorizado que o “tecnobrega”, equanto que na Bahia o superpopular não fez sucesso algum. Assim temos dois estilos parecidos qualitativamente, mas que possuem valores diferentes para cada estado.)

A pesquisa realizada se ateve a gêneros musicais, pois em um teste foi revelado que os diferentes subgêneros musicais são pouco conhecidos, o que dificultaria consideravelmente a obtenção de resultados verossímeis devido a pouca familiaridade do grupo experimental com as vertentes de cada gênero. A pesquisa foi realizada na Inglaterra e propôs comparar os dados com estudos semelhantes nos Estados Unidos visando fazer com que os dados fossem passíveis de generalização. Os autores afirmam que o estudo teve como perguntas principais (1) O quanto as pessoas concordam sobre aspectos psicológicos e sociais ligados a estereótipos de estilos musicais; (2) seriam os estereótipos entre os gêneros distintos?; E (3) o quanto há de generalização nos estereótipos? Utilizando de pesquisas anteriores, os autores tiveram como hipótese a concordância entre os indivíduos com a existência de estereótipos únicos por gêneros, especialmente no rap, rock e clássicos, e que o conteúdo dos estereótipos seria similar tanto nos Estados Unidos, quanto na Inglaterra.

O grupo experimental da pesquisa foi formado em grande parte por Brancos (87,5%) e pertencentes à classe média (61,3%), os autores não citam, mas tais fatores podem ter influenciado os resultados, pois homogeneízam a amostra, podendo revelar a percepção e os estereótipos contidos em um pequeno grupo e não em nível global. Esse grupo experimental ainda limita a generalização desse estudo para o Brasil, sendo esses dados exageradamente divergentes à população nacional. O estudo fez com que o grupo experimental julgasse protótipos de fãs dos gêneros musicais específicos e associasse a esses estereótipos certas características em uma escala tipo Lickert. A pesquisa avaliou a percepção das características psicológicas, sociais, de religiosidade, de personalidade, sociais e étnicos.

Os resultados da pesquisa foram condizentes com as expectativas dos autores, somado a isso, tem-se que os jovens têm os padrões dos estereótipos dos fãs de certos grupos musicais altamente estruturados cognitivamente. Os resultados revelaram que alguns estereótipos foram similares em certos construtos (e.g. a personalidade dos fãs de rock e música eletrônica), todavia as particularidades dos estereótipos foram diferenciadas em um nível macro de entendimento. Houve ainda a confirmação do potencial de categorização social acima da psicológica, pois os resultados acerca da classe e da etnia de cada gênero foram mais consistentes que os de personalidade. O grupo experimental americano e o inglês obtiveram resultados semelhantes, entretanto, os países são também semelhantes em diversas características, tais resultados poderiam ser diferentes em um país em desenvolvimento, tendo como idioma o português e a maioria da sua população pouco alfabetizada.

Entretanto, a pouca adaptabilidade do estudo para âmbitos nacionais não desmerece a sua compreensão de que os resultados de fato demonstraram a importância dos estilos musicais nas relações intergrupais, propondo para outros cientistas, a reflexão e experimentação posterior na área.

Referência: Rentfrow, P. J., McDonald, J. A., Oldmeadow J. A. (2009). You are what you listen To: Young People’s Stereotypes about Music Fans. Group Processes & Intergroup Relations, 12, 329-344.

Biblioteca: inclusão de conteúdo

Acrescentado à biblioteca a resenha Argentinos e brasileiros:  encontros, imagens e estereótipos, de Ricardo Mendes Pereira

Resenha: Trajetórias Escolares, Corpo Negro e Cabelo Crespo: Reprodução de Estereótipos ou Ressignificação Cultural?

Valter da Mata

O presente artigo procura evidenciar a importância do ambiente escolar no processo de construção das identidades pessoal e social dos indivíduos negros. Destaca o papel privilegiado onde encontram-se o corpo e o cabelo negro, que podem assumir um lugar especial na reprodução de estereótipos ou ainda ressignificação cultural.
Por ser um trabalho de caráter antropológico, a autora não utiliza os referenciais teóricos clássicos da psicologia, embora utilize de dimensões de grande tradição na psicologia como a identidade e os estereótipos. O estudo mostra-se extremamente oportuno uma vez que a Lei 10.639/2003 tornou obrigatória a inclusão dos conteúdos da cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares. A questão racial brasileira ainda está longe de ser tratada com a importância devida, embora ultimamente venha aos poucos, sendo incluída no ambiente acadêmico.
No processo de construção da identidade da identidade, a escola assume um lugar de destaque, porque muito provavelmente será o primeiro ambiente no qual ocorrerá o encontro onde a criança negra poderá pensar em termos de “nós” – familiares e vizinhos enquanto negros e ou “outros” – alguns colegas e professores enquanto brancos.
A autora coloca que a relação que a relação que o negro tem em relação ao seu corpo e seu cabelo é recheado de significados, remetendo-o a uma experiência subjetiva que não raramente está associada a sentimentos de inferioridade e baixa auto-estima.
Nesse processo de construção de identidade, a autora afirma que “o corpo fala a respeito do nosso estar no mundo, pois a nossa localização na sociedade dá-se pela sua mediação no espaço e no tempo”. A questão é que o corpo negro encontra-se ainda aprisionado à escravidão e essa diferença cromática é muitas vezes utilizada como argumento para justificar a colonização e explicar e naturalizar diferenças econômicas.
Na escola, a exposição do corpo negro é contextualizada de modo a reproduzir a estrutura hierárquica existente na nossa sociedade, ou seja, todos os símbolos de negritude serão necessariamente associados a qualificações depreciativas.
A autora se detém na experiência subjetiva experimentada por mulheres negras jovens e adultas que freqüentam salões de beleza étnicos, procurando os diversos sentidos dessas experiências, procurando descobrir através de entrevistas, como essas mulheres significam as experiências decorrentes do processo de ter esse cabelo negro e o corpo negro. Ressalta que os problemas com o cabelo se iniciam na mais tenra infância, onde são submetidas a dolorosos penteados em forma de trança, passando depois a sofisticados processos de relaxamento e alisamento capilar. Os depoimentos destacados pelo artigo ilustram os sentimentos dessas mulheres a respeito de como esse elemento – cabelo – foi importante na construção da sua identidade.
Ser negro no Brasil deixa o indivíduo vulnerável a possíveis situações de discriminação e a reação dos indivíduos a essas situações irá variar de indivíduo para indivíduo, estando intimamente ligada a construção da sua identidade pessoal e social, as suas experiências de socialização e de informação. É comum se avaliar essas reações como mais politizadas ou menos politizadas, mais corretas ou menos corretas. Isso se deve principalmente porque no Brasil, as relações raciais se dão em torno do fenótipo, podendo as pessoas ser categorizadas como mais negros ou menos negros, quando são avaliados seus traços físicos, assim como se apresentam esteticamente.
O artigo procura destacar a construção da questão racial na subjetividade e no cotidiano dos indivíduos, além do peso da educação escolar nesse processo. As entrevistas mostram discursos ambivalentes e também situações tensas vividas pelas respondentes em relação ao uso do cabelo. O uso desse cabelo pode revelar a trajetória da vida de uma pessoa, sua condição de resistência e o movimento vivido no interior de um grupo social. Exemplifica que não raramente, cabelos cortados ou raspados estão associados a ritos de passagem, como aprovação no vestibular ou ainda entrada em instituições totais como presídios e conventos, podendo estar simbolicamente relacionados com a castração. Por outro lado a cabeleira solta e rebelde pode expressar rebeldia e independência e ainda relutância às normas sociais.
Esse artigo permite uma problematizarão acerca dos múltiplos significados que o corpo e o cabelo podem assumir no processo de construção da identidade, especialmente nos indivíduos negros. Reflete também a importância que a escola assume nesse processo, quanto a Possi biliar a construção de uma identidade positivamente afirmada ou permanecer tão somente como um espaço reprodutor de uma ordem vigente, ratificando crenças estereotipadas a respeito desse grupo social.

Fonte: Gomes, N.L. (2000), Trajetórias Escolares, Corpo Negro e Cabelo Crespo: Reprodução de Estereótipos ou Ressignificação Cultural? Revista Brasileira de Educação, Set-Dez, nº 21, São Paulo, Brasil, pp. 40-51