Resenha: Comunicação e cognição

Contribuição: Elva Valle

Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos

O artigo traz resumidamente um estudo de teorias de psicologia social sobre os estereótipos, processos controlados e automáticos; abordando também estudos de audiência, com o objetivo de analisar o efeito da propaganda contra-intuitiva na redução de estereótipos e preconceitos. Possui uma estrutura dividida em cinco tópicos distintos (introdução, alguns conceitos relevantes, processos automáticos e controlados, considerações finais e referências) distribuída no total de onze páginas.
O autor, Francisco Leite, na publicação deste artigo, era bacharel em Comunicação Social (publicidade e propaganda) pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, e mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação da USP, na área de Interfaces Sociais da Comunicação.
Na introdução tempos a definição do termo “propaganda contra-intuitiva” adotado por Peter Fry que tenta abarcar as comunicações publicitárias que rompem com antigos estereótipos, ao colocar membros target em posições prestigiadas, ou seja, recebe o destaque do enredo, alcançando o papel de protagonista. E com isso procura provocar a audiência, deslocar suas percepções e opiniões sobre indivíduos estereotipados.
A força da propaganda, para Ilana Strozenberg, pode reforçar preconceitos ou promover novos valores. O papel influenciador da publicidade foi estudado diversas vezes, e neste artigo cita como exemplos a propaganda “educativa”, que ensinou a sociedade a consumir e conviver com novas tecnologias como sabonete, geladeira, microondas, entre outros produtos. “A propaganda pela sua base estratégica de sempre renovar seu discurso de sedução, capta tendências e as disseminam de forma pioneira contribuindo para a construção de novos reflexos sociais e culturais” e “pode ser identificada pela sua proposta de estimular o processo de dissociação de antigos estereótipos negativos fixados na memória implícita e explícita dos indivíduos” (p 132, 2008).
Ou seja, através da exposição contínua (considerando-se também a força da justificativa) seria possível o processo de “deslocamento cognitivo” da audiência (seja ela de tv, rádio, cinema, internet, revista, mídias exteriores etc.) em relação a estereótipos; uma produção de sentido “reverso”.
O segundo tópico aborda e discute conceitos relevantes para o autor do artigo, como questões de aprendizagem, cognição, estereótipos, crenças, categorização, preconceitos sociais, e comportamento. As crenças se originam nas experiências pessoais, são formadas por associações e seriam o que se aprende na infância e adota-se como verdade. Sendo aprendidas nas relações sociais e nos meios de comunicação. Quando as crenças são compartilhadas seria o caso da opinião pública e estereótipos sociais. Francisco Leite cita qual seria a caracterização dos estereótipos para doutor prof. pesquisador Marcos Pereira “artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos (…) e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos” (2002, 157).
As atitudes preconceituosas seriam o resultado da combinação de estereótipos negativos e crenças pessoais. Preconceitos seriam atitudes racionais e emocionais injustas derivadas de estereótipos. A avaliação de um objeto pode ser realizada por três componentes: cognitivo (estruturas informativas que formam a opinião sobre determinado objeto); afetivo (sentimento a favor ou contra determinado objeto); e comportamental (a relação entre cognição e afeto que determinará determinada atitude em relação ao objeto em determinadas situações contextuais).
O terceiro tópico retrata os processos automáticos e controlados. Os processos automáticos seriam ações mentais involuntárias, incontroladas e não intencionais. Os controlados seriam intencionais, controláveis e precisariam de esforço adicional. Levando isso em consideração, as propagandas contra-intuitivas poderiam ter o efeito ricochete, ou seja, o resultado das comunicações dependeriam do reflexo das justificativas das mensagens nas crenças individuais.
As considerações finais falam que o discurso das comunicações contra-intuitivas se respalda na multiplicidade identitária sociocultural. O autor comenta que não pretende afirmar que esse tipo de propaganda vai promover no indivíduo o “controle, supressão e dissociação de seus pensamentos estereotípicos”, mas poderia significar uma ferramenta importante na promoção de debates na sociedade que influenciem atitudes e opiniões, “que desencoraje e diminua o preconceito essencialista”.
As considerações finais comentam o papel da comunicação social na esfera social, como influenciador e “(trans)formador” de opinião, e a isso deve ser dar mais atenção, em especial um olhar críticos nas propagandas atuais.
Não há muitas dúvidas em relação ao papel influenciador dos meios de comunicação, tanto para convencer, propagar e vender, como para educar, conscientizar, e difundir novos conceitos. A relação psicologia social e comunicação se torna então fundamental. Já se foi discutido a definição de estereótipos (ou seja, crenças compartilhadas), categorização (atividade “natural” do ser humano) e preconceito (atitudes negativas em relação a grupos estereotipizados); assim como o papel da propaganda na propagação de conceitos sobre determinados grupos minoritários, mas acredito que mais exemplos sobre o tema poderiam ser abordados.
Temos o exemplo da propaganda das Havaianas, em que uma avó conversa com sua neta num restaurante, reclamando dela estar usando as sandálias; e logo em seguida fala de algum rapaz sentado próximos a elas, elogiando, e diz a frase “só para sexo mesmo”. Essa propaganda gerou muita discussão, e acabou sendo banida da TV, mas também gerou muitas discussões positivas, ou seja, que aprovavam o comercial, e então ele continuou disponível na Internet. Ela rompia com o estereótipo de idosos antiquados, “quadrados”, trazendo uma vovó “moderninha”.
Ou seja, além do efeito ricochete, poderia também se considerar a não aceitação de propaganda com contra-estereótipos. Também é necessária uma discussão sobre a utilização de protótipos versus estereótipos nas veiculações publicitárias. E de modo geral, o artigo é de fácil leitura, abordou conceituações teóricas importantes, e se posicionou de forma clara. Ele mostra primeiros passos em direção a discussão desse tema.

Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13/m318223.pdf, último acesso em 22 de outubro de 2011.

Resenha: elementos de uma teoria leiga sobre os grupos: Tipos de grupo, estilos relacionais e a percepção de grupos entitativos

Rafael Oliveira

O artigo é uma descrição dos elementos de uma teoria implícta dos percebedores dos grupos. Essa descrição se estende além das pesquisas realizadas anteriormente. O conceito de teoria implícta baseia-se na noção de que as pessoas precisam dar sentido ao mundo naturalmente desorganizado e complexo. São usadas pelos psicólogos sociais num vasto escopo de domínios psicológicos. No artigo, é adotada a noção de que as pessoas invocam uma teoria implícita dos grupos que permite a elas montar informações a partir de uma cena e fazer inferências além daquelas observadas usando as teorias implícitas para fazer atribuições causais nos eventos. As teorias implícitas são entendidas então como invenções interpretativas que as pessoas usam para predizer, explicar e justificar eventos que ocorrem no mundo. Nesse sentido, a pesquisa relatada no artigo tem a pretensão de realçar critérios utilizados anteriormente em outras pesquisas e que parecem importantes para definir a teoria implícita dos grupos. Esses critérios são: as propriedades, as funções e os estilos de interação. As propriedades definem uma ontologia ou taxonomia na qual os grupos são percebidos como qualitativamente diferentes, são elas: tamanho do grupo; duração da existência do grupo; a extensão na qual os membros do grupo partilham metas e resultados; a importância do grupo para os membros; o grau de interação entre os membros; permeabilidade (facilidade na entrada e saída de membros do grupo); similaridade (Homogeneidade percebida).
Variedades de Grupos
Psicólogos sociais utilizam a palavra grupo para descrever um vasto escopo de entidades. Kurt Lewin (1948), sugeriu que alguns grupos são qualitativamente diferentes. No entanto poucas pesquisas examinaram como as pessoas pensam sobre, e que distinções fazem sobre os diversos grupos com que se deparam todos os dias. A pesquisa relatada vem justamente aprofundar-se nessa questão. A alegação para a pesquisa é que as pessoas podem ter teorias implícitas sobre como os grupos diferem em suas propriedades, funções e estilos de interação. Desta maneira, os autores, então, conduziram dois estudos para investigar as distinções que os percebedores fazem entre os grupos: as propriedades foram apresentadas para um grupo de 40 participantes e os grupos foram separados em clusters baseando-se nas propriedades similares; as classes de respostas dos participantes foram separadas em clusters. Os dois estudos conduziram a resultados similares indicando quatro tipos de clusters: grupos de intimidade; categorias sociais; grupos de tarefa; grupos fugazes. Neste sentido é postulada a existência de uma taxonomia implícita através da qual as pessoas organizam diferentemente a informação sobre uma pessoa dependendo do tipo de grupo que ela pertença. Os tipos de grupos tem certas propriedades a eles associadas.
Grupos de intimidade
São percebidos como tendo longa duração, pequenos em tamanho, impermeáveis, altos níveis de interação e de metas comuns, similaridade elevada entre os membros, importância elevada.
Categorias Sociais
São percebidos como tendo longa duração, baixa permeabilidade, grandes em tamanho, baixos níveis de interação e metas comuns, reduzida importância e similaridade entre os membros.
Grupos de Tarefa
São percebidos como tendo duração e permeabilidade moderada, pequenos em tamanho, interações e metas comuns moderadamente altas, similaridade e importância moderadamente altas.
Grupos fugazes
São percebidos como tendo alta permeabilidade e demais propriedades baixas.
Também foi examinada a relação das propriedades com a entitatividade: interação, metas comuns, importância e similaridade tiveram uma forte relação com a entitatividade enquanto as propriedades tamanho, duração e permeabilidade foram fracamente associadas com a entitatividade. Os grupos de intimidade foram os percebidos como tendo mais entitatividade seguidos pelos grupos de tarefa, categorias sociais e agregados. Outras variáveis como estilos relacionais são analisadas na pesquisa. No entanto, a principal contribuição da pesquisa para o estudo dos estereótipos é justamente a noção de uma variedade grupal, de um tipologia dos grupos, pois os estudos sobre estereótipos conduzidos até então se reportam exclusivamente as categorias sociais. Desta forma, novas pesquisas podem ser encaminhadas no sentido de questionar sobre a existência de estereótipos sobre grupos de intimidade, grupos de tarefas e os chamados agregados. Existe estereótipo sobre uma certa família ou um grupo de amigos? Existem estereótipos sobre trabalhadores numa linha de produção ou pessoas que estão esperando em um ponto de ônibus?
Hamilton, L.D. Lickel, B (2001). Elements of a lay theory of groups: types of groups, relational styles, and perception of groups entitativity. Personality and social psychology review. Vol 5, No 2, 129-140.

Resenha: Propaganda contra-intuitiva e dissolução de estereótipos

Flávia Mendonça Protásio

Baseando-se no grande raio de abrangência da comunicação através da TV, a propaganda contra-intuitiva surge como uma proposta de releitura das mensagens levadas aos telespectadores a fim de diluir ou quem sabe até suprimir os estereótipos difundidos. Há uma expectativa de incitar o telespectador quanto às suas fontes de conhecimento, sugerindo a utilização não só do senso comum, mas também do senso crítico na avaliação da informação transmitida. Assim, é válido afirmar que a propaganda contra-intuitiva visa operacionalizar o desenvolvimento do pensamento, passando de uma esfera superficial a uma esfera de pensamento crítico, reflexivo.
Em seu artigo, Francisco Leite aponta a expressão “propaganda contra-intuitiva”, adotada por Peter Fry para descrever as propagandas que rompem com os padrões, como uma tentativa de desafiar a intuição, ou seja, o senso comum, e que se propõe a uma nova avaliação a respeito dos objetos estereotipados. Trata-se de um olhar diferenciado para as outras realidades nas quais estão inseridos os indivíduos vítimas de comportamentos preconceituosos. O que se assemelha à proposta da pesquisadora e socióloga Jane Elliot em seu documentário Olhos Azuis, ao proporcionar uma inversão de papéis entre “percebedor” e “alvo”. Com isso, Elliot permitiu que os que se encontravam no lugar de vantagem pudessem experimentar a perspectiva do alvo e assim contribuir para a supressão desses estereótipos.
Além da inserção de representantes de grupos estereotipados, a propaganda contra-intuitiva se propõe a promover-lhes um novo patamar, atribuindo-lhes uma nova posição antes jamais experimentada. A campanha pela “Real Beleza” desenvolvida pela empresa DOVE é um bom exemplo dessa tentativa inovadora. Ao mostrar a beleza da mulher gordinha, da ruiva, da negra, dentre outras, a propaganda promove um novo conceito a respeito desses grupos estigmatizados, incluindo-os nos “padrões” de beleza. Entretanto, é preciso muita cautela, uma vez que esse processo também pode surtir efeitos contrários, contribuindo para a produção do sentido reverso das informações presentes na propaganda.
Ainda tomando como exemplo a propaganda da DOVE, tem-se que ao invés de uma tentativa de formatar as informações já fixadas, colocadas em xeque pelo comercial, em prol de uma reconstrução do conceito de beleza, pode-se fazer uma leitura dessa propaganda onde essas mulheres são negadas enquanto referenciais de beleza. É o efeito reverso que foi denominado por Wegner (1994, apud Leite) de ricochete e nada mais é do que a ausência de motivação para suprimir um dado estereótipo, causada por estados de sonolência ou distração, levando o indivíduo a reforçar tais pensamentos preconceituosos. Diante disso, o autor se propôs a discutir se seria realmente válido investir nas propagandas contra-intuitivas enquanto mecanismo de supressão de estereótipos.
De maneira simplista, os estereótipos podem ser concebidos como crenças compartilhadas socialmente sobre atributos típicos de um dado grupo. Dependendo da classificação dessas crenças enquanto centrais ou periféricas na vida do indivíduo, o seu processo de dissolução pode exigir grandes esforços. Na tentativa de estabelecer estratégias de atuação, o autor faz uso de um modelo teórico de supressão sugerido pelo cientista social Daniel Wegner, o qual pressupõe a existência de dois processos: monitoração e reorientação. A utilização do mecanismo de monitoração do pensamento permitiria ao indivíduo um acesso ao conteúdo mental, de forma que se tornasse mais fácil controlá-lo. Concomitantemente, o indivíduo experimentaria a reorientação da consciência, o que permitiria afastar deliberadamente os pensamentos indesejados ao destinar sua atenção a qualquer outro pensamento distrator. Não obstante, a eficácia desses mecanismos ainda é questionada.
Aqui vale apontar para dois fatores que justificam a força da propaganda enquanto ferramenta estratégica na formação e transformação da opinião pública: força da justificativa e contínua exposição. “A propaganda pela sua base estratégica de sempre renovar seu discurso de sedução, capta tendências e as disseminam de forma pioneira contribuindo para a construção de novos reflexos sociais e culturais.” (Leite, 2008). As informações armazenadas na memória são de extrema importância na tomada de decisão, promovendo constantemente a reconfiguração na estrutura cognitiva do indivíduo. A apresentação de um estímulo ativa o sistema de interação entre crenças e estereótipos, interferindo no comportamento que o indivíduo apresenta perante o foco de sua avaliação. Uma vez que se apresente um estímulo novo e positivo, por exemplo, em relação aos negros, pode haver uma modificação nas informações armazenadas pelos telespectadores, influenciando na alteração dos seus comportamentos em relação aos representantes desse grupo.
. Dessa forma, é preciso pontuar as propagandas contra-intuitivas como “uma tendência que considera em seus enredos comerciais as diversas políticas de representação identitária ao projetar na sua narrativa outros sentidos para a percepção dos estereótipos negativos socioculturais” (Leite, 2008). Ainda que possuam certas limitações, as propagandas contra-intuitivas são de grande importância no que diz respeito à estimulação do questionamento a respeito das informações transmitidas, o que visa aflorar no telespectador também o senso crítico.

Referência: Leite, F. Comunicação e cognição: os efeitos da propaganda contra-intuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos. Ciência & Cognição, 13,1, 131-141, 2008

Resenha – Homossexualidade e preconceito: aspectos da subcultura homossexual no Rio de Janeiro

Maria Fernanda Saback

Liberdade ou isolamento?
No artigo “Homossexualidade e preconceito: aspectos da subcultura homossexual no Rio de Janeiro” encontramos importantes reflexões acerca dos preconceitos enfrentados por homossexuais a partir da década de 70 e as construções de espaços urbanos na formação das subculturas, assim como a transição desses locais até os dias atuais. Os autores fazem uma distinção nítida entre a formação dos guetos nas cidades norte-americanas que seriam espaços urbanos maiores, completamente dominados pelos que ali se segregam com seus mercados e toda uma arquitetura socioeconômica voltada para os mesmos. A subcultura seria a formação de espaços menores de encontros e de identificação, possibilitando um maior entrosamento e afirmação dessas identidades grupais menores, tantas vezes excluídas pela maioria da sociedade.
De acordo com Plummer, as subculturas são resultantes de sociedades complexas onde não existe um sistema de valor único. Nesse sentido as subculturas seriam entendidas como uma forma de resistência, criando-se um espaço de livre expressão. Seguindo essa lógica os autores apontam para uma formação grupal positiva, envolvendo três aspectos: o reconhecimento de que certas desvantagens não são derivadas de experiências pessoais, que os aspectos minoritários do grupo são ilegítimos e derivados de preconceito e o desenvolvimento de uma identidade grupal positiva que como conseqüência gera a noção de comunidades homossexuais. Pessoas que participam de uma comunidade estabelecem relações virtuais ou face a face de modo que nem toda comunidade é uma subcultura. No Rio de Janeiro o autor defende que se pode falar tanto em comunidade quanto em subcultura homossexual (a noção de comunidade implica uma noção de identidade compartilhada, no caso especifico dos homossexuais.).
Fica registrada a importância desses espaços, na medida em que a rua é considerada um lugar heterossexual. Na medida em que se criam lugares específicos fica liberado a livre expressão de seu modo de ser, como andar de mãos dadas, beijarem, etc. Sob esse aspecto criam-se espaços de transitoriedade e de refugio ao preconceito. Por outro lado alguns lugares podem também ficar estigmatizados e serem alvos fáceis de manifestações homofóbicas. Nesse sentido há uma certa contradição, pois que se criam espaços para se estar mais livre, ter uma sensação de identidade, não obstante a própria necessidade de se criar espaços próprios revela o caráter excludente e preconceituoso da sociedade carioca, nesse caso. O texto, porém reafirma a construção de tais lugares como resistência cultural de grande simbologia.
No caso da subcultura brasileira, os homossexuais, apesar da identidade gay, parecem ter fundado sua união pela noção de diferença sexual. Ou seja, existe um aspecto comum de resistência ao preconceito, de compartilhamento da marginalidade, formando laços entre indivíduos estranhos, não necessariamente comuns. Portanto existem também as diferenças e inclusive a formação de subgrupos rotulados pelos próprios membros da comunidade: transformistas, drag queens, michês, boys, go-go-boys, bichas, bofes, bichas velhas, entendidos, ursos, barbies, dentre outros citados no artigo.
É chamada a atenção para o fenômeno atual da barbies que seriam homens que se dedicam ao culto do corpo, raspam os pelos – verdadeiros narcisos, buscando a virilidade e a eterna juventude. Tal fato por sua vez não surpreende na medida em que são valores também buscados fora da comunidade e da subcultura homossexual, reflexo da sociedade moderna. O texto chama a atenção justamente para o fato de existirem estilos dominantes de acordo com cada época, assim como espaços urbanos que vão sendo trocados ou reinvestidos, na medida em que não há guetos homossexuais no Brasil como nos Estados Unidos ou Europa. Verifica-se uma transição de um estilo mais afeminado desde a dec. de 70 para esse protótipo do supermacho e então na década de 90 o modelo dominante colocado como andrógino das barbies. É importante ressaltar, ainda que o artigo não trate com ênfase este assunto que há preconceitos entre os subgrupos gays, refletindo também as condições socioeconômicas de seus integrantes como em outras derivações sociais.
Encontramos ainda as mudanças espaciais, no deslocamento de espaços do centro da cidade, que eram muito freqüentados por homossexuais na década de setenta para bairros como Copacabana, Ipanema, Botafogo, Leblon e Barra da Tijuca. O centro, que sempre foi um local de utilização de homossexuais mais humildes, somando ao fenômeno da AIDS contribuiu para os deslocamentos já mencionados do espaço urbano (banheiros, cinemas e parques deixaram de ser largamente utilizados). Há um destaque para o bairro de Copacabana, que apesar de seu declínio e de hoje ser grande zona de prostituição, é ainda um espaço onde homossexuais de diversas origens se reúnem, principalmente no carnaval. Tem como marco seu quiosque rainbow que pode ser visto por qualquer transeunte na orla.
Vale salientar como afirma Trevisan a ambigüidade da criação e ampliação desses espaços, que podem ser invadidos pela policia, sendo um marco de que a tolerância serve para atender aos limites da comunidade. “Entre seus iguais (em termos de estigma) o homossexual pode estabelecer uma identidade positiva, mas corre o risco de viver num mundo incompleto e artificial se ficar muito preso à comunidade gay”. A formação das comunidades são formas de acomodação ao estatuto de estigmatizados?
O comportamento de consumo é referido como uma importante forma de simbolizar atos e a própria identidade da subcultura gay, na medida em que disponibilizam meios e recursos de identificação assim como também de estigma. Mas de todo modo gera uma certa abertura, no sentido de ampliar a visibilidade dentro da sociedade como um todo. Ainda assim permanece a questão: seria esse o inicio para uma liberdade, ou esse sonho é só mais uma mentira de nossa complexa sociedade moderna que é supostamente democrática? Liberdade ou isolamento? Liberdade demarcada? Como o homem pode superar suas dificuldades em tratar o diferente?

Referência: Nunan, A. e Jablonki, B. Homossexualidade e preconceito: aspectos da subcultura homossexual no Rio de Janeiro. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 54, 1, 21-32, 2002.

Resenha: estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica

Ivanilde Souza

Das interpretações reinantes no contexto social para o fenômeno do envelhecimento, a mais cristalizada fortalece a compreensão de que o processo de envelhecimento representa uma época sombria, decrépita, coalhado de doenças e repleta de temores da morte. Neste artigo, Rosa Maria Lopes, professora coordenadora da Escola Superior de Enfermagem do Instituto Superior Politécnico de Viseu e Maria de Lurdes Martins, enfermeira graduada do Hospital S. Teotónio, S.A., em Viseu, fazem uma análise dos estereótipos sobre os idosos, reinantes no discurso social, os quais revelam uma percepção limitada desta população.
O termo “ancianismo” criado pela gerontologia e utilizado neste artigo é definido como um processo de discriminação sistemática, contra as pessoas por que são velhas.
Assim, este estudo vem contribuir para o esclarecimento de algumas questões sobre a atual situação do idoso na sociedade. A urgência de trazer à cena estas questões, as quais estas autoras exploram, justifica-se se levarmos em consideração que as representações sociais, como por exemplo, a dos idosos, está intimamente relacionada com o tratamento que é dispensado a este grupo, tanto em termos de relações proximais, como de relações institucionais.
No sentido de elucidar estas questões e baseados nos pressupostos teóricos defendidos por vários autores, este artigo traz conceitos referentes a estereótipos, crenças e atitudes. Estereótipos são “generalizações” e simplificação de crenças acerca de um grupo de pessoas, podendo ser de natureza positiva ou negativa. O estereótipo positivo é aquele em que se atribuem características positivas a todos os membros de uma categoria particular, por exemplo, “todos os idosos são prudentes”. Contrariamente, um estereótipo negativo, atribui características negativas a todas as pessoas de uma determinada categoria, de que é exemplo “todos os idosos são senis”.
Crenças, conjunto de informações sobre um assunto ou pessoas, determinante das nossas intenções e comportamentos, formando-se a partir das informações que recebemos. Por exemplo: a “idéia” de que todos os idosos são sensatos e dóceis e nunca se zangam.
Atitude, conjunto de juízos que se desenvolvem a partir das nossas experiências e da informação que possuímos das pessoas ou grupos. Pode ser favorável ou desfavorável, e embora não seja uma intenção pode influenciar comportamentos.
Em seguida traz um estudo realizado na Université de Montreal, que teve como objetivo identificar os estereótipos mais freqüentes aplicados aos idosos. Este estudo verificou que a maioria destes estereótipos estão ligados não a características específicas do envelhecimento, mas sim a traços da personalidade e a fatores socioeconômicos. Uma das justificativas para a construção dos estereótipos é que estes cumprem a função de simplificar os fenômenos sociais, por um lado; por outro, esta simplificação leva a uma ignorância acerca das suas especificidades, o que faz com que sejam minimizadas as características individuais de cada sujeito. No caso dos idosos – utilizados como exemplo pelas autoras deste artigo – aqueles que são ativos socialmente e que não se enquadram aos estereótipos de invalidez e improdutividade são considerados, muitas vezes, como tendo um comportamento social atípico, pelo que se enquadram numa exceção.

O fato é que os estereótipos são gerados porque há uma carência no sentido de aprofundamento dos processos de envelhecimento, fato que exerce uma influência direta na maneira como os indivíduos interagem com a pessoa idosa e na percepção que eles próprios têm de si mesmo, como bem coloca os autores.
Se analisarmos de forma mais aprofundada a condição dos idosos, talvez seja possível perceber uma discrepância entre a visão negativa de pessoas mais jovens acerca do envelhecimento e a percepção dos próprios idosos quando atribuem significado às suas experiências. Apesar da convivência com doenças e agravos, suas histórias de vida revelam ganhos e não apenas limitações, contribuindo para isto o apoio familiar e o social, os dois atuando como um diferencial na sua existência. Desta forma, há de se ter a preocupação de não estigmatizar a velhice.

Referência:
Martins, R. M. e Rodrigues, M. L. Estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica. Millenium. Revista do ISPV, 29, 249-254, 2004.

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