Resenha: A expressão das formas indirectas de racismo na infância

Contribuição: Aruanã Fontes

O racismo tem se tornado cada vez mais indireto, discreto e sutil na sociedade contemporânea. Assim, buscam-se atenuar as expressões explícitas do preconceito, substituindo-as por novas formas que não evidenciem seu caráter discriminatório. Vários estudos na área da psicologia social têm se debruçado sobre este tema para descrevê-lo ou constatar as suas causas, entretanto normalmente focam nos adultos. França e Monteiro contemplam este assunto, direcionando seus estudos para as novas expressões do racismo, porém na infância. As autoras, no artigo, buscam confrontar as teorias cognitivas do desenvolvimento que consideram que a partir dos 7 ou 8 anos as crianças – devido ao desenvolvimento das capacidades cognitivas – se tornam menos preconceituosas. Para isso elas fazem uma breve revisão da literatura acerca da discriminação sutil em adultos, a fim de aproximar estes conceitos da realidade das crianças. Dentre as abordagens apontadas, a teoria do racismo aversivo de Dovidio e Gaertner merece destaque. Esta teoria afirma que as expressões de racismo dependem do contexto de resposta. Assim, nos meios em que o socialmente esperado não se faz claro, ou que há uma justificativa para a discriminação, o racismo se faz evidente. Gaertner concluiu que a saliência da norma anti-racista faz com expressões de racismo sejam evitadas. Esta justificativa, para França e Monteiro, serve também para o fato de as crianças acima de 8 anos começarem a reduzir ou extinguir suas manifestações de discriminação. Para as autoras a partir desta idade já há interiorização das normas sociais anti-racista, e o discernimento dos locais em que pode ou não discriminar as outras crianças. França e Monteiro elaboram três estudos com crianças brancas, com uma quantidade balanceada de crianças entre 8 e 10 anos e entre 5 e 7 anos, para comprovar que as primeiras já se assemelham aos adultos no que diz respeito a expressão discreta do racismo. Vale salientar que todas tinham capacidade de realizar e entender as tarefas requeridas. No primeiro estudo foi dada uma instrução na qual cada criança teria que recompensar duas crianças-alvo (uma negra e uma branca) por ter ajudado em uma tarefa, carregando tijolos – historia fictícia. O contexto poderia ser: igualitário – os alvos com o mesmo desempenho na tarefa –, o qual comporta justificação para a discriminação; ou contexto de diferenciação – o alvo negro com menor desempenho que o branco ou vice-versa – onde a discriminação era justificável. A discriminação seria, então, detectada através da distribuição dos doces em cada contexto. As autoras confirmaram as hipóteses de que: no geral o alvo Negro seria discriminado; as crianças menores o discriminariam em qualquer contexto e as maiores apenas no contexto em que havia justificativa para tal. O segundo estudo foi realizado em escolas onde cada criança participava de uma entrevista. Uma entrevistadora negra dava notas de brinquedo à criança para que as distribuíssem para duas crianças em fotos – uma branca e uma negra – dizendo que estas notas seriam revertidas em dinheiro real, para ajudar as crianças a comprarem suas bicicletas. Este estudo procurava testar o impacto do nível de saliência da norma anti-racista – representada pela presença ou ausência da entrevistadora – na discriminação – observada através da quantia de dinheiro que destinada aos alvos. Constatou-se que, como esperado, as crianças mais novas discriminaram o alvo negro independente da saliência da norma, ou seja, estando a entrevistadora presente ou não. Já no grupo de crianças mais velhas, houve discriminação somente no contexto onde a norma anti-racista não era saliente, no qual a entrevistadora tinha se retirado. Para investigar o período da infância no qual já existi a interiorização das normas contra o racismo, foi elaborado um terceiro estudo com um grupo de crianças e de mães. Foi mostrada, então, uma lista com 11 grupos (doentes de SIDA, homossexuais, índios, condutores de risco, negros, cegos, pessoas feias, gordas, racistas, pessoas sujas e políticos). Para as mães foi perguntado o quanto era normal ter sentimentos negativos com relação a cada grupo, e para as crianças o quanto elas gostavam destes. As escalas para os dois grupos iam de 1 (acha certo – para as mães – ou gosta – para as crianças) a 3 – o extremo oposto. Os resultados mostraram que os grupos os quais as mães achavam mais aceitável o preconceito, as crianças de todas as idades mostravam discriminação com relação a estes. Contudo, com relação ao grupo de negros, as mães não consideram permitido o preconceito e as crianças de 5 a 7 anos os discriminaram. Porém, as mais velhas revelaram sentimentos positivos com relação ao grupo focado, se mostrando compatíveis com as normas do seu grupo de referência. A partir dos estudos, pode-se constatar que as crianças a partir dos 8 anos já interiorizaram, pelos menos parcialmente, as normas anti-racistas. Ao contrário do que a teoria cognitiva do desenvolvimento afirma, elas não deixam ter preconceitos, e sim driblam as regras sociais. Assim, em contextos onde essas regras não estão salientes ou em que há justificação para a discriminação, que não a racial, elas se mostram racista. Estudos como estes tem grande relevância, pois ao verificar expressões indiretas de racismo na infância devemos mudar nossas práticas com relação às crianças, ou seja, os estudos implicam em uma transformação na maneira de ver os comportamentos delas. Nas escolas, por exemplo, é preciso estar atento as relações entre as crianças, já que, muitas vezes, quem percebe as formas sutis são apenas aquelas que sofrem com o racismo. Estas formas são muitas vezes tidas como exagero da vitima, o que vai interferir na formação de sua identidade racial.

Referência França, D. X. e Monteiro, M. B. (2004). A expressão das formas indirectas de racismo na infância. Análise Psicológica. Vol. 4 (22): 705-720.

Foto do dia: Against racism!

Against racism!, originally uploaded by Maria Dalva.

Resenha: a expressão das formas indiretas de racismo na infância

Contribuição: Gilcimar Dantas

Estudos que analisam preconceitos em crianças afirmam que estas se tornam menos preconceituosas após os sete anos de idade a partir do amadurecimento de estruturas cognitivas já existentes. Entretanto, há uma contradição entre a diminuição do preconceito a partir do sete anos de idade e atitude preconceituosas dessas mesmas pessoas quando adultas. Sendo assim, em contraposição à abordagem cognitiva do desenvolvimento, França e Monteiro buscam demonstrar, por meio de uma pesquisa realizada em escolas públicas e privadas do Brasil, que a expressão do preconceito não diminui, mas apenas modifica a sua forma de se manifestar tornando-se menos direta. Para tanto, foram realizados três estudos no intuito de avaliar o efeito da saliência nas formas de expressão de racismo na infância e o processo de socialização da norma anti-racista em dois grupos de idade – crianças entre cinco e sete nãos e entre oito e dez anos. No primeiro estudo procurou-se investigar as formas indiretas de racismo em contextos aonde a discriminação poderia ser justificável e em outro no qual a discriminação não poderia ser justificável nos dois grupos de idade. As crianças foram entrevistadas individualmente, tendo como estímulo fotografias de crianças negras e brancas, e ainda quatro pequenos tijolos e seis doces de brinquedo. Durante a entrevista, era contada à criança uma história a qual ela estava querendo construir uma casa (para as meninas) ou uma garagem de brinquedo (para os meninos) e que seria necessária a ajuda de crianças que ganhariam doces como recompensas. Os tijolos eram usados para representar o quanto cada criança da fotografia, branca ou negra, havia carregado. Numa situação o alvo branco carregava mais que o alvo negro e numa outra o alvo negro carregava mais que o alvo branco, sendo que após o somatório final, ambos tinham carregado a mesma quantidade de tijolos. Os resultados indicaram que no contexto em que se justificava a discriminação as crianças mais novas recompensavam mais o branco, ao passo que as mais velhas eram igualitárias. Já no contexto em que a discriminação não era justificada ambos os grupos recompensavam mais o branco. No segundo estudo foi utilizada uma entrevistadora negra a fim de manipular um contexto onde uma norma anti-racista estivesse muito ou pouco saliente. Este estudo teve como objetivo verificar se a presença da entrevistadora negra influenciaria na expressão do racismo entre os dois grupos de idade. As crianças foram abordadas em sala de aula tendo sido entrevistadas individualmente. A entrevistadora contava uma história de duas crianças, uma negra e uma branca, que precisavam de contribuições para comprar bicicletas. Havia diante dos entrevistados dois mealheiros, trancados com cadeado, um com a foto da criança negra e outro com a da criança branca, aonde os entrevistados colocariam as suas contribuições (cédulas de brinquedo de um real) na quantia que desejassem. Os resultados desse estudo indicaram que houve discriminação do alvo negro por parte das crianças, sendo que quando a entrevistadora estava presente as crianças entre dez e oito anos contribuíam de maneira igualitária ao contrário do que faziam quando a entrevistadora não estava. Por outro lado, as crianças entre cinco e sete anos contribuíam menos à criança negra estando a entrevistadora na sala de aula ou não. Partindo do pressuposto de que a prática do racismo sutil está ligada às pressões da norma anti-racista, o terceiro estudo teve como objetivo verificar a partir de que idade as crianças interiorizavam essa norma através dos adultos. Participaram dessa pesquisa quinze crianças brancas e quinze mães também brancas. Neste trabalho foi utilizada uma lista com onze grupos (negros, pessoas racistas, homossexuais, índios, portadores do vírus da AIDS, motoristas barbeiros, cegos, pessoas feias, racistas, gordas, sujas e políticos) sobre os quais as crianças eram solicitadas a dizerem através de uma escala, que variava entre 1 (muito), 2 (talvez) e 3 (nada) o quanto gostavam de cada pessoa pertencente aos grupos listados. Lembrando que as escalas só foram aplicadas em crianças que foi verificado o seu conhecimento sobre o significado de cada um dos grupos listados. As mães, por sua vez, respondiam a uma escala que se referiam a esses mesmos onze grupos, que variava entre 1 (não está certo ter sentimentos negativos em relação a esse grupo), 2 (talvez esteja certo) e 3 (está certo ter sentimentos negativos em relação a esse grupo). Os resultados deste estudo demonstraram que os grupos alvo de preconceito por parte das mães foram políticos, pessoas racistas e homossexuais. As crianças entre cinco e sete anos se diferenciaram de suas mães apresentando preconceito relativo ao grupo dos negros enquanto que entre as crianças de dez a oito anos não houve essa diferenciação. Ou seja, elas não apresentaram preconceito contra negros, assim como fizeram as suas mães. Os resultados dessa pesquisa põem em questão a afirmação meramente cognitivista de que as crianças, ao se tornarem mais velhas, por já terem atingido a fase da descentração, seriam capazes de perceber a diferenciação no interior de cada categoria levando-as a agirem de maneira menos estereotipada. Para as autoras, a grande causa para esse tipo de comportamento seria a interiorização das normas sociais do racismo sutil e a capacidade de geri-las de acordo com o contexto. Não se pode esquecer também, que como se trata de uma pesquisa realizada em escolas brasileiras, não se deve perder de vista, também, os efeitos da democracia racial na qual a expressão do racismo se dá de maneira velada e cordial indo para além da interiorização de normas sociais anti-racistas por questões politicamente corretas. No Brasil, a expressão do racismo se torna sutil no intuito de “demonstrar” que todos os brasileiros são iguais racialmente e de que não há necessidade de se buscar mudanças sociais nesse campo. Referência França, D. X. e Monteiro, M. B. (2004). A expressão das formas indiretas de racismo na infância. Análise Psicológica. Vol. 4 (22): 705-720.

Artigo publicado: Understanding White Americans’ Perceptions of Racism

Título:Understanding White Americans’ Perceptions of Racism in Hurricane Katrina-Related Events

Autores: Laurie T. O’Brien, Alison Blodorn, AnGelica Alsbrooks, Reesa Dube, Glenn Adams, and Jessica C. Nelson

Periódico: Group Processes Intergroup Relations 2009;12 431-444

Resumo: clique aqui para obter

Placas e cartazes: Anti-Racism Poster

Anti-Racism Poster, originally uploaded by joshmahoney.

Foto do dia: Racism Kills

Racism Kills, originally uploaded by lee.ekstrom.

Resenha: O silêncio como forma de racismo: a ausência de negros na publicidade brasileira

Luzia Mascarenhas de Almeida

Em 2008, a abolição da escravatura completou 120 anos. No entanto, esse marco histórico pouco foi evidenciado na mídia brasileira.
O artigo em questão teve como objetivo discutir brevemente a mídia e as relações raciais, no entanto, ao contrário da maioria dos trabalhos, não pretendeu falar sobre as imagens e formas de representação do negro, e sim sobre o seu silenciamento, buscando analisar o papel dessa invisibilidade como elemento produtor de sentido.
Desde o período da abolição dos escravos, a elite brasileira vem empreendendo uma severa tentativa de branqueamento da sociedade. Porque, segundo Martins, o negro era o símbolo maior do atraso e da degradação. Era uma ameaça para o Brasil que nascia.
Na produção cultural da época, o discurso racial dos grupos políticos era identificado. A literatura nacional romântica, na sua primeira fase, surge exatamente para negar a existência do negro, quer social, quer esteticamente.
Segundo Martins, todas as imagens que eram associadas ao negro insistiam em caracterizá-lo como ser inferior e incompatível com a “civilização”.
Assim, valorizava-se o biótipo europeu (a pessoa branca) enquanto se
“trabalhava”, de modo disfarçado, para o desaparecimento e estigmatização do componente negro da sociedade, fazendo com que o Brasil criasse um registro branco de si mesmo. Esse registro foi um instrumento de dominação que ultrapassou o século XIX e chegou, remodelado, aos nossos dias.
Em meio ao desenvolvimento das novas tecnologias, a mídia ia assumindo o papel de principal veiculadora de modelos e padrões. Para embasar a discussão sobre o papel da mídia como instrumento de dominação, Martins discorre sobre o livro A Cultura da Mídia de Douglas Kellner.
Em seguida, fala do caso específico do Brasil, onde a questão racial vai ser um dos principais, senão o principal foco de conflitos e disputas. Em nossa sociedade, existe uma segregação que não é positivada em lei, mas que pode ser percebida no imenso abismo social que existe entre brancos e negros. Alguns estudos, como os realizados pelo IPEA, comprovam que os negros não têm acesso igualitário a bens e serviços. E ainda, essa dificuldade de acesso também ocorre no “mercado” de bens simbólicos, ou seja, espaços públicos, arte e, em especial, meios de comunicação (um caso-modelo de reprodução das nossas relações raciais).
No tocante à midia, os negros ocupam posições negativas, subalternas e de segundo plano.
Exceções únicas devem ser feitas aos cenários esportivo e musical, onde ganham projeção e valor.
No universo dos meios de comunicação, a publicidade assume relevância que extrapola sua função primeira de estímulo e incentivo ao consumo. Ela é o mais eficiente vetor de discursos e mensagens simbólicas. Assim, ao difundí-los, a publicidade dará eco aos valores da sociedade que a produziu. Como no Brasil os valores são pautados dentro de uma lógica eurocêntrica que deprecia o que não é espelho, nossos anúncios tendem a reproduzir e legitimar as desigualdades raciais.
Com relação à imagem do negro na publicidade, a partir de pesquisas realizadas, Martins afirma que a publicidade, quando não torna o negro “invisível”, apresenta-o, na maioria das vezes, de modo estereotipado. Os quatro estereótipos geralmente relacionados à pessoa negra são: o trabalhador braçal, figura próxima ao ex-escravo, no qual estão inseridos frentistas, carregadores e empregadas domésticas; o negro divertido e performático; o negro atlético, ao qual está ligada tanto a imagem do desempenho esportivo como a do vigor sexual; e o carente social, negro dependente e despossuído. Tais estereótipos têm como função responder aos fatores ambientais, como nas situações de conflitos grupais e nas diferenças no poder e nos papéis sociais.
No tocante a sua participação na publicidade, pesquisas realizadas em 1994 e 1995, além de uma realizada em 2007, apontam para uma notável invisibilidade do negro na esfera da publicidade.
Em seguida, o autor chega ao ponto primordial do artigo, que é analisar a política de silenciamento (afirmação de algo para apagar, necessariamente, outros sentidos possíveis, mas indesejados) com relação ao negro em nosso país.
Para Martins, a elite brasileira define simbolicamente quais são os lugares do negro dentro da sociedade, permitindo que ocupe determinados espaços dentro de uma cadeia de representações, ao passo que o apaga dos demais.
Existem duas consequências relevantes com relação à política de silenciamento imposta aos negros no Brasil. São elas: a questão da construção da identidade e a naturalização do racismo.
Dessa maneira, o artigo discute questões relacionadas ao negro e a sua inserção na mídia e na publicidade, colocando em foco o racismo que vem se propagando desde o século XIX e que hoje é tido como inconstitucional, no entanto, não deixa de existir de um modo sutil e dissimulado, inclusive nos meios de comunicação. Nesse sentido, faz-se necessário questioná-lo e denunciá-lo

Referência: Martins, C. O silêncio como forma de racismo: a ausência de negros na publicidade brasileira. Interscience Place, 2, 200

Resenha: As novas formas de expressão do preconceito e do racismo

chamada

Daiana Nogueira

A sociedade contemporânea tem avançado cada vez mais em termos de direitos humanos e estratégias de resolução de conflitos intergrupais, porém o preconceito e o racismo ainda são fenômenos intensamente presentes nos dias atuais. Apesar de sua relevância e gravidade como problema social, estes sempre foram percebidos como sendo um problema do outro e, portanto distante, de cada um de nós. Tal fato é verificado em inúmeras pesquisas em diferentes países do mundo. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa realizada junto uma amostra representativa da população nacional revelou que 90% dos entrevistados se considera não racista, enquanto uma igual porcentagem de brasileiros acredita que existe racismo no Brasil.

Para Allport (1954), o preconceito pode ser definido como uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente. Considerando que existem inúmeros grupos socialmente desvalorizados, existem tantos tipos de preconceitos quantos tipos de grupos minoritários existentes. Dentre estas variadas formas possíveis de preconceito, destaca-se uma em particular, que se dirige a grupos em função das características físicas ou fenotípicas apresentadas por estes – trata-se do preconceito racial.

O racismo, por sua vez, diferentemente do preconceito, se manifesta através de muito mais que uma atitude. Segundo Lima & Vala (2004), o racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada). Existe neste fenômeno uma crença na distinção natural dos grupos, ou prevalece a idéia de que os grupos são diferentes porque possuem elementos essenciais que os constituem como diferentes.

As definições, bem como a natureza e as formas de expressão, do preconceito e do racismo são influenciadas pelas normas sociais presente no contexto social que está sendo analisado. Nos séculos de escravidão e exploração do trabalho, por exemplo, o racismo era expresso de maneira aberta, uma vez que caracterizava as normas sociais de discriminação e exploração vigentes naquele período. Atualmente, depois de uma série de movimentos sociais, históricos e políticos, como a Declaração dos Direitos Humanos em 1948, e a condenação da UNESCO às classificações raciais em 1950, as formas de expressão do preconceito e racismo modificaram-se significadamente. Em consonância com Os Estados Unidos e alguns países da Europa, o Brasil também demonstrou padrões de mudanças nos estereótipos negativos atribuídos aos negros aliado a uma maior força dos estereótipos positivos atribuídos aos mesmos.

Estes dados revelam, ao contrário do que se possa pensar, não o declínio do preconceito contra grupos minoritários, mas sim o surgimento e consolidação de novas formas de preconceito e racismo. Frente às mudanças sociais, pressões da legislação anti-racista, princípios de liberdade e igualdade divulgados pelas democracias liberais, os indivíduos continuam a expressar seus preconceitos, só que de forma mais sutil e velada.

No contexto americano, observar-se a prevalência dos chamados racismos simbólico e moderno. O racismo simbólico representa uma forma de resistência a mudanças no status quo das relações racializadas nos EUA pós Declaração dos Direitos Civis. Sob esta perspectiva, verifica-se a crença de que os negros “estão indo longe demais” na luta por direitos iguais aliada à percepção destes como ameaça econômica ou simbólica à ordem vigente. Já o racismo moderno é representado pela percepção de que os negros estão recebendo mais do que merecem e, conseqüentemente, violando os valores de dominação e controle dos brancos. Ainda no nos Estados Unidos, é facilmente identificável também o racismo aversivo, no qual os indivíduos se auto-definem como igualitários e sem preconceito racial. Os racistas aversivos não discriminam os negros, e até têm atitudes favoráveis em relação a estes, quando se encontram em contextos públicos, onde impera o que é socialmente aceito. No entanto, quando as normas igualitárias não estão explícitas na situação ou existe um contexto que justifica a discriminação, os racistas aversivos discriminam, sim, os negros. O racismo ambivalente, por sua vez, também estudado na cultura americana, considera que os indivíduos brancos podem aderir, por um lado, valores de igualdade e humanitarismo, simpatizando com os negros, que se encontram em pior situação econômica. Por outro lado, a adesão aos valores do individualismo, típicos da ética protestante, desencadearia sentimentos de aversão e atitudes negativas frente aos negros – caracterizando uma relação extremamente ambivalente no que se diz respeito à sentimentos e atitudes em relação aos negros.

O preconceito sutil é estudado, ao contrário dos anteriores, na Europa e tem como alvo minorias culturais advindas de antigas ex-colônias de países europeus. Definido com uma forma mais velada, indireta e disfarçada de preconceito, o preconceito sutil engloba a dimensão da defesa dos valores tradicionais, o exagero das diferenças culturais, numa percepção que o exogrupo é culturalmente muito diferente do endogrupo, e, por fim, a dimensão de rejeição à expressão de simpatia e admiração em relação aos membros do exogrupo.

O preconceito predominante no Brasil apresenta particularidades marcantes, justificadas pela própria composição multi-racial deste país. O racismo cordial, considerado pelos pesquisadores como um tipo de racismo “tipicamente brasileiro”, é definido por Lima & Vala (2004) como uma forma de discriminação contra os cidadãos negros e mulatos, que se caracteriza por uma polidez superficial que reveste atitudes e comportamentos discriminatórios, que se expressam através de relações interpessoais cotidianas, piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”. Assim, o racismo cordial é verificado através de “brincadeiras”, “ sem a intenção de ofender ninguém”, mas com grandes conseqüências, como a intensa discriminação e exclusão das pessoas negras da sociedade.

As novas expressões de preconceito e racismo, listadas acima, apesar de sutis e indiretas, são tão ou mais prejudiciais que as expressões mais abertas e flagrantes, uma vez que, por serem mais difíceis de serem identificadas, são também mais difíceis de serem modificadas ou combatidas. Soma-se a isto, a capacidade de mutação destas formas veladas de preconceito em expressões violentas de fanatismo nacionalista ou xenófobo, quando não se encontram presentes normas de igualdade em um dado contexto.

Referência: Lima, M. E. e Vala, J. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estudos em Psicologia (Natal), 9, 3, 2004.

Notícia do dia: Manual para el perfecto neonazi

Matéria do El País relata a preocupação com o ressurgimento dos grupos neonazistas na Europra e, em particular, nas grandes cidades espanholas. Clique aqui para ler a matéria.

Notícia do dia: violência anti-imigrantes na África do Sul

Imigrantes originário de países como Zimbabwe e Moçambique estão sendo atacados por manifestantes xenófobos, nas imediações de Johannesburgo, com o saldo de dezenas de mortos, muitos deles queimados vivos. Clique aqui para ler a notícia publicada em El País.

Post atualizado para a aula do dia 21/05/2009 (PSI684)