O trabalho e os dias (4)

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Estereótipos na música: Criado com vó

Lançado em 1945, o frevo-canção Criado com vó, composto por Maramba e interpretado por Linda Batista, reflete um dos estereótipos mais marcantes da cultura popular brasileira, o do menino criado com vó.

Criado com vó. Maramba. Zaccarias e sua Orquestra. Victor 80-0354. Gravação: 02/10/1945. Lançamento: dezembro de 1945

Fonte: Carnaval Sua história e sua glória. Vol. 2. Revivendo Músicas comércio de discos Ltda.

 

O trabalho e os dias (3)

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A redução dos preconceitos mediante o contato

A hipótese do contato afirma-se no pressuposto de que se pessoas de grupos diferentes passarem a estabelecer um número maior de contatos entre si, o grau de preconceito conhecerá uma queda substancial. Tal hipótese parece receber algum suporte empírico, embora seja importante estar atento para o efeito de dois fatores que exercem um papel decisivo: a situação em que ocorre o contato e as características dos indivíduos, sobretudo o status relativo de cada um deles e as suas habilidades particulares.

Independente de tais restrições, podemos admitir que a realização de atividades cooperativas em grupos multiculturais produz mudanças em vários níveis, incluindo-se aquelas relativas às atitudes quanto aos grupos externos, a intensificação do comportamento de ajuda às pessoas do outro grupo étnico, a redução dos conflitos e um acréscimo no grau de influencia dos membros do grupo minoritário. Entretanto, se estudos desta natureza tendem a depor a favor da viabilidade da adoção dessa estratégia, outros indícios não permitem este otimismo, talvez exagerado: muitas vezes, a intensificação de contatos físicos pode acirrar os ânimos e levar à adoção de comportamentos discriminatórios.
Ao que parece, a hipótese mais plausível a se adotar em relação a esta teoria é o reconhecimento de que não será o puro e simples contato, por si só, que irá gerar transformações que possam levar à redução dos preconceitos, sendo necessário, na maior parte das vezes, adotar estratégias relativamente complexas para que se possa obter algum sucesso na redução dos preconceitos mediante os contatos. Assim, independente de aceitarmos ou não essa perspectiva, devemos reconhecer a natureza complexa da questão e adotar uma posição compatível com a tese de que os preconceitos podem ser reduzidos através dos contato, desde que estes sejam organizados de acordo com alguns critérios fundamentais. Quais seriam as regras a serem seguidas por quem deseja adotar o contato entre grupos como um recurso para a redução dos preconceitos ?
Em primeiro lugar, devemos confiar no pressuposto de que o contato deve ser orientado pelo entendimento de que é possível maximizar a cooperação e minimizar a competição entre os grupos. Em segundo lugar, não podemos esquecer que o status de todas as pessoas envolvidas nestes contatos deve ser o mesmo, seja em relação à circunstância particular em que ocorre a atividade de contato, seja fora dela. Em terceiro lugar, é imperativo que selecionemos um número semelhante de indivíduos de cada grupo e que estes possuam alguma similaridade em dimensões tais como as crenças e valores, ao mesmo tempo em que devemos evitar selecionar pessoas com diferenças significativas no campo das competências individuais. Em relação ao desenvolvimento dos contatos, é importante acentuar que estes, além de serem voluntários, devem contar com um forte apoio institucional e que os resultados porventura advindos devem ser igualmente compartilhados por todos os grupos envolvidos. Além disso, os contatos intergrupais devem obrigatoriamente se expandir além dos limites da situação em que as atividades forem desenvolvidas, devendo ocorrer em um número significativo de contextos e envolver o maior número possível de participantes de todos os grupos.

 

Fonte: Marcos E. Pereira. Psicologia Social dos Estereótipos. São Paulo:EPU, 2002

Os estereótipos na literatura: as aventuras do Sr. Pickwick

Toda e qualquer categoria social é objeto de uma série de representações, amplamente compartilhadas pela população. O trecho abaixo, reproduzido dos Pickwick Papers, a primeira e divertidíssima obra de Charles Dickens, reflete um traço particularmente saliente do estereótipo da categoria dos profissionais da política.

– “Está tudo pronto?”, perguntou o honorável Samuel Slumkey ao Sr. Perker?

-” Tudo, meu caro senhor”, respondeu o homenzinho

– ” E nada foi omitido, espero?”, disse o honorável Samuel Slumkey.

– “Coisa alguma deixou de ser feita, meu senhor, absolutamente nada. Há vinte homens bem lavados à porta da rua, para que o senhor possa apertar-lhe as mãos; e seis crianças de colo que o senhor terá de acariciar as cabecinhas e perguntar pela idade; não deixe de prestar atenção nas crianças, meu senhor, é o tipo de coisa que sempre produz grande efeito.”

– ” Eu o farei”, disse o honorável Samuel Slumkey

– ” E, talvez, caro senhor”, insinuou com prudência o homenzinho, ” o senhor pudesse, – eu não estou afirmando que é indispensável -, mas se o senhor beijasse uma delas, isto certamente produziria um grande efeito na multidão.”

– “O efeito não seria o mesmo se os meus assessores o fizessem?”, perguntou o honorável Samuel Slumkey?

– “Receio que não”, replicou o agente; ” se o senhor o fizer, pessoalmente, creio que isto o tornará bastante popular.”

– “Muito bem”, disse o honorável Samuel Slumkey, com o ar resignado, ” então o farei, que jeito?”

– “Preparem a comitiva”, gritaram os vinte homens da comissão eleitoral.

No meio das saudações do populacho, a banda, os recrutas, os homens do comitê eleitoral, os eleitores, os cavaleiros e as carruagens tomaram os seus lugares, cada veículo com uma parelha de cavalos levando quandos cavalheiros poderia comportar em pé e, no designado ao Sr. Perker, iam o Sr. Pickwick, o Sr. Tupman, o Sr. Snodgrass e mais meia dúzia de membros da comissão eleitoral.

Ocorreu um momento de suspense, enquanto a comitiva esperava que o Sr. Slumkey subisse na sua carruagem. Repentinamente a multidão irrompeu em uma grande aclamação.

“Ele acaba de sair,” disse o pequeno Sr. Perker, excitadíssimo; quando nada porque a posição em que se encontrava não permitia ver o que estava ocorrendo alhures.

Outros aplausos, ainda mais altos.

“Ele apertou a mão dos homens”, gritou o pequeno agente.

Mais aplausos, ainda mais veementes.

 

“Ele acariciou a cabeça dos bebês,” relatou o Sr. Perker, trêmulo de ansiedade.

Um rugido de aplausos que fez estremecer a atmosfera.

– “Ele beijou uma delas”, bradou o entusiasmado homenzinho.

Um segundo trovão

– “Ele beijou outra”, urrou, sem fôlego, o gerente.

Um terceiro trovão.

“Ele está beijando todas as crianças!” gritou o entusiasmado homenzinho. E sob a gritaria ensurdecedora da multidão enstusiasmada, a comitiva começou a se movimentar.

Fonte: Pickwick Papers (tradução livre, cotejada com a tradução de Otávio Mendes Cajado, publicada como As aventuras do Sr. Pickwick, São Paulo, Abril Cultural, 1982 e com a tradução de José Maria Valverde, publicada como Los papeles póstumos del Club Pickwick, Madrid, Editorial Mondadori)

 

O trabalho e os dias (2)

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Os estereótipos e o viés linguístico intergrupal

Um programa sistemático de investigação das relações entre os estereótipos e a linguagem se fundamenta no modelo das categorias lingüísticas intergrupais de G. Semin e K. Fiedler. Tais estudos diferenciam quatro categorias lingüísticas predominantemente utilizadas na descrição de pessoas e eventos: 1) os verbos que descrevem ações; 2) os verbos que interpretam ação; 3) os verbos que fazem referências a estados duradouros, e 4) os adjetivos.
Os verbos descritivos, como o próprio termo indica, descrevem objetivamente comportamentos específicos e observáveis com começo e fim claro delimitados, referindo-se a situações e objetos específicos, sendo muito difícil atribuir qualquer conotação positiva ou negativa. Verbos, como, por exemplo, beijar, olhar ou chutar, geralmente indicam ações com um nível de abstração muito baixa, sendo utilizados para fazer referências a eventos e situações que se manifestam em uma dimensão concreta. No plano fenomenológico, um forte indicador de um uso adequado dessa categoria lingüística é a presença de pelo menos uma característica física invariante (chutar, por exemplo, envolve necessariamente a utilização dos pés que atinge, com uma certa intensidade, a um outro objeto).
Os verbos que interpretam uma ação vão além da mera descrição do evento ou da situação, pois neles se encontra subjacente uma interpretação, que, por sua vez, introduz um certo componente semântico negativo ou positivo em relação à situação que está sendo submetida à avaliação. De forma semelhante aos verbos descritivos, os verbos interpretativos também podem fazer referências a ações específicas, que temporalmente diferenciam o início e o fim do evento. Alguns verbos característicos dessa categoria incluem aqueles como ajudar, ofender, inibir ou ameaçar.
Os verbos que se referem a estados duradouros indicam a existência de estados emocionais, afetivos ou mentais relativamente permanentes e claramente discerníveis. Podemos assinalar, também, que embora eles se refiram a comportamentos, situações ou objetos claramente especificados, é impossível identificar, no plano temporal, o início ou fim daquele estado. Verbos tais como acreditar, odiar, admirar ou desejar podem ser incluídos nessa categoria.
Os adjetivos, por sua vez, podem ser considerados como a categoria que proporciona o grau mais alto de abstração. O seu aspecto mais característico é que eles se referem às características disposicionais do indivíduo, o que, em certa medida, impõe uma certa interpretação de estabilidade do padrão de comportamento, que se manifestaria de forma independente dos contextos históricos, geográficos e culturais no qual ele se manifesta.
O argumento central da hipótese do viés lingüístico intergrupal é a de que um mesmo comportamento pode ser codificado de acordo com diferentes níveis de abstração, a depender da dimensão axiológica, dado que ele pode ser positiva ou negativamente avaliado, e a depender da afiliação do protagonista da ação, pois ele pode pertencer ao in ou ao outgroup. Os psicólogos sociais certamente reconhecem que tal linha de argumentação se assemelha aos arrazoados apresentados pelos teóricos atribuicionais, pois parecem evidentes as semelhanças entre o viés lingüístico intergrupal e o conceito de erro atribuicional fundamental, característico das teorias atribuicionais da causalidade. Esta última noção sugere uma tendência a avaliar ao comportamento dos outros de uma forma diferenciada, pois se a ação for uma ação positiva dos membros do próprio grupo, a causa do comportamento é a atribuída a fatores de natureza pessoal ou interna, enquanto o mesmo tipo de ação, quando encetada por membros do outgroup, tende a ser interpretada como produzida por fatores de natureza externa ou situacional. No caso dos comportamentos negativos observa-se o oposto, uma vez que as ações negativas dos membros do ingroup tendem a ser explicados por meio de referências a causas externas, enquanto o mesmo tipo de ação, quando se trata dos membros do ingroup tendem a ser explicados através de referências características situacionais.
Ampliando o alcance do modelo do viés lingüístico intergrupal, podemos dizer que a linguagem pode ser utilizada como meio de facilitar ou dificultar as confirmações das idéias previamente existentes a respeito do in e do outgroup. A linguagem abstrata, evidentemente, oferece mais informações sobre o protagonista, dado que os elementos retratados indicam características inerentes ao indivíduo, denotando algo que é estável e típico do ator (ele é honesto ou ele é agressivo). Pode-se esperar, portanto, que ela seja tipicamente utilizada para descrever comportamentos negativos dos membros do outgroup e comportamentos desejáveis dos membros do ingroup. Quanto menos abstrata for a linguagem, mais se manifesta uma certa dissociação entre o ator a e cena, pois o foco passa a ser, evidentemente, a situação na qual a ação se manifesta. Esta modalidade de linguagem, conseqüentemente, deve ser prioritariamente utilizada para comunicar os comportamentos negativos, inesperados ou indesejáveis dos membros do ingroup e positivos ou desejáveis dos membros do outgroup. Nesse sentido, pode-se afirmar que o viés lingüístico intergrupal ajuda a promover o próprio grupo, retratando-o de forma favorável, o que, em certo sentido, contribui para que o indivíduo, concomitantemente, desenvolva ou mantenha uma imagem favorável de si mesmo.
Afora isso, o viés lingüístico intergrupal pode ser interpretado como um indicador implícito de preconceito . As conseqüências práticas do viés lingüístico intergrupal são bastante evidentes, pois, se os comportamentos estereotipados dos membros do outgroup são geralmente retratados como negativos, eles tendem a ser codificados de uma forma mais abstrata, o que certamente torna a mudança ou mesmo a supressão dos estereótipos e preconceitos uma tarefa bastante difícil.

Fontes:
Maass, A. Salvi, D. Arcuri, L. e Semin, G. (1989) Language use in intergroup contexts: The linguistic intergroup bias. Journal of Personality and Social Psychology, 57, 981-993.
Pereira, M., Fagundes, A. e Takei, R. (2003). os estereótipos e o viés linguístico intergrupal. Interação em Psicologia, 7, (1),127-140
Semin, G.R. e Fiedler, K. (1988) The cognitive functions of linguistic categories in describing persons: social cognition and language. Journal of Personality and Social Psychology, 54, 558-568.
Von Hippel, W., Sekaquaptewa, D. e Vargas, P. (1997). The linguistic intergroup bias as an implicit indicator of prejudice. Journal of Experimental Social Psychology. 33, 490-509

 

Estereótipos e publicidade

O cinema faz a festa com os estereótipos. Como contar uma história em uma hora e meia sem fazer apelo a clichês, cenas obrigatórias e personagens estereotipados? Se com quase duas horas a disposição é praticamente impossível fugir dos estereótipos, imagine a farra quando se dispõe de apenas 30 segundos para dar conta do recado? Os estereótipos se manifestam com toda força na publicidade. Como se diz por aí, quem já viu propaganda de cerveja sem loira gostosa? E de fraldinhas do neném sem a feliz e carinhosa mamãe? Esta situação, suponho, não deve agradar aos publicitários. Pelo menos a alguns, a se considerar, por exemplo, o recém lançado concurso cujo objetivo é premiar peças publicitárias criadas sem o apelo ao uso de estereótipos. Pode até ser que surjam soluções criativas, mas suponho que o uso de estereótipos e clichês irá perdurar enquanto existir a publicidade tal como a conhecemos. O que imagino que os publicitários possam fazer é desistir de acerditar na possibilidade de fazer publicidade sem o uso dos estereótipos e procurar a entender melhor como a publicidade se apropria e passa a se utilizar dos estereótipos e dos contra-estereótipos. E claro, seria bom que isto fosse feito com uma certa sutileza, para evitar certos exageros.

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Preconceito e discriminação

A noção de preconceito se refere a uma atitude injusta e negativa em relação a um grupo ou a uma pessoa que se supõe ser membro do grupo. Ainda que literalmente possa significar ‘tratar alguém de uma forma diferente’, o conceito de discriminação tem por referente um comportamento manifesto, geralmente apresentado por uma pessoa preconceituosa, que se exprime por uma atitude de favorecimento aos membros do próprio grupo e/ou pela adoção de um atitude explícita ou implícita de rejeição dos membros dos grupos externos.

Fonte: Marcos E. Pereira. Psicologia Social dos Estereótipos. São Paulo: EPU, 2002

 

O trabalho e os dias (1)

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Terça-feira, 04 de dezembro de 2007, 16:04