Resenha: Dizer «não» aos estereótipos sociais: As ironias do controlo mental

Janielly Braz

É possível evitar a esteriotipização? Os indivíduos que desejam suprimir qualquer tipo de pensamento que forme um estereótipo podem obter sucesso? Essa é a questão chave do artigo de Dora Luiza Geraldes Bernades, para isso a autora faz uma revisão teórica sobre a tentativa de suprimir os pensamentos estereotipados e suas implicações.

Sabe-se, através de evidências empíricas, que se um indivíduo tentar suprimir um determinado tipo de pensamento o mesmo pode retornar a consciência com maior impacto, se comparado a alguém que não participou do mesmo tipo de tarefa, esse feito irônico é denominado efeito ricochete (Wegner, 1994).

O mesmo ocorre com os estereótipos? Considerando que os mesmos são ferramentas importantes para dinamizar o raciocínio quanto á percepção das informações que estão no entorno social do sujeito, pois pensar a partir de categorias é um processo muito mais eficiente. Porém não se pode esquecer que, como cita a autora, o estereótipo é uma faca de dois gumes, pois possui implicações nefastas para o indivíduo – vítima, além das implicações histórico-sociais já conhecidas.

Um recente estudo feito por Macrae, Bodenhausen e seus colaboradores (Macrae, Bodenhausen & Milne, 1998; Macrae, Bodenhausen, Milne & Jetten, 1994) sugeriu ser uma tarefa impossível conter o pensamento preconceituoso e até mesmo tal tentativa pode suscitar o oposto, ocorrendo um aumento nas categorizações estereotipadas se comparado a sujeitos que não participaram da tentativa de controle desse tipo de pensamento, seria então o efeito ricochete do estereótipo (ERE).

Foi à observação desse efeito que fez com que Macrae e seus colaboradores (Macrae et al., 1994) questionassem até que ponto é possível, mesmo para os indivíduos que possuem a real intenção, controlar o uso dos estereótipos? Devido a implicações sociais profundas a supressão dos estereótipos é muito mais complexa que a supressão de outros tipos de pensamentos, por isso a autora faz uma revisão literária de estudos sobre a supressão dos estereótipos.

Experimentos feitos por Macrae et al. (1994a) confirmaram que o efeito ricochete ocorre realmente com os estereótipos, ou seja, ao ser tentada a supressão os pensamentos voltam à consciência ocasionando impacto na avaliação de determinados comportamentos. Porém partindo do pressuposto que na vida social não há instruções tão explícitas para supressão do pensamento estereotipado como verificar esse efeito no dia a dia?

Uma alternativa seria o aumento da consciência contra a estereotipização e preconceito, ocasionando numa supressão espontânea dos estereótipos, algo que funcionasse como uma vontade natural do indivíduo.

Há também de se considerar a atitude pessoal do indivíduo, pois o efeito ricochete não ocorrerá da mesma maneira em indivíduos que diferem quanto ao grau de preconceito. “Monteith, Spicer e Tooman (1998) verificaram que as pessoas com alto e baixo preconceito diferem no grau de acessibilidade do estereótipo de homossexual após tentativa de supressão”. Lepore e Brown (1997) verificaram que os participantes com baixo preconceito podem não mostrar evidências de ativação do estereótipo. Isso ocorre também com indivíduos que possuem o compromisso pessoal de conter o preconceito, existindo então uma motivação interna para controlar o preconceito.

Como a supressão dos estereótipos está sujeito a diversos fatores, segundo a autora, mesmo indivíduos com alto nível de preconceito podem não aplicar os estereótipos caso as normas sociais façam com que eles não se baseiem nisso. Ainda há os indivíduos que procuram adotar uma prática mais justa e não estereotipar os componentes de um outro grupo, nesse caso ele não vai suprimir o estereótipo, mas vai estabelecer um novo estado mental. Baseada nesses dados a autora conclui que a supressão dos pensamentos estereotipados pode não ser a melhor forma de conter o preconceito. Mesmo assim a supressão não deve ser descartada, pois também pode servir para alertar sobre os lados negativos dos estereótipos, o fato de deixá-los mais evidentes pode ser uma forma de mostrar o quanto são indesejados.

As considerações trazidas pelo artigo são interessantes principalmente por avaliar o quanto é difícil desmanchar os estereótipos após o contato com eles e o quanto é necessário estudos futuros sobre outras vias que possibilitem acabar com o preconceito.

Referência: Bernardes, D. Dizer não aos estereótipos sociais: as ironias do controlo mental. Análise Psicológica. 21,3, 307-321, 2003.

Conceitos fundamentais: processos automáticos e controlados

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Estudos desenvolvidos entre as décadas de 70 e 80 (Anderson, 1985; Bargh, 1984; Posner & Snyder, 1975; Shiffrin & Schneider, 1977) permitiram estabelecer as principais diferenças entre os processos automáticos e os controlados. Como o auto-monitoramento é um elemento definidor do processamento controlado, o agente cognitivo deve está sempre procurando ajustar o andamento do processo, comparando-o com o estado final almejado, algo que não ocorre no caso dos processos automáticos, pois estes, uma vez disparados, geralmente por um ato consciente, permanecem ativos mesmo sem qualquer tipo de interferência por parte do agente. Como envolve o monitoramento conscientemente, os processos controlados requerem muito mais tempo para serem completados que os processos mentais automáticos. Em relação ao manuseio do fluxo da informação, presume-se que os processos controlados estejam subordinados a um tratamento serial, em que os elementos são processados um a um, enquanto os processos automáticos podem processar várias unidades de informação em paralelo. Para serem capazes de tratar várias informações ao mesmo tempo, os processos automáticos devem se manifestar nas circunstâncias em que a tarefa a ser realizada não apresenta um grau de dificuldade muito grande ou que o agente possui um domínio tal da tarefa, que pode se desvencilhar dela de uma forma habitual e rotineira. Os processos controlados são mais apropriados para lidar com as coisas que exigem alguma dificuldade para serem realizadas ou quando se está a aprender uma determinada tarefa. De acordo com Posner e Snyder, a principal diferença entre os dois processos depende da aceitação da função geral cumprida pelos mesmos na adaptação do organismo humano ao ambiente: os processos automáticos se encarregam de realizar um mapeamento das regularidades de longo prazo encontradas no ambiente, sendo incapazes de se adaptar às flutuações que se manifestariam em curto espaço de tempo, enquanto os processos controlados seriam mais flexíveis, sendo capazes de se adaptar às mudanças mais sutis que se manifestam em curto espaço de tempo.

Fontes:
Anderson, J. (1985). The cognitive psychology and its implications. Chicago: Worth Publishing.
Bargh, J. (1984). Automatic and conscious processing of social information. Em R. S. Wyer, Jr & T. Srull (Eds.). Handbook of Social Cognition.(Vol. 3, p.1-44). Hillsdale, NJ: Erlbaum.
Pereira, Marcos E. Psicologia Social dos Estereótipos. São Paulo: EPU, 2002
Pereira, Marcos E. Introdução à Cognição Social. Manuscrito não publicado
Posner, M. & Snyder, C. (1975). Attention and cognitive control. Em R. L. Solso (Ed.), Information processing and cognition: The Loyola symposium (pp. 55-85). Hillsdale, NJ: Erlbaum
Shiffrin, R.M. & Schneider, W. (1977) “Controlled and automatic information processing: II. Perception, learning, automatic attending and a general theory. Psychological Review, 84, 125 190.
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