Resenha: Confirming gender stereotypes: a social role perspective

Aline Campos

Na nossa cultura popular, é prevalente a idéia de que homens e mulheres são diferentes em muitos aspectos relevantes para seus relacionamentos amorosos. Já na literatura científica, as diferenças não parecem ser tão grandes assim. Relatórios de meta-análise, por exemplo, indicam que homens e mulheres se comportam de foram semelhante em 98% das vezes (Canary e Hause, 1993; Wilkins e Anderson, 1991).
A questão é que quando as diferenças aparecem, elas tendem a confirmar os estereótipos de gênero: as mulheres se comportam de um modo esperado para o feminino, como expressar suas emoções com facilidade; e os homens, de um modo esperado para o masculino, como buscar mais autonomia. E estas diferenças são mais evidentes em certas circunstâncias, como em situações difíceis ou aversivas.
Na presente pesquisa, os autores examinam se homens e mulheres em relações íntimas tendem a se comportar de acordo com os estereótipos de gênero, quando em situações de vulnerabilidade emocional. A vulnerabilidade emocional é definida como um estado no qual uma pessoa está aberta para que seus sentimentos sejam feridos, ou para experienciar a rejeição.
Para entender esta confirmação dos estereótipos de gênero, os autores buscaram explicação na teoria do papel social de Eagly (1987). Esta propõe que, quando em situações delicadas, homens e mulheres recorrem a comportamentos compatíveis com seus papéis sociais.
Os papéis sociais são expectativas de comportamento segregadas em torno das questões de gênero; são aprendidos através da socialização, e exigem habilidades especificas para cada sexo. Por exemplo, as mulheres, como exercem socialmente o papel de cuidadoras, desenvolvem habilidades relacionais; os homens, como provedores, desenvolvem habilidades de liderança no trabalho.
Estes papéis são normativos, e quando as pessoas estão em situações ambíguas ou difíceis, tendem a deixar as expectativas normativas guiar seu comportamento (Crick e Dodge, 1994; e outros). Assim, em momentos de pressão, homens e mulheres tenderiam a agir de acordo com as normas sociais e seus papéis, ativando os estereótipos de gênero; em situações mais tranqüilas, minimizariam estas diferenças. Os autores consideram que os homens e mulheres agem assim porque é mais fácil e menos arriscado.
A presente pesquisa investigou trinta e nove casais heterossexuais, em relacionamentos de duração em torno de 18.5 meses. Eram estudantes universitários norte-americanos, em idades variando de 17 a 27 anos, predominantemente europeu-americanos (96%), e também afro-americanos (2%), asiático-americanos (1%), outros (1%).
Os participantes eram convidados a completar um questionário que avaliava sua dificuldade percebida em discutir tópicos emocionais em um relacionamento –o Questionário de Dificuldades de Questões de Relacionamento, DRIQ, (Vogel, Wester et al.1999 e Vogel, Tucker et al. 1999). Deste questionário foram escolhidos tópicos considerados fáceis e difíceis pelos casais e dados aos mesmos para discussão, que era então filmada e observada por avaliadores. Estes últimos utilizavam o sistema de marcação global e registravam o desempenho do casal em relação a quatro variáveis dependentes: expressividade emocional, restrição emocional, comportamentos de retirada, comportamentos de demanda. As médias das avaliações dos observadores foram identificadas para se obter escores por participantes e por casal.
Estes foram os resultados para cada variável dependente:
1 – Expressão emocional: Refere-se a falar sobre sentimentos positivos ou negativos. Os casais se mostraram menos expressivos emocionalmente ao discutirem um assunto que consideravam difícil, do que quando consideravam o tópico fácil. Os homens exibiram menor expressão emocional do que as mulheres na discussão de assuntos difíceis, confirmando o estereótipo. Na discussão de tópicos fáceis, homens e mulheres convergiam em comportamento.
2 – Restrição de afeto: Refere-se a evitar falar sobre os próprios sentimentos ou recusar a lidar com os sentimentos dos outros. Os casais mostraram mais restrição no afeto ao discutirem temas difíceis, do que quando os temas eram fáceis. Aqui também houve confirmação do estereótipo de gênero: os homens mostravam mais restrição de afeto do que as mulheres quando envolvidos em temas difíceis. Não havia diferenças significativas entre os gêneros quando os temas eram fáceis.
3 – Comportamentos de retirada: Refere-se a uma evitação de discutir alguma questão. Neste item, casais exibiram níveis semelhantes de retirada com tópicos fáceis ou difíceis. Os homens, ao discutirem um tópico difícil, exibiram mais comportamentos de retirada do que as mulheres, enquanto não houve diferenças para tópicos fáceis.
4 – Comportamentos de demanda: Refere-se a tentar mudar o comportamento do outro ou entrar em uma discussão para pedir uma mudança de comportamento. Os casais discutindo tópicos fáceis mostraram menos comportamentos de demanda do que ao discutirem tópicos difíceis. Para esta variável, contrariando as expectativas, não houve diferença na exibição de comportamento de demanda entre homens e mulheres através das condições do experimento.
Em resumo, a pesquisa confirmou a hipótese de que há uma mudança comportamental na direção dos estereótipos quando homens e mulheres discutem tópicos relacionais que consideram difíceis. Num exame das médias, foi demonstrado que as mudanças de comportamento foram mais evidentes nos comportamentos dos homens do que no das mulheres. Isso indica que as diferenças encontradas em cada casal se deveram mais ao comportamento masculino.
Os autores consideram provável que isto tenha ocorrido porque a expressão verbal de emoções, usada no estudo, é uma área mais associada aos papéis femininos do que masculinos. Assim, as mulheres teriam mais facilidade em manter este comportamento estável em situações aversivas.
O presente estudo teve suas limitações: a média do tempo de relacionamento dos casais, a predominância de casais europeus americanos, o uso exclusivo de observações na medição dos resultados. Apesar das limitações, o estudo indica que homens e mulheres comportam-se de modo semelhante na maioria do tempo, mas em tempos críticos, de vulnerabilidade emocional, divergem, confirmando alguns estereótipos de gênero.

Fonte: Vogel, D.L., Weser, S.R., Heesacker, M. e Madon, S. (2003). Confirming Gender Sterotypes: A Social Role Perspective. Sex Roles, Vol.48, nos. 11/12.

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Autor: Marcos E. Pereira

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal da Bahia. O currículo Lattes pode ser acessado no site http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4799492A6

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