Conceitos fundamentais: processos automáticos e controlados

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Estudos desenvolvidos entre as décadas de 70 e 80 (Anderson, 1985; Bargh, 1984; Posner & Snyder, 1975; Shiffrin & Schneider, 1977) permitiram estabelecer as principais diferenças entre os processos automáticos e os controlados. Como o auto-monitoramento é um elemento definidor do processamento controlado, o agente cognitivo deve está sempre procurando ajustar o andamento do processo, comparando-o com o estado final almejado, algo que não ocorre no caso dos processos automáticos, pois estes, uma vez disparados, geralmente por um ato consciente, permanecem ativos mesmo sem qualquer tipo de interferência por parte do agente. Como envolve o monitoramento conscientemente, os processos controlados requerem muito mais tempo para serem completados que os processos mentais automáticos. Em relação ao manuseio do fluxo da informação, presume-se que os processos controlados estejam subordinados a um tratamento serial, em que os elementos são processados um a um, enquanto os processos automáticos podem processar várias unidades de informação em paralelo. Para serem capazes de tratar várias informações ao mesmo tempo, os processos automáticos devem se manifestar nas circunstâncias em que a tarefa a ser realizada não apresenta um grau de dificuldade muito grande ou que o agente possui um domínio tal da tarefa, que pode se desvencilhar dela de uma forma habitual e rotineira. Os processos controlados são mais apropriados para lidar com as coisas que exigem alguma dificuldade para serem realizadas ou quando se está a aprender uma determinada tarefa. De acordo com Posner e Snyder, a principal diferença entre os dois processos depende da aceitação da função geral cumprida pelos mesmos na adaptação do organismo humano ao ambiente: os processos automáticos se encarregam de realizar um mapeamento das regularidades de longo prazo encontradas no ambiente, sendo incapazes de se adaptar às flutuações que se manifestariam em curto espaço de tempo, enquanto os processos controlados seriam mais flexíveis, sendo capazes de se adaptar às mudanças mais sutis que se manifestam em curto espaço de tempo.

Fontes:
Anderson, J. (1985). The cognitive psychology and its implications. Chicago: Worth Publishing.
Bargh, J. (1984). Automatic and conscious processing of social information. Em R. S. Wyer, Jr & T. Srull (Eds.). Handbook of Social Cognition.(Vol. 3, p.1-44). Hillsdale, NJ: Erlbaum.
Pereira, Marcos E. Psicologia Social dos Estereótipos. São Paulo: EPU, 2002
Pereira, Marcos E. Introdução à Cognição Social. Manuscrito não publicado
Posner, M. & Snyder, C. (1975). Attention and cognitive control. Em R. L. Solso (Ed.), Information processing and cognition: The Loyola symposium (pp. 55-85). Hillsdale, NJ: Erlbaum
Shiffrin, R.M. & Schneider, W. (1977) “Controlled and automatic information processing: II. Perception, learning, automatic attending and a general theory. Psychological Review, 84, 125 190.

Conceitos fundamentais: esquemas mentais

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Os esquemas se desenvolvem durante o processo de socialização a se constroem a partir da informação anteriormente disponível. O conhecimento prévio, assim como o contexto pode definir a forma de estruturação do conhecimento mais condizente com as circunstâncias particulares nas quais eles se manifestam, de forma que os esquemas estão sujeitos a algum tipo de diferenciação. A maneira pela qual alguém é definido e caracterizado como rico em uma pequena cidade no interior do Brasil e a definição de rico para um yuppie do Vale do Silício na Califórnia ou para as pessoas listadas na Fortune 500 certamente não é a mesma. De qualquer modo, seja qual for o esquema mental disponível, tanto a pessoa que vive no interior do Brasil, quando o morador do Vale do Silício sabe como se comportar, assim como imagina o que pode esperar das pessoas ricas que freqüentam o ambiente em que vive.
Outros autores, no entanto, expressam dúvidas sobre a viabilidade de considerar um esquema como um conteúdo aprendido através da experiência e tendem a considerar que os esquemas mentais podem ser categorizados como estruturas inatas. De acordo com este entendimento, por serem capazes de impor ordem ao desordenado mundo oferecido através das informações sensoriais, os esquemas se assemelhariam às categorias kantianas. Dado que eles independeriam da experiência, a validade do esquema deve ser considerada exclusivamente mediante o uso de operações lógicas, pois se os princípios matemáticos oferecem condições para organizar esquemas explicativos inteiramente lógicos, por que não interpretar as variadas formas com que se manifesta a experiência humana de acordo com estes mesmos princípios?
Fiske (1992), em um artigo publicado no Psychological Review, procura demonstrar, principalmente através de inferências indutivas, que as pessoas dispõe de alguns esquemas mentais elementares que são utilizados para construir e manter as suas inúmeras relações sociais. Estes esquemas seriam encontrados em todas as culturas, ostentando, portanto, o estatuto de universalidade e seriam suficientes para explicar todas as modalidades de relações sociais encontradas nas várias regiões do nosso planeta.

Fontes: Marcos E. Pereira. Introdução à Cognição Social. Manuscrito não publicado
Fiske, A. P. (1992). The four elementary forms of sociality: framework for a unified theory of social relations. Psychological Review, 99, 4, 689-723.

A dimensão avaliativa dos estereótipos

Hoje, 07 de dezembro de 2007, podem ser identificadas no orkut, a rede social preferida pelos internautas brasileiros, algumas comunidades que ostentam o termo estereótipos no próprio nome. A mais popular, ´eu odeio estereótipos´, mantém o registro de 2080 membros. Os nomes destas comunidades evidenciam quão negativa é a visão que as pessoas possuem dos estereótipos sociais; de um total de 18 comunidades, 13 ostentam no próprio título expressões como a anteriormente aludida, ou similares, tais como ,´chega de estereótipos´, ´sou contra estereótipos´ e ´Brasil sem estereótipos´. Isto parece refletir a opinião socialmente compartilhada acerca dos estereótipos, o que é um bom indicador de que os estereótipos não se manifestam apenas em pessoas toscas, cognitivamente limitadas ou em pessoas preconceituosas, acostumadas a tratar de forma discriminatória aos membros das categorias minoritárias. Qualquer pessoa estaria suscetível a adotar o raciocínio categórico e tratar a um outro de forma estereotipada. As teorias psicológicas sobre os estereótipos teriam de dar conta desta condiçãoe o s argumentos apontam para três grandes direções. Uma é claramente individualista. Hipóteses como as da frustração-agressão ou teorias como as do bode expiatório sugerem que os estereótipos se manifestam porque os indivíduos precisam oferecer satisfação às suas necessidades psicodinâmicas. Uma segunda é inteiramente holista e sustenta a tese que as crenças estereotipadas se manifestam nas circunstâncias em que estão presentes e se disseminam na sociedade conflitos reais entre os grupos. Estas duas teorias, apesar de aparentemente divergentes nos seus princípios básicos, confluem em um ponto comum, ao admitirem que os estereótipos apenas refletem a ação de indivíduos, com diferentes graus de preconceito, submetidos a uma situação real de conflito entre os grupos. Um terceiro grupo de teorias se inscreve numa vertente mais sistematista e adere ao entendimento de que a expressão dos estereótipos preenche uma função política no âmbito de um sistema social hierarquizado, sendo usado preferencialmente para justificar e racionalizar a desigualdade e a discriminação. A entrada em cena do movimento da cognição social representa uma reviravolta nas teorias predominantes até então. A busca pela identificação dos conteúdos das crenças arrefece e ganha corpo um grande interesse pela investigação dos processos cognitivos envolvidos na ativação e aplicação dos estereótipos. Estereotipizar passa a ser visto como um efeito inevitável da ativação e aplicação dos rótulos verbais que associam os indivíduos às categorias sociais às quais eles pertencem. Nesse sentido, como se trata-se de um elemento decisivo no processo de codificação e categorização e, na medida em que oferece os recursos necessários para simplificar, retirar as ambigüidades e enriquecer a experiência perceptual, o processo de estereotipização tende a ser um recurso que o indivíduo habitualmente a encontra à disposição para dotar de sentido a realidade em que vive. Ainda que pese o impacto das teorias de base cognitiva, a visão negativa que acompanha o conceito de estereótipos não se diluiu inteiramente, tanto na visão do senso comum, o que se confirma pela simples leitura dos conteúdos expressos nas mensagens das diversas comunidades do orkut, quanto na própria psicologia social, onde os estereótipos continuam sendo referidos como o resultado da manifestação de mecanismos da economia cognitiva, como, por exemplo, na correlação ilusória, que se consusbstanciam na adoção dos atalhos mentais por um agente cognitivo considerado avaro e econômico de recursos.

O estudos dos estereótipos: algumas noções fundamentais

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– as crenças desempenham um importante papel na manifestação dos comportamentos sociais e coletivos;
– em toda cultura é possível identificar um conjunto de crenças compartilhadas por um número substancial de pessoas;
– uma crença é coletiva quando uma infinidade de exemplares da mesma encontra-se em circulação, embora cada um desses exemplares seja ligeiramente diferente dos demais;
– uma parte substancial dessas crenças coletivas se refere a outros grupos nacionais, regionais ou étnicos;
– a base cognitiva das crenças sobre os membros de outros grupos assenta-se sobre um conjunto de representações estereotipadas;
– os estereótipos étnicos e nacionais podem ser explicados a partir de uma série de fatores psicológicos, psicossociológicos ou sociais;
– fatores psicológicos como a atenção, a codificação e a busca da informação presente na memória, assim como os fatores vinculados à afetividade impelem a uma avaliação por demais genérica dos grupos externos;
– alguns mecanismos psicológicos trabalham no sentido de fixar a crença de que os membros do grupo externo são todos iguais;
– outros mecanismos psicológicos se encarregam de destituir a importância das informações capazes de levar à reavaliação dos grupos externos;
– se algo indesejado ou negativamente avaliado ocorre, as pessoas tendem a apontar os grupos externos como a causa destas dificuldades;
– as pessoas sempre encontram justificativas para os atos que perpetraram ou que tiveram a intenção de promover contra membros do grupo externo;
– as pessoas tendem a avaliar as pessoas de seu grupo de uma forma bem positiva do que àquelas que pertencem aos grupos externos;
– em decorrência desse viés na avaliação dos grupos, geralmente é difícil evitar a adoção de comportamentos ou ações estereotipadas.

Fonte Pereira, M. E. (1996) Humor e estereótipos étnicos no ciberespaço.

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