Durante a disputa da Copa do Brasil de futebol, no ano de 2007, a gloriosa equipe do Botafogo de Futebol e Regatas foi visivelmente prejudicada pela arbitragem durante o confronto com uma outra equipe numa etapa avançada da competição. No dia seguinte, o técnico, os torcedores e alguns dirigentes fizeram uma série de declarações na imprensa, nas quais as reclamações com arbitragem eram a tônica. Tudo não seria mais do que uma típica reclamação dos perdedores que se segue à derrota em uma partida importante, se o alvo principal das reclamações não fosse uma auxiliar de linha. Do sexo feminino. Um dirigente chegou mesmo a insinuar sobre a falta de propriedade na escolha de mulheres para arbitrar partidas disputadas por homens, sugerindo que a auxiliar, após a jornada infeliz, fosse definitivamente excluída do quadro de árbitros da Confederação Brasileira de Futebol. Por certo, a entidade máxima do futebol brasileiro se sentiu sensibilizada e face às reações da imprensa e dos dirigentes, na própria semana da atuação desastrosa da auxiliar prescindiu temporariamente dos serviços da ilustre senhora em torneios oficiais
Se erros de arbitragem em partidas de futebol ocorrem em praticamente todos os jogos, por que uma reação tão desmedida em relação aos erros da auxiliar? Simplesmente porque ela é mulher…e mulheres auxiliares de arbitragem são raras. Se dois eventos que chamam a atenção, uma senhora auxiliar de linha e um erro escandaloso de arbitragem aparecem associados, cria-se uma ilusão de que os dois eventos estão sempre associados. Daí a expressão correlação ilusória, para fazer referência a uma associação indevida entre dois acontecimentos incomuns, o que leva o a pessoa a decidir que um evento sempre se encontra associado ao outro. Desta forma, o processo de correlação ilusória cria a associação mulheres-erros de arbitragem e esta associação termina por fazer que dirigentes dos clubes mais afoitos solicitem a exclusão de auxiliares de linha do sexo feminino, pois futebol é coisa de macho, e impele os dirigentes da comissão de arbitragem a excluir, mesmo que temporariamente e sem nenhum pudor, alguém que cometeu um erro, um tanto grosseiro, é verdade, mas quase semelhante aos que ocorrem semanalmente nos milhares de campos de futebol espalhados pelo planeta.
A expressão correlação ilusória se refere a uma suposição incorreta de que existe uma alta correlação entre dois itens que não são usuais ou são raros, foi utilizada por Chapman (1967) para explicar a tendência dos participantes de um estudo experimental em fazer uma estimativa exagerada da freqüência de apresentação de palavras com uma extensão exageradamente alta. A idéia subjacente a este conceito era a de que palavras excepcionalmente longas, mesmo sendo apresentadas com a mesma freqüência do que as palavras com menos sílabas, por serem pouco usuais chamavam mais a atenção, o que fazia com que elas fossem evocadas com mais facilidade e isto terminava por levar o participante a acreditar que eram palavras mais freqüentes.
O princípio da correlação ilusória foi adotado algum tempo depois pelos estudiosos dos estereótipos para a explicação da persistência de estereótipos errôneos a respeito dos membros dos grupos minoritários. Neste sentido, a correlação ilusória pode ser interpretada como um viés de codificação decorrente da avaliação imprópria da co-ocorrência ou da co-variação de dois ou mais grupos de eventos e envolve a estimativa exagerada da ocorrência de eventos que se supõem associados.
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A dimensão avaliativa dos estereótipos
Hoje, 07 de dezembro de 2007, podem ser identificadas no orkut, a rede social preferida pelos internautas brasileiros, algumas comunidades que ostentam o termo estereótipos no próprio nome. A mais popular, ´eu odeio estereótipos´, mantém o registro de 2080 membros. Os nomes destas comunidades evidenciam quão negativa é a visão que as pessoas possuem dos estereótipos sociais; de um total de 18 comunidades, 13 ostentam no próprio título expressões como a anteriormente aludida, ou similares, tais como ,´chega de estereótipos´, ´sou contra estereótipos´ e ´Brasil sem estereótipos´. Isto parece refletir a opinião socialmente compartilhada acerca dos estereótipos, o que é um bom indicador de que os estereótipos não se manifestam apenas em pessoas toscas, cognitivamente limitadas ou em pessoas preconceituosas, acostumadas a tratar de forma discriminatória aos membros das categorias minoritárias. Qualquer pessoa estaria suscetível a adotar o raciocínio categórico e tratar a um outro de forma estereotipada. As teorias psicológicas sobre os estereótipos teriam de dar conta desta condiçãoe o s argumentos apontam para três grandes direções. Uma é claramente individualista. Hipóteses como as da frustração-agressão ou teorias como as do bode expiatório sugerem que os estereótipos se manifestam porque os indivíduos precisam oferecer satisfação às suas necessidades psicodinâmicas. Uma segunda é inteiramente holista e sustenta a tese que as crenças estereotipadas se manifestam nas circunstâncias em que estão presentes e se disseminam na sociedade conflitos reais entre os grupos. Estas duas teorias, apesar de aparentemente divergentes nos seus princípios básicos, confluem em um ponto comum, ao admitirem que os estereótipos apenas refletem a ação de indivíduos, com diferentes graus de preconceito, submetidos a uma situação real de conflito entre os grupos. Um terceiro grupo de teorias se inscreve numa vertente mais sistematista e adere ao entendimento de que a expressão dos estereótipos preenche uma função política no âmbito de um sistema social hierarquizado, sendo usado preferencialmente para justificar e racionalizar a desigualdade e a discriminação. A entrada em cena do movimento da cognição social representa uma reviravolta nas teorias predominantes até então. A busca pela identificação dos conteúdos das crenças arrefece e ganha corpo um grande interesse pela investigação dos processos cognitivos envolvidos na ativação e aplicação dos estereótipos. Estereotipizar passa a ser visto como um efeito inevitável da ativação e aplicação dos rótulos verbais que associam os indivíduos às categorias sociais às quais eles pertencem. Nesse sentido, como se trata-se de um elemento decisivo no processo de codificação e categorização e, na medida em que oferece os recursos necessários para simplificar, retirar as ambigüidades e enriquecer a experiência perceptual, o processo de estereotipização tende a ser um recurso que o indivíduo habitualmente a encontra à disposição para dotar de sentido a realidade em que vive. Ainda que pese o impacto das teorias de base cognitiva, a visão negativa que acompanha o conceito de estereótipos não se diluiu inteiramente, tanto na visão do senso comum, o que se confirma pela simples leitura dos conteúdos expressos nas mensagens das diversas comunidades do orkut, quanto na própria psicologia social, onde os estereótipos continuam sendo referidos como o resultado da manifestação de mecanismos da economia cognitiva, como, por exemplo, na correlação ilusória, que se consusbstanciam na adoção dos atalhos mentais por um agente cognitivo considerado avaro e econômico de recursos.