Resenha: Música, Comportamento Social e Relações Interpessoais

Natália Canário Gomes

Beatriz Ilari é graduada em Educação Artística (Música) pela Universidade de São Paulo (1994), mestre em Artes – Música – pela Montclair State University (1998) e PhD em Educação Musical – pela McGill University (2002). Além disto, tem experiência na área de psicologia da música, com ênfase em cognição e aprendizagem. Em 2006, Ilari publicou o artigo “Música, Comportamento Social e Relações Interpessoais”, no qual trata do estudo que realizou, com três diferentes objetivos, referentes à música e às relações interpessoais.

Num primeiro momento, a autora buscou determinar o papel da música nessas relações, na atração e na escolha de parceiros. Em seguida, a intenção foi verificar se os estereótipo ligados aos estilos musicais detectados na Europa e EUA, poderiam também ser encontrados numa amostra do Brasil. Por fim, o estudo procurou esclarecer se existem funções específicas da música nas relações interpessoais.

A revisão de literatura feita pela pesquisadora mostra que, apesar de ainda não se ter confirmado a existência de um gene musical, a música continua a ser universal e exerce papel importante nas sociedades e culturas. Para Gregory (1997, citado por Ilari, 2006), a música é um fenômeno social que desempenha funções tradicionais e tem sentidos próprios nas diversas culturas ao longo da história, e que dependem de aspectos específicos das mesmas. Já para Huron (1999, citado por Ilari, 2006), a música tem importância evolutiva, pois cria cenários para os relacionamentos humanos (inclusive os amorosos), além de exercer efeitos sobre a atração e sobre o desenvolvimento de relações interpessoais.

Tomando como base o trabalho de Reeder (2000), a autora propõe que a atração seja definida como uma “experiência que leva os indivíduos a relatarem uma conexão especial com os outros” (Ilari, 2006), sendo considerada por muitos estudiosos um dos componentes do desenvolvimento das relações entre os indivíduos. Para os evolucionistas, a atração interpessoal é essencial para a formação de vínculos que resultem em descendentes e, consequentemente, na perpetuação da espécie. A psicologia cognitiva, por sua vez, postula que a atração relaciona-se aos esquemas cognitivos, construídos a partir dos ideais – formulados no decorrer da vida – tanto de parceiros, como de relacionamentos amorosos.

Dentre os fatores que influenciam a atração interpessoal já identificados estão: a atração física (um dos principais), a proximidade, interação e exposição a outras pessoas, bem como a semelhança real ou percebida entre as mesmas. Além destes, as atitudes, crenças e valores comuns também são muito importantes, tendo em vista que a atração interpessoal envolve reciprocidade entre os indivíduos. O contexto social e a cultura são determinantes para estas atitudes, crenças e valores, e, portanto, mantém uma relação crucial com o estabelecimento da atração e com o desenvolvimento de relações interpessoais. A relevância, para o estudo, desta afirmação é que, tanto a música, quanto a atração interpessoal, dependem do contexto social.

Mas, outra semelhança entre música e atração pode ser observada: ambas são capazes de eliciar sentimentos. Os sentimentos induzidos pela música têm impacto sobre o comportamento social. Isto se deve, em parte, ao fato de que diferentes níveis de excitação são alcançados a depender do estilo musical, o que explicaria a seleção de cada um desses gêneros para os diversos contextos sociais. Fora isso, são os fatores culturais e situacionais que determinarão o que se deve considerar “música adequada”, já que, não só os usos da música, mas também a percepção dela, são comportamentos aprendidos e determinados pelos membros do grupo.

Autores como Zillman e Bhatia (1989, citado por Ilari, 2006) estudaram os efeitos da atração heterossexual quando associada aos estilos musicais, e chegaram ao resultado de que a preferência musical interfere na atração intepessoal, e na percepção e avaliação da personalidade alheia. Puderam também chegar à conclusão de que a influência exercida pela música sobre a atração está relacionada aos estereótipos associados aos seus diferentes estilos, e às respostas individuais a estes estereótipos.

Embasada pala revisão teórica, a autora conduziu seu estudo com uma amostra de cinquenta adultos e jovens, com média de 27 anos de idade. Nenhum deles tinha mais de três anos de instrução musical formal, nem tomava aulas de música no momento da realização da pesquisa. O grau de escolaridade dos paricipantes variou do primeiro grau completo, à pós-graduação.

Na primeira parte do estudo – que tinha o objetivo de verificar quais os efeitos da música na atração interpessoal e na escolha de parceiros – os participantes foram expostos a cinco pares de classificados e deveriam escolher, em cada par, o parceiro que considerasse mais atraente. Os textos de cada par eram equivalentes, tendo como única variável a música. A conclusão que se pode chegar, após a análise dos dados desta etapa da pesquisa, foi que a música parece ser apenas mais um fator considerado na atração/escolha de parceiro, não tendo nenhum efeito significativo, seja positivo ou negativo.

O segundo objetivo era relativo à forma como as pessoas avaliam as demais basenado-se nas preferências por estilos e gostos musicais. O instrumento utilizado nesta fase era constituido de uma sentença incompleta, onde o participante deveria atribuir dois adjetivos ou mais ao gênero musical indicado. Os gêneros foram: MPB, jazz, música clássica, samba/pagode, rock/pop e sertanejo. Assim, os adjetivos e expressões idiomáticas levantados durante a coleta de dados foram alocados em dez categorias emergentes, que permitiam determinar se as associações entre estilos musicais e adjetivos/expressões estavam mais relacionadas à personalidade ou a determinados grupos sociais. A partir dos resultados observou-se que os participantes, de maneira geral, tenderam a correlacionar o gosto musical mais às atitudes e à personalidade.

No entanto, também foram encontradas algumas associações relacionadas à estratificação social e status. Como exemplo pode-se citar o jazz e a música clássica, que foram ligadas a pessoas cultas e instruídas, o que pode estar relacionado à dificuldade de de acesso às mesmas através da mídia e de órgãos culturais. Em contrapartida, as pessoas que gostam de samba e pagode, gêneros amplamente divulgados e associados ao carnaval, foram tidas como energéticas e extrovertidas. Contudo, o estilo musical que abrigou o maior número de adjetivos e expressões idiomáticas convergentes foi o sertanejo. Já o que obteve maior diversidade de respostas foi o “música do mundo”, o que talvez se deva à sua presença relativamente recente no Brasil.

A última parte do estudo era constituído de questões abertas gerais, como sexo, idade, experiência educacional, experiência musical prévia e tempo médio de escuta musical, e de questões mais direcionadas (três abertas e duas fechadas) sobre a importância da música nas relações interpessoais, nos namoros e em outros eventos da vida. Os dados coletados mostraram que apenas 14% da amostra apontou a música como sem importância alguma em suas relações amorosas – dos outros 86%, a grande maioria afirmou que a música ajuda a criar uma atmosfera que propicia o humor e os sentimentos.

Também 14% da amostra disse que nunca namoraria alguém com gosto musical diferente do seu – estas pessoas eram da faixa etária mais elevada, e argumentavam que gostos musicais distintos levam a problemas nos relacionamentos amorosos. Um ponto interessante foi que, deste subgrupo, três participantes usaram como argumento a suposição que gostos musicais diferentes refletem diferenças sociais e educacionais, fatores indispensáveis para um bom relacionamento. No entanto, de maneira geral, concluiu-se que o gosto musical não está entre os elementos mais fundamentais para um relacionamento a dois.

Quanto à importância da música em eventos da vida, apenas 8% da amostra afirmou não lembrar de nenhum momento importante. Entre os demais, grande parte dos episódios relatados diziam respeito a alguma forma de relacionamento interpessoal, principalmente as referentes a comemorações, festas, passeios, viagens e cerimônias religiosas. A análise mais aprofundada desta última parte do estudo foi capaz de revelar quatro usos da música no contexto das relações interpessoais: objetivos de excitação, dependendo do contexto social; fundo acústico, para a criação de ambientes sonoros e para preencher as “lacunas” durante a falta de interação em eventos sociais; facilitadora de atividades que promovem a aproximação entre os indivíduos; e artefato mnemônico.

Terminadas todas as análises, pode-se dizer que realmente a música exerce um papel importante nas relações interpessoais, ainda que não o faça de forma direta. O que é ainda mais relevante é que os estereótipos encontrados relativos a gêneros musicais, tanto de personalidade, como os relacionados com a estratificação social e ao status, mostraram-se influenciando na atração interpessoal, o que, se partirmos da perspectiva cognitivista, era esperado. A psicologia cognitiva também está de acordo com a conclusão de qua a música serve como elemento de ligação entre pessoas e eventos, facilitando o armazenamento na memória. Quanto aos evolucionistas, parece ser coerente a afirmação de que a música propicia um ambiente onde seja capaz haver a aproximação dos indivíduos, podendo resultar em relações amorosas, necessárias à sobrevivência da espécie.

Todas estas considerações trazidas pelo artigo são bastante interessantes, dado que pouco se pára para refletir sobre importância “prática” da música (e das artes, como um todo) na vida das pessoas. Em geral, a música costuma ser vista apenas como meio de diversão, o que leva a pensar que ela é dispensável. Apesar de algumas limitações nas conclusões tiradas, devido, principalmente, ao tamanho reduzido da amostra, este estudo é um indicativo de que essa concepção da música como supérfula deve ser repensada. Além disto, a questão levantada sobre a influência dos estereótipos relacionados a estilos musicas na atração interpessoal é um bom tópico para estudos posteriores, posto que as diferenças quanto aos gostos musicais chegam a levar a conflitos interpessoais mais graves, formando verdadeiros grupos de ódio, que merecem maior atenção dos pesquisadores.


Referência: Ilari, B. Música, Comportamento Social e Relações Interpessoais. Psicologia em Estudo, Maringá, v.11, n.1, p.191-198, 2006.

Autor: Marcos E. Pereira

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal da Bahia. O currículo Lattes pode ser acessado no site http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4799492A6

Uma consideração sobre “Resenha: Música, Comportamento Social e Relações Interpessoais”

  1. Eu concordo que a música tem influência no comportamento de uma pessoa. O estado de espírito depois de ouvir trash metal é completamente diferente do estado em que ficamos depois de ouvir jazz experimental. Já me custa mais relacionar o tipo de música que se ouve com um comportamento mais desviante. Por exemplo, no caso do massacre no liceu de Columbine, nos EUA, não faltou quem culpasse Marilyn Manson pela matança – isso já me parece muito abusivo! A música exerce certa influência sobre nós e a forma como agimos mas é preciso ir bem mais fundo para entender um impulso homicida, não se pode culpar a música certamente! No meu caso, gosto muito das big bands do jazz de outrora, são elas que me põem em alta… Tenho essa sugestão para os interessados
    http://cotonete.clix.pt/

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