Universidade e comunidade

Carta Aberta a Comunidade Acadêmica da Universidade Federal da Bahia

Nos últimos dias toda comunidade acadêmica da UFBA vem intensamente discutindo as questões de segurança no Campus Universitário, tendo como foco o São Lázaro e o PAF de Ondina. Entendemos que é salutar tal discussão, mas que a mesma não está dissociada da realidade enfrentada por toda a cidade de Salvador.

Também nos últimos meses vários jovens dizimados em nossa cidade, todos negros, pobres e moradores de áreas periféricas, dentre elas a própria comunidade do Alto das Pombas, vizinha a FFCH.

Em junho choramos pela morte de quatro jovens, vítimas de disputas de tráfico de drogas que foram violentamente assassinados.

Tal ação nos leva a refletir sobre qual violência estamos discutindo? Se a da omissão da Universidade que ao mesmo tempo em que tão próxima é tão distante dos problemas sociais que a circundam ou da mídia de excessos que sempre aguarda uma tragédia para discutir algum problema que de certa é relevante para sua classe social, ou para angariar mais fundos para manutenção desse modelo de reprodução de injustiças sociais?

Sempre convivemos harmonicamente com a universidade, principalmente pelo fato da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas se confundirem com nosso espaço geográfico.

Mantivemos ao longo de vários anos a nossa autonomia, mas sempre com visão crítica sobre o papel social da mesma e principalmente questionando o formato laboratório que a mesma sempre adotou nos processos de diálogo com a comunidade.

Pensando assim pedimos que ao discutir o problema da violência na UFBA, não seja somente considerado o prisma de quem supostamente ela atinge de imediato, mas compreenda que cobrir de muros, gradearem as unidades educativas e principalmente colocar pessoas despreparadas para fazer a suposta segurança de nada adiantará para alcançar tal finalidade.

Conclamamos pelo bom senso de compreender que tal problema ultrapassa os espaços da UFBA e que se faz necessária uma discussão mais apurada com as Comunidades entorno dos Campi.

Esperamos que os professores, funcionários e estudantes que são protagonistas desta discussão, possam entender que tal problema social não se resolverá numa redoma, tão pouco num grupo seleto de pessoas que se reúnem para a busca de soluções de momentos-crise, mas tomando medidas que ultrapassem as formas tradicionais,ampliando a relação da UFBA com a comunidade, não limitando-se a ações pontuais no semestre, a pesquisa-laboratório com a comunidade ou a antiga compreensão de que não sabemos o que realmente queremos e que não somos capazes de construir como parceiros, um novo modelo de UFBA, que seja verdadeiramente inclusiva, de qualidade e pública para todos.

Salvador, 25 de agosto de 2008
Comunidade do Alto das Pombas

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Autor: Marcos E. Pereira

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal da Bahia. O currículo Lattes pode ser acessado no site http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4799492A6

2 comentários em “Universidade e comunidade”

  1. Concordo com quase tudo que está neste documento, mas tem um ponto importante que discordo completamente.

    Realmente a imprensa só se comove com os dramas dos não-pobres. Parece que para morte de pobre virar manchete, tem q pelo menos ser de 5 para cima de uma vez, enquanto a morte trágica de um não-pobre consagra o infeliz a mártir instantâneo (se for criança, então…).

    Tb concordo que a relação da universidade com as comunidades pobres quanto as atividades realizadas é constrangedora. Seria de grande enriquecimento profissional e pessoal para os estudantes se a universidade promovesse trabalhos realmente duradouros junto as comunidades.

    Mas não consigo entender a oposição à proteção das pessoas e do patrimônio público que se encontram na faculdade cercando seu perímetro. Alguém, seja rico ou pobre, descuida de sua segurança física e dos seus pertences deixando a porta de casa aberta noite e dia? Infelizmente, ainda não vivemos no paraíso na terra e gente mal-intencionada existe em qualquer comunidade, seja vizinho ou não. Sou completamente a favor de que a universidade esteja de portas abertas para toda a população. Digo portas, e não trilhas pelo meio do mato.

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  2. De que adianta uma universidade não ter muros e estar hipocritamente “aberta à sociedade”, quando não há projetos de integração com essa sociedade?
    Todos podem até entrar e ficar por lá, mas não podem pegar livros nas bibliotecas; os poucos cursos de extensão voltados também a não-estudantes são pagos, e nem sempre baratos, e a proposta das ACCs está sucateada, pouco recebe investimento e os alunos, vez ou outra, têm que pagar do seu próprio bolso transportes, hospedagem etc. para participar, por vontade genuína apenas.
    Que “compromisso social” é esse? Muito hipócrita, está só no nome!
    Não vai ser um muro ou portões diferenciados para estudantes e visitantes, que promoverá esse “racha”; ele já está aí. Se houvessem bons projetos, um muro não significaria nada.

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