Os estereótipos na literatura: as aventuras do Sr. Pickwick

Toda e qualquer categoria social é objeto de uma série de representações, amplamente compartilhadas pela população. O trecho abaixo, reproduzido dos Pickwick Papers, a primeira e divertidíssima obra de Charles Dickens, reflete um traço particularmente saliente do estereótipo da categoria dos profissionais da política.

– “Está tudo pronto?”, perguntou o honorável Samuel Slumkey ao Sr. Perker?

-” Tudo, meu caro senhor”, respondeu o homenzinho

– ” E nada foi omitido, espero?”, disse o honorável Samuel Slumkey.

– “Coisa alguma deixou de ser feita, meu senhor, absolutamente nada. Há vinte homens bem lavados à porta da rua, para que o senhor possa apertar-lhe as mãos; e seis crianças de colo que o senhor terá de acariciar as cabecinhas e perguntar pela idade; não deixe de prestar atenção nas crianças, meu senhor, é o tipo de coisa que sempre produz grande efeito.”

– ” Eu o farei”, disse o honorável Samuel Slumkey

– ” E, talvez, caro senhor”, insinuou com prudência o homenzinho, ” o senhor pudesse, – eu não estou afirmando que é indispensável -, mas se o senhor beijasse uma delas, isto certamente produziria um grande efeito na multidão.”

– “O efeito não seria o mesmo se os meus assessores o fizessem?”, perguntou o honorável Samuel Slumkey?

– “Receio que não”, replicou o agente; ” se o senhor o fizer, pessoalmente, creio que isto o tornará bastante popular.”

– “Muito bem”, disse o honorável Samuel Slumkey, com o ar resignado, ” então o farei, que jeito?”

– “Preparem a comitiva”, gritaram os vinte homens da comissão eleitoral.

No meio das saudações do populacho, a banda, os recrutas, os homens do comitê eleitoral, os eleitores, os cavaleiros e as carruagens tomaram os seus lugares, cada veículo com uma parelha de cavalos levando quandos cavalheiros poderia comportar em pé e, no designado ao Sr. Perker, iam o Sr. Pickwick, o Sr. Tupman, o Sr. Snodgrass e mais meia dúzia de membros da comissão eleitoral.

Ocorreu um momento de suspense, enquanto a comitiva esperava que o Sr. Slumkey subisse na sua carruagem. Repentinamente a multidão irrompeu em uma grande aclamação.

“Ele acaba de sair,” disse o pequeno Sr. Perker, excitadíssimo; quando nada porque a posição em que se encontrava não permitia ver o que estava ocorrendo alhures.

Outros aplausos, ainda mais altos.

“Ele apertou a mão dos homens”, gritou o pequeno agente.

Mais aplausos, ainda mais veementes.

 

“Ele acariciou a cabeça dos bebês,” relatou o Sr. Perker, trêmulo de ansiedade.

Um rugido de aplausos que fez estremecer a atmosfera.

– “Ele beijou uma delas”, bradou o entusiasmado homenzinho.

Um segundo trovão

– “Ele beijou outra”, urrou, sem fôlego, o gerente.

Um terceiro trovão.

“Ele está beijando todas as crianças!” gritou o entusiasmado homenzinho. E sob a gritaria ensurdecedora da multidão enstusiasmada, a comitiva começou a se movimentar.

Fonte: Pickwick Papers (tradução livre, cotejada com a tradução de Otávio Mendes Cajado, publicada como As aventuras do Sr. Pickwick, São Paulo, Abril Cultural, 1982 e com a tradução de José Maria Valverde, publicada como Los papeles póstumos del Club Pickwick, Madrid, Editorial Mondadori)

 

Autor: Marcos E. Pereira

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal da Bahia. O currículo Lattes pode ser acessado no site http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4799492A6

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