Psicologia Social: perspectivas psicológicas e sociológicas (resenha)

chamada

Uma das principais características da psicologia social contemporânea é a ausência de modelos teóricos unificadores e o conseqüente predomínio das teorias de curto e médio alcance. Praticamente inevitável, se analisado á luz da intensa especialização teórica, conceitual e metodológica que se observa em todos os ramos da psicologia, tal situação gera uma série de dificuldades para o entendimento do que vem a ser a psicologia social. Trata-se de uma disciplina de natureza nomotética, onde a dimensão empírica e a metodologia experimental dominam ou seria a psicologia social uma disciplina de cunho emancipatório, na qual os métodos idiográficos e metodologia qualitativa predominam? Teríamos de fato três psicologias sociais, uma individualista e experimental, uma holista e sociológica e uma terceira, fundamentada nos princípios do interacionismo simbólico? Ou o critério de diferenciação da psicologia social deveria ser geográfico, de forma que teríamos uma psicologia anglo-americana, uma psicologia social européia e uma psicologia social latino-americana?

Inevitavelmente o professor ou o estudioso da psicologia social se obriga – ou é obrigado – a refletir sobre o assunto. A obra Psicologia Social. Perspectivas Psicológicas e Sociológicas, de autoria de dois cientistas sociais espanhóis, José Luis Álvaro e Alicia Garrido (São Paulo: McGraw-Hill, 2007, 414 páginas) certamente constitui um volume indispensável para ajudar a refletir sobre as questões anteriormente esboçadas. Trata-se de uma obra abrangente, que nas suas mais de quinhentas páginas oferece um panorama consistente e sistemático dos principais desenvolvimentos teóricos e metodológicos da psicologia social ao longo do desenvolvimento histórico da disciplina.

Sob o ponto de vista formal, a ordem cronológica organiza a apresentação das várias teorias comentadas nos diversos capítulos. O capítulo 1, referente aos antecessores da psicologia social na segunda metade do século XIX, dedica-se à apresentação e discussão do desenvolvimento das idéias psicossociológicas na Franca (Émile Durkheim, Gabriel Tarde e Gustave Le Bon), na Alemanha (Wilhelm Wundt, Wilhelm Dilthey e Karl Marx), na Inglaterra (Herbert Spencer) e nos Estados Unidos (William James e John Dewey). Tomando como ponto de partida os princípios do positivismo, Álvaro e Garrido discutem a tese da unidade da ciência e avaliam como tal tese repercutiu, e ainda repercute, na psicologia social contemporânea e ao mesmo tempo apontam para um paradoxo que a psicologia social enfrenta desde a sua origem: ao mesmo tempo em que surge numa época em que estava em voga a busca por princípios unificadores da ciência, os seus princípios surgem em tantos lugares distintos e seus postulados são diferentes entre si que não se pode nem mesmo falar de um mito de fundação ou de uma origem única para a psicologia social. Desde a própria origem, a psicologia social será marcada pela pluralidade e tal pluralidade irá acompanhar e determinar os passos de todo o seu desenvolvimento posterior.

O capítulo 2 analisa de forma aprofundada a consolidação da psicologia como uma disciplina independente nas primeiras décadas do século XX. As duas primeiras seções do capítulo são dedicadas à discussão de como a psicologia social conseguiu se diferenciar e se tornar autônoma em relação às duas disciplinas que lhes serviram de matrizes: a psicologia e a sociologia. Essa dualidade na origem marca a consolidação e o desenvolvimento posterior da psicologia social, seja sob o ponto de vista teórico e conceitual, seja sob o ponto de vista metodológico. No que concerne às contribuições da psicologia, observa-se que praticamente todos os sistemas psicológicos do início do século XX sugeriam alguma forma de conceber a psicologia social: a teoria do campo psicofísico da psicologia da Gestalt irá repercutir de forma significativa na obra de Kurt Lewin; o comportamentalismo de J. B. Watson atualizar-se-á na psicologia social de Floyd Allport; as idéias de base psicanalítica de Sigmund Freud e discípulos exercerão um forte impacto em teorias como as da personalidade autoritária e na hipótese da frustração-agressão. A diferenciação da psicologia social no âmbito da sociologia é analisada em termos das contribuições de autores como Edward Ross, Max Weber, Georg Simmel e George Herbert Mead. A seção final do capítulo é dedicada a apresentação das diferenças de natureza metodológica entre a psicologia social oriunda da psicologia – assentada quase que exclusivamente em técnicas experimentais – e a psicologia social de base sociológica, centrada em uma dimensão metodológica mais eclética e pluralista.

Os capítulos 3 e 4 são dedicados à análise da evolução da psicologia social como um campo independente de investigações entre os anos 30 e 70 do século XX. Os fundamentos para a discussão das diversas perspectivas teóricas da psicologia social foram os problemas de natureza epistemológicos suscitados pelo movimento do positivismo lógico do Círculo de Viena e pela sociologia do conhecimento de Karl Mannheim. No terceiro capítulo são discutidas teorias eminentemente psicossociais, como as de Kurt Lewin, e teorias que apontam para o impacto dos processos cognitivos na investigação do comportamento social, tais como as de Frederic Bartlett e Lev Vygotski, além de teorias de origem sociológica, como, por exemplo, o interacionismo simbólico, o funcionalismo estrutural de Talcott Parsons e a escola de Frankfurt. O quarto capítulo é dedicado a análise de algumas teorias mais recentes. A influência da psicologia da gestalt na psicologia pode ser facilmente referida, a considerar a sua influência em teorias como a de Fritz Heider, Solomon Asch, Leon Festinger, Stanley Milgram e Muzafer Sherif. Ainda na vertente psicológica, são analisadas as influências da psicologia comportamental sobre as obras de Carl Hovland, Robert Zajonc, John Thibaut e Harold Kelley. Em contrapartida, as contribuições de autores como George Homans, Peter Blau, Herbert Blumer, Erving Goffman e Alfred Shultz, assim como a da etnometodologia de Harold Garfinkel, foram recenseadas sobre a ótica das influências das teorias sociológicas sobre a psicologia social.

O quinto e último capítulo, que se inicia a partir de uma breve, mas bem conduzida, reflexão sobre as mudanças na concepção de ciência que influenciaram a psicologia social desde os anos 70, apresenta, em mais de 130 páginas, uma análise cuidadosa das principais vertentes da psicologia social contemporânea. Trata-se de um recenseamento exaustivo, onde os princípios e fundamentos de muitas teorias de origem européias, freqüentemente desprezadas pelos manuais tradicionais da psicologia, são apresentados com um certo grau de detalhamento. Assim, teorias mais específicas, como as da atribuição da causalidade ou a da categorização social e relações intergrupais da Universidade de Bristol, ou modelos mais abrangentes, como os da cognição social ou o das representações sociais, são apresentados e discutidos de forma relativamente aprofundada. Além disso, teorias fora da corrente principal da psicologia social psicológica, tais como o construcionismo social de Kenneth Gergen, o enfoque etogênico de Rom Harré e o modelo retórico de Michael Billig, têm os seus fundamentos apreciados. Por outro lado, teorias que exercem um forte impacto na psicologia social sociológica contemporânea, como a teoria da ação estrutural de Sheldon Stryker, a teoria da estruturação de Anthony Giddens, a sociologia figurativa de Norbert Elias e o construtivismo estruturalista de Pierre Bourdieau têm os seus fundamentos apresentados e discutidos em uma seção inteiramente dedica às vertentes sociológicas da psicologia social.

Ainda sob o aspecto formal, o livro apresenta pequenas resenhas acerca da vida e obra de 40 teóricos de destaque na psicologia social e é acompanhada por 50 páginas de referências bibliográficas, onde se encontram arrolados trabalhos clássicos e contemporâneos de leitura obrigatória para o psicólogo social.

Como pode ser depreendido da leitura desta resenha, o volume escrito por Álvaro e Garrido vem preencher uma importante lacuna na literatura psicossocial acessível aos leitores brasileiros, pois se trata de um livro que apresenta de uma forma abrangente – mas aprofundada – as principais teorias contemporâneas, discute as bases epistemológicas e históricas que as deram origem e avalia criticamente as contribuições destas teorias para o desenvolvimento da psicologia social.

Leia mais

Conceitos fundamentais: teorias implícitas
Teoria realista do conflito
Heurísticas e vieses
Heurística da acessibilidade
Heurística da representatividade
Heurística da ancoragem e ajustamento
Esquemas de grupo
Gerenciamento de impressões
Protótipos e exemplares
Correlação ilusória
Avaro cognitivo

Autor: Marcos E. Pereira

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal da Bahia. O currículo Lattes pode ser acessado no site http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4799492A6

4 comentários em “Psicologia Social: perspectivas psicológicas e sociológicas (resenha)”

  1. Faço Formação de Coordenador de Grupo Operativo, na linha da Psicologia Social argentina, de Pichon-Rivière, e estranho a não-inclusão do mesmo nas publicações sobre a área. Enrique Pichon-Rivière, originalmente médico psiquiatra, criou a Primeira Escola de Psicologia Social da Argentina, no final dos anos 50, entidade que forma profissionais de nível superior naquele país e também de nível técnico. Tem vários livros publicados (O Processo Grupal, Vínculo, Psicologia Social Clínica, p. ex.). Aqui na Bahia, o CIEG é o pioneiro na formação de coordenadores de grupo operativo e na difusão da obra de Pichon.
    Caso tenham uma explicação para essa exclusão, peço que me enviem.

    Curtir

  2. Cara Maria Isabel.
    Acho uma pena o Pichon-Rivière não ser incluído nos manuais de psicologia social mundo afora e nos brasileiros em especial.
    A explicação me parece simples. A orientação teórica dos seus autores (talvez avessos à psicanálise) não torna a entrada deste autor muito bem-vinda.
    Contudo, acredito que há outra explicação ainda mais simples, dado que o Pichon Rivière sempre é estudado nas disciplinas de grupos (ao menos Bion e ele são constantes nestas disciplinas aqui no RS), os professores de Psicologia Social (como eu) podem não ver sentido em introduzi-lo nesta disciplina, dada a escassez de tempo e a abundância de temas e autores a serem tratados nela.

    Curtir

  3. Também faço formação em psicologia social de Pichon no Núcleo de Psicologia Social da Bahia (www.psicologiasocial.com.br. Sem duvida a obordagem que Pichon faz da sociedade e do sujeito nela e nos grupos é maravilhosa.

    Curtir

  4. Um dos aspectos primordiais da psicologia social é o respeito. Viver em sociedade significa respeito em primeiro lugar.Portanto, gostaria de fazer uma espécie de “chamamento” para as Stas. ELIANE CAMPOS SOUSA E MARIA IZILDA CAMPOS SOUZA da empresa Jusem localizada na Rua General Osório, 1212- 10 andar- Centro- Campinas-SP para que se retratem junto a Jupira Lucas Zucchetti. Foi enviando diversos emails, porém, fui ignorada profissionalmente e como pessoa. E o contato pessoal fui recebida com ironia. Portanto, fica novamente o registro e a solicitação de RETRATAÇÃO.

    Curtir

Deixe um comentário